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Errant Bride
Elizabeth Ashton
Copyright: 1979
CAPITULO II
CAPITULO III
Sylvie não viu Antoine por vários dias. Madame Lescaut deixou
escapar que ele estava passando os dias de Carnaval com Marguerite
d'Ablay. Seu jantar com ele parecia agora um sonho. De fato ela começou a
se perguntar se realmente não sonhara aquilo tudo, pois não havia nada em
sua rotina diária que sugerisse que Antoine tivesse qualquer piano em
relação a seu futuro, que fosse profissional ou sentimental, excetuando a
grande remessa de livros que chegara, versando sobre uma extensa
variedade de assuntos.
Sylvie achava monótona a leitura daqueles volumes. E teria se
rebelado contra seu encarceramento se não fosse por duas coisas. Uma
delas era que temia que qualquer provocação de sua parte poderia colocar
em risco seu cachorro, que era a única criatura que lhe fazia
verdadeiramente alguma companhia, e a outra era o comparecimento às
apresentações do corpo de baile todas as noites, o que lhe era permitido
desde que se comportasse bem.
Sylvie vivia em função das noites quando, usando seu vestido bordo,
era escoltada por madame Lescaut até o camarote que lhes era reservado.
Do seu camarote pouco visível, onde as luzes nunca eram acesas,
Sylvie também podia observar a platéia durante os intervalos. Uma noite viu
Antoine acompanhando a encantadora Marguerite d'Ablay. Ele parecia um
príncipe e era muito mais elegante do que muitos príncipes verdadeiros,
enquanto Marguerite estava deslumbrante, num fabuloso longo preto,
bordado com lantejoulas prateadas.
Para Sylvie eles não eram mais reais do que os personagens
apresentados nos bailados. Não conversara mais com Antoine desde que ele
a levara para jantar; suas instruções vinham sempre através de madame
Lescaut. Antoine não olhou uma só vez em sua direção, embora devesse
saber que ela se encontrava ali, mas parecia inteiramente absorvido por sua
companheira.
As cortinas foram levantadas e Sylvie esqueceu-se deles, voltando sua
atenção para o palco, onde estava sendo apresentado "A Bela Adormecida".
Quando as lâmpadas iluminaram a platéia para o intervalo, Sylvie despertou
de seu mundo de devaneios ao escutar uma voz em seu ouvido:
— Está gostando da apresentação, minha querida?
Ela não havia percebido a entrada de Antoine, pois ele não fizera
ruído. Madame Lescaut, depois de pedir licença, saiu do camarote. Ele ficou
de costas para o auditório iluminado e sua sombra se projetava sobre a
garota. Sylvie estremeceu involuntariamente; aquilo parecia simbólico
demais!
— É adorável, senhor — sussurrou ela. — Se algum dia eu puder
dançar como aquela bailarina... — A voz morreu em sua garganta.
— Leonora é razoável — disse ele criticamente. — Mas ela não tem
magia. É como um pônei tentando ser um cavalo de corrida.
— Como pode dizer isso? — perguntou a garota, chocada. — Eu a
achei maravilhosa!
Antoine moveu-se para que as lâmpadas do auditório iluminassem a
face pálida da garota e, colocando a mão sob o queixo de Sylvie, fez com que
ela o encarasse. As luzes tornavam os cabelos dele dourados, mas seus olhos
estavam sombreados. Sylvie descobriu que não queria encontrá-los e baixou
as pálpebras.
— Pois bem, garota, eu acho que você tem magia — disse ele com
delicadeza. — Você está estudando os livros que lhe mandei?
— Eles são muito enfadonhos, senhor.
— Perseverança, menina, e eles lhe parecerão menos enfadonhos. Você
deve se tornar uma mulher culta, além de uma excelente bailarina. Minha
mãe era extraordinariamente erudita.
O sinal tocou e ele baixou a mão.
— Boa noite, Sylvie — disse com formalidade e saiu. Madame Lescaut
retomou seu lugar quando as luzes estavam se apagando.
Sylvie esfregou o queixo onde Antoine a tocara, sentindo um arrepio
cheio de pressentimentos. Toda a ênfase que Antoine dava à cultura devia
ter algo a ver com a posição que teria como sua esposa. Mas ele tinha dito
que o casamento era apenas uma formalidade necessária. E a erudição,
também não era?
Na noite seguinte, viu Tom Travers na platéia, usando um fino paletó
que ele devia ter alugado, acompanhado por outro rapaz. Sylvie sentiu-se
ridiculamente feliz por ele não ter convidado uma garota ao usar os
ingressos que Antoine lhe dera.
No intervalo, virou-se para madame Lescaut.
— Madame, olhe meu amigo... Eu quero falar... falar com ele.
Compreendeu?
Ela compreendeu e manifestou desagrado. Sylvie tentou explicar que
Antoine o conhecia e que ele mesmo lhe dera as entradas.
— Por que não posso ir cumprimentá-lo? — insistiu a garota.
— O sr. Antoine ficará furioso...
— Oh, bobagem! — exclamou Sylvie e saiu do camarote correndo. Em
segundos, alcançou Tom.
— Tom! Estou tão contente por vê-lo outra vez!
Ele encarou-a sem reconhecê-la, e ela teve que lembrar-lhe a aventura
que haviam vivido juntos.
— Desculpe-me — disse ele, levantando-se. — Você está tão diferente
que não a conheci. Alec, esta é a garota de quem lhe falei... — Alec
cumprimentou-a. — Como vai o cachorro?
— Você também não o reconheceria; ele agora parece mesmo um
cachorro. É marrom e branco e dei-lhe o nome de António, Toni para ficar
mais fácil. — Dera aquele nome ao animal como uma injúria a Antoine.
— Mas isso é maravilhoso! — Tom estava obviamente encantado em
vê-la. — Pensei muito em você. Tudo me pareceu tão estranho... — Ele
corou. — Quero dizer...
— Eu sei exatamente o que você quer dizer. — A garota deu uma
risadinha. — E tudo é mesmo muito estranho. Olhe, tenho que ir agora...
Os espectadores estavam retornando a seus lugares.
— Mas quando posso vê-la outra vez? Ela pensou um pouco.
— Todas as tardes eu levo Toni a passear. Amanhã, em Boulengrins,
por volta das três horas. Até lá.
Na tarde seguinte, impassível em sua saia e jaqueta brancas, com Toni
preso numa coleira, Sylvie caminhava através do Boulengrins, o jardim
solene com árvores tropicais e cactos que ficava em frente ao cassino.
Tom não a reconheceu outra vez, mas ela o viu.
— Olá, Tom!
— Mas, senhorita... — protestou madame Lescaut.
Toni agitou-se, querendo investigar o recém-chegado.
— Minha dama de companhia, madame Lescaut — disse Sylvie de
maneira maldosa, apontando sua companheira. — Ela parece pensar que
você tem segundas intenções em relação a mim.
Tom riu e quando viu Toni perguntou:
— Deus do céu, é o mesmo cachorro?
O cachorro reconheceu Tom e saltava ao redor do rapaz, latindo com
excitação, até que pegou a ponta da perna das calças dele e ficou puxando
sem parar.
— Pare com isso, Toni! — gritou a garota, tentando fazê-lo soltar o
tecido. — Olhe só, rasgou um pouquinho.
— Não tem importância — disse Tom apressadamente. — Foi uma
coisinha de nada.
