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A rua deserta e a noite profunda iluminada pelos postes amarelos guiavam meus

passos firmes porém incertos de onde iria. No fone de ouvido tocava Alice Coltrane
e eu tentava me agarrar a alguma coisa que não passesse tão rápido quanto a linha
do tempo que molda minha percepção da realidade.

Sim, eu iria comprar alguma coisa que já nem me lembrava mais. Na real, eu só
precisava só parar de pensar um pouco. São tantos estimulos de todos os lados que
eu me sinto confuso mesmo com meus pés no chão. Entrei numa rua qualquer sem saber
onde iria parar mas não segui até o final dela. Depois entrei à esquerda. Uma
estrela brilhava no céu e eu deslumbrei todo o que era mundo complexo e hostil, sem
a mascara que caiu aos meus pé se quebrando como vaso no chão dos deuses.

Virei a direita antes dos meus pensamentos virarem fumaça. Era uma rua estreita mas
muito bem feita. Tudo parecia bonito e artificial. Nas casas, vidros de blindex
deixava a mostra familias de comercial de margarina assistindo big brother brasil.
Coloquei a mão no bolso e a cabeça baixa olhou meus chinelos gastos. Antes de
terminar aquela rua um carro de policia entra na esquina silenciosa. Devagarinho
passa por mim. Olhei nos olhos do PM que parou a viatura e desceu de arma na mão.
Nunca esqueço minha cor quem eu sou. O mundo nunca deixaria eu esquecer. Para onde
você vai? Quem é você e o que eu estou fazendo aqui? Foi o que o policial me
perguntou sem saber que já me faço essas perguntas o tempo todo. Pegou minha
identidade e foi conferir no rádio. Um bom tempo se passou e tudo limpo. Pode ir.

Peguei um atalho por dentro de um terreno baldio atrás do supermercado Kawakami.


Era tipo uma pequena floresta de uns 100 metros ligando uma rua a outra. Era para
ser uma praça mas não teve negociação pois quem passava por ali eram apenas os
funcionarios do mercado que já eram gasto demais para o japones rico dono do
negócio.

Eu sempre passava por ali durante o dia e meus pés seguiram automaticamente a
trilha no meio do matagal. Eu sentia as jabuticabas estourarem sob meus pés
espirrando seu liquido nas minhas pernas. Eu não via um palmo na frente do nariz e
a escuridão ao meu redor refletia meu eu mais profundo. O som nos fones repetiam um
matra do espiritual jazz que pulsava no meu ouvido indo direto para meu
subconsciente. Uma luz piscava a minha frente e eu não temi nem tremi. Não nada.
Apenas o vazio tomou conta de minha mente que não sabia para onde ir. A música
parou de tocar. O silencio transpassou-me e invadiu aquela pequena floresta. Olhos
brilhantes me seguiam, eu podia sentir. E então eu escrevi. Escrevi e escrevi. Lá
no fundo de mim eu escrevi. Escrevi com meus olhos, com meu corpo. E não poderia
fazer mais nada que não fosse escrever. Um caminho se abriu e do verbo se fez luz
na minha trilha de folhas mortas e jabuticabas estouradas.

Um gato me olhava com seus olhos verdes brilhantes. Ganesha moderno pensei. E já
que pensei, também voltei ao vortex de ilusões e desejos. E também à linha do tempo
que me fez sair tarde da noite para comprar algo que nem sei se queria de verdade.
Tecendo cada palavra como caminho sem volta me agarro novamente a qualquer coisa
que seja mais real que esses pixeis mal traçados numa página de hipertexto no
ciberspaço que medito todos os dias olhando o espelho negro da minha alma e as
personas que moldam o insconciente coletivo contemporaneo.

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