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21/02/2020 Os Salazarismos de sempre | Ardina

2nd June 2012 Os Salazarismos de sempre

Fora vivo Castelao e dir-me-ia, seguramente, que uma pessoa não pode passar a vida em actos de contrição, ou, pelo
menos, não o pode fazer sem ter de mudar de espécie (passar a ser, por exemplo, um ruminante)...

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Há cinco anos atrás perguntava-me como fora possível que o povo (ou um pedaço dele) atribuísse a Oliveira
Salazar o 1º lugar no concurso Os Grandes Portugueses, isto é, que fosse possível eleger este personagem como o
maior português desde Afonso Henriques. Miopia minha, nem todos temos a mesma clarividência, hoje (hoje
mesmo!) dei-me conta de que Salazar teria que ser necessariamente grande. Merecendo ainda, além deste,
outros apodos como, por exemplo, aqueles que plasma (ou dedica) em todas as páginas do seu livro “Discurso
sobre o…” o Professor Alberto Pimenta a muitos outros grandes portugueses avulsos, Salazar teria que ser
necessariamente grande e tão grande que, tendo reencarnado neste início de século XXI (e quando ventos e
marés reencarnam também o período homólogo do séc. passado), um só corpo (ou corpo de um só mortal) não
foi suficiente para o reencarnar, tendo por isso reencarnado no corpo dos (mortais) membros deste XIX
Governo Constitucional [http://pt.wikipedia.org/wiki/XIX_Governo_Constitucional_de_Portugal]  [1]. 

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        - O Salazar narcisista, o provinciano vaidoso, presumido e ignorante, o Salazar cuja atitude bradava a cada
instante algo como não há mais nada para saber para além do que eu sei, não há mais nada para ver para além do que eu
vejo, esse Salazar, reencarna-o Passos Coelho. O Salazar sem conhecimentos, visão e criatividade económica e
empresarial, o Salazar da melhor rede de estradas da Europa, reencarnou em Álvaro Santos Pereira. O Salazar
medricas que só se sentia seguro com policiamentos musculados e repressão entrou como pôde no mortal Miguel
Macedo ao mesmo tempo que o Salazar preconceituoso, judicioso, e vingativo reencarnava na Teixeira da Cruz. O
Salazar  professor de finanças  (e não me estou a esquecer de Cavaco Silva)  e  tributário,  o Salazar velhaco e
mesquinho que tinha uma visão de erário e finanças públicas idêntica à que tem um seminarista da caixa das
esmolas e do dízimo, o Salazar que tributava duramente a pobreza através dos seus vários ministérios, o Salazar
dos confiscos, das licenças de isqueiro, das multas por andar descalço ou pelo chiar dos carros de bois [2],
 reencarna-o todinho Vítor Gaspar, com o mesmo sentido de oportunidade, a mesma criatividade sacrista e o
mesmo cinismo[3], ao mesmo tempo que ao Salazar que face à confrangedora e generalizada pobreza impunha
piedosa resignação e criava as benemerentes casas-do-povo o absorveu o democrata-cristão Pedro Mota Soares e
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não vai haver exorcista capaz de lho tirar do corpo. Miguel Relvas também o reencarna mas,
surpreendentemente, numa vertente de arrependimento: o Salazar que moveu a feroz e musculada perseguição à
emigração a salto dos anos 60, acredita que se pode redimir para a vida eterna recomendando agora a emigração
a esmo para orgulho nacional (Portuguejes, para o estrangeiro, rapidamente e em força; Europa: é
nossa, América: é nossa, Eurásia: é nossa; através das fronteiras, marchar, marchar!...). 

Estes são alguns exemplos do Salazar que alguns diziam regressado com Cavaco Silva (imperdoável erro, esse,
coitado, com o físico que tem, o mais que de Salazar pode incorporar será a sombra) mas que surge
afinal reencarnado no XIX Governo, mas há mais Salazar e mais reencarnações no resto deste elenco governativo
e na sua secretariada-geral. Até Assunção Cristas, com a sua fé e perseverança, chamou a si algo de Salazar,
ainda que não seja por agora claro se  reencarnou  o lado beato e feminino (MNF) de Salazar, se o lado masculino
da governanta Maria…

[1] – até parece que não são/foram constitucionais praticamente todos os governos empossados desde a
constituição de 1822, porque constituições não no têm faltado, passando pela Carta Outorgada e pelas
plebiscitadas do próprio Salazar. Era falso à mesma, mas poderiam (deveriam) dizer XIX Governo Democrático
parta que a contagem e a ordem (19, 19º), pelo menos, fizessem sentido…

[2] 80$50 - oitenta escudos e cinquenta centavos – era a multa que diligentemente aplicava (e cobrava!) a
GNR por ordem deste zeloso Zelador nas aldeias portuguesas dos anos 60, a) por andar descalço na via-
pública (estradas de macadame) a quem nem dinheiro tinha para comprar calçado, fossem os homens e mulheres
que iam descalços para os campos, fossem as mulheres que se deslocavam quilómetros para levar o almoço aos
campos, às pedreiras ou a outro que fosse o local do trabalho dos seus homens, fossem as feirantes que desciam e
subiam as colinas de cestos e açafates à cabeça no dia da feira semanal, b) por os eixos chiarem na mesma (e a
mesma de macadame) via-pública aos lavradores e caseiros que usavam no seu trabalho o único modelo de
furgoneta a que podiam aceder, aos carros de bois, obrigando estes carreteiros a trazerem consigo ou uma lata de
óleo queimado ou uma barra de sabão para untar os eixos do carro de bois, c) a quem, simplesmente, urinasse na
via pública (isto é, contra um silvado ou um tronco de árvore na berma do referido macadame). Meio-século
depois, já há muito faleceu o Parauta que ao tempo criou um pregão rimado a propósito ("é boa, oitenta c'uma
croa"), mas são ainda vivas algumas dessas mulheres e contam como contornavam a multa dos pés descalços,
fosse ao levar o comer às pedreiras, fosse na ida ou vinda da feira: juntavam-se duas, uma com, outra sem chinelas;
a que as tinha ficava com um só pé calçado e emprestando a outra à colega, cruzavam-se com as praças da
guarda...simetricamente calçadas...

[3] - - - -

O Cínico

Publicado 2nd June 2012 por Ardina - Jornalismo Transversal


Etiquetas: democracia, governo, pobreza, Salazar, Salazarismo
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