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Rev Bras Psiquiatr 2001;23(Supl I):2-3

Aspectos básicos de tomografia


computadorizada e ressonância
magnética
Edson Amaro Júniora e Helio Yamashitab
a
Section of Neuroimaging, Division of Psychological Medicine, Institute of Psychiatry, King’s College, Londres e Unidade de Ressonância
Magnética, Instituto de Radiologia (InRad), Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. bDepartamento de Medicina
por Imagem, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina

Introdução que causa confusão com radioatividade e não há radiação


A psiquiatria tem se beneficiado dos avanços tecnológicos ionizante nesse método. A técnica fundamenta-se em três eta-
das técnicas de neuroimagem nas duas ultimas décadas. Di- pas: alinhamento, excitação e detecção de radiofreqüência. O
versas pesquisas têm sido desenvolvidas. O presente artigo alinhamento se refere à propriedade magnética de núcleos de
visa esclarecer aspectos metodológicos básicos em alguns átomos, que tendem a se orientar paralelamente a um
neuroimagem estrutural e funcional em tomografia campo magnético (como uma bússola em relação ao campo
computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). magnético da terra). Por razões físicas e pela abundância, o nú-
cleo de hidrogênio (próton) é o elemento utilizado para produ-
Tomografia computadorizada zir imagens de seres biológicos (leia-se, nós). Assim, para que
Essa técnica, que se baseia em raios-X, foi utilizada para apli- esses átomos sejam orientados numa certa direção, é necessá-
cações clínicas ainda no início da década de 70, uma vez que rio um campo magnético intenso – habitualmente cerca de 1,5
torna possível examinar o encéfalo e, com maior clareza, os Teslas (30 mil vezes mais intenso que o campo magnético da
limites do sistema ventricular e as partes ósseas do crânio. O terra). Entendida essa etapa, é possível associar o nome “mag-
aparelho consiste em uma fonte de raios-X que é acionada ao nética” e o antigo “nuclear”. Falta entender “ressonância”.
mesmo tempo em que realiza um movimento circular ao redor A etapa seguinte é a excitação. Sabe-se que cada núcleo de
da cabeça do paciente, emitindo um feixe de raios-X em forma hidrogênio “vibra” numa determinada freqüência proporcional
de leque. No lado oposto a essa fonte, está localizada uma série ao campo magnético em que está localizado. Assim, em 1,5 T,
de detectores que transformam a radiação em um sinal elétrico o hidrogênio tem freqüência de 63,8 MHz. O aparelho emite
que é convertido em imagem digital. Dessa forma, as imagens então uma onda eletromagnética nessa mesma freqüência. Existe
correspondem a secções (“fatias”) do crânio. A intensidade (bri- uma transferência de energia da onda emitida pelo equipamen-
lho) reflete a absorção dos raios-X e pode ser medida em uma to para os átomos de hidrogênio, fenômeno conhecido como
escala (unidades Hounsfield). ressonância.
Recentemente, com a evolução tecnológica, é possível ad- Já temos agora o nome completo dessa técnica, mas falta
quirir imagens rapidamente através da técnica de varredura es- informação de como são produzidas as imagens. Esta é a ter-
piral (ou helicoidal). Essa inovação permite realizar o exame ceira etapa: detecção de radiofreqüência. Quando os núcleos
em aproximadamente três minutos (quando o presente artigo de hidrogênio receberam a energia, tornaram-se instáveis. Ao
foi escrito). Torna possível também a angiografia por TC (angio- retornar ao estado habitual, eles emitem ondas eletromagnéti-
TC) e outros procedimentos que se beneficiem de dados cas na mesma freqüência (63,8 MHz – faixa de ondas de rádio).
volumétricos. Isto facilita o exame de pacientes agitados. Então o equipamento detecta essas ondas e determina a posi-
Apesar dos avanços, ainda é limitada a capacidade de diferen- ção no espaço e a intensidade da energia. Essa intensidade é
ciar entre substância branca e cinzenta, notadamente na região mostrada como “brilho” na imagem, sendo utilizada a nomen-
do cerebelo e núcleos da base. A grande deficiência é vista nas clatura “intensidade de sinal”.
doenças desmielinizantes ou em algumas lesões neoplásicas Dependendo da forma e do tempo em que excitamos os áto-
infiltrativas e em transtornos psiquiátricos. A única indicação mos, as imagens poderão ser mais sensíveis a diferentes pro-
para esse exame em psiquiatria é a pesquisa de diagnósticos priedades dos tecidos (Figura 1). Por exemplo, temos as ima-
diferenciais como neoplasias e processos inflamatórios, em gens T2, nas quais líquidos (liquor), desmielinização e áreas de
situações em que o acesso à RM é limitado. edema no tecido cerebral se mostram mais claros – alto sinal.
Nas imagens T1, a substância branca é mais clara que a cinzenta
Ressonância magnética e áreas com alto conteúdo protéico e tecido adiposo em geral
Algumas pessoas ainda utilizam o nome “ressonância magné- tem maior sinal - mais claras.1
tica nuclear”. O termo “nuclear” não é o mais correto, uma vez As imagens de RM têm maior capacidade de demonstrar

