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Respire Fundo

Arthur C. Clarke

Estávamos na finalização da construção do Satélite de Comunicação 2. As


unidades principais já haviam sido juntadas, os alojamentos haviam sido
pressurizados e fora dado o impulso para a rotação da “roda” externa, ligada por
eixos à parte central da Estação. Desse modo, metade da gravidade da Terra tinha
sido criada, nas unidades dos alojamentos, que foram instaladas ao longo da roda
externa.

Estávamos dormindo, eu e mais outros astronautas, que contribuíram para a


construção do Satélite, em nosso alojamento. Os alojamentos eram como salsichas,
colocadas ao longo da circunferência que formava a roda.

Foi quando estávamos dormindo que as luzes principais se apagaram. A


iluminação de emergência logo entrou em ação. Mas a gravidade também havia sido
reduzida a zero! Acordei, subitamente e me atirei para fora de minha cama. Fui
lançado para o teto, onde abri o pulso. Raciocinei com rapidez: as luzes haviam sido
cortadas... e a gravidade também. Tentei comunicação com o resto da Estação, mas o
comunicador estava mudo. A única conclusão era que estávamos separados da
Estação Espacial, vagando no espaço. Mas a uma velocidade de escape de somente
cinquenta quilômetros por hora. Em minutos, uma equipe de resgate iria nos
contactar.

O único problema era o oxigênio. Dispúnhamos de ar para uma hora ou pouco


mais. Em uma hora de espera, ouvimos batidinhas no casco fino do alojamento e,
com o rosto colado ao teto do recinto, pude ouvir o que diziam. O astronauta que
viera com a equipe de salvamento deveria ter se posto deitado no lado de fora do
compartimento e encostado o capacete no casco. Havia assim, uma comunicação
direta entre nós e ele.

Estávamos com o nível de oxigênio próximo a zero. Foi decidido que a equipe
de resgate cortaria o fino metal do casco e teríamos de transpor, por vinte segundos, o
espaço sem uma roupa espacial, até alcançarmos a nave de resgate. Quando uma
seção circular da parede de nosso alojamento foi aberta, estávamos preparados.
Havíamos prendido a respiração, mas, com a saída violenta do ar da cabine, fui
lançado ao espaço. Senti, se minhas funções cerebrais ainda estavam funcionando,
formigamento na pele e sensação de que meus olhos ardiam. Além disso, sentia
muito frio, indício de que a evaporação em minha pele já estava em processo de se
completar.
Estive, por quinze segundos, sob a ação direta dos raios do Sol, até ser
agarrado por um par de mãos de um astronauta e levado à comporta de entrada da
nave de resgate, onde recuperei minhas funções vitais. Estive cego pela luz solar,
durante o tempo em que passei no vácuo absoluto — e, no vácuo absoluto, notei que
não havia o menor sinal de ruído. Nem mesmo enquanto estávamos no alojamento,
pudéramos vivenciar o silêncio absoluto. Sempre havia o ribombar baixo das bombas
de ar. Mas aqui, no espaço, experimentei um silêncio terrivelmente absoluto.

Somos agora o Clube dos Respiradores do Vácuo. O recorde é de dois minutos


no espaço, sem roupa de proteção. Depois disso, a diferença de pressão faz com que o
sangue forme bolhas e ferva, à temperatura do corpo. As bolhas chegam ao coração,
com resultados fatais.

Para mim, a permanência no espaço gerou consequências. Sem uma atmosfera


que filtrasse a radiação solar, fui exposto à pior queimadura de minha vida. Não fui
vítima da respiração no vácuo, mas quanto à minha pele... esta sofreu bastante.

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