Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INDIVIDUAÇÃO*
NILDO VIANA**
Resumo: o presente artigo apresenta uma análise da concepção junguiana sobre o desenvol-
vimento da personalidade e uma breve consideração sobre esse processo e a formação social
do indivíduo tal como é entendido por outros autores. Assim, após uma síntese da concepção
de Carl Gustav Jung, que remete ao problema da individuação, a comparamos com a con-
cepção oriunda da sociologia e outras abordagens que tratam do fenômeno da socialização.
Disso resulta uma perspectiva crítica da análise junguiana, sem descartar o conjunto de
suas contribuições. O maior problema da análise de Jung é, simultaneamente, o seu grande
mérito: a análise da mente como totalidade psíquica. Essa concepção tem como problema a
autonomização da psique humana, o que a desliga do social, sendo este o determinante da
mente humana. O mérito foi ter focalizado o universo psíquico do ser humano, desde que
entendamos não como ele o fez, como autonomização, e sim como foco. Desta forma, compre-
endendo como foco e não autonomia, podemos usar a concepção junguiana para compreender
o fenômeno psíquico.
A
obra de Carl Gustav Jung é uma das mais importantes no interior da psicanálise.
A psicanálise, fundada por Freud, teve um desenvolvimento que promoveu algumas
cisões internas, sendo que a cisão de Adler foi a primeira que gerou forte impacto e
toda uma corrente psicanalítica distinta da freudiana e a de Jung, a segunda que gerou uma
nova tendência no interior da psicanálise1. Após a colaboração com Freud e o rompimento,
Jung desenvolve uma nova concepção psicanalítica que abrange um grande número de teses,
A obra de Jung e sua análise da individuação remetem para vários construtos, entre
os quais inconsciente pessoal, inconsciente coletivo, persona, sombra, anima, animus, etc. e que
formam uma concepção do desenvolvimento da personalidade. Segundo Jung (1978, p. 49):
Trazemos em nós o nosso passado, isto é, o homem primitivo e inferior com seus apetites
e emoções, e só com um enorme esforço podemos libertar-nos desse peso. Nos casos de
neurose, deparamos sempre com uma sombra consideravelmente densa. E para curar-se
tal caso, devemos encontrar um caminho através do qual a personalidade consciente e a
sombra possam conviver (JUNG, 1987, p. 81).
O self (si mesmo) não se revela apenas através de personificações humanas. Sendo uma
grandeza que excede de muito a esfera do consciente, sua escala de expressões estende-se
de uma parte ao infra-humano e de outra parte super-humano. Assim, seus símbolos po-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o que foi colocado no decorrer do presente texto, a psicologia analí-
tica de Jung aparece como um importante capítulo na história da psicanálise. Outras verten-
tes diferenciadas tentaram adaptar o legado de Freud ao desenvolvimento de novas tendências
ideológicas, como o estruturalismo (LACAN, 1992) e o existencialismo (MAY, 1974), além
das anteriormente citadas. Esse processo aponta para o reconhecimento de que, entre todas
as abordagens psicanalíticas, a de Jung ocupa um lugar fundamental, ao lado de Freud, Adler,
Fromm e outros.
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia,v. 27, n. 4, p. 486-494, out./dez. 2017. 491
Uma das principais contribuições de Jung é o processo de individuação, foco de
nossa análise. O processo de individuação é explicitado na perspectiva do indivíduo em seu
processo de formação, o que teria, como processo determinante, o processo de socialização,
pensado na perspectiva social. Foi por esse motivo que apresentamos a concepção junguiana e
depois a comparamos com outras concepções, oriundas da sociologia e outras áreas do saber,
para recompor a totalidade que é o desenvolvimento da personalidade.
A nossa conclusão é a de que grande parte das análises de Jung é útil para um de-
senvolvimento da psicanálise, retirando o seu “invólucro místico”, tal como colocou Marx
em relação a Hegel (MARX, 1988). Assim, a contribuição de Jung deve ser reconhecida, mas
criticamente. Somente dessa forma é possível haver um discernimento sobre o que contribui
com a compreensão do universo psíquico dos seres humanos e o que é descartável. A abor-
dagem crítica é fundamental, mas também o cuidado para não jogar a criança fora da bacia
junto com a água suja. O que fizemos aqui foi a retenção da criança e o descarte da água suja.
