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BIOQUÍMICA

Fabiola Regina Stevan


João Armando Brancher
Tatiana Herrerias
Superintendente Prof. Paulo Arns da Cunha
Reitor Prof. José Pio Martins
Pró-Reitor Acadêmico Prof. Carlos Longo
Coordenador Geral de EAD Prof. Renato Dutra
Coordenadora Editorial Profa. Manoela Pierina Tagliaferro
Autoria Profa. Fabiola Regina Stevan
Prof. João Armando Brancher
Profa. Tatiana Herrerias
Supervisão Editorial Aline Scaliante Coelho
Parecer Técnico Livia Maria Andaló Tenuta
Validação Institucional Francine Ozaki e Regiane Rosa
Layout de Capa Valdir de Oliveira

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Afirmação Curiosidade

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Dica

Biografia

Esclarecimento
Conceito

Contexto Exemplo
Sumário
Apresentação...................................................................................................................13
Os autores.........................................................................................................................14

Capítulo 1
Mecanismos de homeostasia celular...............................................................................17
1.1 pH e tampões.............................................................................................................18
1.1.1 A importância do H+................................................................................................................................................19
1.1.2 Escala de pH.............................................................................................................................................................19
1.1.3 pKa........................................................................................................................................................................... 20
1.1.4 Soluções tampões................................................................................................................................................... 21
1.2 Equilíbrio ácido-básico...............................................................................................23
1.2.1 Sistemas tampão do sangue humano.....................................................................................................................24
1.2.2 Controle pulmonar do equilíbrio ácido-base......................................................................................................... 25
1.2.3 Controle renal do equilíbrio ácido-base................................................................................................................. 26
1.3 Distúrbios do equilíbrio ácido-base...........................................................................29
1.3.1 Acidose metabólica.................................................................................................................................................31
1.3.2 Acidose respiratória.................................................................................................................................................31
1.3.3 Alcalose metabólica............................................................................................................................................... 32
1.3.4 Alcalose respiratória............................................................................................................................................... 33
1.4 Bioenergética..............................................................................................................33
1.4.1 Introdução ao metabolismo................................................................................................................................... 34
1.4.2 Princípio geral da bioenergética............................................................................................................................. 34
1.4.3 Energia livre de Gibbs (∆G)..................................................................................................................................... 35
1.4.4 Moléculas transportadoras de energia................................................................................................................... 37
Referências.......................................................................................................................40
Capítulo 2
Proteínas e enzimas..........................................................................................................41
2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas ..........................................................................41
2.1.1 Classificação de aminoácidos.................................................................................................................................. 44
2.1.2 Comportamento dos aminoácidos em soluções aquosas...................................................................................... 46
2.1.3 Ligação peptídica.................................................................................................................................................... 48
2.1.4 Classificação de proteínas....................................................................................................................................... 49
2.2 Estrutura de proteínas................................................................................................51
2.2.1 Estrutura primária...................................................................................................................................................51
2.2.2 Estrutura secundária.............................................................................................................................................. 52
2.2.3 Estrutura terciária e quaternária ............................................................................................................................ 53
2.2.4 Desnaturação.......................................................................................................................................................... 54
2.3 Enzimas......................................................................................................................54
2.3.1 Funções e características das enzimas................................................................................................................... 55
2.3.2 Mecanismos da catálise enzimática....................................................................................................................... 56
2.3.3 Enzimas regulatórias.............................................................................................................................................. 58
2.3.4 Uso das enzimas na clínica..................................................................................................................................... 60
2.4 Cinética enzimática....................................................................................................61
2.4.1 pH e temperatura....................................................................................................................................................61
2.4.2 Concentração de substrato..................................................................................................................................... 62
2.4.3 Inibição Enzimática................................................................................................................................................ 64
Referências.......................................................................................................................66
Capítulo 3
Carboidratos e glicólise.....................................................................................................67
3.1 Monossacarídeos........................................................................................................67
3.1.1 Estrutura química.................................................................................................................................................... 68
3.1.2 Funções dos monossacarídeos............................................................................................................................... 71
3.1.3 Ciclização................................................................................................................................................................ 71
3.2 Oligossacarídeos e polissacarídeos.............................................................................75
3.2.1 Formação da ligação glicosídica............................................................................................................................. 75
3.2.2 Oligossacarídeos de interesse humano...................................................................................................................76
3.2.3 Classificação dos polissacarídeos........................................................................................................................... 77
3.2.4 Polissacarídeos de interesse para a área de saúde................................................................................................. 78
3.3 Via glicolítica..............................................................................................................79
3.3.1 Importância da via glicolítica.................................................................................................................................. 80
3.3.2 A via glicolítica....................................................................................................................................................... 80
3.3.3 Regulação da via glicolítica.................................................................................................................................... 85
3.3.4 Entrada de outros monossacarídeos na via glicolítica........................................................................................... 87
3.4 Fermentação...............................................................................................................89
3.4.1 Destinos do piruvato............................................................................................................................................... 89
3.4.2 Fermentação alcoólica............................................................................................................................................ 89
3.4.3 Fermentação acética.............................................................................................................................................. 90
3.4.4 Fermentação lática................................................................................................................................................. 90
Referências.......................................................................................................................92
Capítulo 4
Respiração celular.............................................................................................................93
4.1 Primeiro estágio da respiração celular........................................................................94
4.1.1 Formação do acetil-CoA.......................................................................................................................................... 94
4.1.2 Regulação da piruvato desidrogenase.................................................................................................................... 96
4.2 Segundo estágio da respiração celular.......................................................................97
4.2.1 O ciclo do ácido cítrico............................................................................................................................................ 97
4.2.2 Regulação do ciclo do ácido cítrico.......................................................................................................................102
4.2.3 Reações anapleróticas.......................................................................................................................................... 104
4.2.4 Papel anabólico do ciclo....................................................................................................................................... 105
4.3 Fosforilação oxidativa...............................................................................................106
4.3.1 Cadeia respiratória e ATP sintase.......................................................................................................................... 107
4.3.2 Transferência de elétrons do Complexo I ao Complexo IV....................................................................................111
4.3.3 Transferência de elétrons do Complexo II ao Complexo IV...................................................................................112
4.3.4 Teoria quimiosmótica............................................................................................................................................113
4.4 Rendimento energético............................................................................................115
4.4.1 Número de ATPs....................................................................................................................................................115
4.4.2 Lançadeira malato-aspartato................................................................................................................................116
4.4.3 Lançadeira glicerol-fosfato....................................................................................................................................117
Referências..................................................................................................................... 119

Capítulo 5
Metabolismo de carboidratos........................................................................................121
5.1 Gliconeogênese........................................................................................................121
5.1.1 Formação de glicose a partir de outras fontes.......................................................................................................121
5.1.2 A via gliconeogênica............................................................................................................................................. 122
5.1.3 Regulação da gliconeogênese...............................................................................................................................128
5.1.4 Ciclo de Cori.......................................................................................................................................................... 129
5.2 Glicogênese..............................................................................................................131
5.2.1 Formação do nucleotídeo-açúcar.........................................................................................................................132
5.2.2 Formação da ligação α(1→4)..............................................................................................................................133
5.2.3 Formação da ligação α(1→6)..............................................................................................................................135
5.3 Glicogenólise............................................................................................................136
5.3.1 Atividade da glicogênio fosforilase....................................................................................................................... 136
5.3.2 Atividade da transglicosilase.................................................................................................................................137
5.3.3 Atividade da α(1→6) glicosidase........................................................................................................................ 138
5.3.4 Ação da fosfoglicomutase.....................................................................................................................................139
5.4 Regulação do metabolismo do glicogênio...............................................................139
5.4.1 Regulação da glicogênio sintase............................................................................................................................139
5.4.2 Regulação da glicogênio fosforilase..................................................................................................................... 140
5.4.3 Regulação recíproca da síntese e degradação do glicogênio................................................................................141
5.4.4 Doenças relacionadas ao metabolismo do glicogênio..........................................................................................141
Referências.....................................................................................................................144

Capítulo 6
Lipídeos e lipoproteínas.................................................................................................145
6.1 Lipídeos de armazenamento....................................................................................145
6.1.1 Ácidos graxos........................................................................................................................................................ 146
6.1.2 Classificação dos ácidos graxos.............................................................................................................................147
6.1.3 Triacilgliceróis.........................................................................................................................................................149
6.2 Lipídeos estruturais e funcionais..............................................................................150
6.2.1 Fosfolipídeos......................................................................................................................................................... 150
6.2.2 Glicolipídeos..........................................................................................................................................................152
6.2.3 Esteroides............................................................................................................................................................. 153
6.2.4 Colesterol.............................................................................................................................................................. 154
6.3 Lipoproteínas............................................................................................................156
6.3.1 Estrutura de lipoproteínas.................................................................................................................................... 156
6.3.2 Apoproteínas........................................................................................................................................................ 158
6.4 Metabolismo de lipoproteínas..................................................................................158
6.4.1 Digestão de lipídeos e formação de quilomícron..................................................................................................159
6.4.2 Formação do VLDL................................................................................................................................................161
6.4.3 LDL e HDL............................................................................................................................................................. 162
6.4.4 Aterogênese.......................................................................................................................................................... 165
Referências.....................................................................................................................168

Capítulo 7
Metabolismo de lipídeos e proteínas.............................................................................169
7.1 Lipólise......................................................................................................................169
7.1.1 Mobilização dos triacilgliceróis do tecido adiposo.................................................................................................170
7.1.2 β-oxidação dos ácidos graxos................................................................................................................................172
7.1.3 Regulação da lipólise..............................................................................................................................................176
7.1.4 Cetogênese.............................................................................................................................................................176
7.2 Lipogênese...............................................................................................................179
7.2.1 Anabolismo dos ácidos graxos.............................................................................................................................. 180
7.2.2 Síntese dos triacilgliceróis..................................................................................................................................... 186
7.2.3 Regulação da lipogênese...................................................................................................................................... 188
7.2.4 Síntese do colesterol............................................................................................................................................. 189
7.3 Metabolismo de aminoácidos..................................................................................191
7.3.1 Digestão e absorção de proteínas..........................................................................................................................191
7.3.2 Oxidação de aminoácidos......................................................................................................................................191
7.3.3 Ciclo de glicose-alanina.........................................................................................................................................193
7.3.4 Síntese de aminoácidos........................................................................................................................................ 195
7.4 Destino do grupo amino...........................................................................................197
7.4.1 Ciclo da ureia......................................................................................................................................................... 198
7.4.2 Regulação do ciclo da ureia.................................................................................................................................. 200
Referências.....................................................................................................................201

Capítulo 8
Mecanismo de ação hormonal e inter-relação metabólica...........................................203
8.1 Mecanismo de ação hormonal.................................................................................203
8.1.1 Mecanismo de ação dos hormônios esteroides e tireoideanos............................................................................ 204
8.1.2 Mecanismo de ação de hormônios peptídicos que utilizam segundos mensageiros.......................................... 206
8.1.3 Mecanismo de ação do receptor tirosina quinase.................................................................................................210
8.1.4 Controle por retroalimentação...............................................................................................................................212
8.2 Bioquímica do estado alimentado...........................................................................213
8.2.1 Fígado....................................................................................................................................................................214
8.2.2 Músculo.................................................................................................................................................................214
8.2.3 Tecido adiposo......................................................................................................................................................215
8.2.4 Obesidade..............................................................................................................................................................216
8.3 Bioquímica do jejum................................................................................................218
8.3.1 Jejum inicial...........................................................................................................................................................219
8.3.2 Jejum prolongado................................................................................................................................................ 220
8.4 Dieta, câncer e diabetes mellitus...............................................................................223
8.4.1 Dieta...................................................................................................................................................................... 223
8.4.2 Bioquímica do câncer........................................................................................................................................... 224
8.4.3 Diabetes mellitus ................................................................................................................................................... 225
Referências.....................................................................................................................226
Apresentação

A Bioquímica é uma ciência fascinante. Ela é ministrada a todos os cursos da área da


saúde, pois proporciona ao estudante uma visão geral do metabolismo celular. Seu prin-
cipal propósito é descrever as estruturas, os mecanismos e as reações químicas celula-
res em nível molecular. O conhecimento bioquímico serve de base para o aprendizado de
diversas outras áreas do conhecimento, como a fisiologia, a patologia, a farmacologia, a
genética e várias outras. As principais ferramentas da Bioquímica são as biomoléculas,
compostos orgânicos presentes como componentes essenciais dos organismos vivos.
Assim, ao longo deste livro, vamos estudar as três grandes classes de biomolécu-
las: as proteínas, os lipídios e os carboidratos. Veremos os principais aspectos bioquími-
cos relacionados às suas estruturas, conheceremos suas unidades formadoras e as reações
metabólicas de síntese e degradação dessas biomoléculas. Por fim, estudaremos as alte-
rações bioquímicas ocasionadas durante o estado de jejum, na obesidade, no câncer e no
diabetes mellitus. Após concluir seus estudos, esperamos que você entenda melhor o que
é a Bioquímica e como ela está presente no seu dia a dia. Boa leitura!
Os autores
A Professora Fabiola Regina Stevan é Mestre e Doutora em Ciências (Bioquímica)
pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possui graduação em Ciências Biológicas
pela mesma instituição. Atualmente, é professora titular da Universidade Positivo, minis-
trando as disciplinas de Bioquímica, Biofísica e Fisiologia Humana. Tem experiência na área
de Bioquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: química de carboidratos, en-
zimologia e atividade biológica de princípios bioativos de plantas medicinais.

Currículo Lattes:
<lattes.cnpq.br/4059301448993607>

Aos meus filhos queridos, Felipe e Camila,


que são a luz da minha vida. Ao meu
amado Rodrigo Heitor, pela paciência,
companheirismo e brincadeiras, sem os quais
teria sido muito difícil esta caminhada.
A Professora Tatiana Herrerias é Mestre e Doutora em Ciências: Bioquímica pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possui graduação em Farmácia pela mesma ins-
tituição. É docente na área de Bioquímica Geral e Clínica para diversos cursos da área de
saúde e pesquisadora na área de Bioquímica Farmacológica na Universidade Positivo.

Currículo Lattes:
<lattes.cnpq.br/7122715065713153>
O Professor João Armando Brancher é Doutor em Ciências da Saúde pela
PUC/PR, Mestre em Bioquímica pela UFPR e Graduado em Odontologia pela PUC/PR.
Atua como professor universitário desde 2001.

Currículo Lattes:
<lattes.cnpq.br/5460397708527612>

Aos estudantes, estímulo maior para


a busca contínua pelo aprendizado por
parte de nós, professores.
1 Mecanismos de homeostasia celular
A Bioquímica é a ciência que relaciona o estudo das diversas moléculas presentes
nas células e nos organismos vivos com as suas respectivas reações químicas. Dessa
forma, busca explicações para a interação que ocorre entre essas moléculas e como
essa interação contribui para a manutenção da vida.
Ela está associada a todas as formas de vida, desde vírus e bactérias até os se-
res humanos. Em todas as espécies, a saúde depende de um equilíbrio harmonioso
das reações bioquímicas que ocorrem no organismo, pois várias doenças ocorrem por
anormalidades nessas reações ou em biomoléculas. Assim, um conhecimento adequa-
do da Bioquímica e de outras disciplinas básicas correlatas é essencial para todos os
cursos da área da saúde.
Para iniciarmos o entendimento da Bioquímica, a definição de homeostasia é im-
portante. A homeostasia é a capacidade que o organismo possui de manter o equilí-
brio dinâmico, ou seja, o funcionamento correto do metabolismo. Quando falamos em
homeostasia celular, é necessário compreender que o funcionamento da célula está
relacionado a suas reações químicas e todas elas ocorrem no meio aquoso. Se deter-
minada reação não ocorre, o funcionamento celular é modificado e dependendo da
reação que for interrompida, pode provocar a morte celular.
Por isso, algumas propriedades físicas da água (por exemplo, o ponto de fusão, de
ebulição e de calor de vaporização altos) ajudam a manter esse solvente no estado líqui-
do, na temperatura ambiente, o que permite mais interação entre a água e os solutos.
Além disso, a capacidade da água de interagir por ligação de hidrogênio e interação ele-
trostática complementa as qualidades que facilitam a ocorrência das reações químicas.
Apesar de muitas propriedades do solvente serem explicadas pela molécula de
água, não carregada, o pequeno grau de ionização também é importante. As moléculas
de água apresentam a tendência de se ionizarem levemente, produzindo íons hidrogênio
e um íon hidróxido, gerando o equilíbrio, como mostra a reação a seguir:
H 2O H+ + OH –
O grau de ionização da água no equilíbrio é de duas moléculas de água ionizadas para
cada 109 moléculas sem ionização, na temperatura de 25ºC. No entanto, o fato de esta si-
tuação acontecer faz com que a concentração de H+ livres seja um parâmetro importante
para ser acompanhado. A concentração de H+ livres é referida como pH da solução.
A partir dessas informações, este capítulo focará nos mecanismos de homeosta-
sia celular, explicando como o pH é controlado na célula e a importância de sua manu-
tenção. Além disso, vamos abordar as soluções tampão, o equilíbrio ácido-básico, os
distúrbios do equilíbrio ácido-básico e a bioenergética. O próximo tópico tratará dos
conceitos de pH e tampões.
Bioquímica 18

1.1 pH e tampões
Para iniciar nossos estudos, precisamos primeiramente compreender o que é o
pH de uma solução e como ele influencia nas reações químicas e na estrutura celular e
do organismo.
Desta forma, pH é o termo utilizado para definir potencial de hidrogênio, ou seja,
a concentração de H+ livre na solução e é obtido pela conversão matemática mostrada
a seguir:
1
pH = log – log [H+]
[H+]
Para manter o pH dos compartimentos do organismo, é necessário que o meio
aquoso possua um ou mais tampões. Os tampões são soluções que possuem um ácido
fraco e sua base conjugada em proporções definidas e, por isso, conseguem manter o
pH com poucas variações.
Para entender melhor esse conceito, podemos iniciar analisando a constante de
equilíbrio da água:
[H+][OH –]
Keq =
[H2O]
Conforme a fórmula, podemos perceber que a constante de equilíbrio da água
(Keq) é calculada pela multiplicação das concentrações de H+ e de OH – . O resultado,
então, é dividido pela concentração do total de moléculas de H2O, ou seja, de água.
Considerando-se a água pura, sua concentração corresponde a 55,5 molar (M),
o que equivale a (1000 g/L) / (18,015 g/mol). Tendo em vista a pequena taxa de ioni-
zação da água, o valor de 55,5 M pode ser substituído na expressão da constante de
equilíbrio:
[H+][OH –]
Keq =
[55,5]

Ao fazer esse rearranjo, temos:

[55,5 M][Keq] = [H+][OH –] = Kw

Portanto, Kw corresponde ao produto iônico da água a 25ºC e essa constante é


a base para a escala de pH. Kw terá um valor final de 10 –14; ou seja, a concentração de
H+ multiplicada pela de OH – é 10 –14. Nessa condição, a concentração de H+ e a concen-
tração de OH – são iguais a 10 –7 M, o que resulta em um pH = 7, pois, para uma solução
aquosa com concentração de 1 × 10 –7 M, o pH é calculado da seguinte forma:
1
pH = log = 7,0
[1 × 10 –7 ]
Bioquímica 19

Perceba que a concentração de H+ é expressa em molar (M) e que o cálculo equi-


valente para a concentração de OH – resulta na expressão do pOH.

1.1.1 A importância do H+
A concentração de H+ pode interferir diretamente na ionização das moléculas, in-
cluindo as proteínas. Essa diferença na ionização pode afetar a função das molécu-
las na célula, no sangue e em diversas outras partes do corpo. Por isso, o controle da
concentração de H+, ou seja, do pH, é fundamental para assegurar a estabilidade das
moléculas, possibilitar que as reações químicas aconteçam e manter a atividade enzi-
mática, além de algumas atividades biológicas, como a atividade cardíaca, a atividade
pulmonar, a do sistema nervoso e a de todos os tecidos. Portanto, é necessária a exis-
tência de tampões, ou seja, sistemas de ácidos e bases que possam liberar e segurar
prótons, evitando variações bruscas de pH (NELSON; COX, 2014).
Devemos lembrar que, como descrito por Brönsted-Lowry, ácido é todo com-
posto que libera prótons, e base é qualquer substância que se liga ao próton. Um doa-
dor de prótons e seu correspondente aceptor formam um par ácido-base conjugado
(NELSON; COX, 2014). Analise o exemplo a seguir:

HA H+ + A –
É importante lembrar de que HA é a molécula do ácido; H+ é o próton liberado; e
A – é a base conjugada liberada depois da dissociação do ácido. Porém, é muito impor-
tante atentar para o fato de que “a acidez é exercida pelo íon H+, e não pela molécula
do ácido” (HENEINE, 2010, p. 140).
Em relação à classificação dos ácidos, eles são categorizados em fortes e fracos.
Os ácidos fortes são aqueles que liberam totalmente o H+ que está em sua estrutura.
Portanto, a presença de um ácido forte em uma solução altera muito o pH. Já ácidos
fracos liberam parcialmente o H+ e, por isso, o efeito do ácido se manifesta fracamente
na solução aquosa. Os ácidos fracos também funcionam como tampões. Essa questão
será explorada melhor a seguir.

1.1.2 Escala de pH
Considerando o Kw da água, entre as concentrações de 1 M de H+ e 1 M de OH – , o
pH constitui uma forma de determinar a concentração de H+ e também de OH – livres
na solução aquosa por meio de uma escala, considerando a relação:
pH + pOH = 14
Dessa forma, seguindo cálculos semelhantes, pode-se calcular a concentração de
H nas mais variadas soluções e atribuir um valor que varia de 0 até 14, como mostra a
+

tabela a seguir.
Bioquímica 20

Tabela de Escala de pH
[H+] (M) pH [OH–] (M) pOH
10 (1)
0
0 10 –14
14
10–1 1 10–13 13
10–2 2 10–12 12
10–3 3 10–11 11
10–4 4 10–10 10
10–5 5 10–9 9
10–6 6 10–8 8
10–7 7 10–7 7
10–8 8 10–6 6
10–9 9 10–5 5
10–10 10 10–4 4
10–11 11 10–3 3
10–12 12 10–2 2
10–13 13 10–1 1
10–14 14 100 (1) 0
Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 60. (Adaptado).

Observe que a última coluna da tabela apresenta o pOH. Esse índice é utilizado
para determinar a alcalinidade da solução, sendo que a expressão pOH = – log [OH –] é
semelhante à expressão do pH. Perceba também que os valores de pH apresentam re-
lação direta com as concentrações de H+ de uma solução aquosa e, portanto, não são
aleatórios. É importante observar que a escala de pH é expressa em logaritmo e que
a variação de uma unidade equivale a uma diferença na concentração de H+ de aproxi-
madamente dez vezes.

1.1.3 pKa
O grau de modificação ocasionado pela solução aquosa é uma característica de
cada ácido ou base fracos, sendo expresso pela constante de equilíbrio, da mesma
forma que a equação de equilíbrio da água:
[H+][A –]
Keq= = Ka
[HA]

Ácidos fracos são aqueles compostos que liberam apenas parte dos hidrogênios que estão em
sua estrutura, ou seja, dissociam-se pouco. Bases fracas são as que recebem pouco H+.
Bioquímica 21

A força relativa de um ácido é expressa pela seguinte equação:

pKa= log 1 = – log Ka


Ka
Essa expressão mostra que, quanto mais forte o ácido, maior será o valor de Ka e
menor é seu valor de pKa. Por outro lado, quanto mais fraco o ácido, maior o valor de pKa.
O valor de pKa corresponde ao valor de pH quando a concentração de ácido e de
base conjugada está exatamente igual. Isso é importante para determinar a região de
variação do pH de uma solução, a chamada região de tamponamento. Ela vai de 1,0
ponto acima até 1,0 ponto abaixo do valor de pKa do ácido. Em termos práticos, uma
solução ácido-base dentro dessa região de tamponamento protege a solução contra
variações drásticas de pH.

1.1.4 Soluções tampões


A solução tampão é formada por um ácido fraco e sua base conjugada. Além dis-
so, quando está em sistema aquoso, essa solução tende a resistir a pequenas adições
de ácido ou base, mantendo o pH mais estável. Um exemplo é o sistema tampão fosfa-
to, que para a ionização do ácido H2PO4 – na base conjugada HPO42– , apresenta um pKa
de 6,86, o que significa que esse tampão controla o pH desde 7,86 até 5,86, ou seja, de
1,0 ponto acima até 1,0 ponto abaixo do pKa, conforme indicado anteriormente.
A análise da curva de titulação de uma solução tampão mostra que, se o pH da so-
lução estiver dentro dessa faixa, pequenas adições de H+ ou OH – têm pouco efeito sobre
o pH em relação ao que acontece com a adição da mesma quantidade fora dessa zona.
A figura a seguir apresenta a curva de titulação de uma solução tampão. Perceba
que ela tem um local relativamente plano. Essa é a região de tamponamento, que
resulta do equilíbrio entre duas reações reversíveis e ocorre em uma solução com pro-
porções que variam de 1:10 até 10:1 do doador e do aceptor de prótons.
Bioquímica 22

Curva de titulação da solução tampão acetato


9
CH3COO–
8
7 [CH3COOH] = [CH3COO–]
pH 5,76
6
5 Região de
pH
tamponamento
4
pH = pKa = 4,76 pH 3,76
3
2
CH3COOH
1
0
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
OH– adicionado (equivalentes)

0 50 100%

© FabriCO
Percentagem titulada

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 62. (Adaptado).

O gráfico anterior explica como uma solução tampão funciona: quando o pH tende
a baixar, devido à produção excessiva de ácido, a base segura prótons, ocasionando
uma alteração mínima no pH; da mesma forma, quando o pH tende a subir, devido à
eliminação excessiva de H+, o ácido libera prótons para baixar o pH, também ocasio-
nando uma alteração mínima.
É importante verificar que, para cada ácido (HA) e sua base conjugada (A –), existe
um pKa diferente e, por consequência, uma região na qual esse tampão é efetivo. Além
disso, se um ácido possui mais do que um hidrogênio ionizável, cada forma química
apresenta um pKa diferente, como mostrado na tabela a seguir.

pKa para alguns tipos de ácidos e suas bases conjugadas


Ácido HA A– pKa
Ácido acético CH3COOH CH3COO– 4,76
Ácido lático CH3CHOHCOOH CH3CHOHCOO– 3,86
Ácido carbônico – I H2CO3 HCO3– 3,77
Ácido carbônico – II HCO3– CO3–2 10,20
Ácido fosfórico – I H3PO4 H2PO4– 2,14
Ácido fosfórico – II H2PO4– HPO4–2 6,86
Ácido fosfórico – III HPO4–2 PO4–3 12,40
Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 61. (Adaptado).
Bioquímica 23

Para descrever a curva de titulação de qualquer ácido ou base, é possível utilizar a


equação de Henderson-Hasselbalch. Essa expressão é descrita da seguinte forma:
[A –]
pH = pKa + log
[HA]
Essa equação relaciona o pKa, o pH e a concentração do tampão, sendo uma forma
de reescrever a equação da constante de ionização de um ácido. Ela é usada para avaliar
as propriedades da relação ácido-base conjugada utilizada para controlar o pH de uma
solução. Analisando a equação, é possível perceber que o pH da solução será próximo ao
pKa do ácido fraco quando possuir quantidades iguais de ácido e de sua base conjugada.
Se a concentração do ácido for igual à da base conjugada, na equação será igual a 1; log
de 0 é igual a 1; portanto, na condição de pH = pKa, a concentração de A – e HA é igual.

1.2 Equilíbrio ácido-básico


A conservação do pH nos líquidos corporais é fundamental para a preservação da
vida. Para manter o pH fisiológico, que na maioria dos seres vivos está em torno de 7,0,
existem vários tipos de substâncias. Grandes mamíferos não toleram variações no pH
dos líquidos corporais, em especial do sangue. No ser humano, por exemplo, o pH san-
guíneo pode variar apenas entre 7,35 e 7,45. Outro exemplo é o pH do sangue arterial
dos cães, que sofre variação entre 7,451 e 7,463.
Para ter uma ideia melhor sobre os pHs em compartimentos corporais dos seres
humanos, analise a tabela a seguir e observe que, quanto maior a concentração de H+ li-
vre, menor o pH. Um excelente exemplo é o suco gástrico, que contém ácido clorídrico
(HCl), um ácido forte e que libera grande concentração de próton, deixando a solução
com pH ácido.

pH e concentração de H+ em compartimentos corporais


Concentração de H+ (mmol/L) pH
Suco gástrico 160 0,8
Urina 3,0 × 10–2 a 1,0 × 10–5 4,5 a 8,0
Líquido intersticial 4,5 × 10–5 7,35
Sangue pobre em O2 4,5 × 10–5 7,35
Sangue rico em O2 4,0 × 10–5 7,4
Fonte: HALL, 2011, p. 402. (Adaptado).

A manutenção do pH correto para cada compartimento corporal – como o cito-


sol da célula ou o lúmen do estômago – é muito importante para a manutenção da
homeostase do organismo. Por esse motivo, cada compartimento possui um ou mais
sistemas tampões.
Bioquímica 24

1.2.1 Sistemas tampão do sangue humano


Nos seres humanos, o pH do sangue e do líquido intersticial varia entre 7,35 e 7,45.
Variações de ± 0,3 além desses valores correspondem a alterações graves no equilíbrio
ácido-base, assim, as concentrações de ácidos fracos e suas bases conjugadas devem
ser suficientes para controlar o pH.
Vamos ver o exemplo do par do sistema tampão fosfato, H2PO4 – /HPO4 –2 , que
apresenta pKa 6,86. No citosol das células, a quantidade desses compostos é grande
e isso faz com que esse sistema tampão seja o principal para o controle do pH quan-
do comparado a outros tampões, como o bicarbonato. Porém, no sangue, o sistema
tampão bicarbonato está em maior quantidade do que o tampão fosfato; por isso, esse
tampão é o que melhor controla o pH no sangue.
Além desse sistema, as células possuem grandes quantidades de proteínas, que
apresentam grupos funcionais com capacidade de liberar ou captar prótons. Esse é o
caso do grupo radical da histidina, que apresenta pKa igual a 6,0. Portanto, na célula,
as proteínas que possuem esse grupamento se tornam tampões efetivos quando o pH
está próximo ao neutro (NELSON; COX, 2014).
No sangue, o principal tampão é o sistema bicarbonato / ácido carbônico total,
que apresenta um pKa de 6,1. Esse sistema tampão é mais complexo do que outros
porque se origina do dióxido de carbono (CO2) dissolvido em água. Porém, a reação da
união de dióxido de carbono e água é lenta, necessitando do auxílio da enzima anidrase
carbônica no interior da hemácia. Veja a fórmula que exemplifica esse processo:

CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3 –


Anidrase carbônica

Essa reação ocorre dentro da hemácia e o H+ liberado no final liga-se à hemoglo-


bina. Com isso, o pH do citosol da hemácia não se altera. O HCO3 – liberado sai para o
plasma sanguíneo pela troca com um Cl – . Essa reação, ao acontecer na hemácia, libera
apenas o bicarbonato, contribuindo para o aumento da concentração dessa base con-
jugada no plasma sanguíneo.
A manutenção do pH do sangue depende da concentração de ácido carbôni-
co e de bicarbonato, que são, respectivamente, doador e aceptor de prótons. A con-
centração de H2CO3 , o doador de prótons, é de aproximadamente 1,25 × 10 –3 M e de
HCO3 – é de aproximadamente 25 × 10 –3 M. Colocando-se esses dados na equação de
Henderson-Hasselbalch, o pH obtido é o seguinte:
[HCO3 –]
= 6,1 + log 25 × 10
–3
pH = 6,1 + log = 6,1 + log 20 = 7,4
[H2CO3] 1,25 × 10 –3
Bioquímica 25

Observe que, nessa equação, não foi acrescentada a concentração de CO2. Porém,
como a formação de H2CO3 depende da dissolução de gás carbônico em água, o au-
mento da pressão parcial de CO2 (pCO2) ocasiona um aumento da concentração de
H2CO3 e, consequentemente, de sua dissolução, originando mais prótons livres e HCO3 – .
Ou seja, quanto maior a concentração de CO2 , maior a de H+ livre na solução.
Devemos analisar também que o pH sanguíneo está próximo do final da faixa
de tamponamento do sistema tampão bicarbonato. No entanto, não é somente esse
tampão que controla o pH do fluido de forma efetiva. Para que isso ocorra, é necessá-
rio haver uma eliminação do CO2 produzido pelos tecidos e do excesso de H+ livre no
sangue. Para eliminar o CO2 , o organismo ativa o processo de ventilação pulmonar e,
para eliminar o H+ livre, o sistema renal é ativado.

1.2.2 Controle pulmonar do equilíbrio ácido-base


O gás carbônico produzido pelas células teciduais durante a respiração celular ae-
róbica deve ser continuamente liberado. Isso ocorre por meio da hematose realizada
pelos pulmões. Normalmente, é encontrada uma pCO2 de 40 milímetros de mercúrio
(mmHg) nos alvéolos pulmonares, o que corresponde a uma concentração de 1,2 mol/L.
Entretanto, se a concentração de CO2 aumentar em virtude do metabolismo celular, a
pCO2 também cresce no líquido extracelular e no plasma sanguíneo, diminuindo o pH.
Por consequência, a taxa de ventilação pulmonar deve aumentar, eliminando mais CO2.
Essa eliminação maior de CO2 é responsável pelo controle do pH, uma vez que provoca a
diminuição desse gás no líquido extracelular. O gráfico a seguir apresenta esse processo,
mostrando a relação entre a ventilação alveolar e a variação do pH no sangue.

Alteração do pH ocasionada por modificação na ventilação alveolar

4
Ventilação alveolar (normal = 1)

0
7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 7,5 7,6
© FabriCO

pH do sangue normal arterial

Fonte: HALL, 2011, p. 407. (Adaptado).


Bioquímica 26

Como discutido anteriormente, se ocorrer um aumento na concentração de CO2


no sangue, também haverá um aumento na quantidade de H2CO3 e H+. Naturalmente,
o pH do sangue diminuirá. Agora, observe o gráfico anterior. Verifique que, à medi-
da que o pH vai diminuindo, a ventilação alveolar aumenta. Ora, se a ventilação alveo-
lar aumenta, mais CO2 será eliminado do plasma sanguíneo e, consequentemente, o
pH tenderá a voltar à normalidade. Dessa forma, o aumento da ventilação alveolar é
uma maneira eficaz de manter o equilíbrio do pH sanguíneo, especialmente quando
o pH diminui.
Talvez o principal exemplo para que você entenda esse mecanismo de compensa-
ção desempenhado pelos pulmões seja a atividade física. Quando uma pessoa se exer-
cita, ocorre um aumento da produção de CO2 em virtude do metabolismo aeróbico
realizado pelas células. O aumento do CO2 no sangue poderia provocar diminuição do
pH. Entretanto, se a pessoa não apresentar nenhum problema respiratório, o CO2 será
rapidamente eliminado pelos pulmões, fazendo o pH voltar para os parâmetros corre-
tos, ou seja, para o pH 7,4.
Um detalhe importante que deve ser destacado é que quando o pH sanguíneo
aumenta, a taxa de ventilação não diminui na mesma proporção. Isso acontece por-
que existem outros fatores, como a pressão de O2 , que interfere no processo de mo-
vimentação dos músculos respiratórios e, consequentemente, na ventilação pulmonar.
Portanto, a resposta respiratória ao aumento do pH não é tão efetiva quanto a res-
posta dada pelos pulmões durante a diminuição do pH.
A eficiência do sistema respiratório no controle do pH está entre 50% e 75%, o
que significa que, se houver uma queda abrupta de pH de 7,4 para 7,0, a ventilação pul-
monar sozinha consegue elevar o pH para 7,2 ou 7,3. Essa modificação ocorre no perío-
do de 3 a 12 minutos e impede a variação abrupta do pH sanguíneo, possibilitando que
um segundo sistema corrija a alteração do pH: o sistema renal.

1.2.3 Controle renal do equilíbrio ácido-base


Você deve lembrar que inúmeras funções são atribuídas aos rins, entretanto, quan-
do você é questionado sobre a fisiologia renal, talvez a sua primeira resposta seja que “os
rins são responsáveis pela formação da urina”. Sim, isso é verdade e podemos acrescentar
que a excreção de uma urina mais ácida ou básica afeta diretamente o pH sanguíneo. Os
rins filtram, reabsorvem e secretam continuamente grande quantidade de substâncias
e contribuem decisivamente para a manutenção do equilíbrio do pH no sangue.
Diariamente, o organismo produz grande quantidade de ácidos não voláteis que
não podem ser eliminados pelos pulmões. Sendo assim, cabe aos rins a tarefa de manter
o equilíbrio entre ácidos e bases no corpo. De maneira geral, o sistema renal reabsorve o
HCO3 – em situações de acidose e o elimina em caso de alcalose.
Bioquímica 27

Pense na seguinte situação: um indivíduo, em decorrência de alguma patologia ou


em virtude do metabolismo celular, começa a acumular ácidos no plasma sanguíneo. Ele
desenvolverá acidose. Nesse caso, todo o bicarbonato que chega aos rins e é filtrado de-
verá ser reabsorvido. Obviamente, os H+ deverão ser excretados na urina. Perceba que
a figura indica aumento de H+ no espaço intersticial. Esse H+ rapidamente reage com o
tampão HCO3 – formando CO2 e H2O. O CO2 difunde-se pela membrana e entra nas célu-
las tubulares onde se combina novamente com H2O. O resultado dessa reação é a forma-
ção de HCO3 – e H+, só que agora dentro das células tubulares. O HCO3 – é trocado por Cl – e
reabsorvido para o espaço intersticial, enquanto o H+ é lançado para o lúmen do ducto
coletor e eliminado pela urina. Resultado: urina ácida e pH sanguíneo tendendo a voltar
à normalidade, ou seja, básico. Veja os detalhes na figura a seguir.

Mecanismo de reabsorção de HCO3– nas células tubulares durante a acidose


(a) Função das células do tipo A na acidose

Sangue
Lúmen Células
Células Espaço
do ducto intercalares
tubulares intersticial
coletor do tipo A

[H+] alta

H2O + CO2 CO2 HCO3– + H+


K+ filtrado
Anidrase
carbônica

H+ + HCO3– HCO3– HCO3–


atua como
Cl– um tampão
H+ para
ATP
[H+]

H+
ATP Alta [K+]
K+ K+
reabsorvido
H+
excretado
na urina [K+]
© FabriCO

Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 678. (Adaptado).


Bioquímica 28

Dois detalhes interessantes devem ser observados na figura anterior:


a. para manter a eletroneutralidade, quando o H+ é secretado no lúmen, o K+ é
reabsorvido. Portanto, a eliminação de H+ aumenta a reabsorção de K+. Apesar
disso, a eliminação de prótons na acidose não provoca aumento da quantidade
de potássio no plasma, ou hipercalemia, de forma significativa.
b. tanto K+ e H+ quanto HCO3 – e Cl – movimentam-se através da membrana em sen-
tidos opostos. Essa modalidade de transporte é denominada antiporte.

Simporte é a passagem de duas moléculas para o mesmo lado da membrana por meio de uma
mesma proteína transportadora. Já antiporte é a passagem de duas moléculas por uma mes-
ma proteína transportadora para lados contrários da membrana.

Agora vamos pensar que a pessoa está desenvolvendo alcalose. Lembre que a al-
calose se caracteriza pela diminuição da concentração de ácidos ou pela elevação de
bases no plasma e as respostas compensatórias serão basicamente opostas à acidose.
Analise a figura abaixo e perceba que a concentração de H+ no espaço intersticial está
baixa. Nesse caso, dentro das células tubulares, a reação H2O + CO2 , catalisada pela
enzima anidrase carbônica, será essencial para repor o H+. Veja a equação:

H2O + CO2  H2CO3  HCO3 – + H+

O H+ formado durante essa reação será reabsorvido para o espaço intersticial.


Consequentemente, sua concentração aumentará nesse local, enquanto o HCO3 – será
trocado por Cl – e lançado no lúmen do ducto coletor. Portanto, a resposta compensa-
tória para uma alcalose é a secreção de HCO3 – no lúmen do ducto coletor e excreção na
urina. Para finalizar, observe o comportamento do K+. Ele é trocado por H+ na membra-
na da célula tubular e também é lançado no lúmen do ducto coletor.
Bioquímica 29

Mecanismo de secreção de HCO3– e reabsorção de H+


nos túbulos do néfron durante a alcalose
(b) Função das células do tipo B na acidose

Sangue
Lúmen Células
Espaço
do ducto intercalares
Células interstical
coletor do tipoB
tubulares

[H+] baixa

H2O + CO2
Anidrase
carbônica
H+
HCO3– HCO3– + H+ ATP

Cl– H+

H+
ATP
K+ K+

excretado
na urina
© FabriCO

Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 678 (Adaptado).