— Ele só estava querendo brincar. Vamos sentar. — Foram até um
banco. — Diga-me o que tem acontecido no mundo desde que salvamos
Toni, pois estou enclausurada desde então.
Como ela estava falando inglês, a maior parte da conversa foi
incompreensível para a velha senhora. Ela seguiu Sylvie, já que não tinha
outra opção, e sentou-se na ponta do banco, com um ar de censura.
— Vai ficar mais tempo por aqui?
— Não, já estou de partida. Foi ótimo conhecer este lugar e o Carnaval
em Nice foi maravilhoso. Você o viu?
Ela suspirou.
— Tais frivolidades não são para mim. Tenho que trabalhar.
Tom descreveu-lhe a festa com muitos detalhes e depois passou a falar
de sua própria vida. Era um agente de seguros, morava com seus pais em
Londres e era solteiro.
— É provável que nunca mais nos encontremos — disse ele com
tristeza. — A menos que você vá para a Inglaterra.
— Acredito que minha próxima residência seja Paris.
— Não é muito longe — observou ele, esperançoso.
Madame Lescaut, num francês bastante fácil, começou a dizer a Sylvie
que já estava na hora de voltarem ao apartamento.
— O que você acha de mandar-me um cartão postal avisando-me que
chegou são e salvo? — sugeriu Sylvie. — Sabe, eu nunca recebo
correspondência. — Ainda não tivera notícia alguma de seu pai.
— Farei mais do que isso, vou lhe mandar uma carta.
A garota ficou encantada e prometeu que lhe mandaria seu endereço
em Paris se soubesse o dele.
Tom escreveu seu endereço nas costas de um cartão e lhe entregou.
— Se algum dia você precisar de ajuda, pequena Sylvie, não hesite em
entrar em contato comigo.
— Obrigada — disse ela, agradecida. — É bom saber que arrumei um
amigo.
— Será que algum dia a verei dançar?
— Talvez, mas parece que levará anos até que eu faça uma
apresentação em público. Eu nem mesmo comecei a treinar e ainda tenho
muito o que aprender, mas eu lhe escreverei contando como estou.
— Ficarei esperando notícias suas.
Separaram-se com tristeza. Sylvie, abatida por ter que voltar ao
apartamento com a emburrada madame Lescaut, e Tom, romanticamente
excitado com a perspectiva de iniciar uma correspondência com uma
aspirante a bailarina.
Alguns dias depois a garota recebeu notícias de seu pai. Uma carta
exuberante, repleta de esperanças. Ele já chegara ao Brasil, mas ainda não
podia dar-lhe um endereço, pois ele e Pedro ainda não tinham se fixado, mas
a avisaria assim que estivessem devidamente instalados. Naquele imenso
país havia muitas oportunidades, mas ele não mencionava nada de concreto,
e a garota suspirou enquanto colocava a carta de volta no envelope. Por
tantas vezes no passado os planos de Francis não tinham dado em nada, e
ele estava tão longe!
Sentiu-se deprimida. Suas próprias esperanças estavam se
enfraquecendo e, desde que Tom fora embora, não tinha com quem
conversar. Quando madame Lescaut entrou na sala onde tomava seu café da
manhã, Sylvie percebeu quanto detestava a velha senhora e presumiu que
ela viera avisar-lhe que estava na hora de começar suas leituras diárias.
Olhou para o dia ensolarado e estava prestes a declarar que iria sair,
não importava o que ela dissesse, e que o sr. de Mericourt podia ir para o
inferno, quando a velha lhe disse que ia acompanhá-la até o salão de ensaios
do teatro.
Imediatamente Sylvie se animou, esqueceu-se da ansiedade em
relação ao pai, de sua depressão, e levantou-se com vivacidade para seguir
sua dama de companhia.
Deram-lhe malha e sapatilhas e, quando Sylvie se vestiu e entrou na
sala, viu que estava completamente vazia. Encantada, correu até a barra e
começou a exercitar-se. Era maravilhoso praticar novamente, mas seu corpo
se ressentia da falta de treino. Deixando a barra, fez uma série de piruetas
ao redor da sala, parando, quase sem fôlego, ao ver dois homens que a
observavam.
Um era Antoine, alto e forte, vestindo calças grossas e um pulôver
preto; o outro, um homem baixo e de cabelos vermelhos, vestindo uma
malha de ginástica preta. Era o professor.
— Muito bem, Sylvie — disse Antoine, observando o respirar acelerado
da garota com desagrado. — Já é tempo de você começar a trabalhar.
— Não vejo nada melhor a fazer — disse ela alegremente.
— Então vamos começar.
Ela trabalhou uma hora, durante a qual o professor lhe pediu que
fizesse alguns passos. Antoine era, como havia pensado, extremamente
crítico; cada movimento tinha que ser perfeito. A garota ficou surpresa ao
descobrir que, embora ele não fosse bailarino, era exímio conhecedor das
técnicas e podia, quando necessário, demonstrar os passos.
Depois de uma hora, tendo combinado para que ela tivesse aulas de
dança todas as manhãs, ele saiu. Não lhe dirigiu nenhuma palavra de elogio
ou de encorajamento.
Desconsolada, Sylvie disse ao professor:
— Acho que não fui muito bem. Eu não poderia praticar sozinha?
— Não, senhorita — disse ele com delicadeza, num inglês com forte
sotaque. — Você não deve forçar demais, nem se desesperar. Apesar de não
estar em forma, você teve bons ensinamentos e, a menos que eu esteja muito
enganado, você será uma estrela.
Sylvie saiu do teatro sentindo-se flutuar.
O Balé Cosmopolite logo iria embora de Monte Carlo, rumo a Paris,
onde ficava sua sede. Havia uma temporada marcada num dos principais
teatros daquela capital e, como a maior parte dos membros da companhia
era parisiense, estavam esperando ansiosamente pela volta ao lar.
Sylvie encarava sua partida com sentimentos confusos. Não recebera
mais notícias de seu pai e, quando tivessem saído do Principado, ele não
saberia mais seu endereço. O sr. de Mericourt lhe disse que em Paris ela
começaria a trabalhar com seriedade, e Sylvie estava ansiosa para que isso
se tornasse realidade o mais breve possível. Monte Carlo tinha se tornado
familiar e ela estremeceu um pouco quando pensou que ia realmente deixar
aquele lugar tão simpático, para uma outra etapa de sua vida, que não sabia
prever se seria feliz, ou não.
Entretanto, Toni a compensaria e, logo que estivesse instalada em sua
nova residência, escreveria para Tom Travers. Pensava nele frequentemente
e esperava que mantivesse sua palavra e respondesse seu cartão.
Dois dias antes de partirem, quando voltavam da penúltima
apresentação do balé, madame Lescaut disse-lhe que Antoine viria buscá-la
às nove horas da manhã seguinte.
— Para quê? — perguntou Sylvie, um pouco apreensiva.
A velha encolheu os ombros.
— Ele não costuma fazer confidências para mim. Disse-me apenas que
a queria pronta na hora exata e sem o cachorro. Por favor, vista-se
corretamente — continuou. — E use seu chapéu.
— Meu chapéu? Os óculos escuros não bastam?
— Não, não se fica completamente vestida se não se usar chapéu e,
pelo que entendi, essa é uma ocasião importante.
