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No Brasil sempre inexistiu uma política de contenção ao uso das armas de fogo, fazendo com
que a violência tomasse ares de verdadeira guerra civil (cerca de 80% dos crimes no Brasil
eram cometidos fazendo-se uso dessas armas), a preocupação não era com a segurança
pública, como visto nas primeiras legislações sobre o tema como o Decreto 24.602 de 6 de
julho de 1934 do Governo Getúlio Vargas. A motivação deste Decreto e as legislações
posteriores que o alteraram até a década de 90 eram a segurança nacional e o fortalecimento
da indústria de armas, sem contemplar uma preocupação efetiva com a segurança pública
(especialmente o Decreto 55.649 de janeiro de 1965, o R105 – Regulamento para o Serviço de
Fiscalização da Importação, Depósito e Tráfego de Produtos Controlados pelo Ministério da
Guerra).
A partir dos anos 90 com a alta exorbitante de uso de armas de fogo nos crimes mais diversos,
com a vida sendo ceifada nos mais recônditos cantos e nas mais diversas hipóteses, vitimadas
quase sempre por uma arma de fogo, fez com que surgissem movimentos que exigiam uma
política de contenção ao uso de armas de fogo, este segundo período é motivado e orientado
pela segurança pública. Em 1997, a aprovação da Lei 9.437, proposta pelo executivo, que pode
ser considerada um avanço em relação ao quadro existente até então, criando o Sistema
Nacional de Armas – SINARM, administrado pela Polícia Federal com o objetivo de congregar
todas as informações sobre armas não restritas as Forças Armadas, além de tipificar como
crime o porte ilegal de armas que até então era considerada contravenção penal. No entanto, a
autorização da compra, o registro e o porte de arma e munições, por particulares, continuava
fragmentado com as polícias estaduais.
Os movimentos se acirraram, ONGs passaram a realizar eventos e atos públicos que
chamavam a atenção da mídia e da população, logo começaram a ter publicidade os altos
índices de morte por armas de fogo e a sua relação com a violência nas mais diversas esferas,
bem como a facilidade que se tinha para conseguir uma arma.
Em Julho de 2003 foi feita uma manifestação que despertou o interesse nacional (tanto de
populares quanto de políticos) para uma lei de desarmamento, foi a “marcha silenciosa”, que
utilizou sapatos de vítimas de arma de fogo, realizada em frente ao Congresso Nacional.
Com essa pressão popular e intensificação dos movimentos, culminando com a “marcha
silenciosa” os políticos resolveram agir em atendimento aos anseios sociais e criaram uma
Comissão Mista pra analisar o assunto, donde surgiu uma lei conjunta: O Estatuto do
Desarmamento.
Após ser redigido pela Comissão Parlamentar Mista restava a sua aprovação nas duas casas,
sendo facilmente aprovada no Senado Federal, mas encontrando obstáculos na Câmara
Federal, pois existiam parlamentares que eram financiados diretamente pela indústria das
armas (“lobby das armas”), recebendo o nome pejorativo de “bancada da bala”. A pressão fez
com que cedessem e alguns meses após fosse aprovada a referida lei também na Câmara do s
Deputados, sendo remetido novamente para o Senado, onde foi novamente aprovada e,
posteriormente, sancionada pelo Presidente da República em Dezembro de 2004.
No dia 23 de outubro de 2005 toda a população foi às urnas para participar do primeiro
Referendo Popular no Brasil, previsto no Estatuto do Desarmamento. Ele colocou em votação
o artigo 35 do Estatuto, que determinava que a proibição do comércio de armas e munições
para civis seria decidida pela população brasileira. As campanhas se dividiram em prol do sim
e do não às armas, sendo vencedor o Não com um percentual de 64%, permanecendo as
empresas (estas financiaram pesado a campanha a favor da comercialização das armas) com o
direito de comercializar armas de fogo.
Finalidade
O Estatuto do Desarmamento (Lei Federal 10.826/03)"dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM,
define crime e dá outras providências.”
O bem jurídico tutelado é a segurança pública e a incolumidade pública, interesses vinculados
a coletividade.
A finalidade específica da lei é punir todo e qualquer comportamento irregular relacionado à
arma de fogo, acessório ou munição. Conforme visto, apenas armas de fogo e seus respectivos
acessórios e munições são englobados na lei, extraindo-se o conceito de arma de fogo do
artigo 3º, XIII do Decreto 3.665/2000:
· Arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases
gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está
solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente,
além de direção e estabilidade ao projétil;
O mesmo artigo traz no seu inciso I a definição de acessórios:
A alerta deve ser feita quanto à nomenclatura, pois se confunde muito posse com porte, o que
é errôneo, pois no crime de posse a arma fica estagne, pois se cuida de mantê-la sob a sua
vigilância interna, guardada. Por outro lado o porte é o trânsito da arma, acessório ou
munição pelo agente.
O agente apenas incide nesse tipo penal se não tiver o Registro da arma.
Omissão de Cautela:
Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito)
anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob
sua posse ou que seja de sua propriedade.