E uma das grandes contribuições de Jung, a nosso ver, é o seu foco analítico na psi-
que humana e sua dinâmica própria. O problema ocorre em sua autonomização do psiquis-
mo, o que pode ser corrigido com sua inserção numa totalidade mais ampla que é a sociedade.
Alguns termos junguianos precisam se integrados ao processo analítico da mente humana,
como persona, sombra, entre outros. Para isso se tornar mais sólido é fundamental a releitura
de Jung e de seu significado no interior da história da psicanálise. Essa é a nossa conclusão e
que promove um amplo programa de pesquisa a ser realizado no futuro.
Abstract: this article presents an analysis of the Jungian conception about the development of per-
sonality and a brief consideration about this process and the social formation of the individual as
understood by other authors. Thus, after a synthesis of the conception of Carl Gustav Jung, which
refers to the problem of individuation, we compare it with the conception coming from sociology
and other approaches that deal with the phenomenon of socialization. This results in a critical pers-
pective of the Jungian analysis, without discarding the set of its contributions. The major problem
of Jung’s analysis is, at the same time, his great merit: the analysis of the mind as a psychic totality.
This conception has as its problem the autonomization of the human psyche, which disconnects it
from the social, which is the determinant of the human mind. The merit was to have focused the
psychic universe of the human being, provided we understand not how he did it, as autonomiza-
tion, but as focus. In this way, understanding as focus and not autonomy, we can use the Jungian
conception to understand the psychic phenomenon.
Notas
1 A psicanálise adleriana, bastante citada por Jung, pois seu rompimento e estruturação de uma interpretação
psicanalítica distinta da de Freud, ganhou um espaço que acabou se perdendo com o passar dos anos. Apesar
da psicanálise de Adler ter trazido conceitos fundamentais para a psicanálise, como a de “complexo de
inferioridade”, a historiografia da psicanálise não lhe faz a devida justiça, pois apesar de aparecer em capítulos
de livros sobre história da psicanálise, a profundidade e importância de sua contribuição não é levada em
Referências
BROWN, J. A. C. Freud e os seus Continuadores. Lisboa: Ulisseia, 1963.
CARDOSO; CUNHA, T. Do Mito Coletivo ao Mito Individual. In: O Mito Individual do
Neurótico. 2. ed. Lisboa: Assírio e Alvim, 1987.
DURKHEIM, É. As Regras do Método Sociológico. 6. ed. São Paulo: Nacional, 1974.
FREUD, S.Totem e Tabu. São Paulo: Imago, 1974.
FREUD, S. A História do Movimento Psicanalítico. In: Textos Escolhidos. São Paulo: Nova
Cultural, 1978.
FROMM, E. Análise do Homem. 10. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
FROMM, E. O Medo à Liberdade. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
FROMM, E. O Medo à Liberdade. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
JUNG, C. G. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1978.
JUNG, C. G. Psicologia e Religião Oriental. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
JUNG, C. G. Psicologia e Religião.. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
JUNG, C. G. Presente e Futuro. Petrópolis: Vozes, 1988.
JUNG, C. G. Freud e a Psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989.
JUNG, C. G. O Desenvolvimento da Personalidade. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
LACAN, J. Escritos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
LORENZER, A. Bases para una Teoria de la Socialización. Buenos Aires: Amorrortu, 2001.
MARONI, A. Jung: O Poeta da Alma. São Paulo: Summus, 1998.
MARX, K. O Capital. 3.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MAY, R. Psicologia Existencial. Porto Alegre: Globo, 1974.
MEAD, M. Sexo e Temperamento. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1988.
SILVEIRA, N. Jung: Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
STAUDE, J. R. O Desenvolvimento Adulto de C. G. Jung. São Paulo: Cultrix, 1995.
THOMPSON, C. A Evolução da Psicanálise. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
VIANA, N. Inconsciente Coletivo e Materialismo Histórico. Goiânia: Edições Germinal,
2002.
VIANA, N. Introdução à Sociologia. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.