Na manhã seguinte, vestiu um conjunto de saia e blusa de linho
branco e colocou o chapéu, que ela achava que não melhorava sua aparência
em nada. Parecia uma menininha pretensiosa, arrumada para um baile de
adolescentes.
— Isto não é para mim — suspirou, pensando com saudades na
liberdade que seus jeans lhe proporcionavam; mas eram um tipo de roupa
que, tinham-lhe dito, Antoine abominava.
Foi para a sala às nove horas e descobriu que o sr. de Mericourt já
havia chegado. Parou na soleira da porta, assaltada por uma leve sensação
de inquietude. O sr. de Mericourt agora parecia o empresário rigoroso. Ela se
perguntava se cometera algum erro.
— Bom dia, senhorita — cumprimentou-a, fitando-a criticamente.
— Bom dia, senhor — respondeu ela. — Não estou atrasada, o relógio
acabou de bater nove horas — disse enquanto entrava na sala.
Ele sorriu e instantaneamente pareceu mais humano.
— Uma pontualidade invejável nas mulheres. Então, vamos?
— Para onde vamos?
— Para Menton. Precisamos cuidar de uma pequena formalidade antes
de partirmos para Paris. Já foi tudo combinado e nós iremos até o cartório.
— O cartório? — perguntou ela, arqueando as sobrancelhas. — Em
Menton? Tem algo a ver com o meu passaporte?
— Indiretamente. Você esqueceu das condições de nosso acordo?
Sylvie caminhava em direção à porta, mas parou, virando-se
lentamente para encará-lo.
Ela não se esquecera do acordo, mas afastara-o de sua mente como
algo que só fosse acontecer num futuro distante. Involuntariamente,
exclamou:
— Oh, não, ainda não!
— Sim, Sylvie, deve ser feito antes de irmos embora de Monte Carlo.
Ela meneou a cabeça e começou a alisar a borda da blusa com dedos
nervosos.
— Eu não esperava que fosse tão logo — gaguejou.
— Tem que ser logo. Você não tem contrato e nenhuma posição legal,
até que o casamento se realize. É para sua proteção, Sylvie; unindo-se a
mim você estará garantida.
Sylvie sentia as batidas de seu coração aceleradas e ficara bastante
pálida. Agora que chegara o momento, o que ela mais desejava era recusar a
proposta que ele lhe havia feito.
— Não há outra maneira? — perguntou ela, cheia de desespero. — O
senhor quer realmente... casar-se comigo?
— Nós já conversamos sobre isso, quando a levei para jantar —
lembrou-a. — Precisamos discutir novamente? — Então, com voz mais
suave, perguntou: — Por que você está se esquivando agora? Não sei por que
está tão temerosa, é só assinar os papéis que serão o nosso contrato, e fim.
Depois de hoje, como eu lhe disse, pode esquecer-se de que casou comigo.
— Então eu queria que já fosse amanhã — disse ela com tristeza.
— Quanto a isso, eu também — concordou ele.
— Oh, está bem. Já que insiste! Você deve imaginar que minha
assinatura em um pedaço de papel evitará que eu faça o que minha mãe e
Gianetta Albanesi fizeram, então vou satisfazê-lo, embora esta seja uma
preocupação totalmente desnecessária. Sei muito bem o que quero, e optei
por dançar.
Saiu da sala e Antoine seguiu-a, reprimindo um desejo de rir,
tamanha era a ira estampada nos olhos da garota. Ela possuía um
temperamento forte e não seria fácil domá-la. O processo prometia ser
divertido.
O Mercedes Benz estava estacionado em frente à casa e ele apressou-
se em abrir a porta do veículo para ela, com um sorriso irônico e superior.
Se algum dia ele viesse a querer algo mais de Sylvie, estava certo de
que conseguiria. Nenhuma mulher que ele já desejara o havia rejeitado, só
que Sylvie não era uma mulher ainda. A garota olhou para o rosto muito
bonito de seu acompanhante e notou o sorriso que Antoine ainda mantinha.
Será que estava pensando que ela acabaria se apaixonando por ele? Sem
dúvida, seria algo muito absurdo, impossível. Se algum dia se apaixonasse, o
que achava muito improvável, seria com certeza por algum bailarino com
quem estivesse ensaiando um bailado, ou então por algum jovem simpático
como Tom Travers. Antoine era muito arrogante e seguro para seu gosto e
não conseguia despertar em seu íntimo nenhuma sensação maior, a não ser
antagonismo e... medo.
Por ser muito conhecido em Nice e em Mônaco, Antoine tinha
arranjado para que os papéis fossem assinados em Menton.
Virando a avenida principal da cidade, que já ficava na Itália, Antoine
parou o carro num local sombreado por palmeiras, um quarteirão antes do
cartório. Em silêncio abriu a porta para Sylvie; trancou o carro e,
vagarosamente, dirigiram-se para o local onde assinariam o contrato.
Sylvie se sentia como num sonho. As únicas coisas familiares para tia
eram o azul dourado do Mediterrâneo e a luminosidade do céu. O cartório
era um edifício vermelho e ocre de um só andar. Sylvie usava suas roupas de
todo dia, exceto pelo chapéu, e não levava um buquê de flores, nem Antoine
usava uma flor na lapela.
A sala onde se realizavam os. casamentos tinha sido decorada por um
artista famoso. Em uma das paredes havia um afresco representando uma
cena de casamento, onde as figuras estavam vestidas com roupas orientais.
O jovem casal retratado estava partindo para a lua-de-mel, nas costas de um
cavalo, enquanto seus amigos e parentes lhes ofereciam presentes.
Sylvie olhou para a pintura com curiosidade, pensando que não lhe
tinham oferecido nem lua-de-mel, nem qualquer presente. Olhou para sua
saia justa, que parecia pertencer mais a uma estudante do que a uma noiva.
Francis podia estar ali, pensou de repente, para levá-la embora. Ela não
tinha amigos naquela sala, apenas o homenzinho seco que ia presidir a
cerimônia atrás de sua imensa escrivaninha, as duas testemunhas
anônimas, e aquele arrogante estranho a seu lado que, ao invés de fitá-la
com olhos apaixonados de noivo, ansiava por ver tudo aquilo finalizado o
mais breve possível.
Percebendo a importância do que estava prestes a fazer, murmurou
com lábios trêmulos:
— Senhor, não posso!
Antoine abraçou-a, pressionando-a firmemente. Com aquele contato,
uma sensação indescritível percorreu seu corpo e Sylvie sentiu-se desfalecer.
Havia algo de profundamente rude naquele abraço, nada de terno. Com os
lábios a poucos centímetros do ouvido de Sylvie, ele sussurrou:
— Você deve. Ê tarde demais para voltar atrás.
Virando-se para o escrivão, ele disse com um sorriso:
— Minha noiva está emocionada. Ê por causa do momento. É uma
ocasião muito solene, o senhor entende...
Apesar do pânico, Sylvie teve que reprimir com esforço um desejo
histérico de gargalhar. Solenidade da ocasião... como ele podia ser tão
cínico?
Havia um vaso cheio de lírios, colocado sobre a escrivaninha, para dar
um ar festivo às cerimônias. Mas por que haviam escolhido lírios?,
perguntou-se estupidamente. Rosas teriam sido melhor, pois lírios eram
mais adequados para um funeral. O perfume das flores pesava
estranhamente no ar e ela continuou a olhá-las, enquanto o velhinho dava
início à cerimônia.