Você deve ter percebido que o mecanismo compensatório renal para equilibrar o
pH sanguíneo depende essencialmente da eliminação ou reabsorção de H+ e HCO3 –. Esses
dois eventos ocorrem praticamente em todos os túbulos renais, com exceção das por-
ções finas descendentes e ascendentes da alça de Henle e, em conjunto, contribuem
decisivamente para a manutenção do equilíbrio ácido-base e também das concentra-
ções de íons no plasma sanguíneo.

1.3 Distúrbios do equilíbrio ácido-base


Quando o pH sanguíneo está fora da faixa de referência, ocorre um distúrbio do
equilíbrio ácido-base, que é dividido classicamente em acidose metabólica, acidose
respiratória, alcalose metabólica e alcalose respiratória.
Bioquímica 30

Para fazer a distinção dessas alterações, é necessário observar os sinais e sin-


tomas apresentados pela pessoa, que podem ser confundidos entre si. Para diferen-
ciar corretamente, é preciso fazer a análise de um exame laboratorial denominado
gasometria. Esse exame consiste na análise da pO2 , da pCO2 , do pH sanguíneo, da
concentração de HCO3 – e de outros componentes, além de avaliar o déficit ou exces-
so de bases. Esses parâmetros juntos indicam a alteração apresentada pela pessoa
e, a partir desses indicadores, é possível avaliar o melhor tratamento. O tipo de san-
gue mais adequado para averiguar os dados de gasometria é o arterial, entretanto,
em alguns casos, é requerida a avaliação do sangue capilar. Nesse caso, é importante
observar que os dados de pO2 não são completamente confiáveis (VIEGAS, 2002).
Algumas situações podem interferir nas medições e modificar a validade da gasome-
tria. Entre elas, estão a mistura de sangue arterial e venoso, bolhas de ar na seringa,
atraso no envio da amostra, heparinização excessiva na amostra arterial, má perfusão
e subaquecimento do sangue capilar (DONN; SINHA, 2006).
Para a análise dos parâmetros de gasometria, pode-se utilizar o normograma re-
presentado na figura a seguir.

Normograma ácidobásico
PCO2
[HCO3– ] 120 100 90 80 70 60 60
60 40

56

52 35

48
30
44 Acidose respiratória crônica

40
25 Alcalose metabólica
36
Alcalose respiratória aguda
32 20
28 Alcalose respiratória crônica

24 Normal 15 Acidose metabólica


20
Acidose respiratória aguda
16 10

12

0
© FabriCO

7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 7,5 7,6 7,7 7,8


pH

Fonte: PAULA et al., 2012, p. 27. (Adaptado).


Bioquímica 31

O círculo central do normograma mostra os valores normais e os desvios que ain-


da podem ser considerados normais. As áreas identificadas com cores diferentes apre-
sentam limites de confiança de 95% das compensações metabólicas e respiratórias
para as alterações ácido-base primárias. Para analisá-lo, é necessário olhar primeiro os
eixos x, que representa o pH, e y, que mostra a concentração de bicarbonato [HCO3 –]
seguida da análise das linhas oblíquas que cruzam o gráfico e indicam a PCO2 . Desse
modo, localiza-se qual é o distúrbio ácido-base do indivíduo.

1.3.1 Acidose metabólica


A acidose metabólica é um distúrbio do pH sanguíneo e aparece quando a pro-
dução de H+ supera sua eliminação. Algumas causas metabólicas são relatadas como
sendo as principais. São elas: excesso de produção de ácido lático denominada acido-
se lática, diarreia grave e drenagem intestinal devido à perda excessiva de bicarbonato,
insuficiência renal e diabetes mellitus, por conta da produção excessiva de cetoácidos.
Além disso, substâncias como o metanol, o ácido acetilsalicílico e o etilenoglicol tam-
bém ocasionam a acidose metabólica.
Analisando a reação do tampão bicarbonato, quando há acidose, ocorre um
aumento na concentração de H+ sanguíneo, que reage com o HCO3 – , provocando a sua
diminuição. A reação então desloca-se para a direita, o que provoca um aumento do
CO2 sanguíneo. Veja isso na equação abaixo.

 H+ + HCO3 –  H2CO3  H2O + CO2

O aumento da quantidade de CO2 pode causar acidose, entretanto uma ma-


neira eficiente para compensar essa elevação é aumentar o ritmo respiratório, situa-
ção denominada de taquipneia. A taquipneia faz com que o CO2 sanguíneo diminua
e proporciona o rápido equilíbrio do pH desde que o indivíduo não apresente doenças
pulmonares.

1.3.2 Acidose respiratória


A acidose respiratória ocorre quando o paciente apresenta pH abaixo de 7,35, sen-
do que a causa está relacionada a problemas respiratórios. Esse problema pode ser
ocasionado por algumas doenças, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC),
a poliomielite ou a esclerose múltipla ou outras doenças que ocasionam a fraqueza dos
músculos respiratórios. Além disso, a depressão do sistema respiratório devido a me-
dicamentos ou drogas pode ocasionar a acidose respiratória.
Bioquímica 32

Pessoas que estejam acometidas por doenças pulmonares não eliminam eficiente-
mente o CO2, o que ocasiona um aumento desse gás no sangue. Naturalmente, por ação
da enzima anidrase carbônica, o CO2 reagirá com água, formando ácido carbônico que
se dissocia em HCO3 – e H+. Essa situação já foi discutida anteriormente nesse livro e você
deve lembrar que, em decorrência disso, há um aumento na concentração de H+ com
consequente queda no pH ou acidose respiratória. Perceba isso na equação abaixo.

CO2 + H2O  H2CO3  HCO3 – + H+

Nesse caso, como o problema é respiratório, o sistema renal faz a compensação, li-
berando H+ para a urina. Essa eliminação de prótons aumenta o pH sanguíneo, porém
apenas moderadamente, não revertendo o pH para a faixa normal. Por isso, tanto o valor
de HCO3 – quanto de H+ estarão aumentados na acidose respiratória descompensada.

1.3.3 Alcalose metabólica


Alcalose metabólica é definida como o aumento do pH sanguíneo. Caracteriza-se
pela diminuição de H+ e aumento de bicarbonato no plasma sanguíneo com consequente
aumento do pH. Entre as causas mais comuns da alcalose, destacam-se vômitos, inges-
tão excessiva de bicarbonato, no caso de ingestão de antiácidos, e hipocalemia.
Vamos imaginar a seguinte situação: uma pessoa apresenta vômitos recorren-
tes. O vômito do conteúdo gástrico causa perda de ácidos e resulta em alcalose. Uma
maneira eficiente para compensar essa situação seria envolver o sistema respirató-
rio. Como isso é possível? Pense: se o ritmo respiratório diminuir, situação chamada de
bradipneia, haverá retenção de CO2 no corpo que reagirá com água, repondo o H+ que
foi perdido durante os vômitos. Veja isso na equação abaixo.

CO2 + H2O  H2CO3  HCO3 – + H+

Você deve estar pensando: entendi que o H+ foi reposto, mas o HCO3 – também
aumentou. O que o ocorre com ele? Normalmente, a resposta dos rins a essa eleva-
ção é a sua eliminação. No que diz respeito ao H+, a compensação renal é a sua reten-
ção. Isso só não acontece na hipocalemia, pois a falta de potássio gera a eliminação de
prótons, ocasionando a alcalose. Esse cenário ocorre quando diminui a quantidade de
potássio no sangue e as proteínas tubulares reabsorvem esse íon, porém fazendo an-
tiporte do K+ com o H+, o que provoca a eliminação de próton e, consequentemente, a
alcalose metabólica (HALL, 2011).
Bioquímica 33

1.3.4 Alcalose respiratória


A alcalose respiratória é caracterizada pela diminuição da quantidade de H+ por eli-
minação excessiva de CO2. Inúmeras são as causas da alcalose respiratória, entre elas
destacam-se a hiperventilação, normalmente associada a quadros de ansiedade e ane-
mia. Na anemia, a diminuição da quantidade de eritrócitos promove um aumento de
ventilação, porque é necessário que as hemácias do sangue passem mais vezes pelos pul-
mões para carregar a mesma quantidade de oxigênio que uma pessoa sem anemia.
A compensação desse distúrbio é desempenhada pelo sistema renal, com a elimi-
nação do bicarbonato excedente e com a reabsorção do próton, o que ajuda a corrigir
a alcalose.

1.4 Bioenergética
Para que a vida possa acontecer, é necessário haver transformações energéticas
nas células. Para tanto, os organismos vivos desenvolveram duas estratégias básicas
para produzir energia: absorvem energia da luz solar ou captam combustíveis do meio
no qual estão inseridos e os oxidam. Entre os nutrientes que precisam ser transfor-
mados para fornecer energia à célula estão os carboidratos, as proteínas e os lipídios.
Além disso, não basta somente transformar os nutrientes. As células precisam contro-
lar e direcionar a energia produzida para sintetizar as suas próprias estruturas e arma-
zenar suas próprias moléculas. Por definição, a bioenergética estuda as transformações
ou trocas de energia realizadas pelas células das quais os organismos vivos dependem
(NELSON; COX, 2014).
Para a compreensão dessas transformações, é necessário que você analise alguns
conceitos da termodinâmica. Anteriormente, essa ciência estudava as alterações que
o calor ocasionava nos sistemas. No entanto, com o passar do tempo, os cientistas
perceberam que essa análise não era suficiente. Por esse motivo, o conceito de termo-
dinâmica foi modificado e o consenso agora é de que essa área estuda toda e qualquer
mudança que ocorra no universo.
A primeira lei da termodinâmica estabelece que “a energia não pode ser cria-
da ou destruída, mas somente convertida de uma forma em outra” (HENEINE, 2010,
p. 57). Um exemplo prático da primeira lei é o que ocorre no músculo estriado esque-
lético quando está na situação de movimento. Ele faz transformações na molécula de
glicose durante a respiração celular e utiliza e energia proveniente da degradação des-
ta molécula para produzir adenosina trifosfato (ATP). O ATP é quebrado (energia quí-
mica) para possibilitar o movimento muscular (energia cinética). Como a conversão
da energia química em cinética não tem rendimento de 100%, parte da energia dessa
transformação é liberada como calor, razão pela qual, ao fazer um exercício, o corpo
todo acaba esquentando.
Bioquímica 34

A segunda lei, que pode ser enunciada de diferentes formas, estabelece que o
universo tende a apresentar uma desordem crescente, ou seja, em todos os proces-
sos que ocorrem espontaneamente, a entropia total de um sistema deve aumentar.
(MURRAY et al., 2013).

A entropia é conceituada como a energia contida em um sistema que não é capaz de realizar
trabalho.

Essas duas leis regem todas as transformações que ocorrem no universo e, por
consequência, nos seres vivos. A partir dessas definições, vamos entender agora como
funciona o metabolismo e o que caracteriza a bioenergética.

1.4.1 Introdução ao metabolismo


O metabolismo é caracterizado pela soma de todas as reações químicas na cé-
lula, sejam reações de síntese ou reações de degradação de moléculas. Nesse cená-
rio, existem dois processos metabólicos diferentes: o catabolismo e o anabolismo. O
catabolismo ocorre quando as macromoléculas são transformadas em produtos finais
menores, mais simples, liberando energia. Reações catabólicas podem ser chamadas
de reações de quebra ou degradação. Já no anabolismo, moléculas menores são uti-
lizadas para síntese ou formação de moléculas maiores. Porém, para que essas rea-
ções de síntese ocorram, é necessário obter energia de outra fonte, como o ATP ou
mesmo transportadores de elétrons, como a nicotinamida adenina dinucleotídeo fos-
fato (NADPH). Assim, para resumir, o catabolismo libera energia enquanto o anabolis-
mo gasta energia.
Uma observação importante é o fato de que o anabolismo e o catabolismo se-
guem vias metabólicas distintas e, portanto, não acontecem simplesmente pelo pro-
cesso inverso um do outro (NELSON; COX, 2014). Para entender melhor, torna-se
necessário discutir o princípio geral da bioenergética.

1.4.2 Princípio geral da bioenergética


Como foi mencionado anteriormente, o processo de quebra de moléculas orgâ-
nicas realizado durante o catabolismo libera a energia que será utilizada nas reações
anabólicas. Na análise do princípio geral da bioenergética, percebe-se que existe uma
conexão íntima entre os dois metabolismos, como mostrado na figura a seguir.
Bioquímica 35

Anabolismo versus Catabolismo


Macromoléculas
Nutrientes
liberadores
Proteínas de energia
Polissacarídeos
Lipídios Carboidratos
Gorduras
Proteínas
ADP + Pi
NAD+
NADP+ Catabolismo
FAD

Anabolismo
ATP
NADH
NADPH
FADH2

Moléculas
precursoras Energia
Produtos finais
química
Aminoácidos pobres em energia
Açúcares

© FabriCO
Ácidos Graxos CO2
H2O

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 28. (Adaptado).

Em todos os processos metabólicos, como os transportes de membrana, a cria-


ção de um impulso elétrico nos neurônios ou mesmo o transporte de moléculas
dentro da própria célula requerem energia. A quebra de nutrientes que ocorre no cata-
bolismo promove a liberação energética, e, portanto, é caracterizada como uma reação
exergônica. Nesse tipo de reação, a energia liberada deve ser armazenada em molécu-
las ricas em grupos fosfato ou outras que transportam elétrons. Por outro lado, essas
moléculas levam a energia para os processos de síntese de outras moléculas. As rea-
ções de síntese são endergônicas, ou seja, armazenam energia (NELSON; COX, 2014).

1.4.3 Energia livre de Gibbs (∆G)


Para compreender corretamente os processos energéticos das células, é necessá-
rio recordar alguns conceitos importantes, como entropia (S), entalpia (H) e variação
de energia livre de Gibbs (∆G). A entropia, conceituada como a energia que não é ca-
paz de realizar trabalho, caracteriza-se pela análise quantitativa da desordem de um
sistema; a entalpia é outra grandeza que compreende o conteúdo de calor de um siste-
ma. Já a energia livre corresponde à quantidade de energia capaz de realizar trabalho,
sempre considerando que não exista alteração de temperatura e pressão (HENEINE,
2010). Nesse sentido, temos a seguinte fórmula:
∆G = ∆H – TDS
Bioquímica 36

Sendo que:
∆H = variação da entalpia;
∆S = variação da entropia;
T = temperatura absoluta.
Quando uma reação química ocorre espontaneamente, os produtos formados
têm menos energia livre do que os reagentes, assim, a reação libera energia livre que
pode ser utilizada para realizar trabalho. Nesse caso, a reação é exergônica e o ∆G
apresenta valor negativo. Por outro lado, se o ∆G for positivo, a reação é endergônica,
necessitando de energia de outra fonte; por isso, não é espontânea. Se o ∆G for igual
a zero, a reação está em equilíbrio químico. Observe na tabela a seguir as principais ca-
racterísticas das reações exergônicas e endergônicas.

Natureza da Reação Sentido da Reação ∆H


∆G Positivo Reação endergônica Não espontânea Consome energia
∆G Negativo Reação exergônica Espontânea Libera energia
∆G = Zero Equilíbrio -- --

Para melhor fixar o conceito dessas reações, analise as figuras a seguir.

(A) Reação exergônica


Reagentes
Energia leve

Quantidade
de energia
liberada

Produtos

Curso de reação

(B) Reação endergônica


Produtos
Energia livre

Quantidade
de energia
liberada

Reagentes
© FabriCO

Curso de reação

Fonte: SADAVA et al., 2009, p.122.


Bioquímica 37

Observe que nas reações exergônicas os reagentes descem espontaneamente a


ladeira, liberando energia durante a reação. Tal energia deve ser armazenada em mo-
léculas transportadoras de energia para serem utilizadas posteriormente. Por outro
lado, para que as reações endergônicas ocorram, há necessidade de adicionar energia.
Perceba na figura que a esfera não sobe a ladeira se não for adicionada energia sufi-
ciente para que isso ocorra.
Você deve estar se perguntando como utilizará esses conceitos gerais na bioquí-
mica. Pense que as reações celulares que ocorrem em organismos vivos podem ser
exergônicas, endergônicas ou ainda acopladas umas às outras.

1.4.4 Moléculas transportadoras de energia


Para que a célula possa realizar seu metabolismo, é necessária a existência de
moléculas cujo envolvimento em processos posteriores possibilite gerar reações exer-
gônicas. Existem dois tipos de moléculas que apresentam esta função: aquelas com
fosfato rico em energia e as transportadoras de elétrons e hidrogênios (NELSON; COX,
2014). As primeiras são nucleotídeos que contêm ribose e são essenciais para o funcio-
namento da célula, pois operam como uma moeda de troca, como é o caso da adeno-
sina trifosfato ou ATP. Veja na figura a seguir a estrutura da molécula de ATP. Ela é um
nucleotídeo composto por adenina, D-ribose e três grupos fosforilas. Os dois últimos
grupos fosforilas estão unidos entre si por ligações de alta energia (anidrido). Por isso,
o processo de hidrólise do ATP apresenta ∆G negativo, enquanto o processo de síntese
é muito complexo e apresenta ∆G positivo.

Existem várias reações bioquímicas enzimáticas que utilizam a energia armaze-


nada no ATP para realizar seu trabalho na célula. Um exemplo poderia ser o transporte
de íons através das proteínas da membrana celular contra o gradiente de concentra-
ção. Para que isso ocorra, é necessário acoplar a reação de hidrólise do ATP, que libe-
ra energia para que a proteína possa fazer o transporte. Porém, para que essa reação
ocorra, é necessária a presença de enzimas, pois a energia de ativação da hidrólise do
ATP é alta.
Bioquímica 38

Para algumas reações químicas, como as de oxidorredução, que fazem a troca de


elétrons, é preciso haver a presença de outro tipo de transportador de energia: as mo-
léculas transportadoras de elétrons e hidrogênios. Estas moléculas originam-se de vi-
taminas hidrossolúveis, como a nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) e a
nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+), que são derivados da niacina,
e a flavina adenina dinucleotídeo (FAD), que provém da riboflavina.
O NAD+ é considerado o carreador de elétrons mais importante. Seu anel de nico-
tinamida é a parte reativa da estrutura molecular e, quando ocorre a oxidação de de-
terminado substrato, o anel aceita um H+ e dois elétrons.

NAD+
Oxidado Reduzido

H O H H O

Nicotinamida
(derivado de piridina)
NH2 2[H+] NH2 + H+
Ribose
H N
O
O CH2
R
H
HO OH
O P O
NH2
O

N N
O P O Adenosina

N N
O
O CH2

H
© FabriCO

NAD+: X = H
HO OX
NADP+: X = PO32-

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 533. (Adaptado).


Bioquímica 39

Nas reações de desidrogenação, um H – do substrato é transferido para a molécu-


la do NAD+, reduzindo a estrutura e formando NADH, enquanto o outro H+ aparece no
solvente. No entanto, a equação de semi-reação é a seguinte:

NAD+ + 2 H+ + 2 elétrons NADH + H+


Reação parecida ocorre no caso do NADP+. Essa molécula é semelhante ao NAD+,
porém apresenta mais um grupo fosforila. Enquanto o NAD+ é utilizado em reações de
catabolismo, o NADP+ é utilizado em reações de anabolismo.
Outra molécula carregadora de elétrons e prótons é a FAD e a sua porção reati-
va é o anel iso-alaxazina. Assim como o NAD+, o FAD pode aceitar dois elétrons e dois
prótons, porém os dois H+ são captados diretamente pelo anel, formando a molécula
reduzida FADH2 .

FAD
O
Dimetilisoaloxazina
H H H
C N C C N C
H 3C C C C NH 2e +2H
– +
H 3C C C C NH

H 3C C C C C O H 3C C C C C O
C N N C N N
H H H

CH2 CH2

HC OH HC OH

HC OH HC OH

HC OH O O Adenina HC OH O O Adenina
FAD FADH2
H2C O P O P O Ribose H2C O P O P O Ribose
© FabriCO

O+ O– O+ O–

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 536. (Adaptado).

O FAD está presente em proteínas na forma de grupo prostético, ou seja, faz par-
te de uma proteína conjugada. As proteínas que contêm FAD são chamadas de flavo-
proteínas e estão presentes tanto no anabolismo quanto no catabolismo.
Nesse capítulo, foram discutidos os diversos mecanismos que contribuem para a
manutenção do equilíbrio ácido básico nos líquidos corporais, especialmente no san-
gue. Vimos também que as moléculas transportadoras de energia possibilitam que a
energia retirada da quebra de macromoléculas possa ser usada no processo de síntese
de outras moléculas.
Bioquímica 40

Referências
CAMPBELL, M. K; FARRELL, S. O. Bioquímica Combo. 5. ed. São Paulo: Thomson
Cengage Learning, 2007.
DEVLIN, T. M. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7. ed. São Paulo:
Blucher, 2011.
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Elsevier, 2006.
HALL, J. E. Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro:
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HENEINE, I. F. Biofísica Básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010.
KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro:
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MURRAY, R. K. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: AMGH/
Artmed, 2013.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto
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PAULA, J. M. P. de et al. Alteraciones del equilibrio ácido-base. Diálisis y Trasplante,
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SADAVA, D. et al. Vida: a ciência da biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed 2009. (v. 1:
Célula e hereditariedade).
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
VIEGAS, C. A. A. Gasometria arterial. Jornal Brasileiro de Pneumologia, Brasília,
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VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível
molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
2 Proteínas e enzimas
As proteínas são as moléculas mais abundantes nas células vivas e estão presen-
tes em todos os organismos da natureza. A palavra proteína é derivada do grego protos
e significa primeiro, primitivo, o mais importante. Essa classe de biomoléculas é respon-
sável pela maior diversidade de funções nos organismos vivos e corresponde ao produto
final da expressão do nosso código genético. As proteínas também são constituintes bá-
sicos das estruturas celulares, como o colágeno, promovem o armazenamento de ener-
gia em alguns organismos – como a ovoalbumina, principal proteína presente na clara
do ovo; e têm função regulatória – como a insulina e o glucagon, dois importantes hor-
mônios que regulam o metabolismo. Além disso, proteínas especializadas, denominadas
enzimas, podem catalisar reações bioquímicas.
Mas o que são as proteínas? Proteínas são macromoléculas complexas e orga-
nizadas cujas unidades estruturais são aminoácidos. Neste capítulo, estudaremos as
principais características dos aminoácidos e das proteínas. Além disso, veremos com
detalhes como trabalham as enzimas, uma classe de proteínas que possui atividade ca-
talítica. Nosso estudo iniciará pelo entendimento das unidades básicas formadoras das
proteínas: os aminoácidos.

2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas


Os aminoácidos são as unidades estruturais que formam os peptídeos e as proteí-
nas. Você pode fazer a seguinte analogia: da mesma forma que tijolos são utilizados para
construir a parede de uma casa, os aminoácidos são utilizados na construção de proteínas.
Além disso, alguns aminoácidos apresentam funções importantes, como neurotransmis-
sores (glicina e glutamato), precursores de neurotransmissores (triptofano e tirosina) ou
transportadores de amônia no sangue (glutamato, glutamina e alanina). Todos os aminoá-
cidos apresentam uma estrutura geral comum e conhecer suas propriedades químicas nos
permite compreender as propriedades e as características de uma proteína.
Na natureza, todas as proteínas são sintetizadas a partir da combinação de ape-
nas 20 tipos de aminoácidos. Todos eles são formados por um carbono central, chamado
de carbono alfa (α), ao qual estão ligados quatro substituintes: grupamento amino, de
característica básica; grupamento carboxila, de característica ácida; cadeia lateral ou
grupamento R variável, que diferencia um aminoácido de outro; e hidrogênio. A ilustra-
ção a seguir mostra a estrutura geral dos aminoácidos.
Bioquímica 42

Estrutura geral dos aminoácidos


átomo de hidrogênio

H O

grupo amino grupo carboxila


H 2N C C
básico acídico

OH
R

© FabriCO
cadeia lateral

Mas como identificamos os aminoácidos? Eles podem ser categorizados de duas


formas: a partir de uma abreviação de três letras, que formam uma sigla do nome do
aminoácido em inglês, ou por meio de símbolos de uma única letra. Observe o quadro
a seguir. Ele revela o nome, a abreviação e o símbolo dos 20 aminoácidos.

Identificação de aminoácidos
Nome Abreviação Símbolo Nome Abreviação Símbolo
Glicina Gly G Serina Ser S
Triptofano Trp W Treonina Thr T
Alanina Ala A Cisteína Cys C
Prolina Pro P Asparagina Asn N
Valina Val V Glutamina Gln Q
Leucina Leu L Lisina Lys K
Isoleucina Ile I Histidina His H
Metionina Met M Arginina Arg R
Fenilalanina Phe F Aspartato Asp D
Tirosina Tyr Y Glutamato Glu E

Os aminoácidos também podem ser identificados por meio de algumas proprie-


dades químicas, como a estereoisomeria. Na natureza, os compostos químicos que
contêm quatro ligantes diferentes no mesmo carbono apresentam uma propriedade
química muito especial, chamada de quiralidade. Esse carbono é chamado de quiral
ou assimétrico, pois existem dois arranjos espaciais possíveis dos quatro grupamentos
ao seu redor. Esses arranjos são chamados de estereoisômeros e são diferenciados de
acordo com o tipo de desvio de luz polarizada: dextrógiro (+) desvia a luz para a direita;
e levógiro (–), desvia a luz para a esquerda.
Bioquímica 43

Assim, os aminoácidos que contêm quatro ligantes diferentes ao redor do carbo-


no α possuem um centro quiral e, portanto, estereoisomeria. Por exemplo, existe a (+)
leucina, que desvia a luz polarizada para a direita e a (–) leucina, que faz o mesmo pro-
cesso para a esquerda. A única exceção é a glicina, que não possui quatro ligantes dife-
rentes ao redor do carbono α, pois seu grupamento R é o hidrogênio.
Outra forma de identificar os aminoácidos foi desenvolvida em 1891 por Emil
Fischer e ficou conhecida como Sistema D e L ou configuração de Fischer. Nessa no-
menclatura, a estrutura dos aminoácidos é comparada à configuração da molécula do
gliceraldeído. As formas D e L reconhecem a configuração absoluta dos grupamentos
ao redor do carbono quiral.
Nesse formato, o grupamento carboxila é colocado na mesma posição do grupa-
mento aldeído do gliceraldeído. A cadeia lateral fica sempre abaixo e as duas posições
que faltam (esquerda e direita) são ocupadas pelos outros dois ligantes, o grupamento
amino e o hidrogênio. Quando o grupamento amino está à direita, semelhante à posi-
ção da hidroxila do gliceraldeído, esse aminoácido é do tipo D; entretanto, quando está
à esquerda, o aminoácido é L . É importante ressaltar que os aminoácidos encontrados
na natureza são predominantemente do tipo L. Na figura a seguir, você pode observar
a configuração de Fischer do aminoácido alanina.

Configuração de Fischer do aminoácido alanina


1
CHO CHO
HO 2
C H H C OH
CH2OH
3
CH2OH
L-Gliceraldeído D-Gliceraldeído

COO– COO–
+ +
H 3N C H H C NH3
CH3 CH3
© FabriCO

L-Alanina D-Alanina

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 78. (Adaptado).

Apesar de todos os aminoácidos terem uma estrutura geral comum, eles apre-
sentam propriedades químicas diferentes, de acordo com o tipo de cadeia lateral
presente. Entre as propriedades mais importantes, destaca-se o comportamento
do aminoácido em relação à água ou polaridade, podendo ser hidrofóbico e apolar
(insolúvel em água) ou hidrofílico e polar (solúvel em água). Agora que já sabemos
como os aminoácidos são identificados, vamos estudar a sua classificação.
Bioquímica 44

2.1.1 Classificação de aminoácidos


A compreensão sobre as propriedades químicas dos diferentes aminoácidos é es-
sencial para podermos entender o papel bioquímico dos aminoácidos isoladamente ou
quando estão ligados entre si formando proteínas. Como mencionado anteriormente,
os aminoácidos podem ser classificados de acordo com sua polaridade, que pode ser
entendida como a tendência do aminoácido para interagir com a água.
O primeiro grupo é o dos aminoácidos que contêm grupamentos R, ou cadeia late-
ral, apolares e alifáticos. Eles normalmente estão na porção interna das proteínas, sem
contato direto com a água. A prolina é o único aminoácido de cadeia fechada, conferin-
do rigidez nas regiões da proteína em que está presente. Também pertence a essa clas-
se a metionina, um aminoácido que possui enxofre em sua cadeia lateral. Ela não é capaz
de fazer a ligação dissulfeto, mas consegue transferir seu grupamento metil para outros
compostos. A glicina é o aminoácido com menor grau de impedimento estérico, pois
apresenta apenas um hidrogênio como grupamento R.

O impedimento estérico ocorre quando átomos se encontram próximos uns dos outros no es-
paço. Essa proximidade pode gerar uma tensão, importante fator para explicar a estrutura es-
pacial de diversas moléculas.

Os aminoácidos polares e não carregados possuem maior solubilidade em água,


pois apresentam grupamentos polares – como hidroxila (serina e treonina), sulfidrila (cis-
teína) e amida (asparagina e glutamina) – que fazem interações do tipo pontes de hidro-
gênio com a água. A presença do grupamento sulfidrila na cisteína possibilita sua ligação
com outra cisteína, formando uma ligação dissulfeto e um novo aminoácido, a cistina.
Os aminoácidos que contêm um anel aromático no seu grupamento R formam ou-
tra classe. Devido à presença desse anel, essas estruturas são relativamente apolares e
possuem baixa solubilidade em água. São eles a fenilalanina, a tirosina e o triptofano.

Fenilcetonúria é uma doença causada por um defeito na enzima que degrada o aminoácido fe-
nilalanina. Assim, há acúmulo de fenilalanina, que gera ácido fenilpirúvico e provoca retarda-
mento mental grave. O tratamento consiste na retirada da fenilalanina da dieta.

Entre os aminoácidos que possuem carga nas cadeias laterais, temos os ami-
noácidos com grupamentos R carregados positivamente e aminoácidos com grupos
R carregados negativamente. A presença de carga nessas estruturas confere pola-
ridade e solubilidade em água. Lisina, arginina e histidina apresentam carga positiva
em suas cadeias laterais e característica básica. Já glutamato e aspartato têm carga
Bioquímica 45

negativa e característica ácida. Confira na figura a seguir como se classificam os ami-


noácidos conforme seu grupamento R.

Classificação de aminoácidos de acordo com seu grupamento R


Grupos R apolares, alifáticos Grupos R aromáticos

COO– COO– COO– COO– COO– COO– COO–


+ + H + + + +
H 3N C H H 3N C H + C H 3N C H H 3N C H H3N C H H 3N C H
H2N CH2 CH2 CH2 CH2
H CH3 CH
H2C CH2 CH3 CH3 C CH
NH
Glicina Alanina Prolina Valina
OH
COO– COO– COO–
+ + +
H 3N C H H 3N C H H 3N C H Fenilalanina Tirosina Triptofano
CH2 H C CH3 CH2
Grupos R carregados positivamente
CH CH2 CH2
CH3 CH3 CH3 S COO– COO– COO–
+ + +
H 3N C H H 3N C H H 3N C H
CH3
CH2 CH2 CH2
Leucina Isoleucina Metionina
CH2 CH2 C NH
Grupos R polares, não carregados CH2 CH2 CH
CH2 NH C N
COO– COO– COO– + +
+ + + NH3 C NH2
H 3N C H H 3N C H H 3N C H
NH2
CH2 H C OH CH2

© FabriCO
OH CH3 SH Lisina Arginina Histidina
Serina Treonina Cisteína
Grupos R carregados
COO– COO– negativamente
+ +
H 3N C H H 3N C H
CH2 CH2 COO– COO–
+ +
C CH2 H 3N C H H 3N C H
H2N O CH2 CH2
C
H2N O COO– CH2
Asparagina Glutamina COO–
Aspartato Glutamato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 79. (Adaptado).

Outra importante classificação de aminoácidos diz respeito a sua necessidade na


dieta. Assim, existem os aminoácidos essenciais, os não essenciais e os condicionalmen-
te essenciais. Os primeiros são obtidos exclusivamente pela alimentação, pois não pos-
suímos as vias de síntese dessas estruturas. Já os não essenciais são sintetizados pelo
nosso organismo. Os condicionalmente essenciais são aqueles produzidos, mas não em
quantidade suficiente em determinados períodos da vida, como no crescimento, na ges-
tação e na amamentação. Por isso, devem ser suplementados por meio da dieta.
Bioquímica 46

2.1.2 Comportamento dos aminoácidos em soluções aquosas


Você sabe o que acontece com os aminoácidos quando são colocados em água?
Ocorre a ionização dos grupos carboxila e amino presentes no aminoácido. A carboxila
(–COOH), de característica ácida, doa seu íon H+ (próton) e adquire uma carga nega-
tiva (–COO –). O grupamento amino (NH2), por sua vez, recebe o H+ (próton) do meio
ácido, ganha uma carga positiva e passa a ser NH3+. Portanto, temos duas formas pos-
síveis para os aminoácidos: a não iônica e a iônica (ou zwitterion, que significa híbrido).
As duas formas estão demonstradas a seguir.

Formas dos aminoácidos


H
-
H H O H O
H H

N C C N C C

H + H
O O
R R
A B

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 20. (Adaptado).

A forma ionizada ou zwitteriônica apresenta uma propriedade química muito im-


portante, seu duplo comportamento ácido-básico. É o que chamamos na química de
anfótero ou anfólito: dependendo do meio no qual o aminoácido está inserido, ele po-
derá se comportar como um ácido ou como uma base.
Quando o zwitterion é adicionado em um meio básico, ocorre a liberação do H+ do
grupamento NH3+, que se transforma em NH2 . A espécie doadora de íon H+ em solução
aquosa é classificada como um ácido, o que significa que os aminoácidos podem agir
como ácidos. Observe a figura abaixo.

Reações ácido-base com aminoácidos


H H H H
+ +
R C COO– R C COO– + H R C COO– + H R C COOH
+ + +
NH3 NH2 NH3 NH3
© FabriCO

Zwitteríon Zwitteríon
como ácido como base

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 83. (Adaptado).

Todavia, quando colocamos a forma iônica dos aminoácidos em um meio ácido,


ocorre uma alteração em relação ao comportamento anterior: o grupamento COO –
recebe o íon H+ do meio e torna-se COOH. Nessas condições, o aminoácido age como
uma base, pois aceitou o próton. Portanto, podemos concluir que os aminoácidos po-
dem agir como ácidos, quando inseridos em um meio básico, e como base, quando in-
seridos em um ambiente ácido.
Bioquímica 47

Qual a importância dessa informação? O duplo caráter é extremamente útil para


entender a estrutura das proteínas e sua função como a catálise enzimática, por exem-
plo. A ionização de cada grupo depende do pH do meio e pode ser melhor entendida
pela curva de titulação de um aminoácido.
Como obtemos uma curva de titulação? Colocamos o aminoácido em uma solu-
ção aquosa e fazemos a remoção gradual dos íons H+ mediante a adição de uma base.
A curva de titulação da glicina está demonstrada na figura a seguir.

Curva de titulação da glicina


A B C
+ +
NH3 NH3 NH2
pK1 pK2
CH2 CH2 CH2
COOH COO– COO–
13
V
Glicina
pK2 = 9,60
IV

7
III
pH
pI = 5,97

pK1 = 2,34
II

I
0
0 0,5 1 1,5 2
© FabriCO

OH (equivalentes)

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 83. (Adaptado).

No ponto I da figura, temos a glicina totalmente protonada (A), pois em pH ácido


o aminoácido age como uma base e, portanto, aceita íons H+. À medida que adiciona-
mos base ao processo, o meio fica mais básico e a glicina passa a atuar como um áci-
do, ou seja, doa prótons para o meio. Qual íon H+ será doado primeiro: o da carboxila
(COOH) ou do grupo amina NH3+? O da carboxila, porque é o próton mais ácido.
Bioquímica 48

Gradativamente, por meio da adição de quantidades crescentes de base, obtere-


mos uma segunda forma da glicina (B), até que no ponto II teremos quantidades equiva-
lentes das duas formas (totalmente protonada – A – e a forma que doou um próton – B)
e no ponto III teremos 100% de uma única forma (B).
A partir do ponto III, com mais adição de base, ocorre a doação do segundo pró-
ton (agora do grupamento NH3+). Gradualmente, há a conversão da espécie B em es-
pécie C (após a doação do segundo próton). No ponto IV temos quantidades iguais das
espécies B e C e no ponto V 100% da espécie C.
Quais informações podem ser retiradas com base na análise dessa curva? Já sabe-
mos que os aminoácidos podem agir como ácidos ou bases, dependendo do meio em
que estão inseridos. Qual a relação da curva de titulação com a possível função tampo-
nante dos aminoácidos?
Por meio da curva de titulação, podemos conhecer os intervalos de pH em que um
aminoácido pode agir como um tampão. Por exemplo, os pontos II (pK1 = 2,34) e IV (pK2
= 9,6) da curva da glicina são chamados de regiões tamponantes. Ao redor do pH 2,34 e
9,6, a glicina pode agir como um tampão, portanto, poderá controlar variações bruscas
de pH. Entretanto, essas regiões estão bem distantes do pH celular que é próximo de 7,
logo, nessa condição, esses grupos não têm um papel importante como tampões.
Outra informação importante é o ponto isoelétrico (PI) do aminoácido. Para a gli-
cina, é de 5,97 e corresponde ao ponto III da curva. Esse é o valor de pH em que a carga
total da molécula de aminoácido é zero.
Agora que entendemos a estrutura dos aminoácidos, podemos passar ao tópico se-
guinte: a união de dois deles é denominada ligação peptídica. A seguir, veremos de que
modo ocorre a ligação peptídica e como, gradualmente, são formadas as proteínas.

2.1.3 Ligação peptídica


A ligação que une dois aminoácidos é chamada ligação peptídica. Essa ligação
é covalente, do tipo amida e extremamente estável. Apesar de termos diferentes ti-
pos de aminoácidos, a reação de formação da ligação covalente será sempre feita da
mesma forma: a hidroxila da carboxila do primeiro aminoácido reage com o hidrogênio
do grupamento amino do segundo aminoácido. Nessa reação, sempre será produzida
uma molécula de água. A ilustração a seguir mostra como essa reação ocorre.
Bioquímica 49

Formação da ligação peptídica


R1 O H R2 O
+ +
H 3N C C + H N C C
O– O–
H H H

H2O

R1 O R2 O
+
H 3N C C N C C

© FabriCO
O–
H H H

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 80. (Adaptado).

Após a formação da ligação peptídica, os aminoácidos são chamados de peptídeos


e sempre haverá um grupamento carboxila livre em um dos aminoácidos envolvidos e um
grupamento amino livre no outro aminoácido. Os peptídeos fisiologicamente importantes
variam muito de tamanho, desde moléculas com dois ou três aminoácidos até macromo-
léculas com milhares de aminoácidos. O número de aminoácidos envolvidos nas ligações
peptídicas é justamente o critério utilizado para classificar e nomear as estruturas.
Quando temos poucos aminoácidos ligados, chamamos essa estrutura de oligopep-
tídeo (oligo = poucos) e muitos aminoácidos ligados recebem o nome de polipeptídeo
(poli = muitos). O termo polipeptídeo, muitas vezes, é considerado um sinônimo de pro-
teínas, mas na bioquímica dizemos que os polipeptídeos têm massas molares de até 10
kDa. Acima disso, chamamos de proteínas. É importante saber que o tamanho de uma
proteína não está correlacionado a sua atividade biológica: temos oligopeptídeos, como a
ocitocina, que é formada por 09 aminoácidos, com importante atividade biológica.

2.1.4 Classificação de proteínas


Existem diferentes maneiras de classificar as proteínas, por exemplo, de acordo
com sua composição ou com o número de cadeias polipeptídicas presentes. Quanto à
composição, podemos ter dois tipos de proteínas: simples – formadas apenas por ami-
noácidos; e conjugadas – cuja estrutura é constituída, além de aminoácidos, por grupos
não peptídicos. As proteínas conjugadas podem conter grupamentos de diferentes ca-
racterísticas químicas, como lipídios, açúcares ou metais. Esse grupamento, não consti-
tuído de aminoácidos, é chamado de grupo prostético, que é essencial para a atividade
biológica da proteína.
Bioquímica 50

Proteínas conjugadas e seus grupos prostéticos


Proteína Grupo prostético
Metaloproteínas Metais (Fe, Cu, Mg)
Glicoproteínas Açúcares
Lipoproteínas Lipídios
Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 89. (Adaptado).

A outra forma de classificação de proteínas diz respeito ao número de cadeias po-


lipeptídicas presentes. Quando a proteína tem apenas uma cadeia, é chamada de mo-
nomérica, e, quando apresenta mais de uma, é chamada de oligomérica. A insulina,
como mostra a figura a seguir, é um exemplo de proteína oligomérica: possui duas ca-
deias proteicas diferentes (A e B), uma delas com 21 aminoácidos e outra com 30 ami-
noácidos. As duas cadeias são mantidas unidas por meio de ligações intermoleculares
do tipo dissulfeto.

