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Introdução ao Direito Civil

O estudo do Direito Civil imprescinde de premissas gerais, ainda que básicas, da sua própria Ciência
fundante.
Para atender a esse objetivo, é interessante perceber algumas considerações propedêuticas (IED)
importantíssimas para a compreensão da matéria, como, por exemplo, as diversas acepções da expressão
“direito”, suas fontes e classificações, bem como o conteúdo e taxionomia do Direito Civil neste contexto.
Conceito
Conceituar direito, por incrível que pareça, não é tarefa das mais fáceis, dada a enorme quantidade de
visões ideológicas que envolve a doutrina jusfilosófica na espécie, coexistindo uma infinidade de escolas
de pensamento, cada qual com sua própria teoria sobre a gênese do direito e seu papel social.
O primeiro passo, portanto, para conseguir conceituar o direito é reconhecer a sua característica
essencialmente humana, instrumento necessário para o convívio social.
Como um dado cultural, produzido pelo homem, o direito visa a garantir a harmonia social, preservando a
paz e a boa-fé, mediante o estabelecimento de regras de conduta, com sanção institucionalizada.
Nessa percepção encontramos quatro aspectos fundamentais do Direito:
a) a norma agendi: ‘conjunto de regras sociais’;
b) a facultas agendi: ‘que disciplinam as obrigações e poderes’;
c) o direito como o justo: ‘referentes à questão do meu e do seu’;
d) a sanção de direito: ‘sancionadas pela força do Estado e dos grupos intermediários’
Assim, quando falamos em direito objetivo, estamos nos referindo à regra imposta ao proceder humano
(jus est norma agendi). Trata-se, portanto, da norma de comportamento a que a pessoa deve se submeter,
preceito esse que, caso descumprido, deve impor, pelo sistema, a aplicação de uma sanção
institucionalizada. Por exemplo, respeitar as normas de trânsito é um direito objetivo imposto ao indivíduo.
Já a expressão direito subjetivo designa a possibilidade ou faculdade individual de agir de acordo com o
direito (jus est facultas agendi). Nela estão envolvidas as prerrogativas de que um indivíduo é titular,
obtendo certos efeitos jurídicos, em virtude da norma estabelecida. Por exemplo, o direito subjetivo de
propriedade gera as prerrogativas de usar, gozar e dispor do bem, o que se enquadra no conceito
mencionado.
Direito e moral
Uma das questões mais tormentosas da reflexão sobre o direito – e também das mais imprescindíveis e
necessárias – é justamente desvelar a relação entre direito e moral.
Qual a diferença entre Direito e Moral?
A moral, portanto, tem um campo de ação muito mais amplo que o direito, embora, do ponto de vista
ideal, o norte ideológico é que eles se aproximem o máximo possível.
Todavia, não há como negar que a moral tem uma preocupação expressiva com o foro íntimo, enquanto o
direito se relaciona, evidentemente, com a ação exterior do homem. Por isso mesmo, cabe ao último o
estabelecimento de sanções concretas, enquanto daquela somente podem se exigir sancionamentos difusos,
não institucionalizados. A legalidade não é, portanto, sinônimo de moralidade, tanto que a coercitividade se
limita ao direito, jamais à moral.
Direito e poder
O direito tem uma relação umbilicalmente íntima com o fenômeno do Poder.
A impositividade é uma característica vital do direito, mas que está relacionada, em verdade, com o poder
político da qual emana.
Historicamente, sempre foi o centro de poder, no grupo social, que formalizou o jurídico e garantiu a sua
efetividade. Logo, a criação do direito (atividade legislativa) e a sua aplicação in concreto (atividade do
julgador) convivem, como funções, no mesmo sistema (a organização política).
No Estado Democrático de Direito, a diferenciação entre esses momentos se faz ainda mais necessária,
teorizando e institucionalizando-se órgãos distintos (Legislativo, Judiciário e Executivo).