As flores e o abraço possessivo de Antoine eram as duas únicas coisas
de que ela tinha consciência enquanto repetia, como um papagaio, as
palavras que lhe diziam, que, ditas em francês, pareciam não ter significado.
Sylvie assinou seu nome onde lhe mandaram. O escrivão
cumprimentou-os e, proferindo algumas palavras de congratulações, olhou-
os com expectativa. Antoine beijou-a e o toque de seus lábios deixou-a
trêmula. Ela estava despreparada para aquele beijo, mas o escrivão já o
esperava. Aquele ato, que deveria ser de amor, só acontecera por causa do
velhinho e das duas outras pessoas. O escrivão estava intrigado: o casal
parecia meio estranho: o homem já maduro e elegante e a garota tão jovem e
obviamente angustiada.
Antoine fez com que ela o abraçasse também, colocando o braço dela
em volta de sua cintura e, ainda entorpecida, ela deixou que ele a levasse
para fora da sala. Sylvie estava extremamente pálida. Antoine fitou-a
ansioso, temendo que ela fosse desmaiar.
— Já está tudo acabado — disse ele encorajadoramente, enquanto
saíam para a luz do sol. — Agora você já pode esquecer o casamento e acho
melhor que beba alguma coisa.
Sylvie apoiou-se em seu braço.
— Sinto-me um pouco trêmula — admitiu. — Não estava realmente
preparada... —- Ela não estivera preparada para o beijo de Antoine e para o
efeito que lhe causara. — Quero dizer... os lírios estavam exalando um cheiro
tão forte...
— Lírios? Não vi nenhum lírio.
— Você deve tê-los visto, estavam sobre a escrivaninha. Aquelas flores
me fizeram pensar em morte.
— Você está sendo mórbida. Precisa mesmo beber algo.
Ele a soltou quando chegaram à rua, mas voltou a tocá-la, pegando
em seu braço, quando entraram num café.
O vinho tinto trouxe a cor de volta às faces de Sylvie e os estranhos
momentos passados no cartório começaram a ser esquecidos. Antoine bebia
seu drinque com uma expressão de alívio. Ele sentou no lado oposto da
mesinha e olhava distraidamente para um cartaz de seu próprio balé.
Quando terminou de beber o vinho, Sylvie colocou o copo de volta à
mesa com tanta força que chamou a atenção de Antoine.
— Está se sentindo melhor agora?
— Sim, senhor, sou eu mesma novamente.
— Estou vendo que sim — comentou ele, observando o brilho travesso
em seus olhos. — O que a está divertindo?
Ela inclinou a cabeça para indicar um casal ao lado deles. Antoine
fitou-o e sorriu sardonicamente:
— É o amor! — disse ele. Estreitou os olhos e tornou-se atento
enquanto fitava a garota. — Está com inveja?
— Não. Se você me olhasse daquela maneira eu daria risada. — Mas
ela desejava que ele o fizesse, isso seria mais agradável para sua vaidade do
que a indiferença que Antoine demonstrava.
— Fique certa de que nunca irei embaraçá-la — disse ele. — E agora,
querida, antes de irmos embora, é melhor que eu dê um jeito nisso.
Pegou a mão da garota e gentilmente removeu a aliança. Sylvie teve
uma estranha sensação de perda.
— Posso mantê-la comigo? — ela perguntou.
— Por quê?
— Oh, não sei... bem, é apenas uma recordação — disse. Ela nunca
possuíra um anel antes e achava que era muita maldade da parte de Antoine
querer tirá-lo dela.
— Eu acho que não há nada de sentimental quanto ao que aconteceu
no cartório — disse ele secamente.
— Não há mesmo — concordou. — Apenas assinamos o nosso... nosso
contrato, mas eu quero preservar a aliança. Afinal de contas, ela é minha,
você a colocou em meu dedo.
Antoine fitou-a, com a dúvida estampada no olhar.
— Se eu lhe der, você me prometerá nunca usá-la sem a minha
permissão?
— Ê claro, não tenho intenção de usá-la... jamais — disse ela
firmemente, pois se sentia um pouco magoada pela resistência que Antoine
demonstrava em dar-lhe a aliança. — Quero apenas ficar com ela, isso é
tudo.
Com relutância, Antoine depositou a aliança sobre a mão estendida da
garota, que rapidamente a guardou na bolsa.
— Já está na hora de irmos embora. Você tem que praticar e eu tenho
um compromisso.
Ela se levantou obedientemente, com os olhos viajando para a colina
sobre a qual ficava a parte velha da cidade, coberta de ciprestes, e pensou no
jovem casal da pintura, que partia para a lua-de-mel. Antoine podia ao
menos ter-lhe dedicado uma hora que fosse, ter-lhe oferecido um almoço.
Aquele era o dia de seu casamento e nunca teria outro em sua vida.
— Suponho que num casamento de conveniência não exista
celebração, não é? — disse ela. — Mas os encontros de negócios
normalmente não culminam com um almoço?
— Você espera que eu a leve para almoçar?
— Eu não espero nada, mas acho que você trata muito mal seu
cliente. Você nem mesmo me deu um buquê de flores.
Ela estava preparada para enfrentar a raiva de Antoine mas, para sua
surpresa, ele riu.
— Pobrezinha! Que falta de delicadeza de minha parte. Para dizer a
verdade eu não pensei nisso. Esqueci-me de que você é uma mulher e que
gostaria dessas coisas. Mas vou consertar isto. Espere aqui enquanto vou
telefonar para cancelar meu compromisso. Depois vou levá-la até as colinas
e almoçaremos em algum lugar. Isto lhe agrada?
— Isto servirá para atenuar sua brutalidade.
Ele pareceu sobressaltado.
— Minha o quê?
— A sua coerção, eu diria.
Ele riu mais uma vez.
— Eu não esperava que você vacilasse na última hora. Não se
preocupe, cancelarei meu compromisso e iremos nos divertir.
Sylvie sentou-se novamente com um sorriso de tristeza nos lábios. No
dia de seu casamento esquecera-se de que ela era uma mulher. O que era
então para Antoine? Uma criança? Uma pessoa sem importância? Resolveu
que não queria ser uma mulher, caso isto implicasse receber aqueles beijos
perturbadores, mas era improvável que isso acontecesse. Ele podia guardá-
los para Marguerite. De repente, percebeu que não gostava de imaginar
Antoine beijando Marguerite. Caso começasse a sentir ciúmes, sua vida se
complicaria demais.
CAPITULO IV
Para sair de Menton, Antoine tomou a mais alta das três estradas que
cortavam os penhascos em direção a Nice.
Passaram por antigas cidadezinhas que pareciam fazer parte das
rochas. Algum tempo depois, Antoine parou o carro e sugeriu que eles
descessem para caminhar um pouco.
Sylvie estava contente pela oportunidade de esticar as pernas e saltou
do carro com alegria. Antoine levou-a a subir uma ladeira de cujo topo,
garantiu, teriam uma bela vista. Era uma subida difícil, mas Sylvie movia-se
como uma corça e ficou surpresa com a agilidade de Antoine.