Estrutura da insulina
CADEIA A
21
1 20
2 19
3 18
4 S 17 30
CADEIA B 5 S 16 29
6 S
7 15
14 28
1 8 9 10 11 12 13
27
2 S
3 26
S
4 S 25
5 24
6 23
7 22
8 21
9
19 20
© FabriCO

10
11 12 13 14 15 16 17 18

Fonte: SALAZAR, 2013. (Adaptado).

Até agora, neste capítulo, os aminoácidos foram bastante explorados. Vimos que
a união de aminoácidos forma peptídeos e que peptídeos originam proteínas. A relação
entre os aminoácidos contidos em uma proteína e sua organização espacial é bastante
intrincada. A seguir, estudaremos a conformação tridimensional das proteínas, ou seja, a
maneira pela qual as cadeias proteicas se organizam no espaço tridimensional.
Bioquímica 51

2.2 Estrutura de proteínas


A conformação de uma proteína é a relação espacial entre todos os átomos presen-
tes nessa estrutura. Uma proteína, na teoria, pode apresentar milhares de conformações
tridimensionais diferentes mas, na prática, encontramos apenas uma predominante e
que está intrinsecamente relacionada a sua função.
À medida que a proteína é sintetizada pelos ribossomos, a cadeia polipeptídi-
ca assume estruturas conformacionais mais complexas, a partir do enovelamento da
cadeia de aminoácidos. A estabilidade dessas estruturas mais complexas é mantida
principalmente por interações fracas, do tipo pontes de hidrogênio e Van der Walls. A
figura a seguir mostra os três níveis crescentes de complexidade adquiridos por uma
proteína chamada colágeno.

Estruturas do colágeno
Sequência dos
aminoácidos Gly X Y Gly X Y Gly X Y

Hélice do
colágeno

Tripla hélice © FabriCO

do colágeno

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 45. (Adaptado).

A sequência de aminoácidos ligados entre si é a estrutura primária da proteína.


As interações entre os aminoácidos mais próximos formarão a estrutura secundária e
o arranjo espacial originará a estrutura terciária. A união entre duas ou mais estruturas
terciárias formará a estrutura quaternária. A seguir, veremos com mais detalhes essas
estruturas de uma proteína.

2.2.1 Estrutura primária


A estrutura primária é definida como a sequência de aminoácidos de uma proteí-
na. Trata-se da estrutura mais simples e importante, pois é quem define a proteína. A
ordem dos aminoácidos em uma cadeia polipeptídica determinará o tipo de interação
que ocorrerá entre os aminoácidos próximos e, consequentemente, a estrutura tridi-
mensional final da proteína. Portanto, qualquer mudança na ordem dos aminoácidos
de uma proteína altera todas as demais estruturas.
Bioquímica 52

A estrutura assumida por uma proteína após sua síntese é condição essencial para
que ela exerça sua função corretamente. Dessa forma, quando a estrutura primária de
uma proteína é alterada, dependendo da alteração conformacional resultante, sua fun-
ção também sofrerá uma modificação.

2.2.2 Estrutura secundária


A estrutura secundária é formada pela interação entre aminoácidos que estão
próximos na cadeia polipeptídica, sendo mantida basicamente devido a: impedimen-
to estérico, ligações de hidrogênio e interações eletrostáticas (interações entre cargas,
em que a carga positiva repele a positiva e atrai a negativa e vice-versa).
Os dois tipos de estruturas secundárias mais comuns são a α-hélice e a confor-
mação β. Na primeira, as ligações forçam a proteína a assumir uma forma helicoidal,
como uma corda enrolada em torno de um tubo imaginário. Cada volta da hélice con-
tém aproximadamente 3,6 aminoácidos e 0,54 nm. A principal força de estabilização
da α- hélice é a ligação de hidrogênio.
Na conformação β, a cadeia polipeptídica se estende em uma estrutura em zigue-
zague disposta lado a lado (folha β). Nesse tipo de estrutura, os resíduos de aminoáci-
dos se organizam em ziguezague; quando vistos lateralmente, as cadeias laterais são
observadas em direções opostas. Assim como na estrutura em α-hélice, sua estabilida-
de deve-se principalmente à presença de ligações de hidrogênio.
Confira na figura a seguir as estruturas secundárias de proteínas. A da letra A cor-
responde à orientação dos átomos de uma cadeia polipeptídica em volta de um eixo
imaginário (α- hélice); a da letra B mostra α-hélice vista de cima (R representa as ca-
deias laterais dos aminoácidos); e a da letra C identifica a folha β antiparalela (parte su-
perior da figura) e a folha β paralela (parte inferior da figura). As setas representam o
sentido da cadeia polipeptídica e as linhas tracejadas indicam as pontes de hidrogênio.
Bioquímica 53

Estruturas secundárias de proteínas


A

N
C
C
C
N
C
C
B
N
C
N C R R
C
R
C R
N
C
C
N
C R
C
C
N R
C
R
N
C
C R
Passo de 0,54 nm R
N
(3,6 resíduos) C
C
N
C 0,15 nm
C
N

© FabriCO
C

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 37-38. (Adaptado).

Uma mesma proteína pode adquirir diferentes tipos de estrutura secundária em


distintas regiões da cadeia polipeptídica. A interação entre essas estruturas no espaço
determinará o próximo nível estrutural proteico, ou seja, a estrutura terciária.

2.2.3 Estrutura terciária e quaternária


A estrutura terciária de uma proteína é obtida pela interação entre aminoácidos
que estão mais distantes em relação a sua posição na cadeia polipeptídica; trata-se
da conformação espacial da proteína, sua estrutura tridimensional. Sua estabilização
é obtida por meio de interações intermoleculares como interações eletrostáticas, li-
gações de hidrogênio e hidrofóbicas e covalentes, como as pontes dissulfeto.
Existem dois tipos básicos de estrutura terciária: as proteínas com estrutura fibro-
sa, de baixa solubilidade em água, e as com estrutura globular, altamente solúveis em
água. Nas proteínas fibrosas, as cadeias proteicas estão organizadas na forma de fila-
mentos, ao passo que, nas globulares, as cadeias se dobram, adquirindo forma esférica.
O tipo de estrutura terciária apresentada pela proteína está intimamente rela-
cionado a sua função celular. As proteínas com estrutura terciária do tipo fibrosa ge-
ralmente estão envolvidas em funções de suporte, força e proteção celular. Já as
globulares estão associadas às demais funções proteicas, como regulação, catálise, etc.
Bioquímica 54

Mas como ficam as estruturas das proteínas que contêm mais de uma cadeia po-
lipeptídica, ou seja, as oligoméricas? Vamos usar como exemplo a proteína hemoglobi-
na, formada por quatro cadeias polipeptídicas diferentes (α1, α2, β1, β2), sendo cada
uma delas sintetizada separadamente. Após a síntese, cada cadeia isoladamente assu-
me suas estruturas secundárias e terciárias, mas a proteína só será funcional quando
houver a união de todas as cadeias. A união das estruturas terciárias de todas as ca-
deias polipeptídicas forma a estrutura quaternária. Sendo assim, apenas as proteínas
oligoméricas – que contêm mais de uma cadeia polipeptídica – apresentam estrutura
quaternária, que é mantida geralmente por ligações intermoleculares, mantendo as di-
ferentes cadeias unidas em uma única estrutura.

2.2.4 Desnaturação
Vimos anteriormente que as proteínas se organizam em estrutura primária, se-
cundária, terciária e quaternária, e têm diferentes graus de complexidade. A estrutu-
ra final adquirida pelas proteínas é denominada estrutura nativa e é essencial para
sua atividade biológica. Agora imagine que uma pessoa tem um quadro de elevação
da temperatura corporal, ou febre. Como a febre poderia prejudicar a atividade das
proteínas, especialmente das enzimas? Quando expostas a alterações de tempera-
tura, pode haver perda da estabilidade das estruturas tridimensionais da proteína e,
por consequência, perda de sua função. Essa alteração tridimensional é chamada de
desnaturação e o agente causador é a elevação da temperatura. Todavia, existem ou-
tras condições que podem desestabilizar essas estruturas. Alterações no pH, tipo de
solvente e adição de metais pesados são exemplos de situações que podem causar a
perda das estruturas tridimensionais de uma proteína. É importante ressaltar que na
desnaturação não ocorre perda da estrutura primária – sequência de aminoácidos –,
mas somente da conformação espacial. Caso ocorra perda da estrutura primária, ocorre
uma degradação proteica.
Em alguns casos, quando as condições desnaturantes são mais brandas, a proteína
pode reassumir sua conformação tridimensional quando o agente desnaturante é removi-
do. Entretanto, condições prolongadas ou intensas geram uma desnaturação irreversível.

2.3 Enzimas
As proteínas são as biomoléculas que apresentam a maior diversidade de funções
biológicas. Entretanto, nenhuma outra função é tão especializada quanto a de catálise
biológica realizada pelas enzimas. Exceto por algumas ribozimas, ou RNAs catalíticos,
todas as enzimas são proteínas e, portanto, todos os conceitos utilizados no estudo
das proteínas são aplicáveis às enzimas.
Bioquímica 55

No final do século XX, foram descritas moléculas de RNA com atividade catalítica, denomina-
das ribozimas. Seu substrato é a própria molécula de RNA e, como nas proteínas, a estrutura é
essencial para a atividade catalítica. Já foram descritas ribozimas em vírus e em células proca-
riontes e eucariontes.

A identificação de uma enzima é feita adicionando-se o sufixo ase ao nome do


substrato da reação que ela catalisa ou da reação de que participa. Por exemplo: a
amilase catalisa a degradação do amido; uma isomerase catalisa a formação de isô-
meros. No início desse parágrafo, foi utilizada a palavra substrato. Substrato é o nome
dado à substância que se liga ao sítio ativo da enzima e sofre a ação desta.
As enzimas são classificadas de acordo com o tipo de reações que catalisam. As
oxidorredutases são enzimas que catalisam reações de oxidorredução; as hidrolases
são responsáveis pela catálise de reações de hidrólise; e as transferases participam de
reações de transferência de grupos, por exemplo.
É importante destacar que as enzimas são fundamentais para que qualquer
reação bioquímica ocorra. Além disso, as enzimas também podem regular e integrar as
rotas metabólicas, contribuindo para a máxima eficiência das reações celulares. A se-
guir, descreveremos algumas das características das enzimas, além de conhecer seus
mecanismos de catálise, as enzimas regulatórias e seu uso clínico.

2.3.1 Funções e características das enzimas


As enzimas são catalisadores biológicos altamente eficientes, capazes de au-
mentar a velocidade das reações químicas em milhões de vezes. Para atuar, necessi-
tam de condições ótimas de pH e temperatura. Geralmente há uma enzima específica
para cada substrato, ou seja, há um encaixe perfeito do substrato ao sítio ativo enzi-
mático. Assim, os substratos são os alvos da ação das enzimas e se ligarão a uma re-
gião determinada, chamada de sítio ativo ou sítio catalítico, formando o complexo
enzima-substrato.
Entretanto, é necessário entender de que forma a enzima reconhece seu substra-
to. Isso ocorre de duas formas: por afinidade química e por complementariedade. A li-
gação do substrato ao sítio-ativo só acontecerá se o substrato tiver afinidade química
com os grupamentos R dos aminoácidos que estão ali e se sua conformação for com-
plementar a determinadas características do sítio-ativo. A figura a seguir representa a
forma de ligação do substrato a sua enzima. Vale esclarecer que h representa grupos
hidrofóbicos e as linhas tracejadas correspondem a pontes de H+.
Bioquímica 56

Complexo enzima-substrato

Substrato

h O

N
H h

h O
h
N HO
H h
h h
O

© FabriCO
Enzima

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 317. (Adaptado).

As enzimas, assim como as proteínas, também podem conter um grupamento


não peptídico ligado à sua cadeia polipeptídica, que é essencial para sua atividade en-
zimática. Esse grupo é chamado de cofator e pode ser de dois tipos: íons inorgânicos
(Cu2+, Fe2+, Mg2+) ou moléculas orgânicas, também chamadas de coenzimas. Quando
a ligação do cofator à enzima é muito estável, como uma ligação covalente, recebe o
nome de grupo prostético. A parte proteica é denominada de apoenzima ou apopro-
teína e a enzima acrescida de seu cofator é chamada de holoenzima.

2.3.2 Mecanismos da catálise enzimática


Vimos que as enzimas são catalisadores biológicos. Mas de que forma conseguem
aumentar a velocidade das reações enzimáticas?
Para entender melhor o papel das enzimas, precisaremos perceber de que ma-
neira ocorre uma reação química do ponto de vista energético. O gráfico que anali-
sa a distribuição de energia durante uma reação química é chamado de diagrama de
coordenada de reação e está demonstrado na figura a seguir. Lembre-se de que ΔG ǂ é
equivale à energia de ativação.
Bioquímica 57

Diagrama de coordenada de reação

X
Não catalisada
ΔΔGcat
(a redução em
ΔG pela catálise)

G Catalisada
A+B

P+Q
A+B P+Q

© FabriCO
Coordenada da reação

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 322. (Adaptado).

As enzimas aceleram a velocidade porque são capazes de reduzir a energia de ati-


vação das reações. E o que é energia de ativação? Trata-se da diferença entre a energia
livre dos produtos e a do estado de transição (X‡). O estado de transição é o ponto de
maior energia do sistema, no qual não existe mais substrato livre e ainda não ocorreu
a formação do produto, ou seja, é um estado intermediário, uma barreira de energia
que os substratos precisam ultrapassar para serem convertidos em produtos. Quanto
maior a energia de ativação, mais lenta será a reação. Por isso, as enzimas aceleram as
reações químicas, já que são capazes de reduzir a energia de ativação.
Mas como as enzimas reduzem a energia de ativação? Qual é a fonte da energia
necessária para este processo? A resposta está na interação da enzima com seu subs-
trato: quando a enzima se liga ao substrato, muitas interações são formadas com os
grupos funcionais presentes, entre elas as interações covalentes e não covalentes. A
cada interação, é liberada certa quantidade de energia e o somatório é chamado de
energia de ligação, que é a principal responsável pela redução da energia de ativação.
Outra consideração importante a ser feita diz respeito à complementariedade
entre enzima e substrato. Atualmente, a hipótese mais aceita é a proposta por Linus
Pauling e Jenks, segundo a qual isso ocorre somente no estado de transição da rea-
ção e não seria uma complementariedade preexistente, do tipo chave-fechadura
(NELSON; COX, 2014).
Bioquímica 58

Entretanto, existem algumas reações em que a enzima reduz a energia de ativa-


ção por um mecanismo diferente da energia de ligação. Essa redução ocorre por meio
de interações do tipo covalente, com grupos químicos específicos na enzima. Esses ti-
pos são chamados de catálises ácido-básica, covalente e por íons metálicos.

2.3.3 Enzimas regulatórias


A coordenação dos processos metabólicos do organismo humano está direta-
mente relacionada à atividade catalítica das enzimas. Para que a regulação ocorra de
acordo com as necessidades celulares, dois processos podem ocorrer: o controle da
quantidade de enzima disponível e o controle da atividade das enzimas. A quantida-
de de enzima disponível é regulada por meio da expressão genética dessa enzima. Já
o controle da atividade de uma enzima pode acontecer por meio dos inibidores e dos
moduladores enzimáticos. No caso de moduladores, pode ocorrer de duas maneiras
distintas: pela adição ou remoção de grupamentos específicos por ligações covalentes
reversíveis ou por modificações conformacionais induzidas por ligações reversíveis não
covalentes de grupamentos chamados moduladores alostéricos.
Geralmente, as enzimas que sofrem regulação de sua atividade (regulatórias) con-
têm mais de uma subunidade e o sítio catalítico está em uma subunidade diferente do
sítio regulatório. Quando o modulador se liga ao sítio regulatório, ocorrem alterações
conformacionais no sítio-ativo, que podem converter a enzima em uma forma mais ou
menos ativa. Se for um modulador positivo, a ligação converterá a enzima em sua forma
mais ativa e, se for negativo, a enzima ficará na forma menos ativa. Essas enzimas que
têm sua atividade alterada por moduladores são chamadas de enzimas alostéricas. A fi-
gura a seguir representa esse processo de modulação. Perceba que o modulador positivo
(M) se liga ao sítio regulatório enzimático deixando a enzima mais ativa.
Bioquímica 59

Modulação alostérica

M Modulador positivo
S Substrato
C R

Enzima menos ativa

– M + M

S C R M

Enzima mais ativa

S C R M Complexo

© FabriCO
enzima-substrato ativo

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 227. (Adaptado).

Nas alterações induzidas por ligações covalentes, grupamentos químicos são adi-
cionados ou removidos em aminoácidos específicos da enzima. Entre os grupos mais
comuns estão fosforila, metila, uridinila, acetila, sulfato, etc. Normalmente, a adição e
a remoção dos grupos são catalisadas por enzimas diferentes. Dessa forma, a fosfori-
lação/desfosforilação de uma enzima é essencial para que sua atividade seja regulada
de acordo com as necessidades da célula.
A seguir, você pode conferir o processo de regulação de uma enzima por meio do
grupo fosforila. Ele ocorre da seguinte forma: o grupamento fosforila é adicionado de
forma específica a um resíduo serina da enzima. A fonte doadora desse grupamento
fosforila é uma molécula de ATP e essa transferência é catalisada por uma enzima ci-
nase (quinase). Na forma fosforilada, essa enzima pode exercer o papel metabólico na
célula. Quando a função da enzima na forma fosforilada cessa, ela deve retornar ao es-
tado inicial, sem o grupamento fosforila. Para sua remoção, é necessária a participa-
ção de uma terceira enzima, com atividade de fosfatase.
Bioquímica 60

Regulação de uma enzima por meio do grupo fosforil


ATP ADP

Mg2+

CINASE

Enz Ser OH Enz Ser O PO32–


FOSFATASE

Mg2+

© FabriCO
Pi H2O

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 90. (Adaptado).

Nas vias metabólicas, as enzimas regulatórias são fundamentais para a regula-


ção da formação de produto nas quantidades necessárias pela célula. Essa regulação é
essencial para a manutenção da homeostase celular.

2.3.4 Uso das enzimas na clínica


A determinação da atividade de algumas enzimas no sangue representa uma im-
portante ferramenta que auxilia no diagnóstico de diversas patologias. Essa área é
chamada de Enzimologia Clínica. Para entendermos melhor esse assunto, é necessá-
rio conhecer o conceito de isoenzimas ou isoformas enzimáticas. São enzimas que ca-
talisam a mesma reação, mas em tecidos ou organelas diferentes. Estruturalmente são
muito semelhantes, mas diferem em relação à sequência de alguns aminoácidos.
O aumento da atividade de determinadas enzimas no sangue é um indicativo de
lesão e/ou proliferação celular, porque a maioria das enzimas é predominantemente
encontrada no citoplasma celular. Elas são extremamente úteis na detecção e localiza-
ção de lesão tecidual e monitoramento do tratamento e progresso da doença.

Determinar a atividade da enzima creatina fosfoquinase (CPK), isoforma MB, é um importan-


te marcador de infarto agudo do miocárdio (IAM). Os níveis séricos de CPK-MB começam a
aumentar de três a seis horas após o início do IAM e atingem valor máximo de 12 a 24 horas,
normalizando-se entre 24 e 48 horas.
Bioquímica 61

Entretanto, na prática, encontramos a significativa desvantagem de que o au-


mento na atividade de uma enzima pode refletir desordens envolvendo vários tecidos.
Portanto, na maioria das vezes, são ensaios não específicos. Um aumento na atividade
da enzima fosfatase alcalina pode significar um distúrbio ósseo ou no trato biliar, ten-
do em vista que os osteoblastos e as células do trato biliar são importantes produto-
res dessa enzima. Na prática, costuma-se contornar essa desvantagem com a análise
da atividade de várias enzimas e exames complementares para auxiliar o diagnóstico,
além da avaliação clínica do paciente.

2.4 Cinética enzimática


A cinética enzimática estuda a velocidade das reações enzimáticas e a maneira
pela qual essa velocidade é alterada por diferentes fatores, entre os quais se destacam:
pH, temperatura, concentração de enzima e de substrato e presença de inibidores en-
zimáticos. A seguir abordaremos esses fatores e sua influência na cinética enzimática.

2.4.1 pH e temperatura
As enzimas têm a velocidade alterada em resposta às variações do pH e da tempe-
ratura. Cada enzima possui uma faixa de pH na qual catalisará a reação em uma veloci-
dade máxima. Quando essa variável é alterada, a velocidade da reação também muda.
Alterações no pH do meio em que a enzima está inserida podem causar transformações
no estado de ionização das cadeias laterais dos aminoácidos envolvidos com a catálise
enzimática e, consequentemente, comprometer a eficiência da catálise. O valor de pH
em que a enzima apresenta sua velocidade máxima é chamado de pH ótimo.
Observe a figura a seguir que representa a atividade de duas enzimas: pepsina e
glicose-6-fosfatase. Perceba que a velocidade máxima da reação da pepsina ocorre em
pH ácido, enquanto a velocidade máxima da glicose-6-fosfatase ocorre em pH básico.
Perceba que alterações de pH resultam em modificações da velocidade da reação. Isso
ocorre porque, se a enzima estiver em uma solução em que o pH sofra uma diminuição
ou um aumento drástico, a ionização dos aminoácidos é alterada. Por consequência, o
formato tridimensional da proteína é perdido, ocasionando desnaturação.
Bioquímica 62

Alteração da velocidade em relação ao pH


Pepsina Glicose-6-fosfatase

log V0

© FabriCO
2 4 6 8 10
pH

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 213. (Adaptado).

Outro fator que precisa ser considerado é a temperatura. A elevação da temperatu-


ra de uma reação aumentará a energia cinética das moléculas de substrato e de enzimas
envolvidas. Com esse aumento de energia, ocorre uma facilitação da reação e, por con-
sequência, a velocidade da reação também é aumentada. Entretanto, isso só ocorrerá
até determinado estágio, pois, a partir de certa temperatura, o aumento da energia ci-
nética promove a perda da estrutura nativa da enzima e ela sofre desnaturação. Com a
desnaturação, a enzima perde sua atividade biológica e, portanto, diminui a velocidade
da reação. O valor de temperatura em que a enzima catalisará a reação com velocidade
máxima é chamado de temperatura ótima. O perfil de alteração da velocidade enzimáti-
ca em relação a mudanças na temperatura é semelhante ao observado com o pH.

2.4.2 Concentração de substrato


Entre todos os fatores que interferem na velocidade de uma reação enzimáti-
ca, a concentração de substrato é a que fornece mais informações sobre o mecanismo
enzimático.
Com o aumento na concentração de substrato, a velocidade da reação cresce até
o momento em que não se altera mais, mesmo com concentrações crescentes de subs-
trato. Esse comportamento é explicado pela concentração limitada de enzima nos
casos em que aproximadamente toda enzima disponível está na forma de complexo
enzima-substrato (ES), atingindo o estado estacionário, ou seja, a velocidade máxima
da reação. Nesse ponto, a enzima atingiu seu ponto de saturação pelo substrato.
O gráfico a seguir apresenta o efeito da concentração de substrato sobre a velo-
cidade de reação. Observe que a constante Km é a concentração de substrato capaz de
fazer a enzima atingir metade de sua velocidade máxima.
Bioquímica 63

Efeito da concentração de substrato sobre a velocidade de uma reação enzimática

Vmáx

υ0

Vmáx
2

0
0 KM 2KM 3KM 4KM 5KM

© FabriCO
[S]

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 361. (Adaptado).

A relação entre essas variáveis é observada em uma equação matemática obtida


por Michaelis-Menten para enzimas com um único substrato:
Vmáx [S]
Vo =
Km + [S]
Sendo que:
Vo = velocidade inicial;
Vmax = velocidade máxima;
[S] = concentração de substrato.
Todas as enzimas que apresentam uma relação hiperbólica de sua velocidade em
relação à concentração de substrato seguem a cinética de Michaelis-Menten. Portanto,
para essas enzimas, o Km é igual à concentração de substrato capaz de atingir 1/2 Vmax.
De maneira geral, para enzimas com um único substrato, o Km é uma medida de afi-
nidade da enzima pelo seu substrato: quanto menor for, maior será a afinidade pelo
substrato.
Outro parâmetro importante de ser avaliado é o kcat (ou número de renovação).
Trata-se de uma medida da quantidade de moléculas de substrato convertidas em pro-
duto por unidade de tempo por uma molécula de enzima. Por exemplo, o kcat da enzi-
ma acetilcolinesterase para o substrato acetilcolina é de 14.000 s-1. Isso significa que
uma molécula da enzima acetilcolinesterase é capaz de converter 14.000 moléculas de
acetilcolina em produto por segundo. A relação entre o Km e o kcat de uma enzima re-
presenta um importante parâmetro de eficiência enzimática.
Bioquímica 64

2.4.3 Inibição Enzimática


Inibidores enzimáticos são substâncias com capacidade de reduzir ou inibir comple-
tamente a atividade de uma enzima. Conhecer o mecanismo de ação de um inibidor per-
mite também conhecer os mecanismos pelos quais as enzimas atuam. Esse tópico é tão
importante que a indústria farmacêutica gasta muito tempo e dinheiro buscando fárma-
cos que possam ser utilizados como inibidores enzimáticos e, consequentemente, possam
ser utilizados no tratamento de doenças. Um exemplo que pode ser mencionado é o anti-
hipertensivo captopril. Esse fármaco atua como inibidor seletivo da Enzima Conversora de
Angiotensinogênio (ECA), que possui um papel hipertensor importante na fisiologia normal.
Assim, há dois tipos de inibição: a inibição enzimática reversível e a inibição enzi-
mática irreversível. Na figura, pode-se perceber que a inibição enzimática reversível pode
ser subdividida em: (a) inibição competitiva; (b) inibição incompetitiva; e (c) inibição mista.

Tipos de inibição reversível


(a) Inibição competitiva (b) Inibição incompetitiva (c) Inibição mista
E+S ES E+P E+S ES E+P E+S ES E+P
+ + + +
I S S I I I
S S
KI’ S KI’ KI’ S
KI’

EI ESI EI + S ESI
I I I I I

I S

© FabriCO
S S
I I

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 208. (Adaptado).

A letra (a) representa a inibição competitiva. Veja que substrato e inibidor são es-
truturalmente semelhantes e capazes de se ligar ao sítio ativo enzimático. Por isso exis-
te competição. Caso o substrato se ligue ao sítio ativo, o complexo enzima-substrato
será formado e a reação segue em direção à formação de um produto. Por outro lado,
se o inibidor enzimático se ligar ao sítio ativo, forma-se o complexo enzima-inibidor (EI)
e a reação bioquímica será inibida, impedindo a formação do produto.
Agora observe a letra (b) da mesma figura. Percebeu alguma diferença na con-
formação da enzima? Veja que ela possui dois sítios para ligação, por isso, na inibição
incompetitiva, o inibidor se liga em uma região diferente do sítio-ativo. Esse tipo de ini-
bidor só é capaz de se ligar ao complexo enzima-substrato (ES) e formar o complexo
enzima-substrato-inibidor (ESI). Quando o complexo ESI é formado, a reação enzimá-
tica não prossegue e não haverá formação de produto. Na inibição mista, representada
pela letra c na figura, o inibidor pode se ligar diretamente à enzima (EI) ou ao complexo
enzima-substrato (ESI).
Bioquímica 65

Os inibidores irreversíveis, por sua vez, são aqueles capazes de se ligar, por meio
de interações covalentes ou muito estáveis, a regiões específicas das enzimas e inati-
vá-las irreversivelmente. Nesse caso, para a atividade catalítica ser recuperada, é preci-
so ocorrer a síntese de uma nova molécula de enzima.
Neste capítulo, estudamos as biomoléculas que possuem a maior diversidade de
funções nos organismos vivos: as proteínas. Vimos que elas são formadas por aminoá-
cidos e que é fundamental o conhecimento de sua estrutura para compreender as ca-
racterísticas das cadeias polipeptídicas. Além disso, examinamos com detalhe a função
das enzimas, que são proteínas especializadas presentes nas células, responsáveis pela
catálise das reações bioquímicas.
Bioquímica 66

Referências
GOMES, E. et al. Enzimas termoestáveis: fontes, produção e aplicação industrial.
Química Nova, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 136-145, fev. 2007. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422007000100025>. Acesso em:
06/01/2017.
MURRAY, R. K. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: AMGH/
Artmed, 2013.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
SALAZAR, S. M. Insulinoterapia en el paciente ambulatorio. Bases de la Medicina
Clínica, Santiago, n. 2, 2013. Disponível em: <www.basesmedicina.cl/diabetes/704_
insulinoterapia/contenidos.htm>. Acesso em: 05/12/2015.
SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica Médica Básica de Marks: uma
abordagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível
molecular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
3 Carboidratos e glicólise
Os carboidratos são moléculas muito importantes para todos os seres vivos, pois
apresentam inúmeras funções, desde energética até estrutural. Essas são as macro-
moléculas que estão em maior quantidade na natureza e representam mais da metade
do carbono fixado nas moléculas orgânicas.
Entre as funções biológicas encontradas nos carboidratos, podemos citar:
1. fonte de energia: um bom exemplo é a molécula de glicose, que é fundamental
para manutenção da vida;
2. síntese de outros componentes celulares: muitos carboidratos, como a própria
glicose, podem ser transformados em outros componentes celulares, como áci-
dos graxos, pentoses dos nucleotídeos, lipídios, aminoácidos e nucleotídeos;
3. armazenamento de energia: o amido e o glicogênio representam as formas
de armazenamento de energia em células vegetais e animais, respectivamente;
4. elemento estrutural das células e dos tecidos: como a celulose nos vegetais e
a quitina nos animais, além dos carboidratos associados às proteínas, também
encontrados nos tecidos animais, como as proteoglicanas e as glicoproteínas.
Todas essas atividades biológicas são possíveis devido à grande diversidade estru­
tural apresentada pelos carboidratos, que se organizam em moléculas únicas, os
monossacarídeos, cadeias curtas denominadas oligossacarídeos ou cadeias longas de-
nominadas polissacarídeos. Essas três classes estruturais serão abordadas neste capí-
tulo. Veremos quais são suas características e como são formadas nos próximos tópicos.

3.1 Monossacarídeos
Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples e apresentam a fórmu-
la geral Cn(H2O)n. São moléculas cristalinas que não apresentam cores e muitas vezes
possuem sabor adocicado. Nessa classe de moléculas, existem muitas hidroxilas (– OH)
que estão ligadas a carbonos quirais (carbono que possui quatro ligantes diferentes),
fato que origina vários isômeros (moléculas com mesma fórmula geral, porém com
mudança de posição de grupos hidroxilas em relação ao carbono quiral).
Eles são divididos em dois grupos: aldoses e cetoses. Aldoses são carboidratos
que apresentam grupo funcional aldeído e cetoses apresentam grupo funcional cetona.
Vamos entender no próximo tópico qual é a estrutura química dos monossacarídeos.
Bioquímica 68

3.1.1 Estrutura química


Os monossacarídeos são designados pela terminação ose. As aldoses são monos-
sacarídeos poli-hidroxilados, isto é, apresentam várias hidroxilas e têm como grupo fun-
cional principal o aldeído; já as cetoses também são poli-hidroxiladas e contêm a cetona
como grupo principal. Um exemplo de aldoses e cetoses está mostrado na figura a se-
guir. A caracterização da estrutura fina dos monossacarídeos será apresentada adiante.

Aldose e cetose
H
H O
C H C OH
H C OH C O
H C OH H C OH
H H

© FabriCO
gliceraldeído, diidroxiacetona,
uma aldotriose uma cetotriose

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 244. (Adaptado).

Os monossacarídeos podem ter de três a nove carbonos. Os monossacarídeos de


três carbonos são as trioses; os de quatro são chamados de tetroses; os de cinco são
pentoses; os de seis são denominados hexoses; os de sete carbonos são heptoses; os
de oito carbonos são octoses; e, os de nove, nonoses. As hexoses são os monossaca-
rídeos mais abundantes. Entre eles, encontra-se a glicose, o monossacarídeo mais co-
mum na natureza.
Com exceção da diidroxicetona, todos os outros monossacarídeos possuem centros
quirais (ou seja, possuem carbonos quirais). A menor das aldoses, o gliceraldeído, mos-
trado na figura anterior, apresenta apenas um carbono quiral. Com a presença dele, ob-
serva-se que existem dois enantiômeros, o D -gliceraldeído e o L-gliceraldeído. Quando a
hidroxila estiver do lado direito do carbono quiral da estrutura desenhada na projeção de
Fischer com o grupo carbonila para cima, a molécula possui denominação (D); porém, se
estiver do lado esquerdo, a molécula será (L).
É importante perceber também que as moléculas mencionadas têm apenas um
centro quiral. Por isso, se você estiver estudando tetroses ou outro monossacarídeo
com quantidade de carbonos maior, observe que a quantidade de centros quirais au-
menta. Nesse caso, para definir se a molécula é D - ou L-, deve-se observar o último
carbono quiral da cadeia, fazendo a mesma analogia descrita anteriormente.
Bioquímica 69

Agora, analise os carbonos indicados com asterisco nas duas pentoses da próxi-
ma figura. Eles são carbonos quirais. A aldose possui três carbonos quirais e, a cetose,
dois. Porém, o último centro quiral da estrutura, nos dois casos, está com a hidroxila
para o lado direito. Portanto, as duas moléculas são D.

Pentoses
H O
1 C 1 CH2OH
*
H 2
C OH 2
C O
HO 3
C *
H HO 3
*
C H
H 4
C* OH H 4
C* OH
CH2OH CH2OH

© FabriCO
5 5

D-Xilose D-Xilulose

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 244. (Adaptado).

O exemplo mostrou que as duas pentoses são semelhantes, entretanto, como a


cetose possui o grupo funcional no carbono dois, ela apresenta um carbono quiral a
menos. Esse dado é de grande relevância biológica, tendo em vista que a maioria dos
monossacarídeos utilizados pelo homem são D, porém alguns poucos apresentam-se
na forma L . É o caso, por exemplo, da L-arabinose, encontrada em associação com pro-
teínas ou lipídios, os chamados glicoconjugados.
Contudo, quando dois monossacarídeos diferem na posição da hidroxila de ape-
nas um carbono quiral, eles são chamados de epímeros. Um exemplo são os monos-
sacarídeos D -glicose e D -galactose. Observe as várias aldoses e cetoses mostradas a
seguir e identifique outros epímeros.

Aldoses
Três carbonos Quatro carbonos Cinco carbonos

H O H O H O H O
C C C C
H O H O
C C H C OH HO C H H C OH HO C H
H O H C OH HO C H H C OH H C OH HO C H HO C H
C
H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH

D-Gliceraldeído D-Eritrose D-Treose D-Ribose D-Arabinose D-Xilose D-Lixose

Seis carbonos

H O H O H O H O H O H O H O H O
C C C C C C C C
H C OH HO C H H C OH HO C H H C OH HO C H H C OH HO C H
H O H C OH HO C H H C OH H C OH HO C H HO C H
C
H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH

Bioquímica D-Eritrose D-Treose D-Ribose D-Arabinose D-Xilose D-Lixose


70
D-Gliceraldeído

Seis carbonos

H O H O H O H O H O H O H O H O
C C C C C C C C
H C OH HO C H H C OH HO C H H C OH HO C H H C OH HO C H
H C OH H C OH HO C H HO C H H C OH H C OH HO C H HO C H

H C OH H C OH H C OH H C OH HO C H HO C H HO C H HO C H
H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH

© FabriCO
D- Alose D-Altrose D-Glucose D-Manose D-Gulose D-Idose D-Galactose D-Talose

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 246. (Adaptado).

Cetoses
Três carbonos Quatro carbonos Cinco carbonos

CH2OH CH2OH
CH2OH C O C O
C O H C OH HO C H
CH2OH
C O H C OH H C OH H C OH

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH

Diidroxicetona D-Eritrulose D-Ribulose D-Xilulose

Seis carbonos

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH


C O C O C O C O
H C OH HO C H H C OH HO C H

H C OH H C OH HO C H HO C H
H C OH H C OH H C OH H C OH

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH

D-Psicose D-Frutose D-Sorbose D-Tagatose


© FabriCO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 246. (Adaptado).


Bioquímica 71

Cada monossacarídeo apresenta uma função biológica, porém alguns deles pos-
suem funcionalidades mais importantes. Por exemplo, a ribose tem a função de formar
nucleotídeos; já a glicose é necessária para a formação de ATP. Os monossacarídeos
podem ser modificados, assim, suas funções biológicas também são alteradas. Outras
funções dos monossacarídeos serão mostradas no próximo tópico.

3.1.2 Funções dos monossacarídeos


Os monossacarídeos possuem várias funções biológicas. A glicose, a manose e a
galactose, por exemplo, fornecem energia para as células quando entram no processo
de catabolismo. Já a ribose pode permanecer dessa forma ou originar a desoxirribose
após a retirada do oxigênio do carbono 2 da sua molécula. Esses dois monossacarídeos
têm a função de formar nucleotídeos para o transporte de energia, funcionar como
mensageiros químicos e também formar as moléculas de ácido ribonucleico (ARN, em
inglês RNA) e ácido desoxirribonucleico (ADN, em inglês DNA).
No entanto, a principal função dos monossacarídeos é a formação de polímeros
simples ou complexos por meio de ligações glicosídicas. Esses polímeros podem ser
compostos somente de açúcares ou serem conjugados com proteínas ou lipídios. As
diferentes conjugações modificam as funções biológicas. Um exemplo são as proteo-
glicanas, encontradas no tecido conjuntivo, que possuem uma pequena quantidade de
proteína ligada ao açúcar. Os glicolipídios, moléculas formadas pela associação de lipí-
dios com açúcares, possuem a função de reconhecimento celular.

3.1.3 Ciclização
Você deve ter percebido que os carboidratos foram representados em cadeias li-
neares, na forma aberta. Porém, em soluções aquosas, os monossacarídeos podem
adquirir estrutura de cadeia cíclica, em formato de anel. Isso se deve à aproximação
do carbono que possui a dupla ligação com a hidroxila do último carbono quiral. Essa
aproximação proporciona uma reação na qual o oxigênio do grupo hidroxila faz um
ataque nucleofílico no carbono da dupla ligação, formando um anel na molécula do
monossacarídeo. Ao mesmo tempo, o átomo de hidrogênio que estava ligado ao oxi-
gênio da hidroxila do último carbono quiral é atraído para o oxigênio que tinha origi-
nalmente a dupla ligação, formando outra hidroxila. Note que, nesse caso, o carbono
que tinha a dupla ligação torna-se outro carbono quiral.

O ataque nucleofílico ocorre quando o par de elétrons do oxigênio ataca o núcleo de outro áto-
mo, normalmente o carbono, e desloca uma das ligações covalentes.
Bioquímica 72

Reação de ciclização da D-glicose


H O
1
C
2
H C OH
3
HO C H
H 4 C OH
H 5 C OH
6
CH2OH

6
CH2OH
5
H C OH
H
4 H
C C 1
OH H
HO O
3C 2C

H OH

6 6
CH2OH CH2OH
5 5
H C O H C O
H OH
4 H 4 H
C 1 C C 1 C
OH H OH H
HO OH HO H
C C C C
3 2 3 2

H OH H OH
mutarrotação
© FabriCO

α-D-glicopiranose β-D-glicopiranose

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 247. (Adaptado).

Em aldoses com mais de quatro carbonos e em cetoses com mais de cinco car-
bonos, a forma predominante é a cíclica. Essa reação entre um aldeído e um álcool ou
entre um grupo cetona e um álcool, forma um hemiacetal ou hemicetal, respectiva-
mente, sendo que o carbono participante desse grupo é chamado de anomérico. A for-
mação do hemiacetal é importante para a construção da ligação glicosídica, que será
explicada nos próximos tópicos deste capítulo.
Mas também é importante perceber na figura que, como o carbono hemiacetal
tornou-se quiral, a posição da hidroxila modifica a conformação da molécula, forman-
do anômeros. Quando a hidroxila do hemiacetal fica para cima, a molécula está na
forma β; se estiver para baixo, a molécula está na forma α. Os anômeros α e β, quando
se encontram em solução aquosa, sofrem mutarrotação.
Bioquímica 73

Mutarrotação é a interconversão dos anômeros pela transformação da estrutura cíclica em


estrutura aberta e retorno para estrutura cíclica com a configuração invertida no carbono
anomérico.

Quando o anel formado apresenta seis elementos, a estrutura é chamada de pira-


nose. Esse nome deve-se a sua semelhança com a molécula do pirano. Por outro lado,
quando possui cinco elementos, denomina-se furanose, porque o anel é parecido com
a molécula do furano, como mostra a figura a seguir. Em análises químicas, é possível
observar que anéis piranosídicos são mais estáveis que os furanosídicos, devido ao ân-
gulo das ligações químicas. No caso da estrutura furanosídica, o ângulo entre as liga-
ções é mais agudo, fazendo com que as ligações covalentes fiquem mais tensionadas,
diferentemente do que ocorre na estrutura piranosídica.