Fontes do Direito
As chamadas “fontes do direito” nada mais são, portanto, do que os meios pelos quais se formam ou se
estabelecem as normas jurídicas.
O art. 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657, de 4-9-1942) dispõe
expressamente que:
“Art. 4.º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”.
Classificação das fontes
Classificam-se as fontes do direito em:
a) diretas: também denominadas fontes primárias ou imediatas, enquadram-se a lei – como dito, fonte
primacial do direito brasileiro – e o costume, fonte primeira de diversas normas.
b) indiretas: fontes indiretas (conhecidas ainda como secundárias ou mediatas), elencam-se a analogia e os
princípios gerais de Direito, mencionados expressamente na LINDB – Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro. Na mesma categoria encontram-se, ainda, importantes fontes auxiliares de interpretação:
a jurisprudência, a doutrina e a equidade.
Fontes do direito em espécie
a) legislação; e) analogia;
b) costume; f) princípios gerais do direito;
c) jurisprudência; g) equidade.
d) doutrina;
 Legislação: A lei é, por excelência, como já se disse, a mais importante fonte do direito em nosso
ordenamento positivo. Nela se encontra toda a expectativa de segurança e estabilidade que se espera
de um sistema positivado.
Assim, as leis têm como características: generalidade, abstração, permanência, existência de sanção,
edição pela autoridade competente, obrigatoriedade e registro cartáceo da edição.
1) A generalidade é uma característica marcante da lei, uma vez que, para ser assim considerada, por mais
restrita que seja, deve ser dirigida a um número indeterminado de indivíduos.
2) Exige-se abstração dos preceitos normativos, tendo em vista que as leis têm um caráter prospectivo de
geração de efeitos para o futuro.
3) Fala-se na permanência da lei para se entender o seu caráter imperativo enquanto estiver vigente, ou
seja, permanentes para as situações jurídicas ocorridas em sua vigência.
4) a existência de sanção é um elemento de grande importância para a efetivação da lei, decorrendo, em
verdade, não somente dela, mas do próprio ordenamento que, abstratamente, preverá as consequências
deontológicas do eventual descumprimento de deveres jurídicos.
5) A edição por meio de autoridade competente ressalta o aspecto formal dessa fonte do direito, sendo a
própria separação de poderes uma forma de controle do arbítrio.
6) A obrigatoriedade da lei é outro dado relevante, haja vista que o reconhecimento da ausência de força
na lei seria a sua própria desmoralização, seja perante o Estado, seja no meio social (lacunas/brechas).
7) O registro escrito da lei, garante maior estabilidade das relações jurídicas, com a sua consequente
divulgação através das publicações oficiais (Diário Oficial da União).
Classificação das leis:
Quanto à imperatividade;
Quanto à sanção institucionalizada;
Quanto à origem ou extensão territorial;
Quanto à duração;
Quanto ao alcance;
Quanto à hierarquia dentro do sistema nacional;
Quanto à imperatividade:
a) Impositivas: são regras de caráter absoluto, também denominadas cogentes, que estabelecem princípios
de ordem pública, ou seja, de observância obrigatória.
Exemplo: as formalidades do casamento são inderrogáveis pela vontade das partes, sob pena de nulidade.
b) Dispositivas: são regras relativas (permissivas ou supletivas/complementares), aplicáveis na ausência de
manifestação em sentido contrário das partes.
Exemplo: a obrigação de o locador pagar as despesas extraordinárias de condomínio, previstas em lei,
pode ser transferida ao locatário, por força de pactuação/acordo expressa nesse sentido.
Quanto à sanção institucionalizada:
a) Perfeitas: regras cuja violação autoriza simplesmente a declaração de nulidade (absoluta ou relativa) do
ato.
Exemplo: O ato ou negócio jurídico praticado com vício de consentimento é anulável.
b) Mais que perfeitas: são aquelas que sua violação autoriza a aplicação de duas sanções: a nulidade do
ato praticado ou o restabelecimento do status quo ante (o estado em que as coisas estavam antes), qualquer
delas acrescida de uma pena ao violador.