Com a camisa aberta no peito, as mangas arregaçadas e os cabelos
desarranjados pela brisa do mar, sua figura era muito diferente do
cavalheiro formal com quem se habituara. Ele ficou parecido com Tom
Travers, pensou Sylvie espantada, agora que não tinha mais medo dele. Será
que encontrara em seu marido o companheiro que tanto almejara? Mas isto
era bom demais para ser verdade; quando a tarde chegasse ao fim, voltaria
novamente a ser o empresário.
Chegaram a uma área nivelada, no topo do penhasco, coberta com
uma grama curta e com prematuras flores de primavera. O ar era mais
cortante e mais frio do que embaixo.
— O mistral sopra nesta área — comentou Antoine. — Lá embaixo, a
costa fica protegida dele pelos penhascos.
— Já enfrentei o mistral na Provence, é um vento muito cortante, faz
qualquer um sentir medo — observou, tentando dar continuação à conversa.
Sylvie tirou sua jaqueta de linho e olhou com tristeza para suas meias
cheias de furos.
— Oh, céus, estragaram-se! — exclamou.
Tirou as meias e deliciou-se com o contato da grama em seus pés nus.
Viu que Antoine estava sentado sobre uma pedra, fumando um dos cigarros
pretos russos, olhando distraidamente para o mar. Na altura em que se
encontravam, eles pareciam estar suspensos entre a terra e o céu.
Sylvie colocou os sapatos e a jaqueta no chão, estendendo os braços
para o sol e o ar perfumado. Automaticamente seus pés começaram a formar
passos de balé. Logo estava dançando, esquecida de seu companheiro, que
tinha se virado para observá-la. Sylvie dançava por puro prazer e alegria.
Havia se esquecido de que não estava sozinha até que Antoine começou a
aplaudi-la. Sylvie sentou-se na grama, ao lado dele.
— Minha saia é comprida demais — disse ela.
A voz de Antoine trouxe-a de volta à realidade. Sylvie lembrou-se de
que ele era seu patrão e professor e sentou-se com a expressão desanimada.
— Oh, senhor, tinha me esquecido...
— Esquecido o quê? Que eu sou seu patrão? Mas hoje nós estamos
fora da escola e seu show foi uma expressão espontânea de juventude e
alegria, além de um prazer para os olhos.
— Como quando a primeira vez que me viu?
— Sob o luar? Ah, o clima daquela noite era totalmente diferente. Você
estava às portas da morte, era um ser de outro mundo, a rainha dos cisnes.
— Ele amassou o cigarro na pedra a seu lado. Alguma lembrança trouxera
uma expressão sombria a sua face. — Existem outras peças de balés
inspiradas em histórias dos cisnes, além de "O Lago dos Cisnes" —
comentou ele.
Percebendo a sombra que passava pelos olhos de seu acompanhante,
a garota murmurou:
— Desculpe-me.
— Por que, querida?
— Porque, de alguma forma, fiz com que lembrasse de algo muito
doloroso e acabei estragando o seu dia.
Ele fitou-a maravilhado.
— Você é estranhamente perspicaz, menina. Vejo que terei que me
cuidar.
Querendo penetrar no íntimo daquele homem, para descobrir que
espécie de criatura vivia atrás daquela aparência impassível, Sylvie
sussurrou:
— Terá que se cuidar?
— Sylvie, existe uma grande diferença de idade entre nós. Quando
você for mais velha, eu talvez venha a contar-lhe meus problemas, minhas
experiência, embora nunca, até hoje, tenha precisado de um confidente.
Atualmente não desejo ofender sua inocência com revelações um tanto
pesadas para sua idade.
— Você está falando de uma maneira muito enigmática. Já não sou
mais criança.
— Para mim você ainda é.
Sylvie desviou os olhos para a ladeira banhada pelo sol. Por um
momento ele havia sido um companheiro, mas agora enfatizava a distância
que existia entre eles, colocando-a de volta ao seu lugar. Mas qual era seu
lugar? Naquela manhã ele se casara com ela, embora tivesse insistido que
não queria torná-la sua esposa de fato. Na verdade, ela era uma pessoa
sozinha. Reconheceu que estava sendo incoerente, mas seus sentimentos em
relação a ele eram muito complexos. Queria a amizade e a aprovação
incondicional daquele homem, mas não seu amor.
Observando as expressões diferentes que se formavam e desapareciam
muito rapidamente na face da garota, Antoine comentou:
— Agora você está ficando triste. Talvez precise se alimentar. Mas
ainda é um pouco cedo para almoçarmos.
— Oh, não vamos ainda! — exclamou ela. — Este lugar é tão
encantador!
— Desculpe-me, o ar fresco está me dando sono. Tenho dormido tarde
há várias noites.
— Então por que não tira uma soneca? — perguntou ela ansiosa,
percebendo que, se ele dormisse, poderia mantê-lo por mais algum tempo a
seu lado. — Quando chegar a hora do almoço, eu o acordo.
— Você é muito gentil, mas o que ficará fazendo, enquanto durmo?
Dormirá também? Você não parece estar com sono.
— Serei seu travesseiro. Costumava fazer isto com papai quando
caminhávamos muito e ele se sentia cansado. Eu... gosto de ser útil. —
Pegou sua jaqueta e colocou-a sobre os joelhos, separando-os levemente. —
Venha.
Ele fitou-a estranhamente e Sylvie pensou que ele recusaria. Desejava
segurar aquela cabeça altiva em seu colo.
Então, para o total encantamento de Sylvie, Antoine desceu da pedra
onde estivera sentado e deitou-se na grama, repousando a cabeça sobre os
joelhos dela. Fitando-a com um brilho nos olhos, ele disse zombeteiramente:
— Você está levando seu papel de esposa a sério, não é?
— Não é isso — replicou ela. — Estou apenas pagando adiantado o
almoço que você vai me oferecer logo mais.
Ele riu ao ouvir as palavras da garota.
— É isto o que chamo de felicidade — murmurou, fechando os olhos.
Alguns momentos depois, adormeceu.
O tempo passou. Sylvie começou a sentir-se contraída e com um
pouco de frio, por ficar na mesma posição por um bom tempo. Quando já
estava prestes a acordá-lo, Antoine moveu-se e abriu os olhos.
Por um segundo ele fitou-a com uma expressão de encantamento, que
fez com que o coração de Sylvie batesse aceleradamente.
— Menella!.— exclamou. — Finalmente encontrei-a! — Ao piscar os
olhos, a consciência voltou-lhe e Antoine sentou-se abruptamente. — Tive
um sonho!
Sylvie levantou-se, flexionando as pernas e pegando sua jaqueta. Ele
observou os exercícios que a garota fazia, depois olhou para o relógio.
— Você não devia ter-me deixado dormir tanto tempo. — Começou a
massagear os joelhos dela com dedos experientes.
— Não foi nada — disse ela, sentindo-se corar. — Você amava minha
mãe?
Antoine parou de massageá-la, dando-lhe um leve tapa na perna,
enquanto parecia pensar.
— Acho que sim, e muito. René também a amava, talvez até mais do
que eu. Você sabe, os adolescentes são muito suscetíveis. — Antoine
procurava por seus cigarros.
— Então, se você tivesse casado com ela, eu poderia ser sua filha.
Aquelas palavras pareceram não agradá-lo muito.
— Devo dizer que, naquela época, eu não estava preparado para casar-
me — disse ele com frieza. — E Menella era muito mais velha do que eu. —
Acendeu seu cigarro. — Tive que esperar pela filha dela.