Piranoses e furanoses
6
CH2OH CH2OH
5
O O HC O
H H OH
H H H
4 1 HC CH
OH H OH H H
HO OH HO H2C CH
3 2
H OH H OH
α - D- Glicopiranose β - D- Glicopiranose Pirano

6 1
HOCH2 O CH2OH HOCH2 O OH O
5 2 HC CH
H HO H HO
H 4 3 OH H CH2OH C C
OH H OH H H H
© FabriCO

α - D- Frutofuranose β - D- Frutofuranose Furano

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 248. (Adaptado).

Também existem algumas maneiras de representar os monossacarídeos na forma


cíclica. A mais comum é a fórmula de perspectiva de Haworth, como ilustra a figura
anterior. Nessa fórmula, é sugerido que o anel de seis elementos é plano, porém esse
fato não é verdadeiro. Em solução aquosa, a molécula pode variar entre dois extremos:
conformação em forma de “cadeira” ou de “barco”.
Bioquímica 74

Formas de “cadeira” e de “barco” da molécula de glicose


H H OH
CH2OH
O CH2OH
HO H
HO H O
H
H
HO H
OH OH HO
H
H H OH

© FabriCO
Forma de cadeira Forma de barco

Ambas as conformações podem se interconverter sem haver quebra de ligações,


no entanto, a mais estável é a de “cadeira”. Para finalizar, observe a figura abaixo.

Formas de representação da molécula de glicose


O
1
C H
2
H C OH
3
HO C H
H C OH 4

H 5 C OH
6
CH2OH

6
HOCH2
H
5
O H
4
H 1
OH H
HO OH
3 2
H OH

H 6
HOCH2 O
4
HO 6
H H
2 H
OH
© FabriCO

1
HO 3

H OH

Você deve ter percebido, observando a figura, que a molécula de glicose pode ser
representada de maneiras diferentes, desde sua cadeia linear, representada no alto da
figura, até suas formas cíclicas. Isso é importante porque as conformações tridimen-
sionais específicas de cada monossacarídeo determinarão as propriedades biológicas
e funções dos oligossacarídeos e dos polissacarídeos, moléculas que veremos a seguir.
Bioquímica 75

3.2 Oligossacarídeos e polissacarídeos


Os monossacarídeos podem ser unidos por ligações glicosídicas para formar polí-
meros de estrutura e tamanho variável. Para que isso aconteça, é necessária a presença
de um grupo hemiacetal nos monossacarídeos que pode reagir com a hidroxila do outro
monossacarídeo para formar a ligação glicosídica. A extremidade que possui o grupo he-
miacetal é chamada de extremidade redutora e, a partir dela, ocorre a reação com outro
monossacarídeo, formando a ligação glicosídica, assunto que será abordado a seguir.

3.2.1 Formação da ligação glicosídica


Ligação glicosídica é o nome dado à união de um açúcar a outra molécula que
pode ser um álcool, uma base nitrogenada, um aminoácido ou outro açúcar, por inter-
médio de um átomo de oxigênio. Dessa forma, a ligação é denominada O-glicosídica.
Observe a figura a seguir e perceba que o carbono anomérico do hemiacetal da
α-D-Glicose é unido covalentemente à hidroxila da β-D-Glicose. Essa reação é uma rea-
ção de condensação, que é responsável pela remoção de uma molécula de água e resulta
na formação de um acetal chamado de glicosídeo. Para ocorrer a quebra da ligação gli-
cosídica, é necessário haver a hidrólise, restabelecendo os compostos originais.

Formação e quebra da ligação O-glicosídica


CH2OH CH2OH
H O H
hemiacetal
H O OH
H H
OH H + OH H
HO OH HO H
H OH álcool H H
α-D-Glicose β-D-Glicose

hidrólise condensação
H2O H2O
6 6
CH2OH CH2OH hemiacetal
5 5
H O H acetal
H O OH
H H
4 1 4 1
OH H OH H
HO H
3 2 O 3 2
H OH H OH

Maltose
© FabriCO

α-D-Glicopiranosil-(1→498)-D-Glicopiranose

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 252. (Adaptado).


Bioquímica 76

É possível perceber que a ligação glicosídica é nominada de acordo com a confi-


guração do carbono anomérico envolvido na ligação e depois é colocado o número dos
carbonos dos monossacarídeos que estão ligados. Por exemplo, na maltose mostrada
na figura anterior, a primeira molécula de glicose é α e seu carbono 1 foi ligado ao 4 da
outra glicose. Portanto, a ligação é α(1→4). Outras notações também podem ser usa-
das, como: α(1,4) ou α-1,4.
Todos os monossacarídeos que possuem um grupo hemiacetal sem fazer ligação
glicosídica são chamados de açúcares redutores. Quando são formados dissacarídeos,
oligossacarídeos ou mesmo polissacarídeos, a extremidade que apresenta um grupo
hemiacetal é chamada de redutora.
Um detalhe interessante, que deve ser observado, é que quando um monossa­
carídeo reage com um átomo de nitrogênio de outra molécula, origina a ligação
N-glicosídica e não O-glicosídica. Se essa ligação for feita com o nitrogênio do grupo
amino de um aminoácido, forma-se uma glicoproteína. Por outro lado, se a ligação for
realizada com uma base nitrogenada, o resultado é um nucleosídeo.

3.2.2 Oligossacarídeos de interesse humano


Alguns oligossacarídeos encontrados na natureza são muito importantes para
os seres humanos e também para outros seres vivos. Um exemplo importante é a
sacarose, um dissacarídeo composto de glicose e frutose em ligação α(1→2), sendo,
portanto, um açúcar não redutor. Esse dissacarídeo é formado como produto interme-
diário da fotossíntese e nas plantas tem a função de chegar a outras partes para nutri-
ção ou armazenamento. A sacarose, para as células animais, é uma fonte importante
de energia e, por possuir um sabor adocicado, é muito utilizada na preparação de ali-
mentos. O consumo excessivo desse carboidrato favorece o desenvolvimento de cáries
dentárias, além de estar associado à obesidade.
Outro exemplo de dissacarídeo é a lactose, que é formada por galactose em liga-
ção β(1→4) com a glicose. Está presente no leite e é fonte de energia para os mamíferos.
Além disso, fornece carbono para vários tipos de bactérias. Em pessoas com deficiência
da enzima lactase, encontrada no intestino delgado, a lactose não é degradada, razão
pela qual as bactérias intestinais utilizam esse açúcar como fonte de carbono e prolife-
ram. O resultado é o aumento do peristaltismo intestinal, ocasionando sintomas como
cólica intestinal e diarreia. Essa doença é chamada intolerância à lactose.
Outro dissacarídeo importante é a trealose, que é composta de duas moléculas de
glicose formadas por ligação α(1→1), sendo, portanto, um açúcar não redutor. É encontra-
da na hemolinfa de insetos e em fungos. A figura a seguir exemplifica os dissacarídeos.
Bioquímica 77

Dissacarídeos
CH2OH CH2OH
O O
HO H H
OH O OH
H OH
H
H OH H OH
Lactose (galactose-β-1,4-glicose)

CH2OH CH2OH
O O H
H
OH O HO
HO CH2OH
H OH OH H

Sacarose (glicose-α-1,2-frutose)

CH2OH H OH
H O H H H
H OH H
OH H O HOH2C
HO O OH
H OH H
© FabriCO

Trealose (glicose –α-1,1-glicose)

Fonte NELSON; COX, 2014, p. 253. (Adaptado).

Existem diversos outros oligossacarídeos. No entanto, apenas alguns, como os


dissacarídeos mostrados anteriormente, são importantes para o consumo humano.
Quando a quantidade de monômeros ligados entre si ultrapassa dez monossacarídeos,
o polímero passa a ser chamado de polissacarídeo, assunto do próximo tópico.

3.2.3 Classificação dos polissacarídeos


Os polissacarídeos são os açúcares em maior abundância na natureza, possuindo mé-
dio e alto peso molecular. Para serem considerados polissacarídeos, é necessário que te-
nham dez ou mais monossacarídeos unidos por ligação glicosídica. Eles são classificados
de acordo com o tipo de monômeros encontrados e pela presença ou não de ramificações.
Se o monômero é um único tipo de monossacarídeo, o polissacarídeo é chamado
de homopolissacarídeo. Se, por outro lado, houver dois ou mais tipos diferentes de
monossacarídeos, será chamado de heteropolissacarídeo. A figura a seguir mostra essa
classificação. Perceba que os homopolissacarídeos são formados por monômeros de um
único açúcar, ilustrados na cor amarela. Já os heteropolissacarídeos possuem dois ou
mais monômeros constituintes, ilustrados nas cores verde, rosa e azul.
Bioquímica 78

Tipos dos polissacarídeos


Homopolissacarídeos Heteropolissacarídeos

Dois tipos de Múltiplos tipos


Linear Ramificado
monômeros, de monômeros,
linear ramificado

© FabriCO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 254. (Adaptado).

Assim como o tamanho do polissacarídeo, a presença ou não de ramificações de-


pende intrinsecamente das enzimas que catalisam a formação das ligações glicosídicas
(NELSON; COX, 2014). Por esse motivo, não existe um molde prévio para a organiza-
ção desses polímeros, que podem ter tamanhos bastante variáveis, uma vez que uni-
dades monossacarídicas podem tanto ser adicionadas quanto removidas.

3.2.4 Polissacarídeos de interesse para a área de saúde


Na natureza, os polissacarídeos possuem diversas origens e apresentam ativida-
des biológicas distintas, sendo que muitos são interessantes para o tratamento de pa-
tologias. Entre os polissacarídeos mais estudados, estão os polissacarídeos de algas,
invertebrados, fungos e plantas. Tendo em vista que a variabilidade estrutural desses
polímeros é imensa e as atividades biológicas são inúmeras, abaixo são listadas apenas
algumas funções para que você perceba a importância dessas moléculas.
1. Processos de reconhecimento e de adesão celular: essa função é desempe-
nhada por vários polissacarídeos. Alguns exemplos são aqueles que compõem
o glicocálix e algumas heterofucanas de algas marinhas.
Bioquímica 79

2. Ação estimulatória do sistema imune: muitos polissacarídeos que apresen-


tam essa função estão sendo estudados, entre os quais as β-glucanas.
3. Atividade antitumoral: essa atividade é desempenhada por vários tipos de po-
lissacarídeos, como β-glucanas, heterofucanas, glucomananas e outros.
4. Atividade anticoagulante: encontrada em alguns polissacarídeos que apresen-
tam substituintes contendo carga negativa, em especial grupamentos sulfato.
Um representante é a heparina, muito utilizada em tratamentos de coagulação
disseminada.
5. Atividade antiviral: alguns polissacarídeos podem atuar contra determinados
vírus. É o caso de uma heterofucana que apresenta atividade contra o vírus do
herpes simples.
Por outro lado, polissacarídeos comuns, como o amido, o glicogênio e a celulose,
também são importantes para a saúde humana. A celulose não é digerida pelos seres hu-
manos, porque é um polímero linear formado por moléculas de glicose em ligações β(1→4),
porém é utilizada como fibra insolúvel. Essa fibra, juntamente com outras, como as pecti-
nas, aumenta o trânsito intestinal, facilitando a eliminação das fezes. O glicogênio, por sua
vez, é o homopolissacarídeo utilizado para armazenamento de moléculas de glicose nos
tecidos animais, servindo também para fazer a manutenção da taxa de glicose no sangue,
a glicemia. O amido, encontrado nos vegetais, é a maior fonte alimentar de glicose dispo-
nível e é usado para a nutrição humana e para o aumento da glicemia.

3.3 Via glicolítica


O principal monossacarídeo responsável pela posição central no metabolismo da
maioria dos seres vivos é a glicose. Ela é utilizada pela maioria dos tecidos humanos
como combustível para a formação de adenosina trifosfato (ATP). Para o cérebro, por
exemplo, é o combustível preferencial, sendo que sua diminuição excessiva ocasiona
vários sintomas, como tontura, sudorese, desmaio e até mesmo indução ao coma.
Como mencionado anteriormente, a maior importância da glicose deve-se ao fato
de ser utilizada para formar ATP. Essa transformação ocorre na Via Glicolítica, também
chamada de glicólise. Na verdade, a glicólise nada mais é do que uma sequência de rea-
ções enzimáticas que degrada/converte a glicose em piruvato, ATP e NADH. Essa via
metabólica é uma via central para obtenção de energia em todas as células, sendo que,
nas células tumorais, é a via preferencial de geração de ATP.
A seguir, veremos qual a importância da via glicolítica, o que a caracteriza, qual
sua regulação e de que forma outros monossacarídeos participam dela.
Bioquímica 80

3.3.1 Importância da via glicolítica


A principal importância da via glicolítica é a produção de piruvato que, na maior
parte dos casos, prossegue no processo de formação de ATP e NADH na mitocôndria.
Porém, essa via metabólica também é relevante em outros processos celulares devido
ao fornecimento de metabólitos utilizados por outras vias. Em algumas células, como
o eritrócito (hemácia), é a única que fornece ATP. Isso também ocorre em células que
se encontram em respiração anaeróbica, ou seja, quando falta oxigênio para o pro­
cesso de respiração celular. Por esses motivos, a glicólise é o centro do metabolismo
de carboidratos.

3.3.2 A via glicolítica


Para que a célula possa modificar a molécula de glicose e formar piruvato, é ne-
cessário que esse monossacarídeo entre na célula. Essa entrada, por meio do transpor-
tador de glicose, representado pela sigla GLUT, ocorre por diferença de concentração
do monossacarídeo. A glicólise é uma via metabólica que ocorre no citosol da célula
e possui dez reações sequenciais, que serão mostradas a seguir. Na primeira reação
da glicólise, à medida que a glicose entra na célula, a enzima hexoquinase promove a
transferência do grupo fosfato do ATP para o carbono 6 da glicose, formando glico-
se-6-fosfato, como mostra a figura a seguir.

Reação da hexoquinase
O
6
HO CH2 –
O P O CH2
O– 5
H O H ATP ADP H O H
H Mg2+ H
4 1
OH H Hexoquinase OH H
HO OH HO OH
3 2
H OH H OH
Glicose Glicose-6-fosfato
© FabriCO

ΔG10 = – 16,7 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 548. (Adaptado).

Essa fosforilação é necessária para que o transportador GLUT não reconheça a


molécula e a glicose permaneça dentro da célula e também para que a glicose siga
pela via glicolítica. Essa é a reação de início da primeira fase dessa via, chamada pre-
paratória. Um dado importante é que a enzima hexoquinase é alostérica e estabelece
uma etapa regulatória da glicólise.
Bioquímica 81

Na segunda reação, mostrada na figura a seguir, a glicose-6-fosfato sofre isome-


rização, sendo transformada em frutose-6-fosfato. Essa reação é catalisada pela fos-
foexose isomerase. Para que ela ocorra, é necessário que a ligação entre o oxigênio e
o carbono 1 da glicose-6-fosfato seja rompida e, em seguida, o oxigênio se liga com o
carbono 2, deixando o carbono 1 para fora do ciclo.

Reação da fosfoexose isomerase


6 6
CH2OPO2–3 CH2OPO2–3 1
5
O O CH2OH
H H H Mg2+
4 1 5 2
OH H Fosfoexose H HO
OH H OH
HO 3 2 isomerase 4 3
H OH OH H

Glicose 6-fosfato Frutose 6-fosfato

© FabriCO
,
ΔG 0 = 1,7 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 549. (Adaptado).

Já na terceira reação, a frutose-6-fosfato sofre fosforilação catalisada pela fosfo-


frutoquinase-1. Essa enzima transfere o grupamento fosfato do ATP para o carbono 1
da frutose-6-fosfato, formando frutose-1,6-bifosfato, como ilustra a figura a seguir.

Reação da fosfofrutoquinase-1
O O O
6 6 1

O P O CH2 –
O P O CH2 CH2 O P O–
1
O– ATP ADP O– O O–
O CH2 OH
Mg2+
5 2 5 2
H HO fosfofrutoquinase -1 H HO
H OH H OH
4 3 4 3
OH H OH H

Frutose-6-fosfato Frutose-1,6-bifosfato
© FabriCO

,
ΔG 0 = 14,2 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 549. (Adaptado).

Na quarta reação, a aldolase catalisa a quebra da frutose-1,6-bifosfato, originan-


do duas trioses-fosfato: a diidroxiacetona-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato que são es-
truturalmente diferentes.
Bioquímica 82

Reação da aldolase
O O O O H
6 1

O P O CH2 CH2 O P O– CH2 O P O– C
O– O O– C O O– HCOH O
5 2
Mg2+ + CH2 O P O–
H HO aldolase
CH2OH
H OH O–
4 3
OH H Diidroxiacetona Gliceraldeído-
fosfato 3-fosfato
Frutose-1,6-bifosfato

© FabriCO
,
ΔG 0 = 23,8 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 550. (Adaptado).

Como os últimos produtos da glicólise são duas moléculas iguais de piruvato, é


preciso que as duas trioses-fosfato geradas na reação 4 sejam interconvertidas, geran-
do duas moléculas iguais para continuar o processo. Isso ocorre na quinta reação, na
qual a triose-fosfato isomerase interconverte as duas trioses-fosfato, porém a reação
seguinte só ocorre utilizando o gliceraldeído-3-fosfato e isso promove um deslocamen-
to do equilíbrio químico, favorecendo a formação do gliceraldeído-3-fosfato. Essa rea-
ção enzimática encerra a fase preparatória da glicólise.

Reação da triose-fosfato isomerase


O H
CH2OH
C
C O O
HCOH O
CH2 O P O –
CH2 O P O–
O– triose fosfato
isomerse O–
Diidroxiacetona Gliceraldeído-
fosfato 3-fosfato
© FabriCO

,
ΔG 0 = 7,5 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 552. (Adaptado).

A sexta reação, mostrada na figura a seguir, inicia a segunda fase da via glicolítica,
também chamada de compensação ou pagamento. É importante lembrar que, a partir
dessa reação, todas as moléculas estão duplicadas.
Bioquímica 83

Reação da gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase


O H O
C O NAD +
NADH + H +
O O P O–
HCOH + HO P O –
C O–
gliceraldeído-3-folfato
CH2OPO 2–
3 O –
desidrogenase HCOH

Gliceraldeído- Fosfato 1,3 – Bifosfo- CH2OPO32–


3-folfato inorgânico glicerato

© FabriCO
,
ΔG 0 = 6,3 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 551. (Adaptado).

Na reação da figura anterior, a gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase catalisa a


retirada de hidreto do carbono 1 do gliceraldeído-3-fosfato, ao mesmo tempo em que
insere uma molécula de fosfato inorgânico no lugar formando o 1,3-bifosfoglicerato.
Observe que o hidreto retirado do gliceraldeído-3-fosfato e também um próton do fos-
fato inorgânico são transferidos para o NAD+ formando NADH + H+.
A sétima reação, mostrada na figura a seguir, é uma catálise feita pela fosfo-
glicerato quinase, na qual ocorre a retirada do grupo fosfato do carbono 1 do 1,3-bi-
fosfoglicerato e a transferência para a adenosina difosfato (ADP) formando ATP e
3-fosfoglicerato. É importante lembrar que duas moléculas de ATP serão formadas – uma
vez que todas as moléculas estão duplicadas na segunda fase da glicólise.

Reação da fosfoglicerato quinase


O–
O –
O P O
O O P O– P O O– P
C Mg
2+ C
O– P P
HCOH + +
O fosfoglicerato HCOH O
quinase
CH2OPO 2–
3 Rib Adenina CH2OPO32– Rib Adenina

1,3 – Bifosfoglicerato ADP 3 - Fosfoglicerato ATP


© FabriCO

,
ΔG 0 = – 18,5 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 552. (Adaptado).

A reação número oito inicia pela catálise que a fosfoglicerato mutase faz, ocasio-
nando a mudança de posição entre o fosfato do carbono 3 e o hidrogênio do carbono 2,
gerando o 2-fosfoglicerato. Observe na figura a seguir.
Bioquímica 84

Reação da fosfoglicerato mutase


O O– O O–
C C O
Mg2+
HC OH O HC O P O–
fosfoglicerato
CH2 O P O– mutase CH2 OH O–
O–
3-Fosfoglicerato 2-Fosfoglicerato

© FabriCO
,
ΔG 0 = 4,4 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 554. (Adaptado).

O 2-fosfoglicerato formado na reação oito é transformado em fosfoenolpiruvato na


nona reação, que está representada na figura a seguir. Essa reação é catalisada pela enolase.

Reação da enolase
O O– O O–
C O H2O C O

H C O P O– C O P O–
enolase
HO CH2 O– CH2 O–

2-Fosfoglicerato Fosfoenolpiruvato
© FabriCO

,
ΔG 0 = 7,5 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 554. (Adaptado).

O fosfoenolpiruvato é, então, catalisado pela enzima piruvato quinase, que retira o


grupo fosfato do fosfoenolpiruvato, transferindo para o ADP, formando ATP e piruvato.
A reação está representada na figura a seguir.

Reação da piruvato quinase


O–

O P O
O O – O O
C O P Mg2+, K+ C P
piruvato +
C O P O– + P C O P
quinase
O O CH3 O
CH2
Rib Adenina Rib Adenina

Fosfoenolpiruvato ADP Piruvato ATP


© FabriCO

,
ΔG 0 = –31,4 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 554. (Adaptado).


Bioquímica 85

A glicólise acontece em todas as células, porém, se o oxigênio estiver presente,


na maioria delas, o piruvato formado ao final da via entra na mitocôndria para conti-
nuar o processo de respiração celular. Entretanto, se não houver oxigênio, o piruvato
ficará acumulado no citosol e ocorre a fermentação. Como a via glicolítica tem grande
importância para a célula, esse metabolismo deve ser muito bem regulado, como será
mostrado a seguir.

3.3.3 Regulação da via glicolítica


A glicólise é regulada de acordo com condições tanto intra quanto extracelulares,
bem como pela atividade de três enzimas que foram mencionadas anteriormente: a
hexoquinase, a fosfofrutoquinase-1 e a piruvato quinase. Nesse momento, vale a pena
você voltar e localizar as três enzimas na via glicolítica.
A hexoquinase possui várias isoenzimas, proteínas diferentes que catalisam a mes-
ma reação enzimática. Dois exemplos são a hexoquinase IV ou glicoquinase, presen-
te no fígado, e a hexoquinase I, encontrada nos músculos. A regulação da glicoquinase
ocorre por compartimentalização. Observe a figura abaixo e perceba que a glicoquinase
está presente no citosol do hepatócito. Quando a glicemia aumenta, a glicoquinase faz a
transferência do grupo fosfato do ATP para o carbono 6 da glicose, formando glicose-6-
-fosfato. Caso a glicemia diminua, uma proteína reguladora sequestra a glicoquinase do
citosol, levando-a para o núcleo. Como está em outro compartimento, a via glicolítica é
interrompida, desviando o metabolismo para o consumo de outros combustíveis, como
os lipídios. Quando a glicemia aumenta novamente, a proteína reguladora se solta da gli-
coquinase e esta retorna ao citosol para iniciar novamente a via glicolítica.

Controle da glicoquinase por sequestro nuclear


Capilar
GLUT2 Citosol Núcleo

Glicose

Glicose Membrana
Glicoquinase Glicoquinase
plasmática
© FabriCO

Glicose-6-fosfato
Proteína
reguladora
Frutose-6-fosfato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 603. (Adaptado).


Bioquímica 86

A hexoquinase I, presente nos músculos, atua na sua velocidade máxima, uma


vez que a glicose proveniente do sangue produz uma concentração intracelular sufi-
cientemente alta para saturá-la. Outro aspecto significativo sobre essas enzimas
é a diferença na velocidade de reação de cada uma. A hexoquinase I apresenta um
Km (constante de Michaelis-Menten) muito menor que a glicoquinase, como mostra
a figura a seguir.

O Km é uma constante que pode refletir a afinidade da enzima pelo seu substrato, quanto menor
Km, maior a afinidade.

Comparação entre a cinética da hexoquinase I e da glicoquinase

1,0
Hexoquinase I
Atividade enzimática relativa

Hexoquinase IV
(glicocinase)

0 5 10 15 20
© FabriCO

Concentração de glicose (mM)

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 603. (Adaptado).

Outra enzima regulatória é a fosfofrutoquinase-1. Essa é a enzima da etapa regu-


latória mais importante da glicólise. Ela é inibida pelo ATP e pelo citrato e ativada pelo
AMP e pela frutose-2,6-bifosfato. A frutose-2,6-bifosfato é produzida pela fosfofruto-
quinase-2. A fosfofrutoquinase-2 produz esse composto quando existe um grande su-
primento de glicose. Isso ocorre porque a quantidade de frutose-6-fosfato aumenta,
consequentemente crescendo a produção de frutose-2,6-bifosfato. A frutose-2,6-bifos-
fato, quando presente, ativa a fosfofrutoquinase-1 e a via glicolítica. Ao mesmo tempo,
inibe a frutose-1,6-bifosfatase e a gliconeogênese que ocorre no fígado e nos rins.
Bioquímica 87

A concentração de fosfofrutoquinase-2 é controlada pelo próprio substrato, no


chamado controle alostérico, e também sofre controle hormonal via modificação co-
valente. Como a inibição da fosfofrutoquinase-1 promove um acúmulo de frutose-6-
fosfato e, por consequência, de glicose 6-fosfato, se a fosfofrutoquinase-1 estiver ini-
bida, a hexoquinase I também estará.
A piruvato quinase é a última enzima da via glicolítica e está presente em várias
isoformas: a forma L (fígado, em inglês, liver), a M (músculo, em inglês, muscle) e a R
(hemácias, em inglês, red blood cells). Cada uma dessas formas apresenta uma regula-
ção diferente: a L e a M são inibidas pelo ATP e pelo aminoácido alanina e a L sofre ini-
bição por fosforilação reversível, controlada pelo glucagon.

3.3.4 Entrada de outros monossacarídeos na via glicolítica


A glicose é, sem dúvida, o principal açúcar utilizado na via glicolítica, mas ago-
ra você deve estar pensando: e os demais monossacarídeos, não são metabolizados?
A resposta é: sim, claro que são metabolizados. Além da molécula de glicose, inúmeros
outros monossacarídeos podem ser utilizados na via glicolítica. Observe atentamente
a figura abaixo. Localize as moléculas de D-galactose e D-manose. Esses dois monos-
sacarídeos podem alimentar a via glicolítica. Para tanto, a galactose precisa ser con-
vertida para UDP-galactose, UDP-glicose e, posteriormente, para glicose-1-fosfato.
A fosfoglicomutase catalisa a transferência do grupo fosfato do carbono 1 para o car-
bono 6, formando glicose-6-fosfato. A D-manose também é fosforilada pela hexo-
quinase e convertida a manose-6-fosfato, que é transformada em frutose-6-fosfato,
numa reação catalisada pela fosfomanose isomerase. Depois dessas transformações,
tanto a D-galactose quanto a D-manose seguem naturalmente pela via glicolítica.
Bioquímica 88

Utilização de outros carboidratos na via glicolítica


CH2OH
Trealose Lactose O
HO H
Lactase H
Trealase
OH H
H OH
H OH
CH2OH Glicogênio; amido D-Galactose

H O H
H Pi
Fosforilase
OH H
Sacarose HO OH UDP-galactose

Sacarase
H OH
Glicose UDP-glicose
D-Glicose
1-fosfato
ATP CH2OH
Hexoquinase
Fosfogluco- H O H
mutase H
HOCH2 O CH2OH OH HO
HO OH
Glicose
H HO 6-fosfato H H
H OH
D-Manose
OH H ATP
D-Frutose ATP
Hexoquinase Hexoquinase
Frutose Manose 6-fosfato
ATP Frutoquinase
6-fosfato Fosfomanose
Frutose 1-fosfato isomerase
Frutose 1-
fosfato
aldolase
Frutose 1,6-
biofosfato
Gliceraldeído + Diidroxicetona
fosfato
Triose Triose fosfato
ATP quinase isomerase

© FabriCO
Gliceraldeído
3-fosfato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 560. (Adaptado).

Além de monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos também podem ali-


mentar a via glicolítica. A figura acima mostra três dissacarídeos, a sacarose, a trealo-
se e a lactose, e dois polissacarídeos, o glicogênio e o amido que, após ação enzimática,
são introduzidos e metabolizados na via glicolítica. Com a utilização de vários tipos de
carboidratos, a célula possui uma grande variedade de possibilidades para a produção
de ATP por meio dos carboidratos.
Bioquímica 89

3.4 Fermentação
O processo de fermentação é realizado por células que não possuem mitocôn-
drias ou quando as células, mesmo com mitocôndrias, ficam privadas de oxigênio,
situação da respiração anaeróbia. Nesses casos, o piruvato formado na glicólise se acu-
mula na célula, iniciando o processo de fermentação.
Dependendo da espécie do organismo, pode ocorrer a fermentação alcoólica,
quando se forma o etanol; a fermentação acética, quando se forma o ácido acético; ou
a fermentação lática, na qual forma-se ácido lático. É o que veremos a seguir.

3.4.1 Destinos do piruvato


Em condições aeróbias, ou seja, quando existe oxigênio disponível para a células,
o piruvato formado na glicólise é direcionado para a mitocôndria, onde é transformado
em acetil-CoA que iniciará o ciclo do ácido cítrico seguido pela fosforilação oxidativa.
Essas três etapas, a glicólise, o ciclo do ácido cítrico e a fosforilação oxidativa, for-
mam o que conhecemos como Respiração Celular, que será discutida posteriormente.
Porém, quando não há oxigênio disponível, o piruvato não consegue ir para a mitocôn-
dria e acumula no citosol, iniciando o processo de fermentação.
Além desses possíveis processos, o piruvato pode ser transformado em oxaloace-
tato pela catálise da piruvato carboxilase. Isso mantém a quantidade de oxaloacetato
na mitocôndria, permitindo que o ciclo do ácido cítrico continue funcionando.
Outro destino possível para o piruvato é o que pode ocorrer no fígado e nos rins.
Se as células hepáticas e renais sofrerem estímulo hormonal do glucagon e do cortisol,
o piruvato pode ser transformado em glicose novamente, em um processo chamado
gliconeogênese.

3.4.2 Fermentação alcoólica


Determinados organismos, como a levedura Saccharomices Cerevisae, quando es-
tão com suas células em condições anaeróbicas, fazem fermentação alcoólica. Nesse
caso, o piruvato acumulado é transformado em etanol. Nessa reação, mostrada na fi-
gura a seguir, a piruvato descarboxilase catalisa a retirada de um CO2 da molécula do
piruvato, formando um acetaldeído. Em seguida, a enzima álcool desidrogenase usan-
do NADH, reduz a molécula do acetaldeído, formando etanol e NAD+.
Bioquímica 90

Reação de formação de etanol na fermentação alcoólica


NADH
O O– Mg2+ CO2
C + H+ NAD+
TPP2 OH
C O O H
piruvato C álcool CH2
CH3 descarboxilase CH3 desidrogenase CH3

© FabriCO
Piruvato Acetaldeído Etanol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 565. (Adaptado).

O etanol formado nessa reação pode ser utilizado pelos humanos para várias ati-
vidades do dia a dia, como a produção de bebidas, desinfetantes, medicamentos, etc.

3.4.3 Fermentação acética


A fermentação acética acontece em poucas espécies. Nesse processo, é necessário
ocorrer primeiro a fermentação alcoólica. A solução contendo etanol, se for adiciona-
da a bactéria do gênero Acetobacter ou o fungo Micoderma Acetii, ocorrerá o processo
de fermentação acética. O ácido acético formado pode ser utilizado para fabricar vina-
gre de utilização culinária, por exemplo.

3.4.4 Fermentação lática


O processo de fermentação lática ocorre nas células de todos os animais. Isso
acontece quando não há oxigênio presente para possibilitar a continuidade da respira-
ção celular. Com isso, o piruvato formado no citosol será transformado em lactato às
custas do NADH. A enzima que catalisa essa reação, que está ilustrada na figura a se-
guir, é a lactato desidrogenase.

Reação de formação de lactato na fermentação lática


O O– NADH
C O O–
+ H+ NAD+ C
C O HO C H
lactato
CH3 desidrogenase CH3
© FabriCO

Piruvato Lactato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 563. (Adaptado).


Bioquímica 91

Nesse ponto, é importante chamar a atenção para um detalhe: os eritrócitos, cé-


lulas vermelhas do sangue, não possuem mitocôndrias. Assim, a reciclagem do NAD+
mostrada na figura anterior possibilita que a reação da gliceraldeído-3-fosfato desidro-
genase continue funcionando na glicólise que ocorre nos eritrócitos. Em outros tipos
celulares, se a célula receber oxigênio, a lactato desidrogenase catalisa a reação inver-
sa, formando novamente o piruvato, que entra na mitocôndria para continuar o pro-
cesso de respiração celular.
Se a célula não receber oxigênio, o lactato formado durante a fermentação lática
vai para o plasma sanguíneo e é levado ao fígado. Nesse órgão, o lactato é utilizado
para produzir glicose “de novo” no processo conhecido como gliconeogênese. A glico-
se formada nesse processo volta ao plasma para nutrir os tecidos, incluindo as hemá-
cias. Esse processo é chamado Ciclo de Cori.
Nesse capítulo, descrevemos a classificação, estrutura e as funções dos princi-
pais carboidratos utilizados para o metabolismo celular. Vimos também, uma a uma,
as reações da glicólise, desde a entrada da glicose na célula até a formação de piruvato.
Para finalizar, você deve ter percebido que o piruvato representa uma importante jun-
ção de rotas metabólicas e que o mesmo pode seguir caminhos distintos dependendo
da disponibilidade ou não de oxigênio celular.
Bioquímica 92

Referências
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4 Respiração celular
A respiração celular é a fase aeróbia, ou seja, dependente de oxigênio, do cata-
bolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos, que envolve a formação de dióxido de
carbono (CO2) com a consequente formação de adenosina trifosfato (ATP). Os organis-
mos que utilizam o oxigênio da atmosfera em seu metabolismo, gerador de energia, e
liberam dióxido de carbono são denominados quimiotróficos e diferem dos autotrófi-
cos por serem incapazes de sintetizar o próprio alimento.
A respiração celular é classicamente dividida em três estágios. No primeiro, ocorre a
degradação dos substratos energéticos (carboidratos, lipídeos e alguns aminoácidos pro-
venientes de proteínas) e a formação de piruvato e acetil coenzima A (acetil-CoA). O se-
gundo estágio envolve a oxidação da molécula de acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico. E
no terceiro momento, as moléculas transportadoras de elétrons, nicotinamida adenina
dinucleotídeo (NADH) e flavina adenina dinucleotídeo (FADH2) reduzidas serão oxidadas
na cadeia respiratória mitocondrial, ocorrendo o consumo de oxigênio e a formação do
ATP. Os três estágios da respiração estão indicados na figura a seguir.

Estágios da respiração celular


Estágio 1 Aminoácidos Ácidos graxos Glicose
Produção do acetil-CoA

Glicólise
Piruvato
e
Complexo da
piruvato-desidrogenase
e e CO2

e
Acetil-CoA
Estágio 2
Oxidação da acetil-CoA
Citrato
Oxaloacetato
e Ciclo do
ácido cítrico
e

e
CO2
CO2 e
NADH
FADH2
Estágio 3 (transportadores e– de reduzidos)
Transferência de elétrons e
fosforilação oxidativa e 1
_
2H+ + 2 O2
Cadeia respiratória
(transferência de elétrons)
H2O
© FabriCO

ADP + P¡ ATP

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 634. (Adaptado).


Bioquímica 94

A via de degradação dos diferentes substratos energéticos é específica e depende


do tipo de substrato utilizado. Os carboidratos e alguns tipos de aminoácidos originam
piruvato durante suas vias de degradação. Já os lipídeos originam apenas acetil-CoA.
A seguir, veremos de que maneira ocorre a formação de acetil-CoA a partir de piruvato.

4.1 Primeiro estágio da respiração celular


A formação do piruvato ocorre no citosol, com a degradação da glicose em uma
sequência de reações químicas denominada via glicolítica. O mesmo piruvato pode
se originar a partir da degradação de alguns aminoácidos, chamados aminoácidos gli-
cogênicos. Outros aminoácidos não formam piruvato durante as reações catabólicas.
Essas moléculas originarão diretamente o acetil-CoA. Observe a figura abaixo. Tanto
açúcares e polissacarídeos quanto gorduras passam pela membrana plasmática e po-
dem ser utilizados para a formação de acetil-CoA.

Fontes de formação de acetil-CoA


Membrana plasmática

Açúcares e
Açúcares Glicose Piruvato Piruvato
polissacarídeos
Acetil- CoA
Ácidos Ácidos Ácidos

© FabriCO
Gorduras graxos graxos graxos
MITOCÔNDRIA

CITOSOL

Fonte: ALBERTS et al., 2011, p. 437. (Adaptado).

Açúcares e polissacarídeos são utilizados para formar o piruvato na via glicolíti-


ca enquanto as gorduras originam ácidos graxos. Ambos são direcionados para a mito-
côndria e formam acetil-Coa, molécula precursora do ciclo do ácido cítrico. Aminoácidos
também entrarão diretamente na mitocôndria para serem transformados em acetil-CoA.

4.1.1 Formação do acetil-CoA


A molécula de piruvato formada no citosol entra na mitocôndria a partir de um
transportador específico, uma translocase específica de piruvato e OH – . Em seguida, o
piruvato será convertido à acetil-CoA por meio de um complexo enzimático formado
por três enzimas, chamado piruvato desidrogenase. Para que essa reação aconteça,
além das três enzimas, é necessária a participação de cinco coenzimas ou grupos pros-
téticos, cuja fonte primária é a alimentação. São elas: nicotinamida adenina dinucleotí-
deo (NAD+), flavina adenina dinucleotídeo (FAD+), lipoato, tiamina pirofosfato (TPP) e
coenzima A. Observe a figura a seguir. Ela indica a desidrogenação e a descarboxilação
do piruvato resultando na formação de acetil-CoA e CO2.
Bioquímica 95

Formação do acetil-CoA
CoA-SH
NAD + TPP, NADH
O O – lipoato, CO2
FAD +
C
Complexo da O S-CoA
C O piruvato-desidrogenase (E1 + E2 + E3)
C
CH3
CH3
Piruvato
Acetil-CoA

© FabriCO
∆G’0 = –33,4 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 634. (Adaptado).

O complexo da piruvato desidrogenase é composto de três enzimas diferentes:


a piruvato desidrogenase (etapa 1, E1), a di-hidrolipoil transacetilase (etapa 2, E2) e a
di-hidrolipoil desidrogenase (etapa 3, E3). Cada enzima e coenzima ou grupo prostético
possui um papel-chave na conversão da molécula de piruvato em acetil-CoA, confor-
me podemos observar na figura a seguir.

Conversão enzimática do piruvato à acetil-CoA


+
NAD

FAD
SH +
5 NADH + H
SH

S Di-hidrolipoil-
OH
-desidrogenase
FAD
S 4 (E3)
CO2 CH3 C– TPP
R S
Hidroxietil-TPP S
Lipoamida
HS
1 Piruvato- 2 Di-hidrolipoil-
-desidrogenase -transacetilase HS
(E1)
(E2) R
O O
3
TPP O O
CH3 C C
O– CH3 C S CH3 C S CoA
Piruvato Acetil-CoA
HS CoA
R
© FabriCO

Acetil-di-hidrolipoamida

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 558. (Adaptado).


Bioquímica 96

Na primeira etapa da reação, a molécula de piruvato é transferida para a tiamina


pirofosfato (TPP), que está na E1. Essa é uma reação de descarboxilação do piruvato,
que liberará a primeira molécula de CO2 da respiração celular e formará o hidroxietil-
-TPP. O grupamento acetila formado a partir da descarboxilação do piruvato e mais
dois elétrons são transferidos para a forma oxidada do lipoato na enzima 2 (E2), for-
mando acetil-di-hidrolipoamida. Na etapa seguinte, o grupamento acetila sofre uma
reação de conjugação com uma coenzima A e é liberado do complexo na forma de
acetil-CoA. Os dois estágios seguintes têm por função restituir as condições iniciais
do complexo enzimático. Na quarta etapa, os dois elétrons e mais dois prótons do li-
poato são utilizados para reduzir uma molécula de flavina adenina dinucleotídeo (FAD)
à FADH2 na enzima di-hidrolipoil-desidrogenase (E3). Por fim, no quinto estágio, o
FADH2 transfere dois elétrons e um próton para a molécula de NAD+, reduzindo-o à
NADH. Dessa forma, na reação de formação do acetil-CoA, além dessa molécula, são
formados CO2 e NADH.