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Rev Bras Psiquiatr 2001;23(Supl I):2-3 Aspectos básicos
Amaro E Jr & Yamashita H

diferentes estruturas no cérebro e têm facilidade em demons- vos e mesmo olfativos e gustativos. A principal vantagem é a
trar mínimas alterações na maioria das doenças. As alterações possibilidade de repetir várias vezes cada estudo no mesmo
morfológicas são mais facilmente avaliadas do que na TC, bem paciente, já que não há radiação ionizante ou necessidade de
como há maior sensibilidade para doenças desmielinizantes e injeção de contraste.
processos infiltrativos. É também possível avaliar estruturas A realização do exame é feita de modo a obter imagens do
como hipocampos, núcleos da base e cerebelo (o qual é de cérebro durante a execução da atividade que se quer estudar e
difícil avaliação na TC) – em alguns casos necessárias para outras imagens controle, onde essa tarefa não é executada. Desta
pesquisa de transtornos mentais.2 forma o indivíduo realiza uma série de atividades enquanto o apa-
O aparelho é na verdade um túnel com cerca de 1,5 a 2,5 relho adquire as imagens, as quais serão analisadas posteriormente.
metros de comprimento e produz um ruído durante a emissão Exemplificando, suponha que o estudo seja para avaliar quais as
das ondas de radiofreqüência e procedimento de localização áreas cerebrais se correlacionam com a tarefa de fluência verbal.
do sinal. Esse ambiente é limitante para claustrofobos, contra- Inicialmente, durante 30 segundos, o indivíduo observa letras apre-
indicado para pacientes com marca-passo e “clips” de sentadas visualmente numa tela. A orientação é gerar palavras
aneurismas (há outras contra-indicações formais). que se iniciem com a letra apresentada. Nos 30 segundos seguin-
tes são apresentadas palavras, que devem ser simplesmente lidas
Ressonância magnética funcional (imagens controle). Essas tarefas são repetidas, num total de cin-
A técnica de ressonância magnética funcional – RMf – é se- co ciclos, durante os quais são adquiridas cerca de cem imagens
melhante a um exame clínico dessa modalidade. As diferenças de todo o cérebro (uma a cada três segundos). Uma outra técnica
principais se devem à particularidade de se obter informações – RMf relacionada a eventos – permite maior resolução temporal
relativas à determinada função cerebral. Neste sentido, é ne- e flexibilidade, mas está além do escopo do presente artigo.
cessário que haja uma forma controlada para executar essa fun- Após a análise, são mostradas as áreas que apresentaram au-
ção, por exemplo, fluência verbal. Isto se faz necessário devi- mento do sinal de RM no momento de geração das palavras em
do à característica fundamental de exames de neuroimagem relação às imagens adquiridas durante o controle (leitura passi-
funcional: comparação entre dois (ou mais) “estados va).4 A Figura 2 mostra o resultado desse tipo de exemplo, onde
cognitivos” do cérebro. Essa comparação é feita por meio de áreas do lobo frontal esquerdo, da porção superior do lobo tempo-
métodos computacionais com técnicas estatísticas complexas ral e do lobo parietal deste lado mostram correlação com a tarefa
para analisar as imagens – o que faz com que o resultado do de fluência verbal. Atualmente, as aplicações são principalmente
estudo seja conhecido somente após algumas horas. em pesquisa.5 A RMf, potencialmente, poderá ser utilizada como
O princípio da RMf é a oxigenação sangüínea.3 Em áreas com dado adicional para planejamento cirúrgico ou para avaliar o im-
maior atividade neuronal, há oferta de oxigênio maior que o con- pacto de determinado procedimento terapêutico no desempenho
sumo local. Isto causa um aumento da concentração regional de do paciente em determinada função cognitiva.6
hemoglobina saturada de oxigênio (oxi-hemoglobina). Essa mo-
lécula tem propriedades magnéticas diferentes da hemoglobina Conclusão
não saturada (desoxi-hemoglobina). Assim, utilizando técnicas A avaliação estrutural de transtornos psiquiátricos tem se
especiais (seqüências BOLD) podemos observar pequenas vari- beneficiado do avanço tecnológico. O grande volume de pes-
ações da intensidade do sinal devidas à ativação cerebral. quisa em neuroimagem torna mais próxima a aplicação clíni-
É possível apresentar estímulos visuais, auditivos, sensiti- ca desses achados.

Referências
1. Osborne AG. Diagnostic neuroradiology. 1ª ed. St. Louis: Mosby; 4. Brammer MJ, Bullmore ET, Simmos A, Williams SCR, Grasby PM,
1994. Howard RJ, et al. Generic brain activation mapping in fMRI: a
2. Wright IC, Rabe-Hesketh S, Woodruff PW, David AS, Murray RM, nonparametric approach. Magn Reson Imaging 1997;15:763-70.
Bullmore ET. Meta-analysis of regional brain volumes in 5. Shergill SS, Bullmore E, Simmons A, Murray R, McGuire P. Functional
schizophrenia. Am J Psychiatry 2000;157(1):16-25. anatomy of auditory verbal imagery in schizophrenic patients with
3. Ogawa S, Lee TM, Kay AR, Tank DW. Brain magnetic resonance auditory hallucinations. Am J Psychiatry 2000;157(10):1691-3.
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Acad Sci USA 1990;87:9868-72. rial]. Radiol 1998;207:289-95.

Correspondência: Edson Amaro Júnior


Division of Psychological Medicine, Institute of Psychiatry
De Crespigny Park, Denmark Hill, SE5 8AF – Londres, Reino Unido
E-mail: sphaeam@iop.kcl.ac.uk

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Aspectos básicos – p. 2-3

Figura 1 – Imagens de ressonância magnética

A) Reconstrução tridimensional, B) Axial T2 e C) Coronal T2.

Figura 2 – Imagem de ressonância magnética funcional – linguagem

Ativação de áreas em córtex fronto-temporal durante tarefa de fluência verbal.

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