— Não acredito que seus sentimentos por ela fossem platônicos —
disse Sylvie astutamente.
Antoine soprou a fumaça de seu cigarro em direção à garota.
— Sylvie, suas suposições são absurdas e um pouco impertinentes.
Por que colocou essas idéias malucas na cabeça?
— Acho que foi porque quando você estava dormindo, parecia muito
mais jovem, e também porque, quando você acordou, disse o nome dela.
— Disse mesmo? Mas que indiscrição a minha! Mas eu já não sou
mais um garoto, e minhas loucuras de juventude já ficaram para trás.
Tentando restabelecer a intimidade que parecia estar se acabando
entre eles, Sylvie perguntou:
— Mas seu amigo, você disse que ele tinha falecido, não é?
— Sim, mas antes de morrer tornou-se completamente descrente da
vida e das mulheres.
— Ele era músico? — insistiu, lembrando que Antoine havia lhe
perguntado se ela já tinha ouvido falar em René Leclerc, o músico.
— Sim, e legou à humanidade um trabalho belíssimo. Uma obra
exótica, fantástica, Sylvie. A que eu mais gosto, entretanto, é um balé. Faz
muito tempo que tenho vontade de produzi-lo... é muito difícil encontrar a
bailarina que desejo. Queria alguém como Menella, pois foi ela quem o
inspirou.
Sylvie, como se sentisse medo do que estava prestes a ouvir,
perguntou:
— Mas agora você acha que já a encontrou?
— Ainda não sei, Sylvie. Descobri alguém que, potencialmente, pode
ser a bailarina que eu procuro, mas talvez esteja meio confuso, cego pela
grande semelhança física. Você ainda tem que me mostrar que possui seu
próprio talento. Disse-lhe que trabalharíamos por uma grande recompensa.
Agora você sabe o que é isso, o sucesso do balé de René, que eu quero
conseguir, mais do que qualquer coisa no mundo. E isso dependerá muito de
você.
Impulsivamente, ela se levantou. Precisava sair dali antes que se
deixasse dominar por aquele cenário exótico e pela proximidade daquele
homem intrigante.
— Estou faminta — disse Sylvie.
— Acho que também estou com fome.
Voltaram para o carro. Antoine vestiu seu paletó, colocou a gravata e
Sylvie escovou a roupa de seu marido com uma escova que ele tirou do
porta-luvas. Em troca, Antoine penteou seus cabelos.
— Onde vamos? — perguntou, quando Antoine ligou o carro.
— Para um hotel em Beaulieu-sur-Mer, onde a comida é digna dos
deuses, embora eu saiba que você come tão pouco que não vai ser possível
apreciá-la bem.
— Oh, apreciarei sim — garantiu. —- Você é um perfeccionista em
tudo.
— Vinho, mulheres e bailarinas — retrucou ele.
— Sobre vinhos não sei nada, exceto que gosto de tomar um copo de
vez em quando; bailarinas eu vi muito poucas, mas é claro que nós,
bailarinas, não contamos como mulher. Marguerite é realmente um
monumento e faz jus a seu gosto.
Antoine pareceu um pouco embaraçado ao ouvir o nome da garota
francesa.
— Você está se mostrando muito indiscreta. Seria mais gentil se você
se referisse à Marguerite como srta. d'Ablay.
— Compreendo.
— E acho melhor você chamar-me de maestro, como faz o pessoal da
companhia.
— Sim, maestro.
A camaradagem que existia na colina desaparecera completamente.
Ele entrou numa estrada muito estreita que descia pelo penhasco.
— Você nunca foi casado antes, não é, maestro?
— Isso é problema meu.
— Poderia ser meu, se você estivesse cometendo bigamia.
— Um comentário como este merece uma surra!
—- Mas eu já estou bem grandinha para levar uma surra.
— Provoque-me bastante e você descobrirá que não é tão grandinha
assim.
— Oh, maestro, que final para o dia de nosso casamento, e só porque
tenho curiosidade sobre o homem com quem casei.
— Só vou lhe dizer o que quero que você saiba.
— Sim, você já insinuou isso antes, ocultando alguns segredos
sombrios, inadequados a meus ouvidos inocentes.
— O demônio parece ter tomado conta de você desde que entramos no
carro. O que você acha de parar de provocar-me e conversar sobre algo
interessante?
— Por exemplo?
— Você não encontrou algum assunto, em suas leituras, que lhe
interessou?
— Não, maestro, não vamos discutir aqueles assuntos agora —
protestou ela. — Terei que conviver com o senhor como meu instrutor no
futuro e prometo que estudarei com mais afinco, mas hoje é o dia de meu
casamento.
— Receio que as diversões normais de um dia de casamento estejam
fora dos termos do nosso acordo, embora — dirigiu-lhe um olhar malicioso
— eu tenha dormido com você.
Contra a vontade, Sylvie corou e, sem graça, olhou para a paisagem.
— A Costa Azul é muito bonita -— disse e Antoine riu.
— Fale-me sobre Provence — sugeriu ele —, sobre aquele chalé onde
você morava, o que eu... — ele se interrompeu.
Sylvie não percebeu a sentença inacabada e, aliviada por encontrar
um assunto mais seguro, começou a descrever sua casa. Depois Antoine se
desculpou por não poder levá-la de carro para Paris na manhã seguinte.
Isto, segundo ele, faria com que as pessoas desconfiassem. Ela devia ir de
trem junto com a companhia de balé.
— Mas você não acha muito enfadonho viajar de carro sozinho? —
perguntou um pouco esperançosa.
— Não estarei sozinho. A srta. d'Ablay também voltará para Paris.
Esta não era uma boa notícia. Sylvie pensou que Marguerite morava
na Riviera.
— Espero que sua governanta não seja tão carrancuda quanto
madame Lescaut — disse ela, desanimada.
— Ela é um tipo diferente, já foi bailarina. Pobre Marie, é difícil
acreditar, pois engordou muito. O apartamento é muito isolado. É o meu
esconderijo da publicidade. Será um lugar excelente para você estudar. —
Sylvie pareceu ficar triste ao ouvir aquele comentário. — Mas você passará a
maior parte do tempo no teatro.
Aquilo soou melhor ao ouvidos da garota.
— Você mora no apartamento? — perguntou.
— Sim e não. Possuo uma suíte no apartamento, que é meu abrigo
quando preciso de paz e calma. Além do teatro, tenho que ir a várias
reuniões e freqüentemente não volto para casa.
Sylvie deu um suspiro de alívio quando, terminada a íngreme descida,
Antoine seguiu a estrada larga que surgiu de repente na frente do carro.
Ao contrário do restaurante isolado em Nice, Beauileu estava repleto e
uma música lenta misturava-se com o burburinho das conversas.
Diversas pessoas o cumprimentaram no restaurante e Sylvie foi alvo
de muitos olhares curiosos; ela não era o tipo de mulher que costumava
acompanhá-lo.
Um garçom levou-lhes um carrinho com entradas variadas. Antoine,
como antes, pediu por ela. No final ela perguntou se podia pedir pêssegos em
calda com sorvete.
Quando a sobremesa chegou, Antoine olhou com desagrado para o
creme que recobria as frutas e o sorvete, e comentou:
— Você terá que esquecer esta espécie de doces, quando estiver
treinando.