4.1.2 Regulação da piruvato desidrogenase


A formação do acetil-CoA é regulada mediante o controle da atividade do com-
plexo da piruvato desidrogenase. A regulação é essencial para que o produto dessa
reação, o acetil-CoA, seja produzido na quantidade ideal, de acordo com as necessida-
des da célula. Essa regulação ocorre por meio dos produtos NADH e acetil-CoA e acon-
tece de duas formas: alostericamente e por ligação covalente.
Quando os níveis de NADH, ATP e acetil-CoA estão altos na célula, há uma ini-
bição alostérica da piruvato desidrogenase. A regulação por modificação covalen-
te acontece por fosforilação/desfosforilação. A fosforilação mediada por uma quinase
induz à inibição na atividade da piruvato desidrogenase. O aumento da atividade da
enzima ocorre com a reação de desfosforilação, catalisada por uma fosfatase.
A atividade da piruvato desidrogenase também pode ser mediada pela insu-
lina, hormônio liberado pelo pâncreas em resposta ao aumento nos níveis de glicose
no sangue. Nesse caso, a enzima piruvato fosfatase, estimulada pela insulina, remo-
ve o fosfato da piruvato desidrogenase e a ativará levando a formação de acetil-CoA
(VOET; VOET; PRATT, 2014).
A formação do acetil-CoA encerra a primeira fase da respiração celular. O segun-
do estágio inicia com a oxidação dessa molécula em uma via metabólica cíclica, deno-
minada ciclo do ácido cítrico.
Bioquímica 97

4.2 Segundo estágio da respiração celular


No segundo estágio da respiração celular, ocorre a oxidação da molécula de
acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico, também chamado ciclo de Krebs ou ciclo dos áci-
dos tricarboxílicos. Este é uma via metabólica cíclica formada por uma série de reações
enzimáticas. Sua função é oxidar o acetil-CoA oriundo da degradação de açúcares, li-
pídeos e proteínas, e formar transportadores de elétrons reduzidos (NADH e FADH2),
que posteriormente serão oxidados por meio da fosforilação oxidativa.
Em uma via metabólica cíclica, como é a do ciclo do ácido cítrico, o composto inicial
da via é regenerado após uma série de reações (NELSON; COX, 2014). Apesar de conside-
rarmos que uma via cíclica não tem começo nem fim definidos, para melhor entendimento,
podemos fazer a seguinte afirmação: em uma via cíclica, o primeiro substrato será, após
uma série ordenada de reações enzimáticas, convertido no último produto dela.
A seguir, conheceremos passo a passo cada reação desse ciclo fundamental para
o metabolismo dos organismos aeróbios.

4.2.1 O ciclo do ácido cítrico


A primeira reação do ciclo ocorre com a condensação dos dois carbonos do grupa-
mento acetila do acetil-CoA com uma molécula que tem quatro carbonos, o oxaloaceta-
to. Observe atentamente a figura abaixo e perceba que os dois carbonos do acetil-CoA
se unem aos quatro carbonos do oxaloacetato. Essa reação de condensação forma o ci-
trato, molécula com seis carbonos. Nesse estágio, também é liberada a coenzima A.

Reação 1: formação do citrato


O

CH3 C

S-CoA O

Acetil–CoA H2O CoA-SH CH2 C


O–

+ HO C COO–
Citrato–sintase
O C COO– CH2 COO–

CH2 COO–
Citrato
Oxaloacetato
© FabriCO

∆G’0 = –32,2 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 640. (Adaptado).


Bioquímica 98

Essa reação é catalisada pela enzima citrato sintase e libera grande quantidade de
energia (∆G’ 0 = –32,2 kJ/mol), sendo, portanto, irreversível.
Em uma via metabólica, o produto de uma reação será o substrato da próxima. O ci-
trato formado na primeira reação do ciclo será o substrato da próxima etapa, originando
seu isômero, o isocitrato. Essa reação, catalisada pela enzima aconitase, ocorre em duas
etapas: na primeira etapa, o citrato origina o cis-aconitato mediante uma reação de desi-
dratação (perda de uma molécula de água); na segunda etapa, ocorre uma reação de hidra-
tação (entrada de uma molécula de água) para formação do isocitrato. É muito importante
observar na figura a seguir, as mudanças que ocorrem no citrato após as duas reações.

Reação 2: formação do isocitrato


CH2 COO – H2O
H2O CH2 COO – CH2 COO –
HO C COO –
C COO – H C COO –
Aconitase
H C COO – Aconitase
C COO – HO C H
H
H COO –
Citrato
cis–Aconitato Isocitrato

© FabriCO
∆G’0 = 13,3 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 641. (Adaptado).

À medida que o isocitrato é formado, ele será consumido na etapa seguinte do


ciclo, originando o α-cetoglutarato. A formação do α-cetoglutarato ocorre por meio da
descarboxilação do isocitrato, pela ação catalisadora da enzima isocitrato desidroge-
nase. Sendo assim, ocorre a saída da primeira molécula de CO2 do ciclo e forma-se um
produto com cinco carbonos, o α-cetoglutarato, conforme ilustra a figura a seguir.

Reação 3: formação do α-cetoglutarato


+ +
NAD(P) NAD(P)H + H
CH2 COO–
CH2 COO–

CH2
H C COO– + CO2
isocitrato
desidrogenase
C COO–
HO C COO–

O
H
α Cetoglutarato
Isocitrato
© FabriCO

∆G’0 = –20,9 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 643. (Adaptado).


Bioquímica 99

A enzima isocitrato desidrogenase é dependente de NAD+, que atua como recep-


tora dos elétrons oriundos do isocitrato. Desse modo, na conversão de isocitrato, a
α-cetoglutarato é formada a molécula NADH, a forma reduzida do NAD+.
A próxima reação, de formação do succinil-CoA, também envolve uma descarbo-
xilação oxidativa. O α-cetoglutarato sofre descarboxilação e é oxidado a succinil-CoA.
Para essa reação acontecer, é essencial uma molécula de coenzima A e NAD+. Os elé-
trons doados pelo α-cetoglutarato são transferidos para uma molécula de NAD+ que, por
sua vez, é reduzido a NADH. Também é formada mais uma molécula de CO2. Por isso, o
succinil-CoA possui quatro carbonos. Essa reação é catalisada por um complexo enzimá-
tico chamado de α-cetoglutarato desidrogenase, muito semelhante ao complexo da pi-
ruvato desidrogenase. Acompanhe na figura a seguir, a formação do succinil-CoA.

Reação 4: formação do succinil-CoA


CoA–SH

NAD+

CH2 COO– CH2 COO–


NADH
CH2 CH2 + CO2

C COO– Complexo da C S–CoA


α-Cetoglutarato–desidrogenase
O O

α-Cetoglutarato
Succinil–CoA
© FabriCO

∆G’0 = –33,5 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 644. (Adaptado).

Na quinta etapa do ciclo, o succinil-CoA é convertido a succinato pela ação da en-


zima succinil-CoA sintetase. A energia liberada pela quebra da ligação da coenzima A
com o grupo succinil é transferida para a reação da guanosina difosfato (GDP) com o
fosfato inorgânico (Pi), ocorrendo a formação de guanosina trifosfato (GTP). As células
possuem duas isoformas da enzima succinil-CoA sintetase, uma dependente de GDP e
outra de ADP. Quando a succinil-CoA sintetase é dependente de ADP, ocorre a forma-
ção de ATP como produto. Nessa reação, também ocorre a liberação de uma coenzima
A reduzida. Veja na figura a seguir.
Bioquímica 100

Reação 5: formação do succinato



CH2 COO
GDP + P¡ GTP CoA–SH COO–

CH2 CH2

C S–CoA CH2
Succinil-CoA-sintetase
O COO–

© FabriCO
Succinil-CoA Succinato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 645. (Adaptado).

Na sexta etapa do ciclo, ocorre a formação de fumarato a partir da oxidação da


molécula de succinato. A enzima que catalisa essa reação é chamada de succinato-
-desidrogenase e está ligada à membrana mitocondrial interna. Essa enzima é depen-
dente de flavina adenina dinucleotídeo (FAD), que atua como receptora dos elétrons
oriundos do succinato. Quando o FAD recebe os elétrons e os prótons do succinato,
tem-se o FADH2 (forma reduzida) e o succinato é oxidado a fumarato.

Reação 6: formação do fumarato


FAD FADH2
COO– H COO–
H C H C
Succinato-desidrogenase
H C H C
– OOC H
COO–
Succinato Fumarato
© FabriCO

∆G’0= 0 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 646. (Adaptado).

Na penúltima etapa do ciclo, ocorre a formação do malato a partir do fumarato.


Essa é uma reação de hidratação, que envolve a entrada de uma molécula de água a
ser catalisada pela enzima fumarase. Acompanhe na figura a seguir como ocorre a for-
mação do malato.
Bioquímica 101

Reação 7: formação do malato



COO– H2O
COO

CH HO CH

Fumarase
HC H
HC

COO–
COO–
Fumarato L– Malato

© FabriCO
∆G’0= –3,8 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 647. (Adaptado).

A última reação do ciclo do ácido cítrico envolve a formação do oxaloacetato. A


enzima malato-desidrogenase é dependente de NAD+. Os elétrons e os prótons do ma-
lato são doados para o NAD+ e formam o NADH, que é a espécie reduzida. Portanto, o
oxaloacetato é a forma reduzida do malato. Dessa forma, o primeiro substrato do ciclo,
o oxaloacetato, é formado na última reação e é rapidamente consumido pela reação
seguinte, de condensação, com mais uma molécula de acetil-CoA.

Reação 8: formação do oxaloacetato


COO– + + COO–
NAD NADH + H

HO C H O C

CH2 L-Malato-desidrogenase
CH2

COO– COO–

L-Malato Oxaloacetato
© FabriCO

∆G10 = 29,7 kJ/mol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 647. (Adaptado).

Uma pergunta importante a ser feita é: de que maneira o ciclo mantém constante
o número de átomos de carbono? A cada volta completa, entram dois novos carbonos
na forma de grupamento acetila, doados pelo acetil-CoA. Se esses carbonos não saís-
sem do ciclo a cada volta, novos intermediários seriam formados e o ciclo não existiria.
Assim, existem duas reações de descarboxilação que envolvem a saída de moléculas
de CO2 . Portanto, a resposta para a pergunta anterior é: o número de carbonos é man-
tido constante, pois a cada volta saem dois deles na forma de dióxido de carbono.
Entenda melhor na figura a seguir.
Bioquímica 102

Visão geral do ciclo do ácido cítrico


Ácidos
graxos
Glicose
Corpos
cetônicos
Piruvato

CO2
Acetato Acetil-CoA Aminoácidos

+ Oxaloacetato CoASH
NADH + H (4c)

Citrato (6c)
Malato (4c)
Isocitrato (6c)
Fumarato (4c)
Ciclo dos ácidos
tricarboxílicos (TCA)
FADH2 NADH + H
+

Succinato (4c)
CO2
α-Cetoglutarato (5c)
GTP
Succinil-
GDP NADH + H
+
CoA
© FabriCO

(4c) CO2

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 360. (Adaptado).

A partir da visão geral do ciclo, é possível perceber que a cada entrada de uma
molécula de acetil-CoA são formadas três de NADH, uma de FADH2 e uma de GTP ou
de ATP. No terceiro e último estágio da respiração celular, veremos de que maneira a
célula converte essas moléculas transportadoras de elétrons em energia química (ATP).

4.2.2 Regulação do ciclo do ácido cítrico


A formação das moléculas transportadoras de elétrons e a oxidação de acetil-CoA
pelo ciclo do ácido cítrico são reguladas principalmente pelos níveis de NADH e ATP ce-
lular. A regulação do ciclo ocorre, especialmente, por meio da formação do acetil-CoA e
pela sua entrada no ciclo. Além disso, as enzimas citrato-sintase, isocitrato desidrogenase
e α-cetoglutarato desidrogenase também são reguladas.
Bioquímica 103

Lembre que a reação inicial do ciclo do ácido cítrico é uma reação de condensa-
ção entre o acetil-CoA e o oxaloacetato. Na sequência, formam-se citrato, isocitrato,
α-cetoglutarato, succinil-CoA, malato e, por fim, oxaloacetato. Agora, observe atentamen-
te a figura a seguir, especificamente as três reações catalisadas pelas enzimas citrato sinta-
se, isocitrato desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase. Esses são os três pontos de
regulação do ciclo. Altos níveis de NADH, succinil-CoA, citrato e ATP inibem a enzima ci-
trato sintase ao passo que o ADP ativa a mesma enzima. Da mesma forma, a enzima isoci-
trato desidrogenase é inibida pelo ATP e ativada pela presença de cálcio e ADP. Por fim, a
terceira enzima que regula o ciclo do ácido cítrico é a α-cetoglutarato desidrogenase, que é
inibida pelos altos níveis de succinil-CoA e NADH e é ativada pelo cálcio.

Regulação do ciclo do ácido cítrico


Piruvato
ATP, acetil-CoA
Complexo da NADH, ácidos graxos
+ +
piruvirato- AMP, CoA, NAD , Ca2
-desidrogenase

Acetil-CoA
NADH, succinil-CoA, citrato, ATP

ADP
citrato-sintase

Citrato
Oxaloacetato Ciclo do
ácido
cítrico Isocitrato
Malato-desidrogenase ATP
Isocitrato
desidrogenase
NADH
Ca2+,ADP
Malato
Complexo da
FADH2 α-Cetoglutarato-
-desidrogenase
α-Cetoglutarato
Succinil-CoA, NADH
Succinato-
-desidrogenase
Succinil-CoA Ca2+

GTP Inibição
(ATP)
© FabriCO

Ativação

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 654. (Adaptado).


Bioquímica 104

De maneira geral, o ciclo do ácido cítrico é regulado por três fatores: disponibi-
lidade de substrato para que o ciclo ocorra; inibição pelos produtos acumulados du-
rante as reações; inibição alostérica das enzimas que catalisam as principais reações.
Esse ciclo é extremamente eficiente na conversão da energia contida na molécula de
acetil-CoA em outras formas de energia (moléculas transportadoras de elétrons e
ATP). Essa conversão é de aproximadamente 90% da energia total do acetil-CoA
(SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007).

4.2.3 Reações anapleróticas


O ciclo do ácido cítrico possui um papel central no metabolismo celular e, portan-
to, não pode ser interrompido devido à falta de intermediários. O termo anapleróticos
resulta do grego ana, que significa para cima, e plerotikos, que pode ser traduzido como
preencher (VOET; VOET; PRATT, 2014). Portanto, a função das reações anapleróticas é
repor, preencher os intermediários do ciclo desviados para outras vias metabólicas.
Entre as reações anapleróticas, a mais importante é a que produz oxaloacetato a
partir do piruvato, reação esta indicada pelo número 1 na figura a seguir. Essa reação é
catalisada pela enzima piruvato carboxilase e ocorre quando há uma redução nos níveis
de oxaloacetato. Com a diminuição de oxaloacetato, há um aumento de acetil-CoA, o
que estimula a enzima piruvato carboxilase a produzir oxaloacetato. A piruvato carboxi-
lase está em grande quantidade nos tecidos que fazem a gliconeogênese, como o fíga-
do e o córtex renal.
Além do oxaloacetato, outros intermediários poderão ser adicionados ao ciclo,
como o α-cetoglutarato, por meio de reações de transaminação (reação número 2); o
succinil-CoA, proveniente da degradação de alguns aminoácidos e ácidos graxos de ca-
deia ímpar (reação número 3); o fumarato que pode ser formado a partir de aminoáci-
dos. Essas reações estão demonstradas na figura a seguir.
Bioquímica 105

Reações anapleróticas no ciclo do ácido cítrico


Carboidratos

Ácidos graxos
Aminoácidos Piruvato Aminoácidos
CO2
Acetil-CoA
ATP
1
ADP + P¡

Citrato
Oxaloacetato

Aspartato
5 Isocitrato
Malato
Aminoácidos

CO2
4 TA
Amino- Fumarato α-Cetoglutarato Glutamato
ácidos
2
CO2 GDH
Succinato
Succinil-CoA
NADH NAD
+

+
NH4

© FabriCO
Valina
isoleunica Propionil-CoA Ácidos graxos de cadeia ímpar

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 376. (Adaptado).

As reações anapleróticas são fundamentais para permitir que o ciclo do ácido cí-
trico não seja interrompido devido à falta de intermediários e, consequentemente, a
produção de ATP não seja prejudicada.

4.2.4 Papel anabólico do ciclo


O ciclo do ácido cítrico desempenha um papel essencial no catabolismo de açú-
cares, lipídeos e proteínas, pois é fundamental no processo de oxidação do acetil-CoA
e na formação de moléculas transportadoras de energia (NADH e FADH2). Entretanto,
possui também uma importante função anabólica. Ou seja, a partir dele, novos com-
postos tais como glicose, aminoácidos, ácidos graxos, neurotransmissores e o grupo
heme podem ser formados. Desse modo, como o ciclo possui esses dois importantes
papéis, catabólico e anabólico, podemos dizer que ele é anfibólico.
Bioquímica 106

Para exemplificar o papel anabólico do ciclo do ácido cítrico, observe a figura a


seguir. Quando os níveis de ATP na célula estão elevados, naturalmente haverá uma
inibição do ciclo, com acúmulo de citrato. O citrato é então desviado para a produção
de ácidos graxos. Para tanto, ele sai da mitocôndria por intermédio de transportadores
específicos e origina o acetil-CoA e o oxaloacetato no citosol por meio da ação da enzi-
ma citrato liase. Esse acetil-CoA será utilizado nas reações de síntese de ácidos graxos.

Papel anabólico do ciclo do ácido cítrico


Acetil-CoA

Síntese de Síntese de
aminoácidos Oxaloacetato Citrato ácidos graxos

Ciclo do
TCA
Gliconeogênese Malato
Síntese de
α-Cetoglutarato aminoácido

Succinil-CoA
Neurotransmissores
(Cérebro)

síntese

© FabriCO
de heme

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 374. (Adaptado).

Para a formação de aminoácidos, os intermediários do ciclo – oxaloacetato e


α-cetoglutarato – também podem ser utilizados. O oxaloacetato pode formar glutama-
to e o α-cetoglutarato pode ser convertido em aspartato (VOET; VOET; PRATT, 2014).
Com a oxidação do acetil-CoA e a formação dos transportadores de elétrons
(NADH e FADH2), encerra-se o segundo estágio da respiração celular. Veremos a seguir
como a célula utiliza esses transportadores para produzir ATP.

4.3 Fosforilação oxidativa


A fosforilação oxidativa é o estágio final da produção de ATP nos organismos
aeróbicos. A mitocôndria, mais especificamente a membrana interna mitocondrial,
é o sítio da fosforilação oxidativa. Todos os passos do catabolismo de carboidratos,
lipídeos e proteínas confluem para esse ponto em comum. Nesse estágio, as molécu-
las transportadoras de elétrons, NADH e FADH 2 , são oxidadas.
Bioquímica 107

No entanto, para entendermos a fosforilação, é essencial um breve relato sobre


a estrutura mitocondrial. A mitocôndria possui duas membranas: uma externa e outra
interna. O espaço entre elas se chama espaço intermembranas. A membrana externa
possui como característica uma alta permeabilidade a eletrólitos e moléculas peque-
nas (Mw < 5000). A interna é altamente invaginada e impermeável à maioria dos íons,
sendo que os compostos que entram ou saem da matriz mitocondrial o fazem exclu-
sivamente por meio de transportadores (ALBERTS et al., 2011). Na membrana mito-
condrial interna estão localizados os complexos mitocondriais (I, II, III e IV) além do
complexo ATP sintase (F0F1).

Estrutura mitocondrial
Espaço Complexos F0F1
intermembranas
Cristas
Membrana
externa
0,1~0,5 μm
Junções das cristas

Membrana
interna
Matriz

1~2 μm © FabriCO

Fonte: LODISH et al., 2014, p. 527. (Adaptado).

Desse modo, a membrana externa está delimitada pelo citosol e pelo espaço in-
termembranas, ao passo que a interna separa o espaço intermembranas da matriz.
Na mitocôndria, ainda há um conjunto de complexos enzimáticos e proteínas
transportadoras de elétrons, chamado de cadeia respiratória. A seguir veremos com
mais detalhes como ocorre o transporte de elétrons através da cadeia respiratória
mitocondrial.

4.3.1 Cadeia respiratória e ATP sintase


A cadeia respiratória mitocondrial é o sítio final de produção de ATP. Ela é for-
mada por uma série de transportadores de elétrons que agem em sequência, pela
Bioquímica 108

transferência de um ou dois elétrons (NELSON; COX, 2014). Além dos carregadores de


elétrons NADH e FADH2 , a cadeia respiratória também tem outros transportadores: as
proteínas que contêm ferro e a quinona lipofílica, ubiquinona.
As proteínas são de dois tipos: os citocromos e as proteínas ferro-enxofre. Os primei-
ros apresentam como grupo prostético heme, que contém ferro em seu centro, e é classi-
ficado em a, b e c, de acordo com seu espectro de absorção no ultravioleta. Nas proteínas
ferro-enxofre, por sua vez, o átomo de ferro não está associado ao grupamento heme, mas
ligado a um átomo de enxofre, associado ou não, ao aminoácido cisteína. Em ambos os ti-
pos, o ferro participa das transferências de elétrons, recebendo-os (redução) ou doando-os
(oxidação). Veja na figura a seguir, as proteínas da cadeia respiratória que contém ferro.

Proteínas que contêm ferro


Proteína

Cys
CH3
CH2 ( CH2 CH C CH2 ) H S
3
Cys
HO CH CH3 CH2 CH CH3 CH CH3 CH3
2 3
S
1
H3C 4
CH CH2 H3C CH CH2 H3C CH CH3
N N N N N N
Fe 3+ Fe 3+ Fe 3+
O N N N N N N
8
HC 5
CH3 HC CH3 H3C CH3
7 6
CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2
CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2
COO– COO– COO– COO– COO– COO–

Heme a Heme b Heme c


(Ferro-protoporfirina IX)

Citocromos

Cys –
S2
Cys

Cys
Cys S2–
Fe
Fe Fe Cys

S2
S2– Fe Fe S2

[2Fe – 2S] Cys

– Fe
S2
Cys
Proteínas ferro-enxofre
© FabriCO

[4Fe – 4S]
Cys

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 591 e 597. (Adaptado).


Bioquímica 109

A ubiquinona (ou coenzima Q) é uma benzoquinona extremamente lipofílica que


possui a capacidade de transportar um elétron (semiquinona) ou dois elétrons (ubi-
quinol). Devido à alta lipossolubilidade, é capaz de se difundir pela membrana mito-
condrial interna e fazer o transporte dos elétrons entre os outros carreadores que não
apresentam a mesma mobilidade. Na figura a seguir, é possível identificar os estados
de oxidação da ubiquinona.

Estados de oxidação da ubiquinona


O
CH3
CH3O (CH2 CH C CH2)10 H

Ubiquinona (Q)
CH3O CH3 (totalmente oxidada)

H+ + e–

CH3O R
Radical semiquinoona
(*QH)
CH3O CH3

OH

H+ + e–

OH

CH3O R
Ubiquinol (QH2)
(totalmente reduzido)
CH3O CH3
© FabriCO

OH

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 735. (Adaptado).

Em relação aos transportadores de elétrons da cadeia respiratória, eles se organi-


zam em complexos multienzimáticos denominados Complexos I, II, III e IV. Todos, exceto
o Complexo II, são transmembranas, ou seja, possuem uma face voltada para o lado ex-
terno (espaço intermembranas) e outra para o lado interno, na matriz mitocondrial.
Bioquímica 110

Cadeia respiratória mitocondrial

4H+
4H+ 2H+
Cyt e
Espaço Cyt e1
intermembrana CuA
FeS
FeS
Membrana Q Cyt α
Cyt bL
mitocondrial
interna FMN Cyt α3 - CuB
FeS Cyt bH
e– e–
Complexo I Complexo II Complexo III Complexo IV

© FabriCO
Matriz 1/2 O2 + 2H+ H2O
NADH + H+ NAD+ Succinato Furamato

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 591. (Adaptado).

Além dos complexos da cadeia respiratória, a membrana interna mitocondrial


também é o local de um complexo denominado ATP sintase (ou complexo V, ou FoF1),
que também é uma proteína transmembrana, possuindo a função de síntese de ATP. A
ATP sintase apresenta duas porções, uma inserida na membrana mitocondrial interna,
denominada Fo (o de oligomicina, um inibidor dessa fração), e a porção F1, que está vol-
tada para a matriz.

ATP sintase
Matriz
β
α α
δ
β β
α
F1
Cabeça
b2

H+
γ

F0
a Poro
C1 C C5
2 C3 C4

H+
© FabriCO

Lado citoplasmático

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 383. (Adaptado).


Bioquímica 111

Agora que já conhecemos a estrutura da cadeia respiratória, veremos de que ma-


neira a transferência de elétrons por meio dos complexos enzimáticos e carreadores
está relacionada à síntese do ATP.

4.3.2 Transferência de elétrons do Complexo I ao Complexo IV


O Complexo I, também conhecido como complexo da NADH: ubiquinona óxido-
-redutase ou NADH desidrogenase, é formado por um conjunto de coenzimas e grupos
prostéticos transportadores de elétrons, entre os quais estão as proteínas ferro-en-
xofre e a coenzima flavina mononucleotídeo (FMN). A transferência de elétrons pelo
Complexo I inicia-se a partir da doação de dois elétrons do NADH, que seguirão pelos
diversos transportadores até chegar na ubiquinona. Esse trajeto acontece em diversas
etapas e obedece a uma ordem crescente de potencial de redução, ou seja, do menor
para o maior.
Algo importante a se observar é que a transferência desses dois elétrons do NADH
até a ubiquinona por meio do Complexo I constitui um processo acoplado à transloca-
ção de quatro prótons (H+) da matriz mitocondrial para o espaço intermembranas.
A ubiquinona, após receber dois elétrons e converter-se a ubiquinol, transferirá os
elétrons pelo Complexo III (ubiquinona: citocromo C óxido-redutase) até o citocromo
C. Eles passam pelo Complexo III também por diferença de potencial de redução e esse
processo está acoplado ao bombeamento simultâneo de 4H+ da matriz para o espaço
intermembranas. Em seguida, esses elétrons serão transferidos pelo Complexo IV (ou
citocromo c oxidase) até chegarem à molécula de oxigênio e ocorrer a redução des-
sa molécula com consequente formação de água. Durante essa transferência, ocorre o
bombeamento de 2H+ da matriz para o espaço intermembranas.

O cianeto é um veneno tóxico encontrado na natureza. Isso decorre da ligação na citocromo c-o-
xidase. Com isso, a cadeia respiratória e a produção de ATP são bloqueadas, ocasionando morte
celular. O gás cianeto foi usado na II Guerra Mundial como arma de extermínio e nos campos de
concentração.

Somando-se os quatro prótons bombeados do Complexo I, os quatro do Complexo


III e 2H+ do Complexo IV, a transferência dos elétrons do NADH bombeia 10H+.
Bioquímica 112

4.3.3 Transferência de elétrons do Complexo II ao Complexo IV


Vimos a maneira pela qual os elétrons transportados pelo NADH são transferidos
pela cadeia respiratória até o oxigênio. Entretanto, durante os processos catabólicos
é formada, além do NADH, a molécula transportadora de elétrons FADH2 . Mas como
acontece a transferência dos elétrons do FADH2? Ela ocorre por meio do Complexo II
ou succinato desidrogenase ou succinato: ubiquinona óxido-redutase. Esse complexo
é o único que não é transmembrana e está voltado unicamente para a matriz mito-
condrial. Ele também possui um local de ligação para o succinato. Durante a oxidação
do succinato para fumarato transferirá dois elétrons para uma molécula de FAD e será
convertido a FADH2 . Este, por sua vez, transferirá esses elétrons para os centros Fe-S
até chegar à ubiquinona e formar o ubiquinol.

Quando estudamos o ciclo do ácido cítrico, chamamos o Complexo II de succinato desidroge-


nase. Portanto, esse complexo é parte integrante do ciclo do ácido cítrico e da cadeia respira-
tória mitocondrial.

Diferentemente do que ocorre com os demais complexos, não existe um bom-


beamento de prótons no Complexo II. Assim, quando os elétrons entram na cadeia res-
piratória via Complexo II, ocorre um bombeamento de quatro prótons pelo Complexo
III e 2H+ do Complexo IV, totalizando 6H+. Na figura a seguir, podemos observar a
transferência de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial.

Transferência de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial


Succinato Fumarato

Complexo II
succinato-CoQ
redutase

NADH + H+ 1/2 O2 + 2H+


Q Cit. c
NAD H2O

Complexo I Complexo III Complexo IV


NADH-CoQ CoQ-cit. c Cit. c
© FabriCO

oxidorredutase oxidorredutase oxidase

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 123. (Adaptado).


Bioquímica 113

Vimos que a transferência dos elétrons oriundos do NADH e FADH2 gera, neces-
sariamente, o bombeamento de prótons para o espaço intermembranas, pois esses
dois processos são acoplados. Entretanto, ainda não ocorreu a síntese do ATP, que é
o objetivo principal da respiração celular. A teoria quimiosmótica, proposta por Peter
Mitchel, explica de que maneira o bombeamento dos prótons está relacionado à sínte-
se de ATP (NELSON; COX, 2014). É o que detalharemos a seguir.

4.3.4 Teoria quimiosmótica


A energia derivada da transferência dos elétrons por meio da cadeia respiratória é
utilizada para o bombeamento de prótons, da matriz para o espaço intermembranas.
Esses prótons se acumulam no espaço intermembranas e geram a força próton-motriz,
gerada por dois componentes: um elétrico e outro químico. O primeiro é originado da di-
ferença de cargas, pois os prótons são positivos e seu acúmulo no espaço intermembra-
nas gerará um excesso de cargas positivas em detrimento da matriz, que ficará com carga
negativa. Essa diferença de cargas originará uma diferença de potencial elétrico (ΔΨ).
Outro componente da força próton-motriz é a energia potencial química, origina-
da da diferença de pH apresentada entre a matriz e o espaço intermembranas. O acú-
mulo de H+ nesse espaço deixará a região ácida, ao contrário da matriz mitocondrial,
que ficará alcalina e formará uma diferença de potencial químico (ΔpH).
Assim, a somatória desses dois potenciais origina a força próton-motriz. Os dois
componentes geradores estão demonstrados na figura a seguir.

Geração da força próton-motriz

ESPAÇO INTERMEMBRANAS H+

++++++++
Membrana
Força próton-motriz Potencial de
mitocondrial
interna
resultante de membrana ∆V
––––––––
MATRIZ
H+
pH 7
+
H+ H H+
+ +
ESPAÇO INTERMEMBRANAS H+ H+ H+ H+ H H
H+ H + H+ H+ H+ H+
H+ H+ H+ H+ H+ H+
Membrana
mitocondrial
interna
Força próton-motriz
resultante de
Gradiente
de H+ ∆pH
H+ H+
MATRIZ
© FabriCO

H+ pH 7,5

Fonte: ALBERTS et al., 2011, p. 462. (Adaptado).


Bioquímica 114

Porém, qual é a relação da força próton-motriz com a síntese de ATP? A força


próton-motriz direciona o retorno dos H+ para a matriz mitocondrial por meio da por-
ção Fo da ATP sintase. Essa hipótese foi proposta em 1961 por Paul Mitchell e é a mais
aceita para explicar a maneira pela qual a energia da transferência dos elétrons é utili-
zada na síntese do ATP (NELSON; COX, 2014).
Quando os prótons saem do espaço intermembranas em direção à matriz, impul-
sionados pela força próton-motriz, ocorre a liberação da energia necessária para induzir
uma alteração conformacional da porção F1 catalítica, responsável por unir uma molé-
cula de ADP e outra de Pi, formando ATP. O modelo está detalhado na figura a seguir.

Modelo quimiosmótico

Espaço intermembrana Cit c


(lado P) 4H+ 2H+ H+
4H+ + +
+++++ + + + + ++ ++ +++++++ ++++++++
I Q QH2 II QH2 III IV FO
––– – 2H+ –– –– – ––– –– –––––
Matriz +
2H +1/2 O2 ADP
(lado N) nH+
H2O F1 +P1
NAD+ Succinato ATP
Fumarato 2H+
+
NADH + H

Força próton–motriz
Potencial químico Potencial elétrico
Síntese de ATP impulsionada
∆pH + ∆Ψ
pela força próton-motriz

© FabriCO
(alcalino no lado interno) (negativo no lado interno)

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 748. (Adaptado).

Para que a síntese do ATP ocorra, é essencial que os prótons retornem à matriz
mitocondrial e, dessa forma, impulsionem a síntese pela ATP sintase, por meio da for-
ça próton-motriz. Esta só será gerada a partir do acúmulo de prótons no espaço in-
termembranas, que, por sua vez, só serão bombeados quando ocorrer o transporte de
elétrons através da cadeia respiratória. A fonte desses elétrons são as moléculas trans-
portadoras NADH e FADH2, geradas durante as reações de degradação dos substratos
energéticos (carboidratos, lipídeos e proteínas) e da oxidação do acetil-CoA no ciclo do
ácido cítrico. Portanto, a respiração celular encerra com a síntese do ATP.
Após estudarmos os três estágios da respiração, veremos a seguir, o rendimento
energético da degradação de uma molécula de glicose.
Bioquímica 115

4.4 Rendimento energético


Para realizar o cálculo do rendimento energético da degradação de uma molécula
de glicose, é necessário computar todas as moléculas de ATP formadas desde o início
da respiração celular.
Devemos lembrar que a oxidação do NADH gera mais ATP do que a oxidação do
FADH2 . Por que isso acontece? Porque a transferência dos elétrons do NADH inicia no
Complexo I; portanto, é realizado o bombeamento de dez prótons. Já os elétrons do
FADH2 entram via Complexo II e geram a translocação de apenas 6H+. Como vimos an-
teriormente, esse gradiente de prótons é necessário para gerar a força próton-motriz e
a síntese de ATP. Assim, quanto mais prótons forem bombeados, maior a força e, con-
sequentemente, a produção do ATP.
Portanto, o cálculo do rendimento em ATP da degradação de uma molécula de gli-
cose deve considerar o número de ATP e das moléculas transportadoras de energia NADH
e FADH2 na glicólise, na conversão de piruvato em acetil-CoA e no ciclo do ácido cítrico.
Esses cálculos serão demonstrados a seguir.

4.4.1 Número de ATPs


A via glicolítica produz, além dos piruvatos, dois ATPs e dois NADH no citosol. A
conversão do piruvato à acetil-CoA gera mais uma molécula de NADH. No entanto,
cada glicose gera dois piruvatos. Por isso, nesse estágio, há a formação de dois NADH
já na mitocôndria.
Cada acetil-CoA gera uma volta completa no ciclo do ácido cítrico e forma três
NADH, um GTP (ATP) e um FADH2 . Assim, como são duas voltas, obtém-se 6 NADH,
2 GTP (ATP) e 2 FADH2 para cada molécula de glicose. Considerando transferência do
NADH via lançadeira malato-aspartato, que será abordada na sequência, e equiva-
lência energética de GTP e ATP, temos ao final do segundo estágio da respiração: 10
NADH, 2 FADH2 e 4 ATPs.
Sabendo que cada NADH gera 2,5 ATPs durante seu processo de oxidação na ca-
deia respiratória e que cada FADH2 gera 1,5 ATP, a conta fica assim:
10 NADH + 2 FADH2 + 4 ATPs
10 (2,5 ATPs) + 2 (1,5 ATPs) + 4 ATPs
25 ATPs + 3 ATPs + 4 ATPs = 32 ATPs
A ilustração a seguir demonstra o rendimento energético da degradação de uma
molécula de glicose.
Bioquímica 116

Cálculo do número de ATPs formados na degradação da glicose

Glicose

2 NADH 5 ATP

2 ATP

2 Piruvato

2 NADH 5 ATP

2 Acetil-CoA

6 NADH 15 ATP

2 NADH2 3 ATP

© FabriCO
2 GTP 2 ATP

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 569. (Adaptado).

Quando fazemos o cálculo do número de ATPs gerados pela degradação da gli-


cose, utilizamos os 2 NADH formados durante a via glicolítica. Entretanto, a glicólise
é uma via metabólica citosólica. Portanto, esses 2 NADH não são formados na mito-
côndria. Outras informações importantes são o fato de o Complexo I aceitar elétrons
unicamente do NADH presente na matriz e da membrana mitocondrial interna ser im-
permeável ao NADH.
Como a célula consegue transportar esse NADH citosólico para o interior da mi-
tocôndria? Por meio das lançadeiras malato-aspartato e glicerol-fosfato. O funciona-
mento dessas lançadeiras será descrito a seguir.

4.4.2 Lançadeira malato-aspartato


Durante a degradação dos carboidratos, ocorre a formação de moléculas de NADH
no citosol da célula. Essas moléculas transportadoras doarão seus elétrons para o
Complexo I da cadeia respiratória mitocondrial para que ocorra a fosforilação oxidativa.
Para que isso aconteça, é necessário que ocorra a entrada dos NADH citosólicos
na matriz. Entretanto, a membrana mitocondrial interna é impermeável ao NADH, o
que impossibilita sua entrada sem o auxílio de um mecanismo de transporte específico.
Esse transporte acontece por meio de uma lançadeira malato-aspartato.
Bioquímica 117

Nesse sistema, o NADH citosólico doa seus elétrons e prótons a uma molécu-
la de oxaloacetato, que, por sua vez, é reduzida a malato pela ação catalítica da ma-
lato desidrogenase. O malato, conduzindo os elétrons oriundos do NADH citosólico,
consegue entrar na mitocôndria por meio de um transportador específico, o malato-α-
cetoglutarato. No interior da mitocôndria, ele doa seus elétrons para uma molécula de
NAD+, que é reduzida a NADH em reação catalisada pela malato desidrogenase mito-
condrial. O oxaloacetato passa por reações de transaminação e retorna para o espaço in-
termembrana na forma de aspartato através dos transportadores glutamato-aspartato.

Lançadeira malato-aspartato
Transportador de
Espaço intermembrana Matriz
malato-α-cetoglutarato
OH
OH

OOC – CH2 – C – COO– –
+
OOC – CH2 – C – COO–
NAD H NAD+
Malato Malato H
H+ + NADH Malato NADH + H+
Malato
O desidrogenase O
desidrogenase –

OOC – CH2 – C – COO– NH3+ OOC – CH2 – C – COO–
NH3+
Oxaloacetato –
OOC – CH2 – CH2 – C – COO– Oxaloacetato

OOC – CH2 – CH2 – C – COO–
H
H Glutamato
Glutamato
Aspartato Aspartato
aminotransferase aminotransferase
α-Cetoglutarato α-Cetoglutarato
O O

OOC – CH2 – CH2 – C – COO– –
OOC – CH2 – CH2 – C – COO–

Aspartato Aspartato NH3+


NH3+

OOC – CH2 – C – COO–
– OOC – CH2 – C – COO–
Transportador de H
© FabriCO

H
glutamato-aspartato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 758. (Adaptado).

A lançadeira malato-aspartato está presente nas mitocôndrias de rim, fígado e


coração. Em outros tecidos, como o muscular, e no cérebro, existe outro sistema capaz
de fazer o transporte de NADH citosólico para a matriz mitocondrial. Esse transporte é
chamado de lançadeira glicerol-fosfato.

4.4.3 Lançadeira glicerol-fosfato


Outra maneira de fazer o transporte do NADH citosólico para a matriz é por meio
da lançadeira glicerol-fosfato. Ela está presente em mitocôndrias de tecido cerebral e
muscular esquelético.
Bioquímica 118

Nesse tipo de transporte, o NADH presente no citosol transferirá seus elétrons


para a diidroxiacetona-fosfato e formará glicerol-3-fosfato. Este atravessa a membra-
na externa e transferirá seus elétrons para o FAD presente no Complexo II. Dessa for-
ma, quando os elétrons entram na cadeia respiratória, não ocorre a passagem pelo
Complexo I, sendo bombeados quatro prótons a menos.
No cálculo do rendimento energético nesses tipos celulares, os 2 NADH da via
glicolítica bombardearão menos prótons e gerarão menos ATP (1,5 ATP). Nesse caso, a
conta de rendimento fica assim:
8 NADH mitocondriais + 2 NADH citosólicos + 2 FADH2 + 4 ATP =
8 (2,5 ATPs) + 2 (1,5ATPs) + 2 (1,5 ATPs) + 4 ATPs
20 ATPs + 3 ATPs + 3 ATPs = 30 ATPs.
A lançadeira glicerol-fosfato está ilustrada a seguir.

Lançadeira glicerol-fosfato
Membrana Membrana
externa interna
Citosol Mitocôndria

NAD+ Glicerol-3-fosfato Glicerol-3-fosfato FAD

Glicerol-3-fosfato Glicerol-3-fosfato
Desidrogenase Desidrogenase
(Citosólica) (Mitocondrial)

NADH + H+ diidroxiacetona- diidroxiacetona- FADH2


-fosfato -fosfato

© FabriCO
Cadeia respiratória

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 130. (Adaptado).

