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1º Edição/2019 – O Nono Poder
fubá, água e sal para não morrer de fome. Raiz e qual (is) foram os principais
Quando eu acesso os noticiários da cidade motivos que o levaram a deixar a cidade.
com os atuais líderes políticos, tanto da
BERNARDO: Os piores anos para mim e
Prefeitura Municipal, como da Câmara
para a minha família foram em 1992 e de
Municipal falarem em “Progresso”, que
2008 a 2009. No ano de 1992 a situação de
estão “Trabalhando pela cidade”, penso
miserabilidade nos sítios estava se
que eles nunca passaram fome na vida, que
tornando extrema. Novos latifundiários
nunca tiveram que empunhar uma enxada
(detentores de terras) dominando tudo, a
na mão e, num sol escaldante de 33º,
grande corrupção de políticos que se
apenas tomando água barrenta de uma
agrupavam em pequenos grupos junto de
cacimba. É em nome de tudo isso que falo
fazendeiros e outras pessoas que tinham
aos meus conterrâneos. Espero que a
considerável instabilidade financeira.
minha História sirva como o estigma de
Como os fazendeiros próximos de minha
todos aqueles que, no passado, como os
pequena porção de terra estavam
meus pais, tiveram que sofrer
contratando profissionais que entendiam
indiscriminadamente, que tiveram de
do cultivo de terra
comer pouco e
e, no tocante a isso,
passar noites e
esses novos
noites com a
profissionais
barriga roncando.
começaram a
ENTREVISTADOR vender suas
: Os seus relatos mercadorias nas
são bem feiras da cidade e
contundentes e em outras cidades
que, sobretudo, circunvizinhas. No
demonstram que isso culminou?
claridade e Esses novos
proximidade com a realidade de diversas fazendeiros condenaram a produção dos
cidades, como Serra da Raiz. pequenos agricultores, forçando-nos a
Estatisticamente falando, Serra da Raiz em trabalhar para eles por mixaria que mal
comparação com outras cidades dava para nos sustentar. Lembro que
circunvizinhas, como Lagoa de Dentro, quando levei um saco de mandioca para
Duas Estradas e Sertãozinho, tanto pela vender a outros vendedores na feira do
história quanto pelo seu potencial turístico- sábado em Serra da Raiz, um deles me
cultural, já deveria ser uma cidade modelo, disse: “Não posso comprar mais nada a
comportando grande capacidade industrial você. O “sinhozão” – como era chamado
e turística, elementos que são ratificados um dos fazendeiros – está vendendo
pela própria geografia da cidade, sua mandioca de melhor qualidade. Se quiser
localização estratégica, seus aspectos que eu lhe compre, terá que me fornecer
climáticos e dentre outros fatores. Por coisa melhor do que isso”. E naquele dia
conseguinte, conte-nos um pouco sobre os eu voltei para a casa com os olhos cheios
piores momentos de sua vida em Serra da de lágrimas. Pois o que eu iria dizer a
minha esposa e aos meus dois filhos? Foi à
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duras penas que eu soube que as coisas BERNARDO: Bem, geralmente quando
haviam de mudar, quer queira eu ou não. alguém cativa alguma querela de um
Nas épocas de eleição da cidade, os político, costuma-se se dizer que é por que
candidatos vinham nos sítios nos oferecer o sujeito político lhe negou algum favor.
