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ANTONIO MACHADO

País está bem melhor que há 10 ou 20 anos, mas há insegurança com


o que acena o futuro próximo

Sinalize-se uma política econômica que trate a exportação como ação de Estado,
e o pessimismo cederá. E irá à euforia se o gasto fiscal for passado a limpo
2/8/2014 - 00:00 - Antonio Machado

A ansiedade empresarial, meses de uma eleição cujo curso ainda é imprevisível,


atinge a exatos dois níveis recordes, como informam os indicadores de confiança e a
queda livre dos investimentos. Não há mais como a indústria escapar da recessão este
ano. A produção física caiu 1,4% em junho, completando quatro trimestres seguidos
em retração. A anemia do Produto Interno Bruto também é visível.
O crescimento econômico vai encolher em relação à média de 2,1% entre 2011 e
2013, devendo situar-se este ano, segundo o consenso de mercado apurado pelo
Banco Central no boletim semanal Focos, em torno de 0,90%, e apenas 1,5% em
2015. Se não fosse a fortaleza do agronegócio exportador e da indústria extrativa,
especialmente com a recuperação da produção de petróleo, o quadro seria mais grave.
Tais prognósticos antecipam serio enrosco para o próximo governo, já que taxas de
crescimento anual abaixo de 2% a 2,5% aprisionam a arrecadação tributária num
patamar insuficiente para custear pouco mais que as transferências de renda a
pessoas (que já absorvem 60% da receita fiscal), além dos repasses constitucionais a
estados e municípios e o pagamento da folha do funcionalismo federal.
Não há problema maior a turvar o horizonte do desenvolvimento que o custeio dos
gastos incomprimíveis do setor público, e isso quando é crescente a reivindicação da
sociedade por serviços de qualidade, em contraponto à visão consensual de que a
carga tributária de 37% do PIB esmaga a competitividade da economia, pivô do
investimento, e cria um nefasto antagonismo entre taxa de lucro e salário.
As 300 e poucas maiores empresas de capital aberto cujos balanços trimestrais são
monitorados pelo economista Carlos Antonio Rocca, do Ibmec, mostram queda da
margem de lucro nos últimos anos, o que é reforçado pelo acompanhamento do
BNDES sobre as fontes de custeio do investimento. Até 2008, as empresas privadas e
estatais pagavam pouco mais da metade do custo do investimento com o próprio
caixa, relação reduzida em 2013, com o lucro minguante, a cerca de 30%.
É outra causa do baixo investimento no país, além da dependência do funding do
BNDES, suprido com repasses obtidos com endividamento do Tesouro Nacional (9%
do PIB desde 2008 com tal fim) e a emissão de papéis de dívida corporativa no
exterior, ambas necessárias pelo viés de redução continua da taxa de poupança em
favor do consumo.
Campanha sem imaginação
Os candidatos que importam na corrida presidencial têm plena noção desses
obstáculos ao crescimento, como revelaram nas exposições que fizeram esta semana
na Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Da presidente Dilma Rousseff, do PT, a Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos,
do PSB, eles divergem é quanto aos meios para extirpar tais estorvos ou, ao menos,
contorná-los sem criar outras sequelas.
Teria feito diferença se a oposição tratasse o que ela propõe pelo viés da
oportunidade, e Dilma, ou levada pelo marketing de campanha ou por convicção,
parasse de dizer que estaria tudo quase azul, não fossem a crise externa e, como
afirmou, o “pessimismo inadmissível” do empresariado.
O país está melhor do que há 20 anos, antes da reforma monetária do real, e há 12,
com as políticas sociais, mas é baixa a segurança sobre o futuro imediato. Sozinho, o
pré-sal não é substituto do investimento privado e da melhoria da produtividade.
Juros altos como Viagra
É tanta descarga de adrenalina que até passou despercebido o nem fi nem fó dos
mercados no Brasil sobre outro capítulo do dramalhão inacabado do default da dívida
externa da Argentina em 2001, o que atesta a diferença de qualidade entre as duas
economias vizinhas.
O conforto de que a Argentina de hoje não é o Brasil de amanhã (o tal “efeito Orloff”,
alusão a um velho comercial de TV), graças às reservas acumuladas de US$ 379
bilhões, pode aquietar os gestores do hot money, sem, com isso, dispensar uma
agenda corretiva antes da eleita como prioritária pelos empresários: um ciclo de
reformas.
Não permite tranquilidade, por exemplo, uma economia que demanda cada vez mais o
que é chamada imprecisamente de “poupança externa” (derivada dos déficits externos)
para bancar o investimento, quando deveria ser complementar. E dispensar os juros
altos como Viagra.
Riscos de conversa mole
Sinalize-se uma política econômica que volte a tratar a exportação como ação de
Estado, incluído tudo o que lhe faz necessário (câmbio mais depreciado, medidas para
elevar a produtividade, tecnologia), e o pessimismo cederá.
E tenderá à euforia, se o gasto público for passado a limpo, escrutinando-se o que faz
sentido vis-à-vis o seu resultado, assim como as desonerações, com as quais R$ 250
bilhões de tributos, ou 5% do PIB, não serão arrecadados só este ano.
Sem tais precedentes, falar de reforma tributária, como fizeram os candidatos na CNI,
é conversa mole, a não ser que cogitem, de fato, mais um ataque ao bolso do
contribuinte.
Fiat dá adeus à Itália
O adeus da Fiat à Itália pegou de surpresa só quem está alheio às grandes rupturas
tecnológicas e da gestão empresarial em processo no mundo. A pretexto de consolidar
a fusão à Chrysler, que assumiu em 2009 para evitar sua falência e completou a
compra no início do ano, o grupo liderado pelo executivo Sergio Marchionne passa a
se chamar Fiat Chrysler e a ser controlado por uma holding na Holanda, com sede em
Londres e ações negociadas na Bolsa de Nova York.
Com a Itália estagnada há 14 anos e a Europa sem melhor futuro tão cedo, a Fiat
abandonou a nacionalidade italiana para ser cidadã do mundo, seguindo viés criticado
no começo da semana pelo presidente Barack Obama, referindo-se às multinacionais
dos EUA que mudam sua jurisdição para pagar menos impostos. Argentina já passou
por isso, e teme-se que aconteça no Brasil, se a economia perder relevância.
“É crescente a irrelevância da nacionalidade corporativa”, como afirma o economista
Robert Reich, da Universidade de Berkeley.

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