Defende a doutrina que se trata de um crime de perigo concreto, pois se faz necessário que
além de existir a arma de fogo sob sua posse, fazendo-se necessário também a presença de um
menor ou um deficiente mental. A posse tem que ser legal, pois caso contrário incidirá o
concurso formal de crimes previsto no artigo 69 do CP, respondendo por posse ilegal de arma
e omissão de cautela. É crime omissivo, pois apenas existe com a ausência de cuidados. Existe
uma discussão acerca do confronto desse dispositivo com o artigo 242 do ECA que assim
dispõe:
Art. 242. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a
criança ou adolescente arma, munição ou explosivo.
Esses tipos penais podem coexistir, pois o tipo do artigo 13 do Estatuto do Desarmamento é
uma conduta omissiva e culposa, pois ao não se observar os cuidados necessários dá margem
para que a criança se aproprie da arma, ao passo que no ECA a disposição é comissiva e
dolosa, pois há a efetiva entrega da arma ao menor, o que justifica até mesmo a pena
majorada, naquele de 1 a 2 anos e multa, e neste de 3 a 6 anos.
O parágrafo único do artigo do Estatuto traz outra modalidade de omissão, inexistindo nesse
caso a necessidade de concretude do apoderamento:
É um tipo penal misto alternativo, pois são várias formas de cometimento do crime. A arma
deve está em trânsito para não ensejar a posse irregular (vide distinção já feita).
Portar significaria carregar consigo, transportar ao seu turno quer dizer conduzir, sendo a
pessoa flagrada conduzindo uma arma para transporte irregularmente, incide no crime, sendo
um crime só. Se a pessoa estiver conduzindo a arma até um ponto de entrega para fazer a
entrega o fato é atípico.
A arma quebrada ou incapaz de efetuar disparos incide em crime impossível, pois o objeto
criminoso não enseja perigo, e sendo o crime de perigo abstrato, não havendo periculosidade
na conduta, o crime é impossível, vigorando o artigo 17 do CP. Já se for relativo, ou seja, se a
arma funcionar esporadicamente haverá o crime, pois configurado o perigo, segundo
entendimento do STJ (Informativo 505).
O STF e o STJ tem firmado entendimento de que o porte de arma desmuniciada comete o
crime de porte ilegal de arma de fogo, pois se trata de crime de perigo abstrato e presumido,
bastando o simples porte para a sua configuração, desde que a arma seja eficaz.
Se o porte envolver mais de uma arma, o crime é único, pois a quantidade apenas incidirá
sobre a dosimetria da pena, configurando apenas um tipo penal. No caso de arma
desmontada, entende-se que a pessoa apenas incidirá no crime se a arma estiver ao alcance do
agente e puder ser montada em pouco tempo.
Para o STJ, no caso do agente ser flagrado portando irregularmente armas ou munição de uso
permitido juntamente com armas de uso proibido configurará crime único, recebendo a pena
mais grave (no caso responderá pelo artigo 16 do Estatuto do Desarmamento).
O parágrafo único desse artigo prevê que o crime é inafiançável, mas o STF julgou
inconstitucional na Adin 3.112.
Exige-se que o lugar seja habitado, se o lugar for ermo não configura o crime. Nos lugares
habitados mesmo que o disparo seja feito para o alto configura o crime.
No caso de portar a arma ilegalmente e efetuar o disparo, por força do princípio da consunção
só será punível o crime de disparo, pois o porte é crime meio para o disparo.
O parágrafo único dizia se tratar de crime inafiançável, mas foi também declarado
inconstitucional pelos mesmos motivos do artigo anterior.
O tipo penal unificou as condutas de porte e posse de arma, tratando de arma de fogo
acessório ou munição de uso restrito (armas que só podem ser usadas pelas forças armadas,
algumas instituições de segurança ou por algumas pessoas habilitadas, devidamente
autorizadas pelo Exército).
As Réplicas não configuram crime, pois somente caracteriza se verdadeira a arma, ape nas
incidindo as penas dos eventuais crimes cometidos por essa “arma falsa” não a penalidade
prevista no Estatuto do desarmamento.
Os explosivos se equiparam aos de uso restrito nesse artigo, devendo ser punida a sua
fabricação e demais meios de ameaça.
Há um conflito de normas entre o inciso Vdo parágrafo único e o artigo 242 do ECA, mas se
aplica a norma do Estatuto do Desarmamento pelo princípio da especialidade.
Comércio ilegal de arma de fogo:
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito,
desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma
utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial,
arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar:
Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo,
qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino,
inclusive o exercido em residência.
São condutas já tipificadas em outras modalidades, mas o fim é comercial, industrial, o que
incide no tipo. Comercial ou Industrial é especificada no parágrafo único do dispositivo. O
crime se configura dentro do território nacional, caso contrário, incidirá no crime do artigo 18
do mesmo diploma legal.
O fato de não mencionar os explosivos faz com que estes se insiram nos
artigos 334 e 318 do CP. A competência nesses casos da será da Justiça federal, pois há
interesse entre países.
Os artigos 19 e 20 tratam de agravantes nos crimes neles especificados.
COMPETÊNCIA
A competência para julgamentos dos crimes do Estatuto do Desarmamento será da Justiça
Estadual, excetuados os casos previstos no artigo 18, onde os interesses de países deslocam a
competência para a Justiça Federal, conforme o Inciso II do artigo 109.