Exemplo: o casamento de pessoas casadas é vedado pela lei (art. 1.521, VI, do CC/2002), sendo
sancionado com a nulidade pela Lei Civil (art. 1.548, II, do CC/2002) e com a punição penal ao infrator
pelo crime de bigamia (art. 235 do CP).
c) Menos que perfeitas: são as que autorizam, na sua violação, a aplicação de uma sanção ao violador,
mas não a nulidade do ato.
d) Imperfeitas: regras legais sui generis, não sendo consideradas, tecnicamente, normas jurídicas, por não
prescreverem nulidade para o seu descumprimento, nem qualquer sanção direta. Por exemplo: a pessoa
física não comunicar, previamente, à Prefeitura, a mudança do seu domicílio (art. 74 do CC).
Quanto à origem ou extensão territorial:
a) Leis federais: criadas no âmbito da União, aplicando-se a todo o País ou a parte dele. Exemplo:
Constituição Federal, Código Civil, Código Penal, Consolidação das Leis do Trabalho etc.
b) Leis estaduais: promulgadas pelas Assembleias Legislativas, destinando-se aos territórios estaduais ou
a parte deles. Exemplo: Constituição estadual, Lei de ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e
Serviços) etc.
c) Leis municipais: aprovadas pelas Câmaras Municipais, com aplicabilidade limitada ao território
respectivo. Exemplo: Lei Orgânica Municipal, Lei do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) etc.
Quanto à duração:
a) Permanentes: leis estabelecidas sem prazo de vigência predeterminado. Trata-se da regra geral das leis
brasileiras.
b) Temporárias: leis estabelecidas com prazo limitado de vigência. É importante frisar que os efeitos das
normas temporárias serão permanentes para as situações jurídicas consolidadas durante a sua
aplicabilidade, salvo disposição legal posterior.
Quanto ao alcance:
a) Gerais: disciplinam uma quantidade ilimitada de situações jurídicas genéricas. Exemplo: Constituição
Federal, Código Civil, Código Penal etc.
b) Especiais: regulam matérias com critérios particulares, diversos das leis gerais. Exemplo: A Lei do
Inquilinato cuida especificamente da matéria de locação de imóveis, diferentemente do Código Civil.
c) Excepcionais: são as que disciplinam fatos e relações jurídicas genéricas, de modo diverso do regulado
pela lei geral. A ideia que traduz é de exceção, sendo tais normas características de regimes desse porte.
Exemplo: atos institucionais do regime militar brasileiro de 1964.
d) Singulares: norma estabelecida para um único caso concreto, somente sendo considerada lei por uma
questão de classificação didática. Exemplo: decreto legislativo de nomeação de servidor público
Quanto à hierarquia dentro do sistema nacional:
a) Constituição: fundamento do sistema positivo, é a mais importante norma em um ordenamento jurídico
nacional. O princípio da supremacia da Constituição sujeita todas as normas da ordem jurídica a uma
conformidade tanto formal quanto material com o texto constitucional.
b) Leis infraconstitucionais: tecnicamente, não há hierarquia entre as leis infraconstitucionais, mas sim
apenas peculiaridades quanto à matéria regulável, o órgão competente para sua edição e o quorum
necessário. Nela se incluem as leis complementares; leis ordinárias e algumas outras formas de
manifestação normativa que apenas materialmente podem ser consideradas leis: leis delegadas, decretos-
leis (já extintos em nosso ordenamento jurídico) e medidas provisórias.
c) Decretos regulamentares: atos do Poder Executivo, com a finalidade de prover situações previstas na
lei em sentido técnico.
d) Normas internas: têm por finalidade disciplinar situações específicas. Exemplo: estatutos, regimentos
internos, instruções normativas etc.
 Costume: O costume é o uso geral, constante e notório, observado socialmente e correspondente a
uma necessidade jurídica.