Portanto, dependendo do tecido, o rendimento energético da degradação de


uma molécula de glicose pode variar entre 30 e 32 ATPs.
Nesse capítulo, aprendemos que o objetivo principal da respiração celular é a for-
mação do ATP e que, para isso, é necessária a presença de oxigênio. Durante a respira-
ção celular, o oxigênio é consumido e forma-se CO2 como produto. A fonte da energia
utilizada para a produção do ATP são os substratos energéticos obtidos pela dieta e,
para que essa molécula seja formada, são necessários três estágios. No primeiro, ocor-
re a formação do acetil-CoA, que, na segunda etapa, será oxidado no ciclo do ácido
cítrico para a formação dos transportadores de elétrons NADH e FADH2 . Por fim, no
terceiro estágio, ocorre a oxidação do NADH e FADH2 na cadeia respiratória mitocon-
drial com a consequente formação do ATP.
Bioquímica 119

Referências
ALBERTS, B. et al. Fundamentos da Biologia Celular. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
LODISH, H. et al. Biologia Celular e Molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
MURRAY, R. K. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: AMGH/
Artmed, 2013.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica Médica Básica de Marks: uma
abordagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível
molecular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
5 Metabolismo de carboidratos
Os carboidratos são fontes de energia preciosas para todos os organismos. A gli-
cose é o principal combustível utilizado para gerar adenosina trifosfato (ATP) em quase
todas as células. Para algumas delas e para tecidos de mamíferos, como o nervoso e os
embrionários, além da medula renal, dos testículos e das hemácias, esse monossacarí-
deo é a única ou a fonte preferencial de energia. Por esse motivo, a taxa de açúcar no
sangue, chamada de glicemia, deve ser mantida muito bem regulada.
Nos animais, a glicose é armazenada em forma de glicogênio em vários tecidos,
principalmente no fígado e no músculo estriado esquelético. Porém, o estoque de gli-
cogênio é limitado. Por isso, é necessário outro metabolismo para auxiliar no contro-
le da glicemia, produzindo glicose a partir de combustíveis que não são carboidratos.
Esse metabolismo é a gliconeogênese, que veremos mais detalhadamente a seguir.

5.1 Gliconeogênese
O processo de gliconeogênese dos mamíferos ocorre principalmente em dois órgãos:
no fígado e nos rins. O fígado é o órgão mais importante para esse metabolismo e, em
menor proporção, a medula renal. No entanto, a gliconeogênese não é exclusiva de mamí-
feros, ocorrendo também em outros animais, vegetais, fungos e micro-organismos.

O fígado é o órgão mais importante no controle glicêmico. Ele é responsável por aproxima­
damente 90% da gliconeogênese, ao passo que os rins contribuem com apenas 10% desse
processo.

A glicose produzida pela gliconeogênese nos animais é liberada para o sangue


com a finalidade de suprir a necessidade energética de outros tecidos. Existem vários
hormônios que controlam a glicemia e regulam a atividade das enzimas da gliconeogê-
nese, entre os quais estão o glucagon e o cortisol.

5.1.1 Formação de glicose a partir de outras fontes


Nos vegetais, a gordura e os aminoácidos são transformados em glicose por vá-
rias vias metabólicas, incluindo a gliconeogênese. Em micro-organismos, o início da
via ocorre a partir de compostos como o propionato, o acetato e o lactato, que estão
presentes no meio de crescimento. Nos animais, isso ocorre a partir de compostos ob-
tidos pela alimentação e por meio de compostos endógenos. Vários aminoácidos, se-
jam eles provenientes da dieta; ou, no caso de um processo de jejum prolongado,
Bioquímica 122

originados a partir do músculo esquelético podem ser utilizados para produzir glicose
na via gliconeogênica. A tabela a seguir mostra os aminoácidos glicogênicos e os inter-
mediários metabólicos nos quais eles são transformados.

Tabela com aminoácidos glicogênicos


Intermediário Intermediário
Aminoácido Aminoácido
metabólico metabólico
Alanina Piruvato Isoleucina Succinil-CoA
Cisteína Piruvato Metionina Succinil-CoA
Glicina Piruvato Treonina Succinil-CoA
Serina Piruvato Valina Succinil-CoA
Treonina Piruvato Fenilalanina Fumarato
Triptofano Piruvato Tirosina Fumarato
Arginina α-Cetoglutarato Asparagina Oxaloacetato
Glutamato α-Cetoglutarato Aspartato Oxaloacetato
Glutamina α-Cetoglutarato Prolina α-Cetoglutarato
Histidina α-Cetoglutarato
Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 574. (Adaptado).

Além dos aminoácidos, a glicose pode ser formada a partir do lactato proveniente
do processo de fermentação lática, do piruvato originado da via glicolítica e do glicerol
oriundo dos triglicerídeos do tecido adiposo.

5.1.2 A via gliconeogênica


Apesar de a glicólise e a gliconeogênese serem vias opostas, como mostrado na fi-
gura a seguir, o processo de gliconeogênese não é apenas uma reversão da via glicolítica,
ainda que várias reações químicas sejam compartilhadas entre as duas vias metabólicas.
Bioquímica 123

A gliconeogênese e a glicólise são vias opostas


Glicólise Gliconeogênese

Glicose

ATP P1
Glicose 6-
Hexoquinase
fosfatase
ADP H2O
Glicose 6-fosfato

Frutose 6-fosfato
ATP P1
Frutose 1,6-
Fosfofrutoquinase-1
bifosfatase-1
ADP H2O
Frutose 1,6-bifosfato

Diidroxicetona- Diidroxicetona-
-fosfato -fosfato

(2) Gliceraldeído-
-3-fosfato
2P1 2P1
2NAD +
2NAD+

2NADH + 2H+ 2NADH + 2H+


(2) 1,3-Bifosfoglicerato

2ADP 2ADP
2ATP 2ATP

(2) 3-Fosfoglicerato

(2) 2-Fosfoglicerato

2GDP
(2)Fosfoenolpiruvato PEP-
2ADP
-Carboxiquinase
Piruvato-
2GTP
-quinase
(2) Oxaloacetato
2ATP 2ADP
Piruvato
carboxilase
© FabriCO

2ATP
(2) Piruvato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 569. (Adaptado).


Bioquímica 124

Na via glicolítica existem reações de quebra da glicose que são irreversíveis e, por
isso, é necessário que existam outras reações com enzimas diferentes, a fim de que se
possa formar glicose a partir do piruvato. Nesse processo também existem reações ca-
talisadas por enzimas alostéricas e regulatórias. Portanto, tanto a glicólise quanto a
gliconeogênese são vias irreversíveis.
A maioria dos precursores da glicose é primeiramente transformada em piruvato
ou até mesmo em intermediários do ciclo do ácido cítrico, como o oxaloacetato. Porém,
o glicerol, proveniente da quebra de triglicerídeos do tecido adiposo, entra na via como
diidroxicetona fosfato. É importante ressaltar que os ácidos graxos liberados na quebra
de triglicerídeos não podem entrar na gliconeogênese, porque os animais não possuem
a maquinaria enzimática necessária para transformar ácidos graxos em glicose.
Para entender melhor a formação de glicose a partir do piruvato, precisamos sa-
ber que a transformação de piruvato em fosfoenolpiruvato é a primeira barreira en-
frentada, sendo considerada a primeira etapa da gliconeogênese. Lembre-se de que
o piruvato é formado no citosol a partir da via glicolítica e, nesse caso, ele deve ser
transportado para a matriz mitocondrial. Outra fonte de piruvato é a reação de transa-
minação do aminoácido alanina que ocorre na matriz da mitocôndria, na qual o grupo
amino da alanina é transferido para um α-cetoácido carboxílico e o esqueleto de car-
bono resultante é o piruvato. Em ambos os casos, o piruvato formado deve estar dis-
ponível na matriz da mitocôndria para o início da gliconeogênese.
Em seguida, a piruvato carboxilase, uma enzima presente na matriz da mito-
côndria e que precisa da biotina para sua catálise, converte o piruvato a oxaloacetato.
Nessa reação, existe a participação da coenzima biotina, que serve como um ativador
do bicarbonato de forma que seja possível adicionar um grupo carboxila no piruvato.
Na mitocôndria, não existe nenhum transportador de oxaloacetato. Por esse
motivo, é necessário transformá-lo em malato antes de ser levado ao citosol. Essa
transformação é catalisada pela malato desidrogenase mitocondrial, utilizando nicoti-
namida adenina dinucleotídeo (NADH), como mostrado na figura a seguir.

Reação da malato desidrogenase mitocondrial


+
H
D H+
NA
O=C – COO– HO – CH – COO–

H2C – COO– H2C – COO–


© FabriCO

OXALOACETATO MALATO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 647. (Adaptado).


Bioquímica 125

No citosol, a malato desidrogenase citosólica reverte a reação anterior, gerando


novamente o oxaloacetato. Em seguida, a fosfoenolpiruvato carboxiquinase catalisa a
transformação de oxaloacetato em fosfoenolpiruvato (PEP). Para essa reação, é neces-
sária a presença de Mg2+ como cofator. A enzima catalisa a retirada de uma molécula
de gás carbônico e utiliza um composto de alta energia (GTP – Guanosina Trifosfato)
como doador de grupo fosfato.

Reação da fosfoenolpiruvato carboxiquinase


+ Pi P
P P
GT GD CO 2
O
O=C – COO– O
H2C = C – C
H2C – COO– O–

© FabriCO
OXALOACETATO FOSFOENOLPIRUVATO (PEP)

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 571. (Adaptado).

Observe que, nessa fase da gliconeogênese, foram utilizados dois compostos ri-
cos em energia: GTP e ATP. Note também que o CO2 liberado pelo oxaloacetato para
formar PEP é o mesmo que foi adicionado para formá-lo. Nesse mecanismo, ocorre
transferência de NADH mitocondrial para o citosol pela sequência de transformações
oxaloacetato-malato-oxaloacetato.
Por outro lado, se o precursor para a glicose é o lactato, existem outras manei-
ras possíveis de transformar piruvato em PEP. Nesse caso, a transformação de lactato
a piruvato forma NADH no citosol e, por isso, não é necessária a importação de agen-
tes redutores, como descrito anteriormente. Uma possibilidade é a transformação de
oxaloacetato em aspartato dentro da mitocôndria e, após a saída do aspartato, este é
convertido em oxaloacetato no citosol. A outra possibilidade envolve a transformação
do oxaloacetato a PEP pela catálise da fosfoenolpiruvato carboxiquinase mitocondrial.
Depois disso, o PEP é levado para o citosol a fim de continuar a gliconeogênese. A fi-
gura a seguir mostra esse processo.
Bioquímica 126

Reação de formação de PEP na mitocôndria

PEP

PEP-
-carboxiquinase CO2
citosólica
Oxaloacetato

Malato- NADH + H+
-desidrogenase-
-citosólica
NAD+
Malato

Malato PEP

NAD+ CO2
Malato-
PEP-
-desidrogenase-
carboxiquinase
-mitocondrial
NADH + H+ mitocondrial
Oxaloacetato Oxaloacetato
ADP
Piruvato- Piruvato-
-carboxilase -carboxilase ATP
CO2 CO2
Piruvato Mitocôndria Piruvato
citosol

Piruvato Piruvato

NADH + H+
Lactato-
-desidrogenase
NAD+
© FabriCO

Lactato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 572. (Adaptado).

Depois de ocorrer a transformação de piruvato em PEP, as mesmas enzimas


da via glicolítica revertem as reações até a formação de frutose-1,6-bifosfato. Essas
transformações não são consideradas etapas da gliconeogênese, pois utilizam enzimas
compartilhadas.
A segunda etapa da gliconeogênese inicia com a desfosforilação da frutose-1,6-
-bifosfato. A enzima que catalisa essa reação é a frutose-1,6-bifosfatase, gerando
frutose-6-fosfato, como mostrado na reação a seguir.
Bioquímica 127

Reação da enzima frutose 1,6-bifosfatase


O O O
6 1
Pi 6 1
–O P O CH2 O CH2 O P O– –O P O CH2 O CH2OH
O– 5 2 O– O– 5 2

H H HO OH H2O H H HO OH

4 3 4 3

OH H OH H

© FabriCO
FRUTOSE–1,6–BIFOSFATO FRUTOSE–6–FOSFATO

Fonte: DEVLIN, 2011, p. 642. (Adaptado).

Depois disso, a fosfoexose isomerase, que é uma enzima da glicólise, catalisa a


modificação de frutose 6-fosfato para glicose-6-fosfato. Essa reação não é exclusiva
da gliconeogênese, portanto, é considerada uma etapa intermediária.
Observe com atenção a figura a seguir. Ela mostra o caminho percorrido pela gli-
cose-6-fosfato. Perceba que ela entra no lúmen do retículo endoplasmático liso (RE)
por um transportador específico (T1). No retículo endoplasmático liso, ocorre a tercei-
ra etapa da gliconeogênese, ou seja, quando a glicose-6-fosfatase catalisa a reação
de retirada do fosfato da glicose-6-fosfato, liberando glicose. Quando a concentração
de glicose aumentar no interior do retículo endoplasmático liso, o transportador T2
permite a passagem do monossacarídeo para o citosol e, em seguida, a GLUT2 permi-
te a saída de glicose para o plasma sanguíneo por diferença de concentração.

Reação da glicose 6-fosfatase no retículo endoplasmático liso


Membrana
Citosol plasmática
G6P Glicose 6-fosfatase
Transportador Transportador Capilar
de G6P (T1) de glicose (T2)

G6P Glicose Glicose

Lúmen Pi Pi GLUT2
do RE

Transportador Concentração
de Pi (T3) sanguínea de
© FabriCO

glicose aumentada

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 615. (Adaptado).


Bioquímica 128

Uma vez no plasma sanguíneo, a glicose contribui para o aumento da glicemia.


Essa é uma maneira eficiente de suprir as células, incluindo as células cerebrais e as he-
mácias, com glicose.

O controle da glicemia ocorre por estimulação hormonal. Quando a glicemia aumenta, o pân-
creas libera insulina e pouco tempo depois a glicemia diminui. Quando a glicemia diminui, o
pâncreas libera glucagon, promovendo o aumento posterior da glicemia.

5.1.3 Regulação da gliconeogênese


A gliconeogênese, assim como a maioria das vias metabólicas, é estritamente
regulada. Tendo em vista que a gliconeogênese e a glicólise são processos inversos, es-
ses dois metabolismos são regulados reciprocamente.
Na primeira etapa da gliconeogênese, a primeira enzima regulatória é a piruva-
to carboxilase. Essa enzima é inibida pelo ADP e ativada pelo acetil-CoA. Note que o
excesso de adenosina difosfato (ADP), na célula, privilegia a formação de ATP no pro-
cesso de respiração celular e, se ocorrer um excesso de acetil-CoA, significa que vários
metabólitos, como os ácidos graxos, estão chegando em excesso para a célula, espe-
cialmente para o hepatócito, estimulando a gliconeogênese. Outra enzima inibida pelo
ADP é a fosfoenolpiruvato carboxiquinase, inibindo a formação de fosfoenolpiruva-
to. No processo contrário, na glicólise, a transformação de fosfoenolpiruvato a piruva-
to faz com que a piruvato quinase sofra ativação pela frutose-1,6-bifosfato e inibição
pelo ATP e pela alanina.
Na segunda etapa da gliconeogênese, a frutose 1,6-bifosfatase é uma enzima
estritamente regulada, sendo considerada a principal enzima regulatória dessa via
metabólica. Ela é inibida pela adenosina monofosfato (AMP) e ativada pelo citrato.
Porém, uma molécula-chave controla essa enzima: a frutose-2,6-bifosfato (F-2,6-BP).
Ela é produzida pela catálise da fosfofrutoquinase-2 na transformação de frutose-6-
-fosfato e ocorre quando o indivíduo está com a glicemia alta e a célula está sendo es-
timulada pela insulina. Nesse caso, a fosfofrutoquinase-1 está ativada, privilegiando a
via glicolítica. Na situação de jejum, a glicemia do paciente diminui e o glucagon é libe-
rado. Assim, não ocorre a formação de frutose-2,6-bifosfato, mantendo a frutose-1,6-
-bifosfatase ativada, privilegiando a formação de glicose para o aumento da glicemia,
como ilustrado na figura a seguir.
Bioquímica 129

Regulação recíproca da gliconeogênese e da glicólise

Glicólise Glicose
Gliconeogênese
(insulina) (glucagon e adrenalina)

Frutose 6-fosfato

F-2,6-BP (+) Frutose- F-2,6-BP (–)


AMP (+) Fosfofrutoquinase 1
-1,6-bisfosfatase AMP (–)
ATP (–) Citrato (+)
Frutose
1,6-bifosfato

Fosfoenolpiruvato ADP (–)

PEP-carboxiquinase
F 1,6-BP (+) Piruvato
ATP (–) Oxaloacetato
quinase
Alanina (-) Piruvato-
carboxilase Acetil- CoA (+)
ADP (–)

© FabriCO
Piruvato

Fonte: BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2004, p. 474. (Adaptado).

Os processos descritos anteriormente ocorrem por mecanismos reversíveis e rá-


pidos. Outro processo regulatório importante é a regulação transcricional, no qual são
controladas a síntese e a degradação das enzimas. A ação do hormônio insulina sobre
seu receptor ativa várias vias de sinalização, envolvendo proteínas quinases distintas. A
ativação da enzima ERK, uma MAP-quinase, ativa por fosforilação os fatores de trans-
crição SRF e Elk1, o que ocasiona aumento na síntese de enzimas necessárias para a
divisão celular. A proteína quinase B (PKB) fosforila outros fatores de transcrição que
aumentam a síntese de enzimas do metabolismo de carboidratos e de lipídeos. Um
exemplo disso é o aumento da síntese das enzimas hexoquinase II e IV, da fosfofruto-
quinase-1, da piruvato quinase e da fosfofrutoquinase-2.
Um fator de transcrição importante sintetizado na presença de insulina é o
ChREBP (proteína de ligação ao elemento de resposta aos carboidratos). Esse fator de
transcrição coordena a síntese dos carboidratos e das gorduras e é expresso principal-
mente no tecido adiposo, nos rins e no fígado.

5.1.4 Ciclo de Cori


O ciclo de Cori é uma via metabólica na qual o lactato proveniente de várias fon-
tes é levado ao fígado e, no fígado, é convertido em glicose. Nesse ponto, você deve
Bioquímica 130

estar pensando: quais são as fontes de lactato? Várias células, como as hemácias, pro-
duzem lactato. Lembre que as hemácias não possuem mitocôndrias e, por esse moti-
vo, a transformação de piruvato a lactato é extremamente importante para reciclar o
NAD+ (estado de oxidação da nicotinamida adenina dinucleotídeo), consumindo NADH.
Sem essa reação, o NAD+ da hemácia seria depletado (acabaria) e a via glicolítica fica-
ria inibida, consequentemente as hemácias não produziriam ATP.
Outra fonte importante de lactato é a atividade muscular intensa sem o devido
suprimento de oxigênio. Nessas condições, o músculo trabalha em anaerobiose, ou
seja, sem oxigênio. Uma parte do lactato produzido pelo músculo é lançada na corren-
te sanguínea e é transportada para o fígado, onde ocorre a gliconeogênese, sendo que
a glicose resultante retorna ao plasma sanguíneo para nutrir os tecidos. Veja na figura
a seguir um esquema do Ciclo de Cori.

Ciclo de Cori

Músculo: ATP produzido pela


glicólise para contração rápida.

Lactato Glicogênio

ATP

Lactato Glicose
sanguíneo sanguínea

ATP

Lactato Glicose

Figado: ATP usado na síntese


de glicose (gliconeogênese)
durante a recuperação.
© FabriCO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 948. (Adaptado).


Bioquímica 131

Estudos recentes mostram que a alanina é um aminoácido de contribuição signi­


ficativa para o processo de gliconeogênese no fígado. No músculo, o piruvato sofre
processo de transaminação e é transformado em alanina, que vai ao fígado; o processo
contrário ocorre no mesmo órgão. Isso mostra como a gliconeogênese e a glicólise são
processos coordenados.

5.2 Glicogênese
A glicose é guardada na forma de glicogênio tanto nos animais quanto em muitos
micro-organismos. Nos animais, o fígado e o músculo estriado esquelético são os prin-
cipais locais de armazenamento desse polissacarídeo, mas ele também aparece em
quase todas as células. No músculo, representa de 1 a 2% do peso total e, no fígado,
aproximadamente 10%. Se a glicose entrar nessas células e permanecer solta no cito-
plasma, a concentração do citosol passa para 0,4 M, aumentando muito a osmolarida-
de da célula. Armazenada na forma polimérica, a concentração diminui para 0,01 M. O
armazenamento do glicogênio ocorre em grandes grânulos citosólicos, nos quais, in-
ternamente, está a proteína glicogenina.

O glicogênio é um polissacarídeo com moléculas de glicose em ligação α(1→4) e ramificações


α(1→6). A quantidade de moléculas varia segundo o estado nutricional do indivíduo. Quando
o indivíduo está no estado alimentado, cada grânulo de glicogênio apresenta cerca de 55 mil
resíduos de glicose e aproximadamente duas mil extremidades não-redutoras.

A presença do glicogênio no fígado é especialmente importante para manter a


glicemia em períodos de jejum, podendo acabar entre 12 e 14 horas. O glicogênio mus-
cular contribui para a manutenção energética dessas células e na atividade intensa
pode durar menos de uma hora.
A glicogênese se inicia pela ação da glicogenina, uma proteína interessante que
possui uma atividade glicosil-transferase capaz de transferir um resíduo de glicose
da UDP-glicose (nucleotídeo-açúcar) para o grupo hidroxila da tirosina (Tyr194) de sua
própria estrutura, iniciando uma nova cadeia de glicogênio. Outras reações de alon-
gamento da cadeia adicionam até sete resíduos de glicose permitindo a extensão da
cadeia na glicogenina. Depois disso, a enzima glicogênio sintase continua na transfe-
rência de resíduos de glicose usando UDP-glicose para aumentar a cadeia, como será
descrito no tópico seguinte.
Bioquímica 132

5.2.1 Formação do nucleotídeo-açúcar


Para que ocorra a formação do glicogênio, deve ser formado o nucleotídeo-açú-
car. Essa formação serve para ativar o carbono anomérico (carbono 1) da molécula de
glicose, unindo-se um nucleotídeo por meio de uma ligação éster de fosfato. Essa liga-
ção entre o nucleotídeo e o açúcar é facilitada por vários fatores:
1. a ligação do nucleotídeo trifosfato com o açúcar promove a liberação de PPi
(pirofosfato). Essa reação é irreversível, porque quando o pirofosfato é libera-
do, em seguida ele é rapidamente hidrolisado, garantindo que a variação da
energia livre seja favorável à reação;
2. a estrutura do nucleotídeo não se envolve nas reações com o açúcar, porém
elas ficam disponíveis na célula para que sejam realizadas interações com enzi-
mas, o que favorece a reação;
3. a ligação do açúcar no nucleotídeo faz com que os transportadores de monos-
sacarídeos da membrana (GLUT) não reconheçam a glicose e, com isso, a gli-
cose e outras hexoses podem ficar reservadas para outras finalidades na célula.
Para iniciar a síntese de UDP-glicose, ou seja, o nucleotídeo-açúcar que inicia a
formação do glicogênio, é necessário que seja sintetizada a glicose-6-fosfato. Essa for-
mação é catalisada pela hexoquinase IV no fígado e pela hexoquinase II no músculo.
Depois, a glicose-6-fosfato sofre isomerização em glicose-1-fosfato. Essa reação é ca-
talisada pela fosfoglicomutase, mostrada na figura a seguir.

Reação da fosfoglicomutase
CH2O – P CH2OH

O H O
H H H
H H
OH H OH H
HO OH HO O– P

H OH H OH
© FabriCO

GLICOSE 6-FOSFATO GLICOSE 1-FOSFATO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 614. (Adaptado).

Em seguida, a glicose-1-fosfato é transformada em UDP-glicose pela catálise da


UDP-glicose-pirofosforilase, como ilustra a figura a seguir. Essa é uma das etapas-cha-
ve para a glicogênese.
Bioquímica 133

Reação da UDP-glicose-pirofosforilase
GRUPO GLICOSIL
CH2OH

CH2OH O
P i H H
UT PP H
O
H H OH H URIDINA DIFOSFATO
H
HO O
OH H
O O
HO O– P H OH HN

O P O P O

H OH
O N
O O CH2
GLICOSE 1-FOSFATO O
H H
H H

OH OH

© FabriCO
UDP-GLICOSE

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 618. (Adaptado).

Apesar do nome da enzima estar indicando a reação inversa, na célula é preferen-


cial a formação de UDP-glicose, porque o PPi liberado é rapidamente degradado, não
permitindo que a reação inversa ocorra.

5.2.2 Formação da ligação α(1→4)


Os resíduos de glicose ligados ao UDP entram na reação catalisada pela glicogê-
nio sintase. Essa enzima catalisa a retirada do UDP e a ligação do carbono 1 da glicose
à extremidade não redutora do glicogênio, ou seja, liga ao carbono 4 da última glicose
do glicogênio. Nessa reação, libera a molécula de UDP. A figura a seguir mostra a rea-
ção catalisada pela glicogênio sintase.
Bioquímica 134

Reação da glicogênio sintase


6
CH2OH
5
O
H H
H
4 1
OH H
HO
3 2
O O
H OH

O P O P O– CH2OH CH2OH
Uracila
O O CH2 O O
H H H H
H H
4 1 4 1
H H OH H OH H
UDP-glicose
H H HO O O
OH OH H OH H OH

Extremidade
Glicogênio sintase
não redutora da
UDP
cadeia do glicogênio
com n resíduos
(n>4)
CH2OH CH2OH CH2OH
O O O
H H H H H H
H H H
Extremidade 4 1 4 1 4 1
não redutora OH H OH H OH H
HO
O O O
H OH H OH H OH

© FabriCO
Glicogênio alongado com
n +1 resíduos

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 618. (Adaptado).

Observe que a atividade da glicogênio sintase produz um polissacarídeo linear,


que possui apenas ligações α(1→4). Se apenas essa enzima fizesse a catálise da sín-
tese de glicogênio, o polissacarídeo formado não teria nenhum ponto de ramificação,
tornando-se um polímero linear. Nesse caso, além de ocupar um grande espaço na cé-
lula, o que atrapalharia seu funcionamento, a quebra do glicogênio seria lenta, devido
à apresentação de poucas extremidades não-redutoras. Além disso, quando for neces-
sário quebrar glicogênio hepático para aumentar a glicemia ou o glicogênio muscular
para aumentar a quantidade de ATP no músculo, a quebra do polímero será muito de-
morada, o que ocasionará problemas graves ao indivíduo. Por esse motivo, é necessá-
rio que ocorra o processo de ramificação.
Bioquímica 135

5.2.3 Formação da ligação α(1→6)


Como o glicogênio, no estado alimentado, é um polímero ramificado, é necessá-
rio que a enzima glicosil (4→6) transferase, também chamada de amilo (1→4) a (1→6)
transglicosilase, promova a formação da ligação α(1→6). Para tanto, essa enzima cata-
lisa a transferência de seis a sete resíduos de glicose da extremidade não redutora para
o carbono 6 da glicose. Essa extremidade deve conter aproximadamente 11 resíduos
de glicose. A enzima promove a quebra da ligação glicosídica e a transferência para o
grupo hidroxil do carbono 6 da glicose de uma posição mais interna ou para outra ca-
deia do glicogênio. Isso ocasiona a formação da ligação α(1→6) e a consequente rami-
ficação, como mostra a figura a seguir.

Ação da enzima glicosil (4→6) transferase

o o o o o o o o o o o
Núcleo do
HO o o o o o o o o o o glicogênio
Extremidade (α1 4) Enzima de ramificação
não redutora
do glicogênio

o o o o o o o
Extremidade (α1 6) Ponto de
HO o o o o o o o
não redutora ramificação
o o o o
Núcleo do

© FabriCO
Extremidade
HO o o o glicogênio
não redutora

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 619. (Adaptado).

Depois disso, a glicogênio sintase continua catalisando o aumento da cadeia po-


lissacarídica. Como comentado anteriormente, com a ramificação, a molécula do gli-
cogênio torna-se mais solúvel e uma posterior quebra no processo de glicogenólise
ocorre mais rapidamente.
Bioquímica 136

5.3 Glicogenólise
O glicogênio é um polissacarídeo que contém uma quantidade variável de molé-
culas de glicose, em ligações α(1→4) e α(1→6). Esse polissacarídeo serve para armaze-
nar as moléculas de glicose no interior da célula animal, principalmente no hepatócito
e no miócito. Quando há uma diminuição da glicemia em virtude do jejum, o glicogê-
nio armazenado no fígado é degradado e as moléculas de glicose são liberadas contri-
buindo para a manutenção da glicemia, fato esse, que preserva o funcionamento de
algumas células, como as hemácias, que são dependentes exclusivamente de glicose,
e o sistema nervoso, que tem a glicose como combustível preferencial. O processo de
quebra do glicogênio é de extrema importância para o organismo dos animais e é cha-
mado de glicogenólise.
É importante salientar que o enquanto o glicogênio hepático supre outras células
com glicose, o glicogênio armazenado no músculo é a principal fonte de glicose para o
miócito. Essa glicose é utilizada na via glicolítica para a produção de ATP.

5.3.1 Atividade da glicogênio fosforilase


O início da quebra do glicogênio ocorre pela atividade da enzima glicogênio fos-
forilase. Essa enzima catalisa a quebra da ligação glicosídica da extremidade não re-
dutora pelo processo de fosforólise. Nesse caso, o fosfato inorgânico (Pi) promove um
ataque à ligação glicosídica da extremidade não redutora, na ligação α(1→4), retiran-
do o resíduo de glicose na forma de glicose-1-fosfato. Essa reação acontece até que
quatro resíduos de glicose fiquem próximos a um ponto de ramificação.
Bioquímica 137

Atividade da glicogênio fosforilase


Extremidade
não redutora
6 CH OH CH2OH CH2OH
2

5 O O O
H H H H H H
H H H
4 1
OH H OH H OH H
HO O O O
3 2
H OH H OH H OH Cadeia de glicogênio
Pi (glicose)n
Glicogênio-
-fosforilase

Extremidade
não redutora
6
CH2OH CH2OH CH2OH
5
O O O
H H H H H H
H H H
4 1 O –
+
OH H OH H OH H
HO HO
3 2 O P O– O O
H OH H OH H OH
O

Glicogênio com um

© FabriCO
resíduo de glicose a menos
(glicose)n – 1

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 613. (Adaptado).

Depois da liberação da glicose-1-fosfato, essa molécula sofre a catálise da fos-


foglicomutase para ser transformada em glicose-6-fosfato. Se isso estiver ocorrendo
no fígado, a glicose-6-fosfato é hidrolisada em glicose para posterior liberação para o
plasma, ou, se ocorrer no tecido muscular, por exemplo, a glicose-6-fosfato entra na
via glicolítica.

5.3.2 Atividade da transglicosilase


Depois que a glicogênio fosforilase diminuiu o tamanho da ramificação e ficam
apenas quatro resíduos de glicose, a transferase desramificadora transfere as três úl-
timas moléculas de glicose que estão em ligação α(1→4) para a extremidade não re-
dutora mais próxima. O que sobra na ramificação é apenas um resíduo de glicose em
ligação α(1→6). Essa reação está mostrada na figura a seguir.
Bioquímica 138

Atividade da transferase

atividade de
transferase da
enzima
desramificadora

© FabriCO
Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 614. (Adaptado).

É importante ressaltar que cada hexágono corresponde a uma molécula de glico-


se. O traço horizontal é relativo às ligações α(1→4). Já o traço vertical é referente às li-
gações α(1→6).
Depois de transferidos os últimos resíduos de glicose em ligação α(1→4) para a
extremidade redutora, o único resíduo de glicose que permanece na ramificação está
em ligação α(1→6).

5.3.3 Atividade da α(1→6) glicosidase


Como o glicogênio permanece ramificado, com apenas uma molécula de glicose
em ligação α(1→6), é necessário que a enzima α(1→6) glicosidase catalise a quebra da
ligação glicosídica, liberando glicose.
O polissacarídeo linear que sobra continua sendo quebrado pela glicogênio fosfo-
rilase até chegar a quatro resíduos de glicose que estão ligados na glicogenina.
Depois que a glicogênio fosforilase catalisa a quebra das ligações α(1→4), libera
glicose-1-fosfato. Essa molécula pode ser encaminhada para a glicólise. No caso do
fígado, o grupo fosfato é posteriormente retirado para liberar a glicose ao sangue e
aumentar a glicemia. Porém, para as duas opções, é preciso que a enzima fosfoglico-
mutase catalise a transformação da glicose 1-fosfato em glicose 6-fosfato, como vere-
mos no tópico a seguir.
Bioquímica 139

5.3.4 Ação da fosfoglicomutase


Como afirmado anteriormente, é necessário que a molécula de glicose-1-fosfato
seja transformada em glicose-6-fosfato pela ação da enzima fosfoglicomutase. O pro-
cesso reversível de modificação de posição do grupo fosfato da glicose 1-fosfato necessi-
ta que a enzima fosfoglicomutase esteja fosforilada em um resíduo de serina (Ser). Esse
fosfato é colocado no carbono 6 da glicose-1-fosfato e, em seguida, o fosfato do carbono
1 é devolvido à enzima.
Depois dessa reação, dependendo da estimulação da célula, a glicose-6-fosfato
pode continuar na via glicolítica para gerar ATP no processo de respiração celular ou pode
ir ao retículo endoplasmático liso, no qual a glicose-6-fosfatase catalisa a retirada do gru-
po fosfato e a posterior liberação da glicose para o plasma. Essa última reação só ocorre
no fígado, enquanto a primeira acontece no fígado e no músculo estriado esquelético.

5.4 Regulação do metabolismo do glicogênio


A manutenção da glicemia é um fator muito importante para o organismo de
qualquer animal. Por esse motivo, a síntese e a degradação do glicogênio são muito
bem reguladas. No músculo em exercício prevalece a glicogenólise; porém, quando o
músculo está em relaxamento, ocorre a glicogênese. Por outro lado, quando o indiví-
duo está no estado alimentado, com a glicemia alta, a síntese do glicogênio acontece
no fígado. No entanto, quando ocorre o jejum inicial, ou seja, quando a glicemia tende
a diminuir, há estímulo para que a degradação do glicogênio inicie.

5.4.1 Regulação da glicogênio sintase


A enzima glicogênio sintase é regulada pelo processo de fosforilação. Quando
está na forma ativa, a glicogênio sintase a se encontra desfosforilada. Quando os re-
síduos laterais de Ser são fosforilados, ocorre a conversão para glicogênio sintase b,
tornando a enzima inativa. Para que isso aconteça, várias proteínas quinases estão en-
volvidas, porém, a mais importante de todas é a glicogênio sintase quinase 3 (GSK3).
Ao acrescentar grupos fosforilas aos resíduos de Ser próximos à ponta carboxi-termi-
nal da glicogênio sintase, a GSK3 promove uma forte inibição na glicogênio sintase.
A transformação da glicogênio sintase b em glicogênio sintase a é catalisada
pela fosfoproteína fosfatase 1 (PP1), que está ligada ao glicogênio. Essa enzima reti-
ra os grupos fosforilas dos resíduos de Ser da glicogênio sintase que foram adiciona-
dos pela GSK3. Para que isso aconteça, uma molécula de glicose-6-fosfato se liga à
glicogênio sintase b, tornando a enzima um substrato para a PP1, que promove a des-
fosforilação no fígado. No músculo, porém, outra fosfatase age no lugar da PP1, oca-
sionando a ativação da glicogênio sintase, como mostra a figura a seguir.
Bioquímica 140

Controle da glicogênio sintase realizado por fosforilação


Insulina Receptor
de insulina

Membrana
plasmática
PI-3K PIP3 PIP2

P PDK-1
OH
IRS-I IRS-I
PKB
Ativa

P
GSK3
GSK3

Inativa
OHOH
P
P OH
Glicogênio P Glicogênio
sintase b sintase a

Inativa Ativa

© FabriCO
PP1
3P1

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 624. (Adaptado).

Com a glicogênio sintase ativada, o processo de síntese de glicogênio continua e


a glicose que entra na célula pode ser armazenada na forma de polissacarídeo.

5.4.2 Regulação da glicogênio fosforilase


Assim como a glicogênio sintase, a glicogênio fosforilase também é controlada pelo
processo de fosforilação/desfosforilação. Quando o músculo está em repouso, ocorre
predomínio da glicogênio fosforilase b. Com a estimulação da adrenalina (no músculo)
ou do glucagon (no fígado), desencadeia-se uma cascata de reações que culminam com
a fosforilação da enzima, convertendo-a em glicogênio fosforilase a, que é ativa.
Essa cascata de reações desencadeadas por hormônios promove uma amplifica-
ção de sinal, aumentando a quantidade de AMP cíclico (AMPc), que, por sua vez, ativa
a proteína quinase A. Com isso, a quantidade de fosforilase b quinase ativada aumenta,
crescendo também a quantidade de glicogênio fosforilase a. No fígado, há um conse-
quente aumento da liberação de glicose proveniente do glicogênio, contribuindo para
a manutenção da glicemia.
Bioquímica 141

No músculo, esse processo garante a manutenção de combustível para a glicóli-


se, mantendo os níveis de ATP na célula. Nesse caso, existem dois mecanismos de con-
trole. O primeiro tem relação com o Ca+2 liberado no mecanismo excitação-contração,
no qual a fosforilase b quinase é ativada por possuir um sítio calmodulina, culminando
com a ativação da glicogênio fosforilase.
O segundo processo ocorre tanto no músculo quanto no fígado. Observa-se que
a quebra de ATP libera grande quantidade de AMP, que se liga à glicogênio fosforilase
e promove sua ativação, aumentando a liberação de glicose-1-fosfato. Com o aumento
da glicólise após a ação da fosfoglicomutase, que converte glicose-1-fosfato em glico-
se-6-fosfato, a quantidade de ATP aumenta no miócito (célula muscular) e isso blo-
queia o sítio de ligação do AMP na enzima glicogênio fosforilase, inativando a enzima.
Ao retornar para o repouso, a enzima fosforilase α fosfatase do músculo desfosforila a
glicogênio fosforilase a, inativando-a.

5.4.3 Regulação recíproca da síntese e degradação do glicogênio


O processo de regulação da glicogênese e da glicogenólise é complexo e regulado
pelos hormônios insulina, glucagon e adrenalina.
Na situação de estado alimentado, a glicemia aumenta, ativando a liberação de in-
sulina, que, por sua vez, ativa o receptor tirosina quinase, estimulando a síntese da glico-
gênio sintase e também dispara uma cascata de reações que inibe a GSK3. Essa enzima
é inibida por fosforilação a partir da ativação da proteína quinase B (PKB), o que man-
tém a glicogênio sintase na forma a, ou seja, desfosforilada. Essa forma da glicogênio
sintase é ativa e, portanto, tanto no músculo quanto no fígado, a glicose que entrar na
célula pode ser encaminhada para a síntese de glicogênio.
No estado de jejum, a glicemia diminui, o que ativa a liberação de glucagon. No
estado de estresse, a adrenalina é liberada. Esses dois hormônios agem no fígado, ati-
vando a produção de AMPc e, por consequência, ativando também a proteína quinase
A e a fosforilase b quinase. Essa última fosforila a glicogênio fosforilase, ativando-a, e
isso ocasiona um aumento na quebra do glicogênio, que em última instância aumenta
a glicemia do indivíduo.