sonhos, sonhos que, logo após o término Entretanto, não foi um favor que ele me
das eleições, desapareceram negou, mas um favor a toda a cidade de
misteriosamente. Quando eu fui até a casa Serra da Raiz. Como eu disse, eu sempre
de um deles, eles me disseram o seguinte: fui honesto, ou seja, nunca conquistei as
“Política se faz assim”; “Voltou em mim minhas coisas de forma ilícita, sendo
por que quis”; “Agora saia de minha casa e necessário humilhar e pisar em cima dos
vá comer sua mandioca de roçadinho”. Eu outros. Ano após ano, imerso na miséria e
nem pude me defender! Sinceramente, se no desalento, vendo que era contraditória a
eu tivesse com uma arma naquele dia, eu passagem do tempo e os tão sonhados
daria um tiro naquele político. Hoje eu Campos Elísios que me prometeram a mim
pergunto: com que direito eles tem de nos e a meus filhos, observando o voto de
humilhar? De me humilhar daquela forma? cabresto, a prática de compras de votos
Nunca fui bandido, nunca fiz comercializadas como se fossem
mal a ninguém, nunca humilhei normais e etc., resolvi mudar a
ninguém para ser tratado como minha história. Se me
animal por eles. Nas eleições de perguntarem se eu superei toda
2008, concorrendo a prefeito e a humilhação que eu sofri, digo-
eleito no mesmo ano, Luiz lhes que há cercas marcas que
Gonzaga Bezerra Duarte ou nunca desaparecem de dentro da
como gostava de ser chamado – gente. Elas ficam lá como uma
“Luiz Machado”, fora o motivo dor de cabeça que de quando em
principal para que eu saísse quando, desperta para nos
definitivamente de Serra da lembrar de um passado injusto.
Raiz. E hoje eu sei! As minhas Eu diria, com toda a convicção
convicções e previsões a respeito desse possível, que Luiz Machado, além de
político estavam corretas. Será que fui representar toda uma tradição de corrupção
profeta? Não! Eu apenas “saquei” – como e de pessoas que sempre se alimentaram da
se diz em linguagem popular, o que aquele pobreza e de retrocesso, foi aquele que
„homem‟ iria fazer com a cidade. iniciou, em Serra da Raiz, a fase mais
negra de sua história: a unificação do que
ENTREVISTADOR: Luiz Gonzaga Bezerra
antes era dois grupos distintos, situação
Duarte, ex-marido da atual prefeita da
oposição, em uma só casta de poder, cuja
cidade, Adailma Fernandes da Silva, é,
intenção é o monopólio. Mas isso não é
hodiernamente, vice-prefeito de sua ex-
novidade! Isso já era previsível. Muito
esposa e já foi, por vários anos, prefeito da
previsível! O Que ele representa vai além
cidade de Serra da Raiz – PB. Você nos
de tudo isso. Unido com a sua ex-esposa,
disse que ele foi o motivo pelo qual
Adailma Fernandes, eles fortificaram o
culminou com a sua saída da cidade. Por
tecido social, impedindo uma dissensão. O
quê?
Estrago que ele já vinha causando em seus
mandatos anteriores, principalmente a
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saibam, com certeza, que é a política suja espetáculo da história: a docilização dos
que está por trás disso. Quem são os habitantes. A ideia de adestrar a população
responsáveis, isso eu não sei. Como a a um esquema de política voltado a compra
minha cidade estava ficando muito violenta de votos nos dias que antecedem a votação,
e a pobreza cada vez mais nítida, não tinha não foi um projeto que se realizou do dia
outra opção a não ser sair da cidade para para a noite. Foi necessário tempo e
nunca mais voltar. Meus filhos não iriam dedicação de muitos grupos que
ter futuro naquela cidade. Hoje estou com ambicionavam os cargos da prefeitura e da
60 anos idade, sou funcionário público e câmara municipal. O Grande Projeto, como
um dos meus filhos se formou em eu costumo chamar, deu-se em função da
Medicina pela UFPB e o outro, mais novo, união entre antigos donos de engenho,
passou no concurso da PM. Estou muito policiais da época, a igreja e os políticos.