Características:
a) objetivo ou substancial: o uso continuado da prática no tempo;
b) subjetivo ou relacional: a convicção da obrigatoriedade da prática como necessidade social.
O costume, como fonte do direito, pode ser visualizado de três formas:
a) Praeter legem: costume que disciplina matéria que a lei não conhece. Visa a suprir a lei, nas eventuais
omissões existentes (art. 4.º da LINDB).
Art. 4o: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
b) Secundum legem: neste caso, a própria lei reconhece a eficácia jurídica do costume.
c) Contra legem: poderá ocorrer em duas situações, tanto em relação ao desuso, quando o costume supre a
lei, que fica considerada como letra morta. Ou no costume ab-rogatório, que cria uma nova regra.
 Jurisprudência: Quando o reconhecimento de uma conduta como obrigatória se dá em sede dos
tribunais, teremos a jurisprudência como fonte do Direito.
A jurisprudência é obra exclusiva da reflexão dos operários do direito, nas decisões de juízes monocráticos
e tribunais, em litígios submetidos à sua apreciação.
 Doutrina: Doutrina é a opinião dos doutos, conhecidos como juristas (com munis opinio
doctorum).
A doutrina dominante não chega, no sistema de civil law, a ser considerada formalmente uma fonte do
direito, uma vez que não há imposição a seu acatamento.
Acaba, no final das contas, sendo considerada uma fonte pelo fato de continuamente propor soluções,
inovar, interpretar e colmatar lacunas.
 Analogia: Embora mencionada no art. 4.º da LINDB, não se trata bem de uma fonte do direito, mas
sim de um meio supletivo em caso de lacuna da lei.
Trata-se, em verdade, de uma “forma típica de raciocínio pelo qual se estende a facti species de uma norma
a situações semelhantes para as quais, em princípio, não havia sido estabelecida”.
Por meio do emprego da analogia, portanto, havendo omissão legal, o juiz aplicará ao caso concreto a
norma jurídica prevista para situação semelhante.

Pode-se manifestar de duas formas:


a) analogia legis – quando, inexistente a lei, aplica-se outra norma legal ao caso sub judice;
b) analogia juris – quando, inexistente a lei, aplica-se o princípio geral do direito ao caso sob apreciação.
 Princípios gerais do Direito: Também mencionados no art. 4.º da LINDB, os princípios gerais são
postulados que procuram fundamentar todo o sistema jurídico.
Princípios são os alicerces da norma, são o seu fundamento em essência, são o refúgio em que a norma
encontra sustentação para racionalizar a sua legitimação, são a base de onde se extrai o norte a ser seguido
por um ordenamento.
 Equidade: A equidade, na concepção aristotélica, é a “justiça do caso concreto”.
A equidade adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa. Ela é uma forma de se aplicar
o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo para as duas partes.
Conceito doutrinário e histórico do direito civil
Etimologicamente, “civil” refere-se ao cidadão.
Posto isso, conceituamos o Direito Civil como o ramo do Direito que disciplina todas as relações jurídicas
da pessoa, seja uma com as outras (físicas e jurídicas), envolvendo relações familiares e obrigacionais, seja
com as coisas (propriedade e posse).
O Direito Civil tem por finalidade regular “os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às
pessoas, aos bens e às suas relações”, como constava do art. 1.º do CC/1916.
A Parte Geral do Código Civil de 2002 (assim como do Código de 1916), objeto deste tomo, estabelece as
regras abstratas e genéricas sobre pessoas, bens e fatos jurídicos em sentido amplo.
Além disso, o Código possui uma Parte Especial, contendo os seguintes livros:
a) Direito das Obrigações (arts. 233 a 965 do CC/2002).
b) Direito de Empresa (arts. 966 a 1.195 do CC/2002).
c) Direito das Coisas (arts. 1.196 a 1.510 do CC/2002).
d) Direito de Família (arts. 1.511 a 1.783 do CC/2002).
e) Direito das Sucessões (arts. 1.784 a 2.027 do CC/2002).

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