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Morre Zé do Caixão, um grande cineasta brasileiro

José Mojica Marins, o conhecido Zé do Caixão, era filho de artistas de circo, Antônio André e Carmen
Marins, e nasceu em uma fazenda de fábrica de cigarros, sendo que quando criança assistia filmes e lia gibis,
além de fazer fantasias de papelão. Seu pai trabalhava numa sala de projeção de filmes, que depois passa a ser
gerente de cinema. O menino com 12 anos já possuía uma câmera V-8, a qual ganhou de presente e dali em
diante não pararia de fazer filmes. Aos 17 anos começou a ensinar atores e depois possuía um lugar com insetos
para testar a coragem de atores.

Com baixo custo de produção, amadorismo e muita criatividade, se via nas produções de Zé do Caixão
lições sobre o ser humano, seus conflitos e o mal que deveria ser vencido. O personagem de Mojica acabava
muitas vezes se dando mal, mas nunca desistia. Muitas mulheres se atraiam por seu jeito e unhas assustadoras,
mas Mojica separava bem seu personagem do homem e produtor de filmes. Com filmes montados com tesoura
em cortes, atores que ganhavam muitas vezes pouco e trabalhavam por amor, bem como outros atores novatos,
como no filme que comentei, “Diário e um anormal”, em meu livro Filmes e Filosofia, onde uma situação
psiquiátrica leva o personagem de encontro aos seus mais assustadores medos e pesadelos. Nesse filme a atriz
foi encontrada em uma boate, e mesmo depois de certo sucesso, desistiu do cinema e voltou a vida da noite,
como relatou Mojica ao comentar o filme em extras. Um filme que mostrou sua qualidade de produção foi
“À meia noite levarei sua alma”, e em muitos filmes parecia e transparecia a crítica a ditadura ou excesso de
poder de sua época. Uma situação que ocorreu foi quando ele ajudou um marido de uma fã, a qual era
apaixonada por Zé do Caixão, e Mojica assim conheceu essas pessoas e provou que o Zé era apenas um
personagem da cabeça dele, que não existia, a ela. Esse amor platônico de uma mulher por Zé também é
retratado em seus filmes, e em especial em “Delírios de um anormal”. O filme mostra um inferno pessoal do
personagem, que revela suas taras, torturas, encontros com seres estranhos, misturando o onírico a complexos
existentes em muitas pessoas. Quem muito admirava o Zé eram os participantes da religião da Umbanda, e
mesmo em filmes aparece alguma entidade, como Pombagira e outros. Mas Mojica era um Católico não
praticante, apesar de ele ter participado de um culto evangélico, o que muitos divulgaram uma fake news de
um Mojica convertido, recentemente. Isso tudo também revela o aspecto cultural de suas obras, revelando algo
essencialmente nacional, num terror com identidade, e admiração de grandes cineastas, como Polanski.
Apresentava um programa na TV recentemente chamado “O estranho mundo de Zé do Caixão”, e todos
lembram nostalgicamente de seu Cine Trash, onde crianças assistiam seus filmes nas tardes da TV, em anos 90.
Outro fato curioso é que por ter esse mito levado em seu personagem, as pessoas procuravam ele para
conselhos espirituais, inclusive para magia negra. Mas Mojica aconselhava evitar qualquer sacrifício humano ou
coisa negativa, sendo um homem de bom coração, que acreditava em Deus. Também participou de música da
banda de hard rock Sepultura

Estudar cinema poderia ser muito eficiente se o fosse com José Mojica e seu Zé do Caixão. Possivelmente
formou grandes atores e produtores, e é internacionalmente reconhecido e admirado. Zé não deixava nada a
dever para outros grandes produtores do terror, como Hitchcock e tantos outros. Original e criativo, nunca
deixou de produzir por falta de recurso financeiro, e quase sempre teve essa situação humilde. Seus filmes
haviam sido relançados em DVD, mas ele não ganhou o merecido por essa divulgação. Mercia maior
reconhecimento e um lugar de destaque na cultura nacional. Ele era cult. O pai do terror nacional. A filosofia
certamente está em seus filmes e merecem grande reflexão. José Mojica Marins, o Zé do Caixão, morreu no
último dia 19 de fevereiro, aos 83 anos

Mariano Soltys, professor, advogado e filósofo

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