5.4.4 Doenças relacionadas ao metabolismo do glicogênio


Alterações em qualquer uma das enzimas relacionadas ao metabolismo do glico-
gênio geram doenças chamadas de glicogenoses. Dependendo da enzima deficiente,
pode levar à hipoglicemia grave e até mesmo ao óbito do paciente. A seguir serão des-
critas as principais glicogenoses.
Bioquímica 142

A glicogenose tipo I, também chamada de Doença de von Gierke, é ocasiona-


da pela deficiência na glicose-6-fosfatase. Nesse caso, a liberação de glicose pelo fí-
gado e pelos rins está prejudicada, ocasionando o aumento do armazenamento desse
monossacarídeo na forma de glicogênio nos dois órgãos citados. Além disso, como a
glicose não consegue ser liberada, o paciente fica hipoglicêmico. A pouca glicose que
chega forma lactato, ocasionando acidose lática. E como os músculos e o fígado utili-
zam ácidos graxos para a produção de ATP, aumenta o deslocamento de lipídeos para
o sangue, ocasionando hiperlipidemia. Por outro lado, como o fígado utiliza muitos
ácidos graxos, forma grande quantidade de acetil-CoA, que é desviado para a cetogê-
nese, aumentando a quantidade de corpos cetônicos no plasma sanguíneo.
Todas essas alterações metabólicas provocam aumento do tamanho do fígado,
ou hepatomegalia, e hipoglicemia frequente entre as refeições, o que pode ocasionar
convulsões.
Na glicogenose tipo II, chamada de Doença de Pompe, a deficiência enzimática
ocorre na enzima α(1→4) a α(1→6) glicosidase lisossomal. Por isso, há acúmulo de gli-
cogênio nos lisossomos, em especial do coração. Isso provoca insuficiência cardíaca e,
por consequência, óbito do paciente.
A glicogenose tipo III apresenta três nomes: pode ser chamada de dextrinose li-
mite, Doença de Forbes ou Doença de Cori. Essa glicogenose é resultado da ausência
da enzima de desramificação, transglicosilase. Isso leva ao acúmulo de glicogênio ca-
racterístico, apresentando ramificações curtas e ocasionando hepatomegalia. Devido
à deficiência enzimática, apenas as ramificações mais externas da cadeia do glicogênio
podem ser usadas como fonte de glicose.
A glicogenose tipo IV, chamada de amilopectinose ou Doença de Andersen, é
causada pela ausência da enzima de ramificação (glicosil-(4→6)-transferase), provocan-
do a presença de um polissacarídeo com poucos pontos de ramificação, o que ocasiona
insuficiência cardíaca ou hepática, levando a pessoa ao óbito nos primeiros anos de vida.
Na glicogenose tipo V, chamada de Doença de McArdle ou deficiência da mio-
fosforilase, o músculo apresenta grande quantidade de glicogênio. Por outro lado, a
glicogênio fosforilase está deficiente e não consegue mobilizar o glicogênio para pro-
duzir ATP no músculo, provocando uma tolerância diminuída ao exercício e possibilida-
des de cãibras.
A glicogenose tipo VI, também chamada de Doença de Hers ocorre quando há
deficiência na glicogênio fosforilase hepática, o que ocasiona tendência à hipoglicemia
e quantidade aumentada de glicogênio no fígado.
Bioquímica 143

A glicogenose tipo VII, também chamada Doença de Tarui, é caracterizada pela


deficiência da fosfofrutoquinase do músculo e do eritrócito. Nesse caso, o indivíduo
apresenta intolerância ao exercício e anemia hemolítica.
A glicogenose tipo VIII apresenta deficiência da glicogênio fosforilase quinase,
ocasionando hipoglicemia.
Portanto, podemos perceber que a deficiência de apenas uma enzima pode ocasio-
nar mudanças significativas no metabolismo do glicogênio do paciente. Essa alteração
no metabolismo pode, em alguns casos, debilitar gravemente o paciente, levando-o a
uma qualidade de vida ruim ou mesmo ao óbito, como é o caso da Doença de Pompe.
Com esse capítulo, pode-se perceber que o metabolismo do glicogênio e a forma-
ção da glicose a partir de outros compostos são fundamentais para a manutenção da
glicemia, assim, o aporte contínuo de glicose para as células é extremamente impor-
tante para a saúde do ser humano.
Bioquímica 144

Referências
BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2004.
CAMPBELL, M. K; FARRELL, S. O. Bioquímica Combo. 5. ed. São Paulo: Thomson
Cengage Learning, 2007.
DEVLIN, T. M. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7. ed. São Paulo:
Blucher, 2011.
HALL, J. E. Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011.
HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica Ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed,
2012.
HENEINE, I. F. Biofísica Básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010.
KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2014.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2010.
VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível
molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
6 Lipídeos e lipoproteínas
Os lipídeos são biomoléculas que possuem importantes funções nos organismos vi-
vos. Podem atuar como moléculas de reserva de energia, elementos estruturais das
membranas biológicas, hormônios, vitaminas, agentes emulsificantes, mensageiros intra-
celulares e isolantes térmicos. São caracterizados quimicamente por sua baixa solubilidade
em água e alta solubilidade em solventes orgânicos, como álcool, éter e acetona.
Como essa propriedade química dos lipídeos é importante no ambiente celular? A di-
ficuldade de solubilização em água é relevante, pois gera uma barreira biológica de separa-
ção entre o meio externo das células, essencialmente aquoso, e o interno, também aquoso,
conhecido como membrana celular.
Existem diferentes formas de classificação dos lipídeos, sendo que a mais utilizada os
diferencia em relação a sua função biológica. Os lipídeos que possuem função estrutural,
como os fosfolipídeos constituintes das membranas biológicas, são denominados lipídeos
estruturais ou funcionais e aqueles utilizados como reservas energéticas, como os triglice-
rídeos, são chamados lipídeos de armazenamento.
Também podemos classificar os lipídeos de acordo com a presença ou não de ácidos
graxos na estrutura lipídica: aqueles que possuem ácido graxo são chamados saponificá-
veis por reagirem com bases fortes em meio alcoólico, formando sabão, e aqueles que não
possuem ácido graxo são conhecidos como não saponificáveis.
Neste capítulo, veremos as características e as propriedades de cada classe de lipí-
deos e falaremos sobre as lipoproteínas, estruturas especializadas no transporte de lipí-
deos pelo sangue. No próximo tópico, vamos abordar os lipídeos de armazenamento.

6.1 Lipídeos de armazenamento


Os lipídeos de armazenamento são caracterizados por atuarem como molécu-
las de reserva em determinados organismos. Eles possuem duas características que os
tornam moléculas extremamente vantajosas para serem utilizadas como reserva de
energia. A primeira é a sua hidrofobicidade, pois, quando a célula armazena lipídeo em
seu interior, essa molécula não carrega água de solvatação, como aconteceria se fosse
uma molécula solúvel em água. Dessa forma, as células que armazenam lipídeos não
carregam um peso extra da água de hidratação. A segunda característica dos lipídeos
está relacionada a sua grande capacidade de gerar energia quando degradados. Cada
grama de lipídeo metabolizado gera 9 kcal de energia, ao contrário dos carboidratos,
que geram 4 kcal durante sua degradação.
Bioquímica 146

Nos mamíferos, a principal molécula com essa função é chamada de triacilglicerol,


que é constituído por uma molécula de glicerol ligada a três ácidos graxos. Veremos a se-
guir as principais características dessas estruturas.

6.1.1 Ácidos graxos


Os ácidos graxos são ácidos carboxílicos que contêm no mínimo 4 e no máximo
36 carbonos. A carboxila presente nessas estruturas possui característica hidrossolúvel,
ou seja, é hidrofílica, e a cadeia carbônica é hidrofóbica.
Existe uma convenção para nomear os ácidos graxos. Primeiramente, você deve
contar o número de átomos de carbonos presentes na cadeia carbônica e depois localizar
quais carbonos possuem duplas ligações. Caso o ácido graxo não possua duplas ligações,
sua nomenclatura é representada pelo número de carbonos seguido pelo número zero.
Por exemplo, um ácido graxo com 16 carbonos e sem dupla ligação seria representado
como 16:0. Já os ácidos graxos com duplas ligações são representados de maneira dife-
rente: número de carbonos seguido pelo número de duplas ligações e sua posição.
Veja dois exemplos na figura a seguir. O ácido graxo representado pela letra a
está indicado da seguinte forma: 18:1 (Δ9). Isso significa que ele possui 18 carbonos e
uma dupla ligação que está posicionada entre os carbonos 9 e 10. A figura b represen-
ta um ácido graxo 20:5 (Δ 5,8,11,14,17 ), ou seja, ácido graxo com 20 carbonos e cinco du-
plas ligações com as suas devidas localizações. Não esqueça que o carbono número 1 é
sempre o carbono da carboxila.

Nomenclatura de ácidos graxos


O α 4
1
C 2
– 3 9 10 18
O
(a)18:1 (∆9) ácido cis-9-octadecenoico

O 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
1
C

O
© FabriCO

(b) 20:5 (∆5,8,11,14,17) ácido eicosapentaenoico (EPA),

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 357. (Adaptado).

A seguir veremos de que maneira os ácidos graxos podem ser classificados e qual
é seu papel estrutural na formação dos triacilgliceróis.
Bioquímica 147

6.1.2 Classificação dos ácidos graxos


Os ácidos graxos podem ser classificados de diferentes formas: quanto ao tipo
de ligação entre os átomos de carbono, com relação ao tamanho da cadeia e também
de acordo com sua necessidade na dieta. Ácidos graxos que contêm apenas ligações
simples entre seus carbonos são denominados ácidos graxos saturados, ao passo
que, se existir pelo menos uma ligação dupla, são denominados ácidos graxos insa-
turados. Caso existam duas ou mais insaturações, o ácido graxo é classificado como
poli-insaturado.
Outro dado importante, além da presença de duplas ligações, é sua configuração:
cis ou trans. Essa configuração está relacionada à posição espacial dos átomos de hi-
drogênio ao redor da dupla ligação: se estão do mesmo lado na estrutura espacial, a
dupla ligação é do tipo cis; caso estejam em lados opostos, a dupla ligação possui con-
figuração trans. A maior parte dos ácidos graxos naturais é do tipo cis. A figura a seguir
mostra dois exemplos de ácidos graxos: o oleico, com configuração cis, e o elaídico,
com configuração trans. Perceba que as duplas ligações em ambos os ácidos graxos
estão entre os carbonos 9 e 10.

Configurações cis e trans


18
CH3 CH3

Forma trans
(ácido elaídico)

120°
10 H 10 H
C C
Forma Cis
(ácido oleico)
C C
9 H H 9

110°
© FabriCO

1
COO- COO-

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 143. (Adaptado).


Bioquímica 148

Gorduras trans são ácidos graxos insaturados que possuem dupla ligação com configura-
ção trans. Eles são produzidos geralmente pela indústria e o consumo acima do recomenda-
do provoca aumento dos níveis da lipoproteína LDL, importante fator de risco para doenças
cardiovasculares.

A presença da dupla ligação é essencial para determinar as propriedades físicas e


químicas dos ácidos graxos. Os insaturados apresentam uma torção na cadeia carbônica,
decorrente do ângulo de ligação da dupla, o que gera uma redução no valor dos pontos de
fusão dos ácidos graxos. Sendo assim, os ácidos insaturados geralmente são líquidos em
temperatura ambiente (25ºC). Nos ácidos graxos saturados, a ausência da dupla aumenta
o grau de interação entre as cadeias vizinhas, fazendo com que o ponto de fusão dessas
estruturas seja mais alto. Portanto, a 25ºC, essas moléculas estão no estado sólido. A ilus-
tração a seguir mostra o impacto da presença da dupla ligação sobre a estrutura do ácido
graxo. Perceba na figura b que a dupla ligação provoca o dobramento do ácido graxo.

Estrutura de ácidos graxos


(a) Grupo O O (b) O O
carboxil
C C

Cadeia
hidrocarbonada
© FabriCO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 359. (Adaptado).

Os ácidos graxos também podem ser classificados pelo tamanho de suas cadeias.
Há os de cadeia curta, com quatro a seis carbonos, os de cadeia média, (entre sete
e doze carbonos), os de cadeia longa (entre treze e dezoito carbonos) e os de cadeia
muito longa (possuem mais de dezoito carbonos).
A terceira forma de classificar um ácido graxo diz respeito a sua necessidade na
dieta. Nesse caso, temos os essenciais e os não essenciais. Os essenciais são aqueles
que o nosso organismo não consegue produzir, por isso precisamos obtê-los por meio
da dieta. Os ácidos linoleico e linolênico, conhecidos também como ômegas 6 e 3, res-
pectivamente, são importantes exemplos de ácidos graxos essenciais. Já os não essen-
ciais podem ser produzidos e não têm a dieta como única fonte de obtenção.
Bioquímica 149

6.1.3 Triacilgliceróis
Os triacilgliceróis são formados a partir da reação das hidroxilas de uma molécu-
la de glicerol com três ácidos graxos. A ligação dos ácidos graxos à molécula de glicerol
ocorre por meio de reações de esterificação com consequente formação de ligações
éster. Portanto, as moléculas de triacilgliceróis são essencialmente apolares e hidrofó-
bicas, com baixa solubilidade em água.
Estes triacilgliceróis, na maioria das vezes, são mistos, ou seja, formados por áci-
dos graxos diferentes. A nomenclatura dessas moléculas é realizada colocando o nome
do ácido graxo e sua posição na molécula de glicerol. Por exemplo: 1-palmitoleil-2-lino-
leoil-3-estearoilglicerol, pois esse triacilglicerol contém um resíduo do ácido graxo pal-
mitoleico na posição 1, do resíduo do ácido linoleico na posição 2 e do resíduo do ácido
esteárico na posição 3. Perceba que a terminação eico ou ico é substituída por oil quan-
do o ácido graxo é incorporado ao glicerol. A figura a seguir ilustra essa estrutura.

Estrutura dos triacilgliceróis


3
1
CH2 CH CH2
1
CH2 OH O O O

2 C1 O C1 O C1 O
CH OH
CH2 CH2 CH2
3
CH2 OH CH2 CH2 CH2

CH2 CH2 CH2


Glicerol
CH2 CH2 CH2

CH2 CH2 CH2

CH2 CH2 CH2

O CH2 CH2 CH2

CH CH CH2
1
CH2 O C R1 9 9

CH2
O CH CH2

CH2 CH CH2
2
CH O C R2
CH2 CH CH2
O 12

CH2 CH2 CH2


3
CH2 O C R3 CH2 CH2 CH2

CH2 CH2 CH2


Triacilglicerol
16CH3 CH2 CH2

18CH3 18CH3

CH2 CH2
© FabriCO

1-palmitoleil-2-linoleoil-
-3-estearoilglicerol

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 244. (Adaptado).


Bioquímica 150

A função principal dessas moléculas nos animais é atuar como reserva de energia.
Elas são armazenadas em grandes quantidades em células chamadas adipócitos, que
estão distribuídas em diversas regiões do corpo. Também podem atuar como isolantes
térmicos e proteger os organismos contra impactos.

6.2 Lipídeos estruturais e funcionais


Como vimos anteriormente, os lipídeos possuem outras funções além da reserva de
energia, pois essas moléculas estão presentes como importantes constituintes de estru-
turas celulares e também podem ser utilizados como precursores de outras moléculas.
Os lipídeos são as estruturas fundamentais formadoras das membranas biológicas.
Estas, são formadas por uma dupla camada de lipídeos que possuem a capacidade de in-
teragir com o ambiente hidrofílico da célula. Essa característica dos lipídeos de membra-
na, conhecida como anfipática, foi essencial para o desenvolvimento dos seres vivos. A
seguir veremos com mais detalhes os lipídeos estruturais e funcionais.

6.2.1 Fosfolipídeos
Fosfolipídeos são lipídeos constituintes das membranas biológicas que apresentam
um grupamento fosfato em sua estrutura. Existem dois tipos de fosfolipídeos: aqueles
formados por glicerol (glicerofosfolipídeos) e os formados por esfingosina (esfingoli-
pídeos). Nos glicerofosfolipídeos, o grupamento fosfato está ligado a uma molécula de
álcool e a uma molécula de glicerol dissubstituída com ácidos graxos. Esse grupamento
fosfato, mais o álcool, confere a essa região da estrutura uma alta polaridade.
Os esfingolipídeos apresentam uma molécula de esfingosina ligada a uma molécula
de ácido graxo e a um grupamento polar. As esfingomielinas são importantes represen-
tantes dessa classe, sendo utilizadas como formadores das células que formam as ba-
inhas de mielina dos axônios.
Bioquímica 151

Estrutura de fosfolipídeos
Fosfolipídeos

Glicerofosfolipídeos Esfingolipídeos

Ácido graxo

Esfingosina
Glicerol

Ácido graxo Ácido graxo

© FabriCO
PO4 Álcool PO4 Colina

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 363. (Adaptado).

Portanto, os fosfolipídeos apresentam uma parte da molécula com característica


apolar e outra porção, representada pelo grupamento fosfato, com característica po-
lar. Essa dupla característica dos fosfolipídeos, chamada de anfipática, é fundamental
em uma molécula que participa da formação das membranas celulares. A parte polar
fica para os lados externo e interno da célula, diretamente em contato com os meios
extra e intracelular, essencialmente aquosos. A porção apolar, por sua vez, fica no lado
interno da bicamada lipídica, sem contato com o meio aquoso.
Veja na figura a seguir a representação esquemática de um fosfolipídeo e da
membrana lipídica. Perceba que a cabeça hidrofílica do fosfolipídeo, tanto do lado ex-
terno, quanto do lado interno da membrana, permite que a membrana fique em conta-
to com água.
Bioquímica 152

Representação do fosfolipídeo e da membrana lipídica


Ômega-3 Fosfolipídeo

Cabeça
hidrofílica Bicamada lipídica
Fosfolipídeo
Membrana celular

Caudas
hidrofóbicas
Célula Proteína

A B

© FabriCO
Fonte: © CLUSTERX / / Shutterstock. (Adaptado).

Vimos que os lipídeos de membrana derivados do glicerol ou da esfingosina que


contêm um grupamento fosfato em sua estrutura são denominados fosfolipídeos. A
seguir veremos os lipídeos que contêm açúcar em sua estrutura.

6.2.2 Glicolipídeos
Os glicolipídeos são os lipídeos de membrana que apresentam açúcares em suas
estruturas. Podem ser divididos em galactolipídeos (sulfolipídeos) e glicoesfingolipí-
deos. Os galactolipídeos contêm resíduos de galactose ligados a uma molécula de gli-
cerol substituída por dois ácidos graxos. Caso, em vez de galactose, exista uma glicose
sulfatada, a denominação correta é sulfolipídeo. Os galactolipídeos e os sulfolipídeos
são abundantes nas células vegetais.
Nos glicoesfingolipídeos, a esfingosina está ligada a um ácido graxo e um mo-
nossacarídeo ou oligossacarídeo. Entre os glicoesfingolipídeos existem aqueles que
contêm monossacarídeos em sua estrutura e são chamados de cerebrosídeos e globo-
sídeos. Os esfingolipídeos que possuem oligossacarídeos em sua estrutura se chamam
gangliosídeos. Essas moléculas desempenham importantes funções, como o reconhe-
cimento celular, e estão distribuídas nos tecidos neurais. Na figura a seguir estão re-
presentadas as diferentes estruturas dos glicolipídeos.
Bioquímica 153

Estruturas dos glicolipídeos


Glicolipídeos

Glicoesfingolipídeos Galactolipídeos (sulfolipídeos)

Ácido graxo
Esfingosina

Glicerol
Ácido graxo Ácido graxo

Mono ou Mono ou

© FabriCO
(SO4–)
oligossacarídeo dissacarídeo

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 363. (Adaptado).

Os glicoesfingolipídeos que carregam os oligossacarídeos A e B integram a membrana eritro-


citária e formam os grupos sanguíneos. Assim, quem tem o oligossacarídeo A tem sangue do
tipo A; oligossacarídeo B, sangue tipo B; e oligossacarídeos A e B, sangue tipo AB. O tipo san-
guíneo O se caracteriza por ter um monossacarídeo a menos no oligossacarídeo.

Todos os lipídeos estruturais que estudamos até agora possuem ácidos graxos em
sua estrutura. A seguir veremos uma classe muito especial de lipídeos que não contém
ácidos graxos em sua composição, os esteroides.

6.2.3 Esteroides
Os esteroides são os lipídeos que não apresentam ácidos graxos em suas estrutu-
ras. Estão presentes na maioria dos eucariotos e são derivados de um núcleo comum,
chamado ciclopentanoperhidrofenantreno ou núcleo esteroide. Este é constituído por
quatro anéis conjugados, nomeados A, B, C e D. A estrutura química do núcleo esteroi-
de com a numeração dos átomos de carbono está indicada na figura a seguir.
Bioquímica 154

Núcleo esteroide
18
12 17

11 13 16

1
19
C D
9 15
14
2 8
10
A B
3 7

© FabriCO
5
4 6

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 146. (Adaptado).

Esse núcleo é derivado do isopreno e é um precursor comum de pigmentos, algu-


mas vitaminas lipossolúveis, hormônios e sais biliares, além de ter papel de formador
de membranas celulares. Existem diversos tipos de esteroides, sendo que nos vegetais
o principal é o estigmasterol; nos fungos é o ergosterol; e nas células animais, o coles-
terol. A seguir analisaremos com mais detalhes o colesterol, molécula extremamente
importante para o organismo dos animais.

6.2.4 Colesterol
O colesterol é um esteroide de grande importância para as células animais, pois
está presente na constituição das membranas biológicas, sendo também precursor de
várias moléculas, como os hormônios sexuais, os mineralocorticoides, o cortisol e tam-
bém os sais biliares. Existem duas fontes possíveis para obtenção de colesterol: a endó-
gena e a exógena. Na endógena, o colesterol é obtido por uma via metabólica específica
de síntese e tem como precursor o mevalonato; na via exógena, a fonte é a dieta.
Sua estrutura é composta pelo núcleo esteroide formado por quatro anéis fundidos,
aos quais estão ligados uma cadeia lateral alquila apolar, no carbono 17, e um grupo ca-
beça polar, no carbono 3. Esse grupo cabeça, representado por uma hidroxila, possui um
caráter polar, que confere à molécula a capacidade de interagir com a água. Entretanto,
o restante da molécula é essencialmente hidrofóbico. Sendo assim, o colesterol é anfipá-
tico, ou seja, consegue interagir com a água e com compostos hidrofóbicos. Na figura a
seguir, é possível observar a estrutura do colesterol.
Bioquímica 155

Estrutura do colesterol
Cadeia lateral alquila
H 22 24 26
21
20 23 25
12 18 H
17 27
11
C 13 16

1 19 H 14 D
9 15
2
10 8
A H H
3 5 B 7 Núcleo esteroide
HO

© FabriCO
Grupo-cabeça 4 6
polar

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 368. (Adaptado).

A presença da molécula de colesterol nas membranas celulares oferece mais resis-


tência ao tecido devido à rigidez estrutural conferida pela presença dos anéis benzêni-
cos no núcleo esteroide. O colesterol também é fundamental como precursor da síntese
dos hormônios lipofílicos, como os sexuais (estrogênio, progesterona e testosterona), e
também o cortisol e a aldosterona. Além disso, essa molécula é importante no processo
digestório das gorduras da dieta, pois atua como precursor para a síntese de ácidos bilia-
res. Os esteroides derivados do colesterol estão ilustrados na figura a seguir.

Esteroides derivados do colesterol


O OH
OH
OH
HO
H H

H H H H
O O
Testosterona Cortisol

OH O OH
O
HO
H
H
H H H
H
HO
© FabriCO

O
β-Estradiol Aldosterona

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 372. (Adaptado).


Bioquímica 156

O colesterol pode ser encontrado no organismo de duas formas: como colesterol


livre, com sua hidroxila livre, e como éster de colesteril. Na forma de éster, a hidroxi-
la do carbono 3 sofre uma reação de esterificação com um ácido graxo, catalisada pela
ação de duas enzimas: a lecitina colesterol acil transferase (LCAT), presente no plasma,
ou da acil-CoA colesterol acil transferase (ACAT), presente no interior das células. A
principal diferença entre essas duas formas é a solubilidade, pois o éster de colesteril é
muito mais lipossolúvel que o colesterol livre, que apresenta uma hidroxila polar.

6.3 Lipoproteínas
Vimos que existem diversos lipídeos nos organismos, que podem ser classificados
de acordo com sua função. O que os caracteriza quimicamente é sua baixa solubilidade
em água. Agora aprenderemos de que maneira ocorre o transporte dessas moléculas
pelo organismo, tendo em vista que o sangue é um ambiente essencialmente aquoso e
os lipídeos não são solúveis nesse meio.
Para o transporte dos lipídeos existem estruturas específicas chamadas de lipo-
proteínas, que são formadas por lipídeos e por proteínas que apresentam solubilidade
em água. A seguir veremos com mais detalhes a estrutura das lipoproteínas.

6.3.1 Estrutura de lipoproteínas


As lipoproteínas são constituídas de um núcleo hidrofóbico, contendo basicamen-
te moléculas de triacilglicerol e ésteres de colesteril de baixa solubilidade em água, que,
portanto, não ficam em contato direto com o ambiente externo aquoso do plasma san-
guíneo. Na porção externa dessas estruturas existem fosfolípideos, colesterol livre e
apoproteínas. A ilustração a seguir mostra a estrutura básica de uma lipoproteína.

Estrutura de lipoproteínas
Apoproteína B-100

Fosfolipídeo
Ester de colesteril

Colesterol não esterificado

Triglicerídeo
© FabriCO

Fonte: © ellepigrafica / / Shutterstock. (Adaptado).


Bioquímica 157

Existem várias classes de lipoproteínas e, apesar de todas elas apresentarem uma


estrutura comum, as apoproteínas e a quantidade e variedade de lipídeos transporta-
dos por elas podem diferir significativamente. Além disso, cada lipoproteína é sinteti-
zada em um local específico.
A quantidade de lipídeos presente em uma lipoproteína, em relação ao seu teor
de apoproteínas, é fundamental para a determinação da sua densidade final. Quanto
maior o teor de lipídeos, menor será a densidade dessa lipoproteína. Assim, as lipo-
proteínas foram classificadas de acordo com sua densidade, a saber: a de densidade
muito baixa (VLDL – Very Low Density Lipoprotein), a de densidade intermediária (IDL –
Intermediary Density Lipoprotein), a de densidade baixa (LDL – Low Density Lipoprotein),
a de densidade alta (HDL – High Density Lipoprotein) e o quilomícron, a de mais baixa
densidade. Na tabela a seguir você poderá conferir o conteúdo lipídico e as diferentes
apoproteínas presentes nas lipoproteínas.

Composição das lipoproteínas plasmáticas


Quilomícrons VLDL IDL LDL HDL
Densidade (g · cm – ³) < 0,95 < 1,006 1,006–1,019 1,019–1,063 1,063–1,210
Diâmetro da
750–12.000 300–800 250–350 180–250 50–120
partícula (A)
10.000–
Massa da partícula (kDa) 400.00 5.000–10.000 2.300 175–360
80.000
% Proteínaa 1,5–2,5 5–10 15–20 20–25 40–55
% Fosfolipídeos a
7–9 15–20 22 15–20 20–35
% Colesterol livrea 1–3 5–10 8 7–10 3–4
% Triacilgliceróisb 84–89 50–65 22 7–10 3–5
% Ésteres de colesterilb 3–5 10–15 30 35–40 12
A–I, A–II, A–I, A–II,
B–100, C–I, B–100, C–I,
Principais apolipoproteínas B–48, C–I, B–100 C–I, C–II,
C–II, C–III, E C–II, C–III, E
C–II, C–III, E C–III, D, E
a. Componentes da superfície
b. Lipídeos do núcleo

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 660. (Adaptado).


Bioquímica 158

Portanto, as lipoproteínas são estruturas formadas por lipídeos e apoproteínas


que possuem como função o transporte de lipídeos pela circulação sanguínea. A seguir
veremos quais são os tipos e funções das apoproteínas.

6.3.2 Apoproteínas
As apoproteínas ou apolipoproteínas são estruturas proteicas, presentes nas li-
poproteínas, que possuem importantes funções biológicas. Elas são responsáveis pela
solubilização dos lipídeos no plasma, pois são essencialmente hidrossolúveis. Também
respondem pela ativação ou inibição de algumas enzimas importantes para o metabo-
lismo das lipoproteínas. As lipases lipoproteicas são ativadas pela apoproteína C-II e
inibidas pela apoC-III; a lecitina colesterol acil-transferase (LCAT) é ativada por apoA-I
e inibida por A-II.
Além disso, essas apolipoproteínas também são fontes de reconhecimento celu-
lar. Por exemplo, a apoproteína B-100 é o sítio de reconhecimento pelos hepatócitos
e células do tecido periférico para que a lipoproteína LDL possa ser retirada da circula-
ção por endocitose.
Agora que já vimos a estrutura das lipoproteínas, estudaremos a seguir a função
de cada uma delas no transporte e no metabolismo de lipídeos no organismo.

6.4 Metabolismo de lipoproteínas


As lipoproteínas são estruturas que possuem a função de transportar lipídeos na
circulação sanguínea. Esses lipídeos podem ser divididos em duas classes: os endó-
genos, produzidos e armazenados em nosso corpo; e os exógenos, oriundos da dieta.
Portanto, para o entendimento do metabolismo das proteínas é fundamental o conhe-
cimento do tipo, da origem e do destino do lipídeo transportado.
O nosso estudo do metabolismo das lipoproteínas se iniciará com o quilomícron,
a lipoproteína que realiza o transporte dos triacilgliceróis oriundos da dieta.
Bioquímica 159

6.4.1 Digestão de lipídeos e formação de quilomícron


Podemos utilizar lipídeos oriundos de diferentes fontes: aqueles obtidos por meio
da dieta, os produzidos em nosso organismo e também os armazenados nos adipócitos.
Quando ingerimos lipídeos, eles precisam ser digeridos em moléculas menores para se-
rem absorvidos. Os sais biliares, produzidos pelo fígado a partir do colesterol, são es-
senciais para emulsificar essas gorduras e permitir que as lipases intestinais consigam
romper as ligações éster presentes nos triacilgliceróis ingeridos na dieta. Pela ação das
lipases pancreáticas, ocorre a formação de ácidos graxos livres e outros derivados, como
os monoacilgliceróis e diacilgliceróis. Na forma de ácidos graxos livres, essas moléculas
conseguem atravessar as microvilosidades intestinais e serem absorvidas.
No interior das células intestinais, esses ácidos graxos serão utilizados para for-
mar triacilglicerol no retículo endoplasmático liso. Já no retículo endoplasmático rugoso
é feita a síntese das apoproteínas B-48, CII e demais, que posteriormente serão utiliza-
das, juntamente com os triacilgliceróis, o colesterol livre, o éster de colesteril e os fosfo-
lipídeos, para formar os quilomícrons. Do retículo endoplasmático, os triglicerídeos e as
apoproteínas vão para o complexo de Golgi, onde são unidos para formar o quilomícron.
Depois disso, o quilomícron vai para uma vesícula de secreção, de onde posteriormente
sofrerá exocitose para ser liberado para o sangue. Destaca-se que os quilomícrons são li-
poproteínas essencialmente formadas por triacilgliceróis, pois aproximadamente 85% do
seu peso é desses lipídeos. Esse predomínio de triacilgliceróis também confere a essa li-
poproteína a menor densidade entre todas.
Os quilomícrons serão liberados na circulação linfática e posteriormente chegarão
à circulação sanguínea, onde alcançarão as células. Nos vasos sanguíneos, a aproproteí-
na CII ativa a lipase lipoprotéica e faz a quebra das ligações éster dos triacilgliceróis, ge-
rando ácidos graxos livres que poderão atravessar as membranas biológicas e entrar nas
células. Esses ácidos graxos podem ser utilizados para a geração de energia ou podem
ser novamente reesterificados, formar triacilgliceróis e ser armazenados no tecido adi-
poso. Confira na figura a seguir como é a formação dos quilomícrons.
Bioquímica 160

Formação dos quilomícrons


Sais biliares
provenientes
do fígado Os sais biliares provenientes do
1 1
fígado cobrem as gotas de gordura
Grandes glóbulos
de gordura
provenientes A lipase e a colipase pancreáticas que-
do estômago 2 bram gorduras em monoglicerídeos e
Emulsão ácidos graxos estocados em micelas.

Reciclagem de
Lúmen do Lipase e Monoacilgliceróis e ácidos graxos
2 sais biliares
intestino delgado colipase 3a movem-se para fora das micelas
Micelas e entram nas células por difusão.

3b O colesterol é transportado para dentro


3a 3b das células por um transportador de
membrana.

Os lipídeos absorvidos combinam-se


RE 4 com o colesterol e proteínas nas células
liso intestinais para formar os quilomícrons.
4 Triacilgliceróis + colesterol + proteínas
Célula do Os quilomícrons são liberados dentro
Quilomícron 5
intestino do sistema linfático.
delgado Aparelho
de Golgi

5
Líquido
interstical
Capilar Lactífero

Linfa
para a
veia
© FabriCO

cava

Fonte: SILVERTHORN, 2010 p. 707. (Adaptado).

À medida que ocorre a liberação dos triacilgliceróis, os quilomícrons reduzirão de


tamanho e serão convertidos em quilomícrons remanescentes. Estes, por sua vez, serão
retirados da circulação pelo fígado mediante o reconhecimento de suas apoproteínas.
No fígado, caso esses ácidos graxos não sejam utilizados como fonte geradora de
energia ou como precursores para outras moléculas, poderão, juntamente com outros
lipídeos e apoproteínas formados pelo fígado, formar a lipoproteína VLDL.
Bioquímica 161

6.4.2 Formação do VLDL


A lipoproteína de muito baixa densidade (ou VLDL) é sintetizada no interior dos
hepatócitos a partir de triacilgliceróis oriundos da dieta que não são utilizados para
a geração de energia. Triacilgliceróis produzidos pelo próprio fígado também são in-
corporados na VLDL. Além disso, contém colesterol sintetizado no fígado, ésteres
de colesteril, fosfolipídeos e apoproteínas. As apoproteínas presentes na VLDL são a
apoB-100, apoC-I, apoC-II, apoC-III e apoE. Além disso, quando a dieta é rica em car-
boidratos não utilizados, ocorre a conversão metabólica dessas moléculas em triacil-
gliceróis no fígado e eles serão transportados até os adipócitos pela VLDL. A figura a
seguir mostra como se forma a VLDL. Perceba que a VLDL é produzida no interior do
retículo endoplasmático liso (REL) e liberada na forma de vesículas a partir do comple-
xo de Golgi (G) para fora do hepatócito, atingindo o lúmen do vaso sanguíneo.

Formação da VLDL

RER

N
REL

Canalículo
G biliar

VLDL
Janela

ET
Célula
endotelial
© FabriCO

E
Lúmen do sinusoide sanguíneo

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 240. (Adaptado).


Bioquímica 162

Portanto, a função da VLDL é carrear principalmente os triacilgliceróis do fígado


até o tecido adiposo e o músculo. À medida que ela é transportada pela circulação, a
apoC-II ativa as lipases lipoprotéicas presentes no endotélio vascular. Essa enzima que-
bra as ligações éster dos triacilgliceróis, liberando ácidos graxos livres que conseguem
atravessar as membranas biológicas de células musculares e adiposas.
Conforme a VLDL libera as moléculas de triacilgliceróis para os tecidos, ela se
converte em uma estrutura diferente da produzida pelo fígado e passa a ser chamada
de IDL. Esta, também continua levando triacilgliceróis para os tecidos, até que passa a
ser chamada de lipoproteína de baixa densidade ou LDL. Dessa forma, a produção de
IDL e LDL ocorre na circulação sanguínea e terá como fonte precursora a VLDL.

6.4.3 LDL e HDL


A lipoproteína de baixa densidade ou LDL é uma estrutura rica em colesterol livre
e ésteres de colesteril exportados pelo fígado. Sua função principal é levar colesterol
para as células dos tecidos periféricos. A figura a seguir ilustra a lipoproteína LDL.

Lipoproteína LDL
Éster de
Apolipoproteína
colesteril
B-100
Fosfolipídeo

Colesterol não
esterificado
© FabriCO

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 661. (Adaptado).


Bioquímica 163

Você deve ter percebido que a principal apolipoproteína da LDL é a B-100. Essa apoli-
poproteína possui receptores específicos nas células periféricas e nos hepatócitos. A figura
a seguir demonstra o processo de retirada da LDL da circulação por endocitose.

Endocitose da LDL mediada pelo receptor para apoB-100


Membrana Ésteres de ApoB-100
plasmática colesteril Partícula LDL

O receptor de LDL
2 liga apoB-100 da LDL,
iniciando a endocitose.

3 LDL é internalizado
4 O receptor de LDL é em um endossomo.
segregado em
Golgi
vesículas e reciclado
na superfície.
Lisossomo
1 O receptor de LDL
RE
sintetizado no retículo 5 O endossomo com LDL
endoplasmático rugoso fusiona-se com o lisossomo.
move-se para a Enzimas líticas no lissosomo
membrana plasmática via 6
degradam apoB-100 e ésteres de
sistema de Golgi. colesteril, liberando aminoácidos,
ácidos graxos e colesterol.
Aminoácidos Ácidos Colesterol
graxos
Núcleo Gotículas de
gordura © FabriCO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 868. (Adaptado).

A LDL será retirada da circulação quando a apoB-100 se ligar aos seus receptores
hepáticos ou do tecido periférico e sofrer recaptação por endocitose. Qualquer altera-
ção no receptor para B-100 no hepatócito e/ou alteração da conformação da apoB-100
impactará diretamente na remoção da LDL da circulação sanguínea.

A hipercolesterolemia familiar é uma doença genética caracterizada por uma alteração no


gene do receptor para apoB-100. Indivíduos portadores têm níveis altos de LDL devido à difi-
culdade de remover essa lipoproteína do sangue, o que aumenta o risco de desenvolvimento
de doenças cardiovasculares.
Bioquímica 164

Esse colesterol que retorna ao fígado pela LDL é fundamental para controlar a
síntese endógena de colesterol nesse órgão. O excesso de colesterol intracelular inibe
a enzima reguladora da síntese de colesterol, hidroximetilglutaril (HMG) colesterol re-
dutase e também inibe, em nível de expressão proteica, a síntese de receptores hepá-
ticos de apoB-100.
A lipoproteína de alta densidade (HDL) é responsável pelo transporte reverso do
colesterol, ou seja, é a única lipoproteína que retira o colesterol em excesso nas células
periféricas e leva até o fígado, onde esse lipídeo pode ser utilizado como precursor, por
exemplo, para a síntese de sais biliares.
A HDL é produzida no intestino delgado e no fígado, com um pequeno conteúdo
de colesterol livre e diversas apoproteínas, entre elas apoA-I, apoA-II, apoA-IV, entre
outras. Além disso, as HDL contêm em sua superfície a enzima LCAT, responsável pela
formação dos ésteres de colesteril.
À medida que a HDL transita pelos tecidos periféricos, ela capta o colesterol das
células e também das partículas de quilomícrons e VLDL presentes na circulação san-
guínea. O colesterol livre é convertido em ésteres de colesteril por meio da catálise da
LCAT e esse éster é transportado no interior das HDL.
A retirada dos ésteres de colesteril transportados pela HDL ocorre no momento
em que a lipoproteína interage com receptores presentes no fígado, chamados de SR-
BI. Os lipídeos são transferidos para o interior do hepatócito e a HDL retorna para a
circulação, onde faz a retirada de mais moléculas de colesterol das células e das outras
lipoproteínas. A figura a seguir mostra o transporte de colesterol e triacilgliceróis reali-
zado pelas lipoproteínas plasmáticas.
Bioquímica 165

Transporte de colesterol e triacilgliceróis no sangue

Gordura da dieta Colesterol


Colesterol
endógeno HDL
Fígado da dieta
Ácidos Células extra-hepáticas
biliares LDL

Vesícula
biliar
IDL
Tecido adioso
Grandes gotas VLDL
Estômago Lipase
de lipídeos lipoproteica
Intestino
Remanescentes
delgado
de quilomícrons
ricos em colesterol

Micelas
Triacilglicerol

Células musculares

Vaso
Rota exógena
sanguíneo
Rota endógena
Ácidos graxos Linfa

© FabriCO
Quilomícrons intestinal

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 662. (Adaptado).

O conhecimento sobre o metabolismo das lipoproteínas plasmáticas é fundamen-


tal para o entendimento do metabolismo dos lipídeos em nosso organismo. Os níveis
de algumas das lipoproteínas no sangue são utilizados até para o cálculo do fator de
risco para doenças cardiovasculares. A seguir veremos de que maneira os níveis da li-
poproteína LDL estão relacionados ao desenvolvimento da aterogênese.

6.4.4 Aterogênese
A aterosclerose é a doença caracterizada pela formação da placa ateroscleró-
tica. É definida como uma doença inflamatória crônica, multifatorial, que ocorre em
resposta a uma agressão endotelial, principalmente em artérias de médio e grande ca-
libres (XAVIER, 2013). A formação dessa placa ateroesclerótica ou aterogênese ocorre
após uma lesão no endotélio. Essa lesão estimulará uma resposta inflamatória crônica,
que culminará, após uma série de etapas, na formação da placa.
Bioquímica 166

Os principais fatores de risco para a formação dessa placa são hipertensão arte-
rial, tabagismo e níveis aumentados da lipoproteína LDL. A LDL possui um papel fun-
damental na formação da placa, pois, após a lesão endotelial, essa lipoproteína entra
na camada íntima das artérias, principalmente nas de médio e grande calibres. No in-
terior da camada íntima, ela não consegue retornar à circulação e acaba sofrendo rea-
ções oxidativas mediadas por espécies reativas de oxigênio e gerando uma partícula
chamada de LDLoxidada (LDLox). Essa estrutura oxidada é reconhecida pelo nosso sis-
tema imune como estranha e ocorre o desenvolvimento de uma resposta inflamatória
em reação a sua presença na camada íntima arterial.
Dessa forma, são atraídas células de defesa para a região, como linfócitos e mo-
nócitos. Estes se diferenciam em macrófagos que, por sua vez, fagocitarão as LDLox.
Esses macrófagos que contêm partículas de LDLox em seu interior são denominados
células espumosas.
Além das células de defesa, ocorre a migração e a proliferação das células muscu-
lares lisas da camada média, que formarão uma capa fibrosa ao redor da placa ateros-
clerótica. Portanto, uma placa aterosclerótica é formada por células, restos celulares e
de matriz extracelular e em seu interior existem lipídeos e um núcleo necrótico.
O desenvolvimento dessa placa está demonstrado na figura a seguir:

Formação da placa aterosclerótica


2 Monócitos atraídos Monócito 7 Placas ricas em
para a região das colesterol.
lipoproteínas oxidadas. Lúmen da artéria
Gotículas de éster
Parede da de colesterila
artéria acumulados 6 Apoptose, necrose,
dano tecidual.