— Então preciso aproveitar... — disse ela alegremente. — De qualquer
forma, acho que eu não engordo com facilidade.
— Você não teve muita oportunidade de engordar, não é?
Suscetível a qualquer espécie de compaixão, a garota empurrou a
sobremesa para o lado.
— Não vou terminar de comer, se você não aprova.
— Coma, criança — ordenou Antoine —, embora seja um mistério para
mim saber onde você vai colocar tudo isso.
— Esse é um segredo entre minhas entranhas e eu.
Ele havia pedido vinho rose e, quando percebeu que ela terminava a
sobremesa, levantou um brinde.
— Ao sucesso do balé de René! — Beberam ó vinho solenemente e
Antoine completou: — Fatalmente será também seu e meu.
— Espero que sim. Como chama?
— O balé? "Os Cisnes Selvagens".
— Oh! — Sylvie compreendeu o que ele quis dizer quando lhe contou
que não era só "O Lago dos Cisnes" que tinha os cisnes como motivo. — Esse
é um bom título? — perguntou ela em dúvida.
— Parece nome de livro de zoologia.
— Podemos alterá-lo. "Asas Brancas", talvez. Há um solo final. O cisne
macho morre e o cisne fêmea fica desconsolado. Como você sabe, os cisnes
se unem para toda a vida.
— Que coisa mais triste!
Sylvie sentia-se alegre e um pouco sonolenta depois da refeição e não
tinha vontade de discutir sobre mortes de cisnes. Ela só se preocuparia com
isso quando chegasse a Paris. Agora queria a atenção total de Antoine sobre
sua pessoa.
— Como você chamaria nosso relacionamento, maestro? Nós não
somos exatamente patrão e empregado.
— Longe disso. Somos sócios, Sylvie.
O vinho estava afetando a garota e ela gargalhou.
— Mas não somos sócios na cama — disse audaciosamente e achou
que tinha sido muito espirituosa.
— Exato, mas mesmo assim você me pertence.
— É de se esperar que você não tenha comprado gato por lebre —
disse ela com impertinência, vendo-o através de uma névoa dourada. —
Vamos supor que eu venha a ser um malogro, e daí?
— Você está acostumada a usar expressões muito estranhas — disse
ele enquanto apagava o cigarro. — Gato por lebre! — Acendeu outro cigarro e
observou-a através da fumaça. — Em uma eventualidade infeliz como essa,
eu a renegaria — disse ele com um sorriso.
— Não estou acostumado aos fracassos.
— Oh, maestro! — Sylvie acreditava que ele estivesse brincando. —
Você me jogaria na rua?
— Sem o mínimo escrúpulo.
Sylvie estava se sentindo feliz e confiante demais para ter qualquer
temor e não achava que ele estivesse falando sério. Também não sabia que
um casamento não consumado podia ser anulado.
Estava pensando que Antoine havia sido muito bom para ela,
proporcionando-lhe aquele passeio inesperado, deixando-a ficar com Toni e
devolvendo-lhe a aliança quando ela pedira.
— Obrigada por tudo — disse com sinceridade.
Antoine sorriu em resposta, mas seu sorriso era irônico e, com pouco
caso, soprou um anel de fumaça em direção da garota.
Só o tempo poderia mostrar a Sylvie que não tinha nada que agradecer
a ele por aquele dia.
CAPITULO V
CAPITULO VI
CAPITULO VII
CAPITULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPITULO X
Sylvie viu mais uma vez seu marido naquele dia no teatro, embora só
por um momento. O problema com os eletricistas era mais sério do que ela
havia pensado
Sentindo que não poderia descansar até que tivesse falado com ele,
deixou um recado na portaria para que a avisassem assim que o sr. de
Mericourt chegasse. Já passava da meia-noite quando recebeu a informação
de que o diretor já se encontrava em sua suíte. Sylvie usava um robe de seda
sobre a camisola e os cabelos soltos sobre os ombros. Abriu a porta com
cuidado, viu que não havia ninguém no corredor e subiu o lance de escadas
que levava ao andar acima.
— Entre — gritou ele em resposta à tímida batida, com voz muito
cansada. Sylvie encontrou-o como muitas vezes encontrara antes, usando
um robe preto, fumando um cigarro e com um copo de uísque em uma
mesinha. Ele não levantou a cabeça quando ela entrou. Estava com as
sobrancelhas franzidas em sinal de concentração, mas Sylvie imaginou que
os problemas do marido não tinham nada a ver com ela: que o incidente com
os eletricistas afastara de sua mente todas as preocupações de ordem
pessoal.
— Antoine — disse em voz baixa.
Ele se assustou com sua voz e fitou-a surpreso, levantando-se.
— Sylvie! Mas é muito tarde, ou melhor, muito cedo. Você devia estar
dormindo.
— Não estava com sono. Fiquei esperando você. Os eletricistas foram
muito cansativos?
— Entramos em um acordo, mas foi uma reunião muito longa, com
todo mundo gritando. — Ele passou a mão levemente pela testa. — Tenho
contas a ajustar com você, minha cara — ele lhe dirigiu um olhar bem-
humorado —, mas já é muito tarde para discussões, deixe para lá. Quer
beber alguma coisa?
— Obrigada, quero o mesmo que da outra vez.
— Que outra vez?
— Nossa primeira noite no seu apartamento. Era um uísque com soda,
muito fraco.
— Então você se lembra — disse Antoine enquanto lhe servia bebida.
— Eu me lembro muito bem que você parecia uma garotinha, vestida com
uma camisola de flanela. Mas você não parece muito mais sofisticada agora,
apesar de suas viagens.
— E eu deveria? — perguntou, pegando o copo e sentando-se a uma
pequena distância de seu marido. — Acredito que a sofisticação nasce de
experiências de vida muito profundas, e não de simples mudanças de um
hotel para outro.
Ele sentou-se outra vez, reassumindo seu olhar preocupado.
— Antoine — disse ela de repente —, fale-me de Yvonne. Antoine
pareceu voltar de uma longa distância, fitando-a inquisidoramente
— Yvonne? O que você está querendo saber sobre ela? Você acredita,
como todos, que ela é minha filha?
— Os fatos me fizeram pensar isso... E a sra. von Eckburg é a mãe
dela?
— Sim — foi a curta resposta.
Sylvie suspirou.
— Conte-me o que aconteceu.
— É uma longa história, você quer mesmo ouvi-la?
— Por favor. Acho que tenho o direito de saber.
— Talvez sim — concordou com delicadeza —, embora eu tenha
prometido a Hildegarde que nunca sairia nada de minha boca. Mas agora
Karl está morto e os segredos não são mais tão importantes. Além do mais,
tenho absoluta certeza de que você não contaria nada a ninguém.
— É claro — prometeu Sylvie.
— Os von Eckburg eram amigos de meu pai — começou ele
vagarosamente —, embora tenham lutado em lados diferentes na guerra,
mas Karl sempre odiou os nazistas, como muitos bons austríacos o fizeram.
