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ANTONIO MACHADO

Sem desfazer desajustes fiscais, será difícil ativar o crescimento e


proteger os avanços sociais

O grande mal que pode acontecer é a eleição acabar sem um clima de concórdia,
que fará muita falta para dar respostas às transformações em curso no mundo
12/10/2014 - 00:43 - Antonio Machado

Está tudo muito bem na economia, diz Dilma Rousseff no tira-teima da campanha
eleitoral; está tudo muito mal, contesta Aécio Neves, o seu desafiante na condução do
governo. E ambos estão certos, embora com diferenças de tempo. O estoque de
emprego e de renda sanciona o otimismo da candidata à reeleição. O fluxo dos
resultados fiscais e corporativos, cadente há vários trimestres, dá razão ao tucano.
Mas, afinal, o que eles discutem? Afora as desavenças exibidas em seus programas,
há duas questões decisivas, nenhuma das quais tem sido tratada de peito aberto. A
retomada do crescimento (que tende a menos de 0,5% este ano e pouco mais de 1%
em 2015) para 2% a 2,5% na média do próximo biênio desponta acima de qualquer
prioridade.
A outra urgência depende em grande parte do sucesso das ações para acelerar o
ritmo do Produto Interno Bruto a fim de garantir o fluxo da arrecadação tributária
necessária para sustentar o pagamento das rubricas sociais do orçamento federal,
sem que se venha a sucatear a máquina administrativa oficial nem zerar o
investimento público.
Qualquer promessa de nova despesa ou de ajuste fiscal que passe ao largo dessas
questões é demagogia, além de temerária, como foram as seguidas desonerações
tributárias para setores empresariais e para o consumo a pretexto de aquecer a
economia com laxismo anticíclico.
Fez-se isso quando a desaceleração do PIB já estava suficientemente clara,
configurando tais medidas, portanto, uma aposta. E, tal como acontece com qualquer
palpite e loterias, a aposta pode dar errado.
Dilma e o seu ainda ministro da Fazenda, Guido Mantega, confiam em que a política
econômica - puxada pelo mercado de consumo de massa, o crédito subsidiado e as
desonerações - vai embicar a economia na direção do crescimento. Armínio Fraga,
designado por Aécio para a Fazenda caso se eleja, contra-argumenta com a frustação
da meta de investimento total na economia prevista há quatro anos pelo governo Dilma
em 24% do PIB no fim de 2014. Hoje, está em 16,5%. E daí?
Daí é que o crescimento não aconteceu como esperado e vem tendendo à
estagnação. O governo não atentou para o longo viés de redução da rentabilidade
empresarial, entre outras sequelas de sua política. É isso que explica a queda não
apenas do investimento privado, mas de sua contribuição tributária em termos efetivos
e em relação ao PIB.
Sem caixa para investir
Até 2007, mais da metade do custeio dos investimentos das maiores empresas,
incluindo a Petrobras, era paga com a geração líquida de caixa. No ano passado, tal
relação havia caído para 33%. Significa que, para manter o investimento, aumentou a
necessidade de dívidas. Ainda assim, esse é um recurso finito até com juro subsidiado,
como também o é para o assalariado pendurado no cheque especial.
Há duas formas de se constatar tal cenário. Um é direto, dada pela baixa disposição
empresarial em investir sem crédito longo e juros abaixo dos de mercado, como os do
BNDES (5% ao ano versus 30%, 40%, 50%), além de estímulo tributário. Outro é
indireto, medido pela inflação dos bens duráveis, +4% nos últimos 12 meses até
setembro, contra +6,75% do IPCA. Esses descompassos explicam grande parte da
queixa do empresariado sobre o mau ambiente dos negócios no país.
O que é ruim pode piorar
O que não está bom pode piorar, caso persista o descompasso entre o rimo de
crescimento do gasto público (sobretudo as transferências de renda, que são
incomprimíveis) e o das receitas fiscais, função da expansão do PIB e da rentabilidade
do capital.
Sem solução para tais divergências, só restam aumentar impostos e depreciar o real.
Nenhum empresário consciente vai investir enquanto persistirem as incertezas. Aécio
e Armínio têm falado sobre o que vão tentar para enfrentar esse enrosco. Já Dilma
nega quaisquer desajustes fiscais, embora se diga que economistas próximos ao
governo rabisquem ideias em sigilo. Isso, para não contrariar a tática tosca de
desconstruir a imagem de Aécio, tipo acusá-lo de não gostar do salário mínimo.
Dilma elogiou a era FHC
Há várias formas de resolver os problemas da economia sem ameaçar os avanços
sociais. Mas não há como protegê-los sem mudar o que vem sendo feito nas áreas
fiscal e monetária. Essa conversa de defender legados e comparar os resultados dos
oito anos de Fernando Henrique com os 12 de Lula e Dilma é diversionismo.
Note-se que em junho de 2011, quando FHC fez 80 anos, Dilma enviou carta ao ex-
presidente, em que o saudava como “o ministro-arquiteto de um plano duradouro de
saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a
consolidação da estabilidade econômica”. Foi um gesto de nobreza.
Os dois períodos são interligados, um avançou sobre o outro, como o próximo terá de
avançar sobre o atual, sob o risco, de haver, ai sim, o retrocesso repelido pela
sociedade. É questão de bom-senso.
A cota de erros estourou
O grande mal que pode acontecer é que a eleição acabe sem um clima de concórdia,
que fará muita falta, em especial, para dar respostas às transformações em curso no
mundo.
Considere-se o pré-sal. É a esperança nacional, além de maior sorvedouro de
investimentos. Mas se forma no mundo uma coalizão contrária aos combustíveis
fósseis, havendo risco de murchar a liquidez para financiar a exploração de carvão e
petróleo. Precisamos falar sobre isso.
As cadeias produtivas globais também surgem como irreversíveis, e, tal como o pré-
sal, não há alternativa em nossa estratégia. Se cada carro montado nos EUA gera
apenas 37% de valor adicionado local, dá para supor quanto deixa aqui, em que não
há produção tecnológica. É assim em toda a manufatura.
O país tem que fazer escolhas - de conteúdo local, de energias, e a solar já não é
devaneio, etc. Não dá é para ignorar as megatendências: nossa geração já estourou a
cota de erros.

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