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Fatia da produção industrial em relação ao PIB cai em todo o mundo desde 1970 e

não só no Brasil

Se há uma aberração nesta história, é a avassaladora capacidade de produção da


China. Em 2011, desbancou os EUA e se tornou a potência industrial número 1
18/12/2012 - 02:52 - Antonio Machado

O debate sobre a suposta desindustrialização da economia é um dos temas mais candentes


dos últimos anos, levando os governos no mundo a acionar medidas tentando revigorar e
proteger suas indústrias da concorrência externa, sobretudo da China. Mal estudada é a
natureza do tal declínio industrial, especialmente a sua comprovação.

A última atualização das contas nacionais de mais de 200 países do banco de dados da
Organização das Nações Unidas (ONU), divulgada no dia 12 passado, reforça o que é
sabido: a queda do naco da produção industrial em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é
um fenômeno global, atinge a todos os países, sem implicar, necessariamente,
desindustrialização. Nem nos EUA, que, até por razões geopolíticas, assistiram à migração
de setores industriais inteiros para a China.

A importância da China na queda relativa da produção em relação ao PIB mundo afora é um


dado incômodo. Mas teve maior importância, no processo, a expansão do setor de serviços
a um ritmo maior que o da indústria, conforme trabalho do economista Mark Perry, professor
da Universidade de Michigan, que destrinchou os dados da ONU.

Nos últimos 41 anos, de 1970 a 2011, medida em preços correntes, a fatia da produção
industrial sobre o PIB global caiu de 26,7% para 17%, praticamente, a mesma redução
observada nos EUA, de 24,3% para 12,7%. Mas também no Brasil, com a redução de
24,6% para 12,4%. Ou na Itália, de 24,3%, em 1970, para 14,3% em 2011; no Japão, de
35% para 20%; Canadá, de 19% para 10,25%; ou Alemanha, de 30% para 20%.

A produção industrial da China, no mesmo período, cresceu para 40% do PIB (incluindo
mineração e utilidades públicas), ou para 32,6%, contando só o ramo de manufaturas, que é
a medida de comparação com os demais países. E é a que faz a diferença, pois, como era
comum às economias centralizadas puras, a China tinha, desde os anos de 1950, uma
grande indústria, só que de bens pesados, não de consumo, adquirida depois de 1978, com
a abertura ao capital estrangeiro.

China agora é a número 1

Se há uma aberração nesta história, é a avassaladora capacidade de produção chinesa - e


cada vez mais de bens com alto valor agregado, como carros e eletroeletrônicos, além de
máquinas inteligentes. Não é por menos que se tornou, em 2011, a potência industrial
número 1.

China e EUA chegaram a 2010 com valor de produção industrial quase igual, conforme os
dados da ONU – US$ 2,373 trilhões no caso chinês – apenas US$ 8 bilhões a mais que a
valor agregado da indústria nos EUA, a maior do mundo desde as primeiras décadas do
século passado.

A fraqueza da economia americana desempatou o jogo. A produção da China cresceu 23%


no ano passado, chegando a US$ 2,9 trilhões (US$ 2,34 trilhões considerando apenas as
manufaturas), enquanto nos EUA a indústria avançou miúdos 2,87%, gerando US$ 2,43
trilhões (ou US$ 1,9 trilhão, excluindo os setores extrativistas e de utilidades).
Diferentes diagnósticos

Este é um dado que deixa sequelas sobre a macroeconomia. Significa que os EUA seguem
consumindo mais do que produzem. Mas não implica, em tese, decadência industrial. O
ocaso industrial viria na esteira de perda de competitividade, o que não parece ser o caso
dos EUA – mas é o do Brasil -, dada a produtividade de sua força de trabalho.

Segundo Mark Perry, estima-se que a China empregue 100/110 milhões de operários no
setor industrial. Os EUA ocupam 12 milhões, gerando uma produção apenas 19% menor. “A
China emprega quase dez operários contra só um nos EUA para gerar quase o mesmo
produto”, diz ele. A causa do desequilíbrio é basicamente cambial. No Brasil a solução é
mais complexa, misturando câmbio apreciado e produtividade baixa.

Produtividade no bolso

Afora os fatores cambiais, a queda da indústria como proporção do PIB se liga a ganhos de
produtividade, sobretudo dos preços de bens duráveis em relação aos preços dos serviços
e à renda das pessoas.

“Isso é sinal de progresso econômico, não de regressão”, diz Perry. “O padrão de vida no
mundo hoje é maior do que quando a manufatura representava 26,7% do PIB global.”

Uma geladeira com 500 litros em 1983, por exemplo, custava nos EUA cerca de US$ 500,
equivalentes a 61 horas de trabalho de um operário típico. Hoje, custa menos de 25 horas
de trabalho (que subiu de US$ 8,19 a hora para US$ 19,81).

Televisor vendido a US$ 550 (67 horas de salário) em 1983, hoje equivale a uma TV de
LED/HD de 32 polegadas, comprada por US$ 260 ou 13 horas de trabalho.

Tais relações, ajustadas pelo câmbio e livre de impostos, devem ter viés semelhante no
Brasil, apesar de o custo de produção ser maior. Se aumentar a produtividade, diminui o
risco de desindustrialização - meta essencial de uma política industrial.

Para além da abstração

A maçaroca de números da ONU permite várias reflexões. Tome-se a China: sua produção
de manufaturados ficou estagnada entre 2010 e 2011, o que implica dizer que sua ascensão
a número 1 se deveu à indústria pesada, de um lado, e à desaceleração dos EUA, de outro.

Outra reflexão é que, ajustado aos preços dos serviços, o pedaço relativo da produção
industrial sobre o PIB varia conforme a taxa de produtividade. E a queda de participação é
menor do que sugere a medida em preços correntes. Para o cidadão, importam tais ganhos.

Servindo-se de novo do cenário nos EUA, em 1950 uma cesta de bens, incluindo comida,
vestuário, eletrodomésticos, mobiliário e carro, consumia 40% da renda pessoal (fonte:
Bureau of Economic Analysis). Em 2012, consome apenas 15% da renda, diz o economista
Mark Perry. (Ficamos devendo tais dados para Brasil).

Eis o senso da política econômica: indústria competitiva para gerar empregos e produção
com preços relativos decrescentes sobre a renda. O resto é abstração.

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