orgulhoso deles por que consegui lhes dar Para o povo aceitar naturalmente a nova
o que foi roubado de mim. Afastado da lógica de se fazer política, foi necessário
cidade há mais de 20 anos, hoje percebo recriar uma nova perspectiva que
que a luta, não apenas na cidade de Serra legitimasse “o aceitar dinheiro em troca de
da Raiz, mas em outras cidades cuja lógica voto”. Aparentemente inofensivo, foi a
de exploração e desvalorização, assim partir do ano de 1959, ano de Emancipação
como a justiça social são apenas Política, que esse projeto foi
possibilidades, deve levar em consideração institucionalizado com o advento de cargos
não a conversão das pessoas de minha de prefeito ou da criação de uma prefeitura
geração ou de uma ou duas gerações atrás, que, tempos depois, viria surgir à câmara
pois já são pessoas institucionalizadas pela municipal, com novos cargos de
corrupção, pessoas que se entregaram a vereadores. Nesse novo molde, as pessoas,
escravidão voluntária e colaboram para que “enganadas” tiveram que abdicar não
esse sistema político de Serra da Raiz se apenas “o aceitar dinheiro”, mas se
alimente da perpetuação da miséria. O foco submeter à nova cultura, a nova de se
agora são as novas gerações: as crianças e conceber a política. Com efeito, houve
os adolescentes. Eles é que podem corrigir uma destruição cultural sem precedentes, a
os erros fatais que nós cometemos no saber, o abandono de valores que estavam
passado. Hoje sinto vergonha de minha fitados num imaginário social da época, a
impossibilidade em não poder ter feito ideia de autonomia esquecida em prol da
mais por quem tanto precisava. ideia de ser regido por uma figura que se
apresentava como o guia, isto é, o
A realidade é essa, caro amigo, as novas
paradigma de líder. Ideias sutis sempre
gerações estão pagando o preço pela
fizeram, na História, mais efeitos do que as
corrupção de seus pais. Esse câncer já
ideias complexas. Cristo, por exemplo, foi
vinha crescendo há muito tempo, desde o
lembrado por todo o mundo por que dizia
massacre dos nossos índios, passando pelo
coisas como “amai o próximo como a ti
tempo dos engenhos até a emancipação
mesmo”, “vendei tudo e dai aos pobres”.
política da cidade. Graduei-me em História
Uma classe de intelectuais, tanto da casta
e fiz mestrado. Aprofundei os meus
religiosa, quanto da casta política,
conhecimentos sobre a história de minha
planejaram difundir essa ideia, a fim de
cidade. O que descobri foi o grande
docilizar o povo, de fazer com que o povo
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enxergasse a ideia de lutar por mais como o atual governo municipal de Serra
dignidade como uma ideia ultrapassada. da Raiz, representa, para mim, o apogeu da
Ou seja, elas não precisariam mais lutar desumanidade. Eles não são humanos!
tanto, só bastava depositar o seu voto e
tudo estaria resolvido. No que isso
culminou? Criaram-se gerações De Bernardo Coelho –
programadas para difundir que “todos nós A Serra da Raiz, Paraíba, Brasil.
devemos nos entregar, porque isso não 29 de setembro de 2019
muda nunca”. De fato, o progresso é
Matéria redigida pelo Nono Poder
cômico – no sentido de engraçado – se Copyright©2018
todos pensarem dessa forma.
Serra da Raiz – PB OFICIAL
Na última eleição do ano de 2017, um Vladymir Leviánovy
amigo meu gravou um vídeo do discurso
de Adailma Fernandes numa rua próxima
ao Laboratório de Análises Clínicas da
cidade. E no discurso da atual prefeita, se
observou que ela não falou nada de
relevante, como projetos de governos,
propostas com relação ao desenvolvimento
econômico e etc., por quê? Por que não era
mais necessário. Todas aquelas pessoas
que estavam aplaudindo-a, eram pessoas
beneficiadas, professores, funcionários
públicos, contratados e etc., isto é, pessoas
amoralizadas, pessoas que compactuam
com o mesmo nível ou talvez pior, de
desumanidade. Ninguém estava
preocupado o futuro das crianças e dos
adolescentes ao aplaudir Adailma
Fernandes e os outros políticos que
estavam no palco; estavam comemorando
mais quatro anos de bonança, mais quatro
anos deleitando sobre o dinheiro público
que deveria ser fiscalizado pelos órgãos
competentes. Quando eu assisti ao vídeo,
eu vi o resultado de quando os antigos
políticos discursavam em carros de bois e
que agora, muitos anos depois, continua a
mesma coisa. Esse câncer não irá morrer
nunca enquanto uma cura na moralidade
das pessoas não vier à tona. Enquanto as
pessoas apreenderem, novamente, a serem
humanas. O atual governo brasileiro, assim