— Sua voz suavizou-se. — Eu fiquei com eles depois da morte de minha
mãe. Mamãe e eu éramos muito apegados e eu fiquei muito deprimido
quando ela faleceu. Hildegarde foi um anjo. — A garota sentiu uma pontada
no coração. Então seu marido amava realmente a baronesa. — Nunca me
esquecerei do quanto ela foi gentil para comigo naquela época tão amarga da
minha vida — continuou Antoine. — Estava meio louco de tristeza, queria
matar-me, mas ela trouxe-me de volta para vida e para a normalidade. Não
julgue Hildegarde muito severamente, Sylvie, ela ainda era muito jovem e
Karl não era bom marido. Ela queria um filho, mas ele era incapaz de ser
pai, e a culpava por isso, é claro. Hildegarde teve uma vida muito difícil.
— Tenho certeza que sim — concordou Sylvie —, mas não havia...
consolos para sua existência?
— Você a culpa? Ela só queria, desesperadamente, ser amada por
alguém. — E me implorou que eu tomasse conta do bebê. A única alternativa
era um orfanato, e eu não queria deixar a criança num lugar desses.
Entreguei Yvonne aos cuidados de Marie. Era uma solução, mas acredito
que indiretamente eu culpava a criança pelas complicações em que ela, sem
querer, me envolveu. O que não me fez por momento algum ser muito gentil
com ela, não é?
— Sim — disse Sylvie —, é verdade.
Antoine sorriu com tristeza.
— E ela, ainda por cima, nunca pareceu ter jeito para vir a ser uma
bailarina.
— Pobre Yvonne! — exclamou Sylvie involuntariamente.
— Agora, tudo ficará bem para ela. Yvonne vai viver com seus pais.
— Como os pais? — perguntou Sylvie apreensiva. — Você parece ter
muita certeza disso.
— Estou esperando por isso. — Ele pareceu preocupado novamente. —
Mas ainda existe um problema.
Ele está se referindo a mim, pensou Sylvie, contraindo as mãos. Será
que conseguiria entregá-lo para Hildegarde?
Antoine não a fitava e parecia outra vez perdido em sonhos. Afinal de
contas, ele havia dado a ela o sucesso que lhe prometera e tinha sido isto o
que combinaram. Ela não tinha o direito de impedir que ele se juntasse a
Hildegarde e a Yvonne. Isso a fez lembrar-se do homem que encontrara
naquela tarde.
— Você sabe que o sr. Rhoem chegou? — perguntou ela e Antoine
encarou-a.
— Rhoem? Albercht Rhoem? Você está dizendo que ele está aqui? Que
ele chegou?
— Ele disse que esse era o seu nome. Parecia estar sendo esperado.
Antoine levantou-se e começou a caminhar pela sala, mostrando alívio
e alegria. Sylvie observava-o cheia de pesar. Ele devia confiar muito nos
poderes que o advogado possuía de manipular a lei.
— Eu sabia que Hildegarde estava esperando-o — anunciou ele, —
mas tinha uma sensação estranha de que a confiança dela não era muito
correspondida. Os Rhoem são uma família de advogados e qualquer
murmúrio de escândalo os teria arruinado. Embora um empresário de balé
sempre seja considerado uma pessoa sem muitos sentimentos, eu que tive
que tomar conta do bebê. — Sorriu cinicamente. — Sem dúvida, Hildegarde
conseguiu trazê-lo de volta.
A esperança brilhou nos olhos de Sylvie.
— Antoine, o que você está querendo dizer com isso? Quem é aquele
homem que encontrei?
Ele parou e fitou-a.
— Ora, minha cara, ele é o grande amor de Hildegarde. O pai de
Yvonne. Finalmente agora poderão se casar sem problemas.
— Oh! — Ela relaxou e começou a rir sem poder parar. — Pensei que
você era o futuro noivo e que fosse por isso que queria mandar-me de volta
para Tom.
— Eu nunca quis mandá-la de volta para Tom nenhum — disse ele,
elevando a voz. — Pare de rir, idiota! Não acho esta situação engraçada.
Antoine pegou-a pelos ombros, levantou-a e virou-se em direção à luz,
enquanto seus olhos procuravam o rosto dela.
— Então aquela noite... toda sua conversa sobre um coração magoado
foi pura mentira? Como a encenação que você fez esta tarde? Sylvie... — ele
sacudiu-a — como se atreve a brincar comigo desta maneira?
— Oh, me atrevo, sim. Não tenho nem um pouco de medo de você,
Antoine, apesar de toda a sua tirania...
Ele soltou-a e afastou-se com uma expressão sombria no rosto.
— Você acha que é isso que eu sou? Um tirano?
— Foi você quem disse, não eu.
Antoine ficou em silêncio. Sylvie olhou-o furtivamente com um
sentimento de remorso.
— Então, se você não ama esse tal de Tom, qual é seu problema?
Existe outra pessoa? Se você quiser a liberdade, eu lhe darei, e você terá um
dote digno de uma princesa...
— Então você me deixaria ir embora? — perguntou, quase sem
respirar. — Para fazer-me feliz?
E expressão de Antoine contraiu-se, mas ele apenas disse:
— Sim, Sylvie, se for esse o seu desejo. Tenho agido com muito
egoísmo com você, e.estou disposto a fazer qualquer coisa para remediar
minhas atitudes. Diga-me apenas o que você deseja.
— Você está falando sério?
— Sim, farei qualquer coisa que estiver a meu alcance.
— Eu quero muito mais. — Ela fitou-o com ar travesso. — Para
começar, quero que você me leve para Beaulieu e me ofereça outro grandioso
almoço naquele hotel. Depois quero que você me leve para passear, como fez
no dia de nosso casamento, mas desta vez quero que o dia seja seguido por
uma... noite de núpcias.
Antoine estava tão calmo que ela temeu que tivesse cometido algum
erro. Ele respirou fundo.
— Isso é possível.
Então ele a abraçou, mas desta vez Sylvie não se retraiu. Jogou-se nos
braços do marido, devolvendo-lhe todos os beijos. Seu corpo magro parecia
fundir-se com o dele. Quando se sentiu completamente esgotada, deitou-se
nos braços de Antoine e sussurrou com voz calma:
— Era você que eu desejava, mas você era tão inacessível, não poderia
me entender.
— Sylvie, desde aquela noite eu me apaixonei por você perdidamente
— disse ele com sinceridade —, mas tinha medo que você fugisse outra vez
se eu... — interrompeu-se e afundou o rosto nos cabelos da garota. Sua voz
chegou abafada nos ouvidos dela: — Pensei que eu lhe causasse asco...
Algumas vezes você chega a arranhar, pantera.
Ela estremeceu em seus braços.
— Já deve ser muito tarde.
Antoine olhou em direção à porta do quarto.
— É, mas não precisamos nos separar. Você realmente quer esperar
até amanhã à noite?
— Oh, não! — Sylvie escondeu o rosto na nuca de Antoine. Acabara de
ouvir um gemido do cão.
— Acho que teremos que descer até meu quarto, querido. — Ele ficou
surpreso.
— Por quê? Minha cama não é boa o suficiente para você?
Mais uma vez o ganido do cão ressoou no quarto.
— É Toni, querido; ele ficará ganindo a noite inteirinha, se eu não
voltar.
— Aquele maldito vira-lata! Você terá que se desembaraçar dele —
declarou Antoine.
— E tente não maltratá-lo, Antoine, ele foi um grande consolo para
mim, quando você não estava a meu lado.
— Pelo que eu lhe sou muito grato, mas você não vai precisar mais de
consolo no futuro, pois estarei sempre a seu lado. — Apertou-a com mais
intensidade. — Minha esposa adorada!
* * Fim * *