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Como a (falta de) cultura de voo pode matar + desmembrando o

relatório final do PT-MFW

Pare e reflita no quanto a aviação brasileira cresceu e evoluiu ao longo das últimas três
décadas. Imagine o ronronar dos dois pares de motores Allison dos Electra II da Varig
no pátio de Congonhas, decolando para mais uma ponte-aérea até o Rio. Se você
assim como eu não era sequer um projeto de vida nessa época, o YouTube está
recheado de vídeos para nos transportar à esta época peculiar.
Nos anos oitenta, quando a chamada “era jato” realmente obteve seu mais alto grau
de desenvolvimento nas rotas comerciais domésticas em nosso país, a cultura de
segurança encontrada nas grandes empresas da época, bem como procedimentos e
instrumentos de aprimoramento da cultura de safety, não eram nem de longe
equiparável com o que vemos hoje. A autonomia e atuação humana na pilotagem
eram flexíveis, algo impensável atualmente – tanto pelas aeronaves modernas quanto
pelas lições do passado.
Recentemente, em conversa com um especial amigo que voou durante alguns anos o
Boeing 727 na extinta Cruzeiro, pude ouvir interessantes histórias das decolagens de
alguma capital do Nordeste brasileiro rumo ao sudeste onde aconteciam memoráveis
sobrevoos panorâmicos nas orlas destas cidades.
Sem recursos adicionais existentes na atualidade, como por exemplo o sistema FOQA
(sigla para Flight Operations Quality Assurance) e sem o advento da tecnologia
embarcada, tínhamos mesmo com este cenário totalmente diferente uma aviação já
segura e muito confiável.
Contudo, em qualquer setor nos quais a aviação é dividida (instrução, geral, agrícola,
executiva ou linha aérea), faz-se necessário adotar e seguir à risca procedimentos e
regras impostos pela ANAC mesmo que estas sejam financeiramente onerosas ao
operador. Os RBHA ou RBAC’s existem justamente para que se adotem padrões nas
operações e sejam assegurados padrões mínimos de segurança. A atividade aérea,
especialmente em um país como o nosso que impõe uma série de entraves à
operação, é custosa, burocrática e, como veremos daqui a pouco, cria lacunas para
que operadores deliberadamente negligenciem a segurança de voo.

A cultura organizacional adotada reflete diretamente na operação e o êxito se dá a


partir do momento em que essa mentalidade de invulnerabilidade e intransigência à
padrões é devidamente imputada em uma empresa. Infelizmente, com o PA-31 PT-
MFW e seus tripulantes, que voavam entre Dourados (SBDO) e Curitiba (SBBI), a
deficiente cultura organizacional ceifou vidas e mostrou, através da face mais triste da
aviação, que fazer o errado pode dar certo durante certo tempo, mas uma hora vai
matar alguém.
Entendendo o acidente:

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