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FUNDAÇÃO UNIVERSITARIA ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DA REGIÃO SUL


ARQUITETURA E URBANISMO

KARINE FERNANDES LUIZ

LEGISLAÇÃO E ÉTICA PROFISSIONAL


ARTIGO ACADÊMICO

LAGUNA – SC
25/11/2019
O Objetivo e o Subjetivo na Legislação Urbana: A Eficiência do Plano Diretor

A legislação urbanística é o conjunto de leis voltado a disciplinar o uso e a


ocupação do solo urbano, resultando na superação da ideia de propriedade como um
direito individual absoluto, e consagrando o cumprimento da função social da
propriedade privada (Art. 182, Constituição Federal de 1988).
“A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes.”
Fazem parte desse conjunto de leis, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei
Federal 6.766/79) e o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001). Esse último trouxe
consigo o Plano Diretor, principal orientador da ocupação do solo urbano. Neste artigo
serão apontados aspectos que dificultam a efetividade da sua função.
Baseado no art. 30, capítulo IV da Constituição Federal, os municípios podem
legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal no que
couber, logo devem compor os seus Planos Diretores específicos para a sua cidade.
Porém, após a implementação do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor tornou-se
obrigatório (Art. 41) para cidades com população superior a vinte mil habitantes,
integrantes de área de especial interesse turístico, com atividades com significativo
impacto ambiental, ou que queiram utilizar algum dos instrumentos, devendo ser
elaborado até 2008, prazo cumprido as pressas por muitos municípios.
Essa pressa, aliada ao desinteresse dos legisladores, resultaram em Planos
Diretores com partes copiadas integralmente de Planos de outras cidades, ou elaborados
por empresas que nunca sequer estiveram no local, muito menos conhecem a dinâmica
da cidade, como aconteceu em Laguna/SC.
A cidade teve incentivo do governo federal para comprar o Plano Diretor elaborado
por uma empresa externa, pois ele possuía interesse em duplicar a BR101, para isso
necessitava de diretrizes bem definidas da legislação local. Isso gerou definições que
não condizem com o local e leis não aplicáveis, que tiveram que ser corrigidas em anexos
posteriores.
Outro fator que também leva a gerar esses anexos retificadores, são as leis serem
votadas por pessoas que não possuem os conhecimentos técnicos necessários para
avaliá-las, como cita Carvalho Pinto (2007).
“Não se sabe como o plano diretor se articula com as operações concretas
de intervenção no território ou com outros instrumentos de ordenamento
territorial, como o zoneamento ambiental. O processo de aprovação do
plano não leva em consideração suas especificidades técnicas, o que
permite que emendas o deformem, resultando em regras incoerentes e
contraproducentes. Depois de aprovado o plano, qualquer lei pontual pode
alterá-lo. Depois de algum tempo não se sabe sequer o que está ou não
em vigor. A terminologia dos planos e leis urbanísticas é distinta em cada
município. Cada um cria uma classificação de zonas próprias, cujo regime
jurídico muitas vezes se confunde. A mera leitura de um mapa exige
profundo conhecimento da legislação local. Há grande dificuldade em ter
acesso as leis municipais e saber o que está ou não em vigor. A
multiplicação de conceitos e normas a respeito do mesmo objeto cria um
verdadeiro código próprio, que só pode ser lido por especialistas na
legislação de cada município”.
Assim gerando burocracia excessiva, pois são tantos anexos que o projetista deve
ler para saber a viabilidade, que acaba se confundindo na validade deles, levando a ter
seu projeto devolvido. O mesmo acontece com o técnico responsável pela análise de
viabilidade, com um anexo contradizendo o outro, torna-se necessário que o projeto seja
enviado a outros setores, causando demora na resposta do parecer.
As pessoas sem conhecimentos técnicos citadas, são os vereadores, que em sua
maioria são eleitos com patrocínio alheio, de quem ficam à mercê dos interesses durante
o mandato. Como explica Ribeiro:
“Contudo, a contradição mais gritante entre o planejamento urbano e a
realidade residia, e reside, precisamente no órgão de poder ao qual cabia
e, cabe, implantar a lei urbanística. Um plano diretor é em última análise
uma lei municipal. O poder que deve votar essa lei é exercido por uma
Câmara de Vereadores. Seria rematada hipocrisia afirmar que as câmaras
municipais são imunes a ignorância, ao servilismo e à corrupção.
Praticamente nenhum vereador se elege sem dinheiro alheio. Na sociedade
local, proprietários de terrenos, empreiteiros e outros membros das classes
dominantes detêm o poder de eleger ou não eleger vereadores. É fácil
imaginar a força de interesses particulares, justamente aqueles que o
planejamento pretende disciplinar, no processo de aprovação dum plano
urbano”.
Além dos vereadores, o art. 2, inciso II do Estatuto da Cidade determina que as
leis sejam aprovadas mediante participação popular, porém as publicações são de difícil
acesso, para que poucas pessoas consigam ter conhecimento, como fala Milton Santos.
“Nas circunstâncias atuais, nada é mais difícil ao comum dos mortais que
poder consultar ou mesmo ver as informações que serviram de fundamento
à redação do que depois será apresentado como projeto ou plano. Estes,
na maior parte das vezes, são, na verdade, muito mais uma operação
maquillage, destinada a esconder propostas de ação setorial, substitutivas
do plano global que as populações estão no direito de reclamar e de ter”.
Somente quem tem algum interesse particular no que será votado e sabe onde
procurar, consegue participar das reuniões com o objetivo de ter a legislação mudada a
seu favor.
Sendo assim, percebe-se que o problema no desempenho do Plano Diretor não é
gerado pela lei, sim pelos responsáveis em aplicá-la. Para que a Legislação Urbana seja
efetiva é necessário que existam políticas que garantem a sua aplicação, pois uma lei
escrita somente devido a uma determinação federal e esquecida pelo poder público
municipal, não garante seu cumprimento.
Referencias:
PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico: plano diretor e direito de propriedade.
São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2014.
SANTOS. Milton. O espaço do cidadão. São Paulo:Nobel, 1987.
RIBEIRO, Demetrio. O planejamento urbano do Rio Grande do Sul (um depoimento
sobre as vicissitudes da ideia do plano diretor, de 1945 até hoje). In:WEIMER, Günter
(Org.). U
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 1 jan.
2017.
BRASIL. Lei Regulamentar nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade.
Brasilia, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 15 nov.
2019.
LAGUNA. Lei Complementar nº 268, de 11 de dezembro de 2013. Plano Diretor
Municipal. Laguna, SC, Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-
laguna-sc>. Acesso em: 15 nov. 2019.

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