Macrófago
Célula Célula espumosa carregada
espumosa
com colesterol

1 3 4 5
Lipoproteínas oxidadas Os monóctios se As células espumosas Colesterol livre acumula-se
© FabriCO

se agregam e aderem à diferenciam em (macrófagos) ingerem em gotículas nas membranas


matriz extracelular. macrofágos. as lipoproteínas.

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 872. (Adaptado).


Bioquímica 167

Dessa forma, o excesso de LDL se deposita na camada íntima das artérias e so-
fre modificações oxidativas que formarão a placa aterosclerótica, que poderá ocasio-
nar a obstrução da passagem de sangue ou provocar o rompimento dessa estrutura,
com extravasamento de seu conteúdo altamente trombogênico para a circulação san-
guínea. Sendo assim, a placa aterosclerótica é a maior causa de infarto agudo do mio-
cárdio e de acidentes vasculares cerebrais.
Neste capítulo, vimos que os lipídeos são biomoléculas com importantes funções
na formação de estruturas e componentes celulares, como os fosfolipídeos, glicolipí-
deos e esteróis. Além disso, os lipídeos são a mais importante reserva de energia dos
animais na forma de triacilgliceróis. Também aprendemos sobre as lipoproteínas, es-
truturas fundamentais para o transporte de lipídeos na circulação sanguínea e impor-
tantes para o entendimento do metabolismo lipídico.
Bioquímica 168

Referências
ALBERTS, B. et al. Fundamentos da Biologia Celular. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
MURRAY, R. K. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: AMGH/
Artmed, 2013.
NELSON, L. D.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica Médica Básica de Marks: uma
abordagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível mole-
cular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
XAVIER, H. T. et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da aterosclero-
se. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Rio de Janeiro, v. 101, n. 4, Suplemento 1, out.
2013. Disponível em: <publicacoes.cardiol.br/consenso/2013/V_Diretriz_Brasileira_de_
Dislipidemias.pdf>. Acesso em: 11/12/2015.
7 Metabolismo de lipídeos e proteínas
Você sabia que os lipídeos e as proteínas são biomoléculas fundamentais para os
seres vivos? Os primeiros possuem funções estruturais e também representam a mais
importante reserva energética dos animais. As proteínas, por sua vez, são moléculas
que apresentam a maior diversidade de funções entre todas as biomoléculas, desde a
função estrutural até a catalítica. Para os seres humanos, elas não possuem a função
de reserva de energia, mas em algumas condições específicas, como o jejum prolonga-
do, por exemplo, podem ser utilizadas para a geração de energia.
Neste capítulo, veremos as principais reações metabólicas relacionadas a essas
biomoléculas. As reações de degradação de lipídeos são fundamentais como fonte
de energia em situações de déficit energético. Já as reações catabólicas das proteínas
acontecem na renovação normal de proteínas celulares e durante o jejum prolonga-
do. Também estudaremos as reações anabólicas dos ácidos graxos, triacilgliceróis e o
mais importante esterol das nossas células: o colesterol.
Estudaremos ainda o destino do grupamento amino, oriundo das reações de oxida-
ção dos aminoácidos, e sua eliminação na forma de ureia. O primeiro tópico deste capí-
tulo abordará uma via metabólica geradora de energia muito importante: a lipólise.

As reações catabólicas são aquelas que envolvem a degradação de moléculas maiores em pro-
dutos menores, com a liberação de energia. O inverso disso é chamado de anabolismo, no qual
moléculas menores são unidas e formam uma estrutura maior. No anabolismo, normalmente
há consumo de energia.

7.1 Lipólise
A lipólise é o processo que envolve a degradação das moléculas de triacilglicerol
com o intuito de gerar energia. Quando quebradas, elas produzem ácidos graxos livres
e glicerol. Os ácidos graxos livres originarão as moléculas de acetil-CoA, que poderão
ser oxidadas no ciclo do ácido cítrico e gerar NADH e FADH2 , que, por meio da fosfori-
lação oxidativa, originarão as moléculas de ATP. Nos países industrializados, em média
40% das necessidades energéticas diárias são supridas pela utilização dos triacilglice-
róis como fonte de energia e em alguns órgãos, como o fígado, pode chegar a 50%
(NELSON; COX, 2014).
A seguir mostraremos de que maneira ocorre a mobilização dos triacilgliceróis
armazenados nos adipócitos, a degradação dessas estruturas e como esse processo é
regulado por sinalização hormonal.
Bioquímica 170

7.1.1 Mobilização dos triacilgliceróis do tecido adiposo


Os triacilgliceróis são armazenados no tecido adiposo em forma de gotículas no
citoplasma das células e sofrem continuamente reações de lipólise (degradação) e
reesterificação, ou seja, síntese (MURRAY et al., 2013). A intensidade e o momento em
que essas reações ocorrem dependem de um complexo sistema de sinalização, que en-
volve hormônios e está diretamente relacionado à dieta e a fatores metabólicos pró-
prios do indivíduo.
Os principais hormônios relacionados com a lipólise são o glucagon, liberado pelo
pâncreas em resposta a uma redução da glicemia, e a adrenalina, liberada do córtex
adrenal em situações de estresse físico ou mental. Ambos desempenham importante
papel como ativador das reações de lipólise. Uma vez liberados, esses hormônios se
ligam em receptores presentes na membrana celular dos adipócitos e iniciam a ativa-
ção de uma cascata de sinalização, que culminará na ativação de uma enzima chama-
da lipase sensível a hormônio, triacilglicerol-lipase. A função dessa enzima é catalisar a
quebra das ligações éster das moléculas de triacilglicerol e formar ácidos graxos livres
(AGL) e glicerol. Essa reação está demonstrada na figura a seguir.

Degradação do
Degradação do triacilglicerol
triacilglicerol
Triacilgliceróis
Glicerol
ác. graxo Triacilglicerol
lipase
glicerol

ác. graxo +

ác. graxo 3 ác. graxos


© FabriCO

Os ácidos graxos livres e o glicerol são liberados na circulação sanguínea. O gli-


cerol será captado da circulação pelas células do fígado e dos rins e será convertido a
gliceraldeído-3-fosfato em uma série de reações, cuja enzima principal é chamada de
glicerol quinase e está presente apenas nos hepatócitos e células renais. Essas reações
estão indicadas na figura a seguir.
Bioquímica 171

ConversãoConversão
do glicerol em intermediários
do glicerol em intermediários

Glicerol

Glicerol-quinase

L-Glicerol-3-fosfato

Glicerol-3-fosfato-desidrogenase

Diidroxicetona fosfato

Triose-fosfato-isomerase

D -Gliceraldeído-3-fosfato
© FabriCO

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 671. (Adaptado).

Na circulação, os ácidos graxos livres se ligam em grande parte à albumina, uma


proteína plasmática, e dessa forma podem ser transportados até as células-alvo. A en-
trada dos ácidos graxos nas células ocorre por meio de um transportador de membra-
na específico. Ao entrar nas células, o ácido graxo poderá sofrer degradação através de
uma via catabólica que ocorre no interior da mitocôndria, chamada de β-oxidação.
Bioquímica 172

7.1.2 β-oxidação dos ácidos graxos


A β-oxidação é uma via metabólica que tem como função básica degradar os
ácidos graxos em acetil-CoA, que posteriormente poderão ser utilizados no ciclo do
ácido cítrico para a geração de ATP. Essa via ocorre na maioria das células eucarióticas,
em especial, nas células do músculo esquelético e nas células do músculo cardíaco. Nos
eritrócitos não há essa via, pois são células que não possuem mitocôndria.
A β-oxidação ocorre em três estágios: ativação, transporte e degradação. Os áci-
dos graxos são ativados no citoplasma e transportados até a matriz mitocondrial por
meio de um transportador específico. Já a degradação ocorre no interior da mitocôn-
dria. Vamos ver com atenção como acontecem os três estágios.
A ativação acontece pela reação do ácido graxo livre com uma molécula de coen-
zima A na presença de ATP, mediante a ação catalisadora da enzima acil-CoA sintetase.
Essa reação envolve o rompimento de duas ligações fosfodiéster do ATP de alta energia,
com consequente formação de AMP e PPi (pirofosfato). Confira a seguir essa reação.

Reação de ativação de ácido graxo


Ácido graxo + CoA + ATP acil-CoA graxo + AMP + PPi

© FabriCO
acil-CoA
sintetase

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 670. (Adaptado).

Após a ativação do acil-CoA graxo (R-CO-SCoA), ele passa pela membrana mito-
condrial externa e se liga à carnitina – transportador específico de grupamentos acil
ativados – por meio da ação da enzima carnitina acil-transferase I. A reação do acil-
-CoA graxo com a carnitina forma a acil-carnitina (R-CO-carnitina). Na membrana mi-
tocondrial interna existe o transportador acil-carnitina/carnitina, que tem a função de
levar o acil para o interior da matriz mitocondrial, onde o acil-carnitina é convertido
em acil-CoA graxo (R-CO-SCoA) novamente por meio da reação com uma molécula de
coenzima A mitocondrial. Essa reação é catalisada pela carnitina acil-transferase II. Na
figura a seguir você pode conferir o transporte do acil-CoA para a matriz mitocondrial.
Bioquímica 173

Transporte do acil-CoA para a matriz mitocondrial


Membrana mitocondrial Membrana mitocondrial
externa interna

Citosol Espaço Matriz


intermembrana

Carnitina-
O aciltransferase ll O
R C R C
S-CoA S-CoA
4 Carnitina
O 3
1 R C
Carnitina 2 O
R C CoA-SH
CoA-SH
Carnitina

© FabriCO
Carnitina-
Transportador
aciltransferase l

Fonte: NELSON; COX, 2006, p. 629. (Adaptado).

Após entrar na mitocôndria, o acil-CoA graxo (R-CO-SCoA) será degradado a par-


tir de um ciclo de reações chamado β-oxidação. Na primeira reação do ciclo ocorre a
redução de uma molécula de FAD, formando FADH2 com os dois elétrons e dois pró-
tons oriundos da oxidação dos carbonos α e β do acilgraxo. Essa reação é catalisada
pela enzima acil-CoA desidrogenase e forma-se uma ligação dupla entre os carbonos α
e β dos ácidos graxos.
Na segunda reação, rompe-se a dupla ligação em um mecanismo dependente da
presença de água (hidrólise) e catalisado pela enzima enoil-CoA hidratase.
A terceira etapa é novamente uma reação de oxidação, na qual ocorrerá a saída
de dois prótons e dois elétrons do carbono β; portanto, a oxidação acontecerá nesse
carbono.
O carbono β é oxidado e uma molécula de NAD+ é reduzida a NADH. A enzima
que catalisa essa reação é chamada de β-hidroxiacil-CoA desidratase.

Na terceira etapa da degradação dos ácidos graxos, ocorre uma reação de oxidação no carbo-
no β do grupamento acil. Essa é a reação que nomeia a via metabólica como β-oxidação.

O último estágio da β-oxidação consiste na quebra da ligação entre os carbonos α


e β, catalisada pela ação enzimática da tiolase. Essa reação também é dependente de
coenzima A.
Bioquímica 174

No final de um ciclo de reações de β-oxidação, temos a formação de uma molé­cula


de acetil-CoA e um acil-CoA graxo com dois carbonos a menos quando comparado ao
do início da via metabólica. Além disso, ocorre a formação de uma molécula de NADH e
uma de FADH2. Confira o conjunto de reações de β-oxidação na figura a seguir. Observe
que o acil-CoA graxo que inicia a sequência de reações possui 16 carbonos (C16).

Ciclo de reações de β-oxidação


β α
(C16) R CH2 CH2 CH2 C S-CoA
O Palmitoil-CoA
FAD
Acil-CoA-
-desidrogenase
FADH2

H
R CH2 C C C S-CoA
H O trans-∆2-
Enoil-CoA
H2O
Enoil-CoA-
hidratase-

OH
R CH2 C CH2 C S-CoA
L-β-Hidroxiacil-CoA
H O

β-hidroxiacil-CoA-
NAD+
-desidrogenase
NADH + H+

R CH2 C CH2 C S-CoA


β-Cetoacil-CoA
O O
Acil-CoA- CoA-SH
-acetiltransferase
(tiolase)

(C14) R CH2 C S-CoA + CH3 C S-CoA


O O
© FabriCO

Acil-CoA Acetil-CoA

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 673. (Adaptado).


Bioquímica 175

Agora, preste atenção no seguinte exemplo: em um acil-CoA graxo com 18 carbo-


nos, o estearoil-CoA, forma, após oito ciclos de β-oxidação, nove moléculas de acetil-
-CoA, oito de NADH e oito de FADH2. Cada acetil-CoA promove um giro completo no
ciclo do ácido cítrico e forma três moléculas de NADH, uma de FADH2 e uma de GTP
(ATP). Portanto, nove acetil-CoA geram nove voltas no ciclo, o que fornece 27 NADH, 9
FADH2 e 9 ATPs, somente quando consideramos o rendimento do ciclo do ácido cítrico.
Somando a isso, os NADH e FADH2 produzidos a cada ciclo de β-oxidação, teremos, no
final, 35 NADH, 17 FADH2 e 9 ATPs. Lembrando que cada NADH origina 2,5 ATPs na fos-
forilação oxidativa e cada FADH2 gera 1,5 ATP, nosso cálculo final ficará assim:
(35 × 2,5) + (17 × 1,5) + 9 ATPs = 122 ATPs.
Não podemos esquecer que, no início da degradação, cada acil-CoA precisa ser
ativado, sendo que na ativação ocorre consumo de ATP, mais especificamente, a que-
bra de duas ligações fosfodiéster, o que equivale ao consumo de 2 ATPs. Portanto, pre-
cisamos retirar os dois ATPs investidos na ativação, e ficamos com 120 ATPs de saldo
final da degradação de um ácido graxo com 18 carbonos. O processo de degradação
do estearoil-CoA (18:0) pode ser observado na figura a seguir.

Degradação do estearoil-CoA (18:0)


18 carbonos
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA
16 carbonos
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA
14 carbonos
Saldo da β-oxidação:
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA 9 acetil CoA
8 NADH
12 carbonos
8 FADH
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA
10 carbonos
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA
08 carbonos
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA
06 carbonos
1 NADH, 1 FADH2 e 1 acetilCoA
04 carbonos
1 NADH, 1 FADH2
© FabriCO

2 acetilCoA
Bioquímica 176

Para a degradação de ácidos graxos com dupla ligação, é necessário que aconte-
çam duas etapas extras catalisadas por uma enzima isomerase e uma redutase. Isso é de
fundamental importância, pois a maioria dos nossos ácidos graxos é insaturada. Grande
parte deles possui cadeia com número par de carbonos, entretanto, alguns possuem ca-
deia ímpar e também precisam ser oxidados. Nesse caso, a β-oxidação acontece normal-
mente, mas no final sempre ocorrerá a formação do propionil-CoA, uma molécula com
três átomos de carbono. Esse propionil-CoA será convertido a partir de uma série de rea-
ções a succinil-CoA e poderá ser utilizado no ciclo do ácido cítrico.

7.1.3 Regulação da lipólise


Os triacilgliceróis são a nossa principal reserva energética e devem ser utilizados
somente em condições específicas nas quais ocorra falta de energia para as células.
Por isso, é necessário que a degradação dos ácidos graxos seja regulada, o que ocorre
por meio de sinalização extracelular mediada por hormônios e processos intracelula-
res. Vimos anteriormente que o glucagon, liberado em condições de hipoglicemia, e a
adrenalina, liberada em situações de estresse, podem ativar a mobilização dos ácidos
graxos no tecido adiposo.
Além dessa regulação hormonal, o passo limitante da degradação é o transpor-
te do acil-CoA para a matriz mitocondrial por meio do transportador de carnitina. Esse
transporte é inibido por malonil-CoA, o primeiro intermediário da síntese de ácidos
graxos. Portanto, na presença de uma condição metabólica de excesso de energia, em
que as células estão biossintetizando ácidos graxos e triacilgliceróis, ocorre a inibição
da entrada do acil-CoA na matriz mitocondrial e a degradação será inibida.

7.1.4 Cetogênese
Determinadas condições metabólicas, como o jejum prolongado ou o diabetes
mellitus descompensado, induzem a um aumento expressivo das reações de degrada-
ção de ácidos graxos. Quando isso ocorre, o fígado produz, a partir dos ácidos graxos,
excesso de acetil-CoA, e, por isso, as estruturas chamadas de corpos cetônicos são
produzidos no hepatócito, vão para a circulação sanguínea e são exportados a outros
tecidos a fim de serem utilizados como fonte de energia para outras células.
Bioquímica 177

Os corpos cetônicos produzidos no fígado são a acetona, o β-hidroxibutirato e o


acetoacetato. A acetona, devido a sua volatilidade, é eliminada pelos pulmões e con-
fere aos indivíduos que estão com alta produção de corpos cetônicos um hálito carac-
terístico. O β-hidroxibutirato e o acetoacetato são utilizados pelas células como fonte
de acetil-CoA.
A produção de corpos cetônicos é predominantemente hepática e possui como
precursor o acetil-CoA oriundo da degradação dos ácidos graxos. A partir da conden-
sação de duas moléculas de acetil-CoA, ocorre a formação do acetoacetil-CoA, cata-
lisado pala enzima tiolase. O acetoacetil-CoA reage com a atividade catalisadora da
enzima HMG-CoA sintase e com mais uma molécula de acetil-CoA, formando a hi-
droximetilglutaril-CoA (HMG-CoA). Na reação seguinte, o HMG-CoA forma o ace-
toacetato e libera acetil-CoA. A partir desse estágio, o acetoacetato pode seguir dois
caminhos: ir para a circulação sanguínea ou ser utilizado como substrato para a forma-
ção de β-hidroxibutirato e acetona. A reação de produção de β-hidroxibutirato a par-
tir do acetoacetato é reversível, ou seja, dependendo das condições, a enzima é capaz
de catalisar a reação para os dois lados. A enzima responsável pela catálise da reação
de produção de acetoacetato é a HMG-CoA liase e pela produção de β-hidroxibutirato,
a β-hidroxibutirato desidrogenase. As reações de produção de corpos cetônicos estão
demonstradas na figura a seguir.
Bioquímica 178

Produção hepática de corpos cetônicos


O O
CH3 C SCoA + CH3 C SCoA 2 Acetil-CoA

Tiolase
CoASH

O
CH3 C
CH2
C=O Acetoacetil-CoA

SCoA
O
CH3 C SCoA
HMG-CoA-sintase
CoASH

OH O
CH3 C CH2 C O
CH2
3-Hidroxi-3-
C O -metilglutaril-CoA
(HMG CoA)
SCoA

HMG-CoA-liase
Acetil-CoA

O O
CH3 C CH2 C O Acetoacetato

D-β-Hidroxibutirato- NADH
desidrogenase
Acetoacetato-decarboxilase
+ H+

NAD+ CO2
OH O
O
CH3 CH CH2 C CH3 C CH3
O
© FabriCO

D-β-Hidroxibutirato Acetona

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 432. (Adaptado).


Bioquímica 179

Após serem produzidos no fígado, os corpos cetônicos entram nas células por in-
termédio da circulação e são utilizados como fonte de acetil-CoA para o ciclo do áci-
do cítrico. Nas células, o β-hidroxibutirato é reconvertido em acetoacetato e, por
meio de uma série de reações, origina duas moléculas de acetil-CoA (SMITH; MARKS;
LIEBERMAN, 2007). Na figura a seguir, é possível observar a produção e a exportação
de corpos cetônicos.

Produção e exportação de corpos cetônicos


Fígado
Ácido graxo
β-Oxidação
Acetil-CoA

Acetoacetato

β-Hidroxibutirato
Corpos cetônicos

lo
scu

Acetoacetato

β-Hidroxibutirato CO2 + H2O


© FabriCO

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 431. (Adaptado).

Portanto, os corpos cetônicos são importantes fontes de energia para células, em


especial às do sistema nervoso central (SNC), durante o jejum prolongado ou no diabetes
mellitus descompensado.

7.2 Lipogênese
A lipogênese abrange todos os processos que dizem respeito à síntese de lipídeos.
São reações anabólicas, que envolvem gasto de energia. Nós somos capazes de sin-
tetizar os lipídeos com função estrutural, como o colesterol e os fosfolipídeos, e tam-
bém aqueles com função de armazenamento, os triacilgliceróis. Veremos na sequência
as vias de síntese de ácidos graxos, de triacilglicerol e de colesterol. Embora esses lipí-
deos tenham funções fisiológicas distintas, o precursor para sua síntese é o mesmo, o
acetil-CoA. Na figura a seguir, podemos observar um fluxograma de reações do meta-
bolismo de lipídeos.
Bioquímica 180

Metabolismo de lipídeos
Triacilgliceróis

Lipídeos de membrana Ácidos graxos

Síntese de ácidos graxos β-oxidação:

NADPH FADH2

ATP NADH

Colesterol Acetil-CoA Corpos cetônicos

Fosforilação oxidativa
ciclo do NADH
ácido ATP
FADH2
cítrico

© FabriCO
GTP

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 691. (Adaptado).

No tópico seguinte, veremos as reações de biossíntese de lipídeos de reserva, os


ácidos graxos e os triacilgliceróis de um importante lipídeo estrutural, o colesterol.

7.2.1 Anabolismo dos ácidos graxos


Os ácidos graxos são sintetizados no citoplasma das células, e têm o acetil-CoA
como precursor e o NADPH como molécula com poder redutor. A fonte desse acetil-
-CoA para a síntese de ácidos graxos pode ser a degradação da glicose ou de aminoá-
cidos. Caso a produção de acetil-CoA exceda as necessidades celulares de energia, a
célula o desvia para as reações de síntese de lipídeo.
Precisamos lembrar que a formação do acetil-CoA a partir do piruvato ocorre na
matriz mitocondrial e a síntese dos ácidos graxos é citoplasmática, portanto, é indis-
pensável que o acetil-CoA seja transportado da matriz para o citoplasma. Isso aconte-
ce por meio de um transportador de citrato.
Observe na figura a seguir, que o acetil-CoA reage com o oxaloacetato e forma
citrato, em uma reação catalisada pela enzima citrato sintase. Você deve lembrar que
essa é a primeira reação do ciclo do ácido cítrico, entretanto, quando a célula estiver
Bioquímica 181

com níveis adequados de ATP, o ciclo do ácido cítrico ficará inibido. Dessa forma, o
citrato acumulado na matriz mitocondrial é levado ao citosol por intermédio de uma
proteína transmembrana transportadora de citrato (Sistema de transporte do tricar-
boxilato). No citosol, o citrato é utilizado para formar oxaloacetato e acetil-CoA em
uma reação catalisada pela enzima citrato liase. O oxaloacetato será então convertido
a malato e, posteriormente, a piruvato. Finalmente, o piruvato formado pode retornar
à matriz mitocondrial. Nesse momento, a molécula de acetil-CoA disponível no citosol
e poderá ser utilizada para síntese de ácidos graxos. Veja na imagem seguinte, como
ocorre o transporte de acetil-CoA.

Transporte de acetil-CoA
Mitocôndria Membrana Citosol
mitocondrial COO
COO interna CH2
CH2 HO C COO
Sistema de
Citrato Citrato
HO C COO transporte do CH2
tricarboxilato
CH2 COO
COO ATP + H SCoA
O
ATP-citrato-liase
H SCoA ADP + Pi + CH3 C SCoA
Citrato-sintase
O COO

CH3 C SCoA C O
Oxaloacetato
Acetil-CoA CH2

COO
COO
NADH + H +
C O
Oxaloacetato Malato-desidrogenase
CH2 NAD +

COO COO

Malato HO C H
ADP + Pi
CH2
Piruvato-carboxilase
COO
HCO3 + ATP +
NADP
Enzima málica
NADPH + CO2

COO COO
C O C O
© FabriCO

Piruvato Piruvato
CH3 CH3

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 682. (Adaptado).


Bioquímica 182

A biossíntese de ácidos graxos começa com a produção de um intermediário com


três carbonos, chamado de malonil-CoA. Ele será formado a partir da reação entre uma
molécula de acetil-CoA com bicarbonato, catalisada pela enzima acetil-CoA carboxilase
que possui biotina como coenzima. Essa reação está demonstrada na figura a seguir.

Produção do malonil-CoA
O
CH3 C SCoA

Acetil-CoA

CO2
ATP
Biotina
acetil-CoA-
ADP + Pi
-carboxilase

O O
O C CH2 C SCoA
© FabriCO

Malonil-CoA

Fonte: SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007, p. 598. (Adaptado).

Após a formação do malonil-CoA, a célula está pronta para fazer a síntese da ca-
deia dos ácidos graxos. Essa cadeia será formada a partir de uma sequência de quatro
reações que se repetem sucessivamente. Para cada conjunto de quatro reações, ocorre a
adição de dois carbonos. Tais reações são catalisadas por um complexo enzimático de-
nominado ácido graxo sintase. Conforme mostra a imagem seguinte, a sequência de
reações inicia com a adição do grupo malonila, oriundo do malonil-CoA, e do grupo
acetila, proveniente do acetil-CoA.
Bioquímica 183

Sequência de reações de síntese dos ácidos graxos


O O
Grupo malonil C CH2 C S
O
Grupo acetil CH3 C S
(primeiro grupo acil)
O
Ácido
graxo-sintase
Condensação 1
CO2

O O
CH3 C CH2 C S
β α

HS

NADPH + H+
Redução 2
NADP+

H O
CH3 C CH2 C S
OH
HS

Desidratação 3
H2O

H O
CH3 C C C S
H
HS

NADPH + H+

Redução 4

NADP+

O
CH3 CH2 CH2 C S

Grupo acil saturado,


HS
© FabriCO

aumentado em dois
carbonos

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 835. (Adaptado).


Bioquímica 184

Na primeira reação ocorre a condensação dos dois carbonos do acetila com dois
carbonos do malonila e a liberação de uma molécula de CO2 . A segunda é de redução
do carbono β-cetônico e formação de um álcool a partir de uma molécula de NADPH.
Na terceira etapa, acontece uma reação de desidratação, com a saída de uma molé-
cula de água e formação de uma dupla ligação entre os carbonos α e β. Na última rea-
ção, uma molécula de NADPH será utilizada para reduzir a ligação dupla e formar um
grupamento acil saturado. Podemos ver que, após a finalização dessa sequência de
reações, temos a formação de um grupamento acil com quatro carbonos. Na próxima
etapa, esse grupamento acil com 4 carbonos passa para o sítio que tinha o grupo ace-
tila e um novo malonila entra no sítio que foi liberado. Com isso se inicia uma nova sé-
rie de quatro reações. Isso ocorre até que seja formado o palmitoil, com 16 carbonos.
Portanto, a cada novo ciclo de reações ocorre a adição de dois novos carbonos à ca-
deia carbônica até atingir 16 carbonos (palmitoil) – nesse estágio, o grupamento acil
desliga-se do complexo enzimático da ácido graxo sintase.
Para formação de ácidos graxos mais longos, existe, no retículo endoplasmático
liso e na mitocôndria, um sistema de alongamento de ácidos graxos responsável por
acrescentar mais carbonos à estrutura básica do palmitoil. As duplas ligações serão in-
corporadas por meio da atividade catalítica de um acil-CoA graxo dessaturase. Veja na
figura a seguir como ocorre a síntese de outros ácidos graxos.

Dessaturases são enzimas que colocam duplas em posições específicas nas cadeias dos ácidos
graxos (AG). Mamíferos são incapazes de produzir duplas em alguns locais da cadeia, como por
exemplo em ∆ 12 . Assim, alguns AG são essenciais, como ácido linoleico (18:2 cis ∆ 9,12).
Bioquímica 185

Síntese de outros ácidos graxos


Palmitato
16:0
Dessaturação
Alongamento
Palmitoleato
16:1(Δ9)
Estearato
18:0
Alongamento
Dessaturação
Ácidos graxos
saturados de
Oleato
cadeia mais longa
18:1(Δ9)

Dessaturação
(Apenas em
plantas)

Linoleato
18:2(Δ9,12)

Dessaturação Dessaturação
(Apenas em
plantas)
γ-Linolenato
18:3(Δ6,9,12)
α-Linoleato Alongamento
18:3(Δ9,12,15)
Eicosatrienoato
20:3(Δ8,11,14)
Dessaturação

Outros ácidos graxos Araquidonato


© FabriCO

poli-insaturados 20:4(Δ5,8,11,14)

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 842. (Adaptado).


Bioquímica 186

Até aqui, vimos o modo pelo qual os ácidos graxos são sintetizados quando nos-
sas células estão com suas necessidades energéticas supridas, todavia, nós não arma-
zenamos ácidos graxos livres, mas sim triacilgliceróis! Para que isso ocorra, os ácidos
graxos precisam ser adicionados a uma molécula de glicerol-3-fosfato. A seguir vere-
mos com mais detalhes essas reações.

7.2.2 Síntese dos triacilgliceróis


A síntese dos triacilgliceróis tem como precursor a molécula de glicerol-3-fosfato,
que pode ser oriunda da glicólise ou da produção da enzima glicerol-quinase.
À molécula do glicerol 3-fosfato são adicionados dois grupamentos acila, median-
te a catálise da enzima acil-transferase, originando o ácido fosfatídico, cuja síntese é
mostrada na figura a seguir.

Síntese do ácido fosfatídico


O
CH2 OH Glicerol-3-fosfato- CH2 O C R
-aciltransferase
HO C H HO C H
O
CH2 O PO23 CH2 O PO23
R C SCoA H SCoA
Glicerol-3-fosfato Ácido lisofosfatídico

O
R’ C SCoA
1-acilglicerol-3-fosfato-
aciltransferase

H SCoA

O
O CH2 O C R
R’ C O C H
CH2 O PO23
© FabriCO

Ácido fosfatídico

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 690. (Adaptado).


Bioquímica 187

O ácido fosfatídico poderá ser utilizado para formar triacilglicerol e glicerofosfo-


lipídeos, dependendo das necessidades celulares. Para a formação do nosso lipídeo de
armazenamento, são necessárias duas enzimas: ácido fosfatídico fosfatase, para for-
mar o diacilglicerol, e acil-transferase, para a formação do triacilglicerol. Para a forma-
ção de glicerofosfolipídeos, é adicionado um grupo cabeça polar ao ácido fosfatídico.
Acompanhe a síntese de triacilgliceróis e glicerofosfolipídeos na imagem a seguir.

Síntese de triacilgliceróis e glicerofosfolipídeos


O
CH2 O C R1
O
CH O C R2 Ácido fosfatídico
O
CH2 O P O
O
Ácido
fosfatídico-fosfatase
Ligação do grupo
(lipina)
polar (serina, colina,
O etanolamina, etc.)

CH2 O C R1
O O
CH O C R 2
CH2 O C R1
CH2OH O
1,2-Diacilglicerol CH O C R2
O O
Acil- R 3
C Grupo
CH2 O P O polar
-transferase S-CoA
O
CoA-SH Glicerofosfolipídeo
O
CH2 O C R1
O
CH O C R2
O
CH2 O C R3
© FabriCO

Triacilglicerol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 849. (Adaptado).


Bioquímica 188

As reações de síntese dos triacilgliceróis são estritamente reguladas de acordo


com as necessidades celulares de energia. Veremos, no próximo tópico, de que manei-
ra a lipogênese é regulada.

7.2.3 Regulação da lipogênese


O ponto-chave de regulação da síntese de ácidos graxos é a atividade da enzima
acetil-CoA carboxilase. Essa regulação, a ser observada na figura a seguir, pode ocor-
rer pela modificação covalente ou pela regulação alostérica.

Regulação da lipogênese

Citrato

Citrato-liase Insulina
desencadeia
a ativação
Acetil-CoA

Acetil-CoA-
-carboxilase
Glucagon e
adrenalina
desencadeiam
fosforilação/
Malonil-CoA inativação

Ativação
© FabriCO

Palmitoil-CoA Inibição

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 842. (Adaptado).

A regulação por modificação covalente é feita por intermédio dos hormônios in-
sulina, glucagon e adrenalina. A insulina promove a desfosforilação da acetil-CoA car-
boxilase e aumenta sua atividade, ao passo que o glucagon e a adrenalina inibem sua
atividade por fosforilação. Quando entendemos que a insulina é liberada em condições
de aumento dos níveis glicêmicos, faz todo sentido pensar que esse hormônio estimu-
lará a síntese de lipídeos, que são a principal reserva energética dos seres humanos.
Bioquímica 189

A regulação alostérica é feita pelo citrato, que estimula a atividade da acetil-


-CoA carboxilase. Precisamos lembrar de que o citrato só sairá da mitocôndria e ori-
ginará o acetil-CoA no citoplasma quando o ciclo do ácido cítrico estiver inibido por
ATP. O palmitoil-CoA inibe a formação do malonil-CoA por meio de um mecanismo de
retroalimentação.

7.2.4 Síntese do colesterol


A síntese do colesterol, cujo processo está ilustrado na figura a seguir, ocorre em
todas as nossas células e tem como precursor a molécula de mevalonato. Na síntese de
colesterol, acontece a síntese do isopreno a partir da união de duas moléculas de ace-
til-CoA e da formação do acetoacetil-CoA, que reage com mais um acetil-CoA e ori-
gina o hidroximetilglutaril-CoA (HMG-CoA). A conversão deste em mevalonato pela
ação catalítica da HMG-CoA redutase é o passo limitante da velocidade dessa via me-
tabólica e o principal local de síntese que sofre regulação.

A inibição da atividade da enzima HMG-CoA redutase é o alvo dos fármacos chamados esta-
tinas. As estatinas são utilizadas em pacientes que apresentam níveis de colesterol sanguíneo
aumentados. Sua função é inibir a síntese endógena de colesterol e reduzir o risco de doenças
cardiovasculares.

O mevalonato formado na primeira etapa reagirá com 3 ATPs e formará o isopre-


no ativado. Seis unidades de isopreno ativado condensarão para originar o esqualeno,
que, após uma série de reações, formará o colesterol.
Bioquímica 190

Síntese do colesterol
3 CH3 COO Acetato

CH3
OOC CH2 C CH2 CH2 OH
OH Mevalonato

CH3 O O
CH2 C CH2 CH2 O P O P O
isopreno O O
isopreno ativado

Esqualeno

HO
© FabriCO

Colesterol

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 860. (Adaptado).

Essa molécula de colesterol poderá ter uma série de destinos metabólicos dife-
rentes e poderá originar outras moléculas, como os hormônios sexuais, os mineralo-
corticoides (aldosterona) e os glicocorticoides (cortisol). Também poderá ser utilizado
como constituinte das membranas celulares.
Bioquímica 191

7.3 Metabolismo de aminoácidos


Os aminoácidos, que são os constituintes básicos formadores das proteínas, assim
como os açúcares e os lipídeos, podem ser utilizados como fonte geradora de energia
para os animais. Um aspecto importante de suas reações catabólicas é que, independen-
temente do tipo de aminoácido, todas gerarão a liberação de um grupamento amino.
As reações de biossíntese de aminoácidos, que, por sua vez, servirão como maté-
ria-prima para a formação de proteínas, são extremamente complexas. Porém todos
os precursores para a formação dos aminoácidos são oriundos da glicólise, do ciclo do
ácido cítrico ou da via das pentoses-fosfato (NELSON; COX, 2014).

7.3.1 Digestão e absorção de proteínas


A maior parte dos aminoácidos consumidos em nossa dieta estão na forma de
grandes polipeptídeos ou proteínas, sendo, portanto, essencial que as proteínas se-
jam degradadas em suas estruturas fundamentais para que a absorção possa aconte-
cer. Existem dois tipos de enzimas que realizam essa função: as endopeptidases, que
rompem as ligações peptídicas no interior da proteína; e as exopeptidases, responsá-
veis pela quebra dessas ligações nas extremidades proteicas. Essas enzimas são produ-
zidas pelo estômago e pelo pâncreas.
Após o rompimento das ligações peptídicas, os aminoácidos serão absorvidos no
intestino delgado por meio de transportadores específicos. A grande parte dos aminoá-
cidos é absorvida por um cotransportador de sódio, sendo que alguns são dependentes
de H+ (SILVERTHORN, 2010). Dessa forma, os aminoácidos chegam à circulação sanguí-
nea e poderão ser utilizados nas reações de síntese proteica ou sofrer oxidação para ge-
rar energia.

7.3.2 Oxidação de aminoácidos


Os aminoácidos podem sofrer oxidação e gerar energia nos animais em três si-
tuações diferentes. A primeira condição ocorre durante as reações de síntese e degra-
dação de proteínas celulares. A segunda decorre do fato de que nós, humanos, não
somos capazes de armazenar aminoácidos; portanto, quando a dieta é rica nesses
compostos e superior às necessidades celulares de síntese, também ocorrerá a oxida-
ção. A terceira condição é uma forma de a célula se adaptar a situações de déficit ener-
gético, em que precisará utilizar os aminoácidos como fonte de ATP. São elas: o jejum
prolongado e o diabetes mellitus descompensado.
Bioquímica 192

A oxidação dos aminoácidos inicia-se com a transferência do grupamento amino


dos aminoácidos para o α-cetoglutarato e formação de glutamato e um α-cetoácido
(aminoácido sem grupamento amino) pela ação catalítica das aminotransferases. Esse
grupamento amino participará de uma sequência de reações que culminará com a pro-
dução de ureia no fígado e posterior eliminação renal. A reação de transferência do
grupamento amino (transaminação) está demonstrada na figura a seguir. É importan-
te ressaltar que a atividade das aminotransferases é dependente de piridoxal fosfa-
to (PLP) e existem diferentes tipos de enzimas de acordo com o tipo de aminoácido,
como a alanina aminotransferase.

Reação de transaminação de aminoácidos


COO COO
+
C O H3N C H
CH2 CH2
CH2 CH2
COO COO
α-Cetoglutarato L-Glutamato

PLP
Amino-
transferase

COO COO
+
H3N C H C O
R R
© FabriCO

L-Aminoácido α-Cetoácido

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 699. (Adaptado).

O glutamato atua como transportador do grupamento amino coletado na maioria


das reações de transaminação. Veremos a seguir os destinos desse grupamento amino.
Os α-cetoácidos formados quando os aminoácidos perdem seus grupamentos
amino podem ser direcionados para a gliconeogênese, a cetogênese ou podem ser oxi-
dados pelo ciclo do ácido cítrico. Os aminoácidos que podem originar glicose na glico-
neogênese são chamados de glicogênicos. Aqueles que formam acetil-CoA e podem
originar corpos cetônicos são denominados cetogênicos.
Bioquímica 193

Oxidação de aminoácidos
Aminoácido

Amônia NH3 Cadeia carbonada


Amônio NH4+ Respiração
Gliconeogênese Cetogênese
celular

CO2 Glicose Acetil-CoA Corpos cetônicos


+
H2O

© FabriCO
Ureia

Fonte: VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 719. (Adaptado).

O grupamento amino, oriundo da degradação de aminoácidos do músculo es-


quelético, possui um sistema de transporte específico, mediado pela alanina. Veremos
esse sistema de transporte no próximo tópico.

7.3.3 Ciclo de glicose-alanina


O ciclo glicose-alanina é uma importante forma de transporte do grupamen-
to amino, formado a partir das reações de transaminação de aminoácidos degrada-
dos no músculo esquelético. Quando os aminoácidos são degradados como fonte de
energia para o músculo esquelético, ocorre a reação de transferência do grupamen-
to amino para o α-cetoglutarato, com consequente formação do glutamato. Este, por
sua vez, transfere o grupamento amino para o piruvato e forma alanina, que vai para a
circulação sanguínea e chega até o fígado. Nesse órgão, ela transfere o amino para o
α-cetoglutarato e forma glutamato novamente, além de piruvato. Esse glutamato será
utilizado para transportar o grupamento amino até o ciclo da ureia. O piruvato poderá
formar glicose por meio da gliconeogênese. Essa glicose entra na circulação e poderá
ser utilizada como fonte de energia para as células musculares. A figura a seguir de-
monstra o ciclo glicose-alanina.
Bioquímica 194

Ciclo glicose-alanina
Proteína
muscular

Aminoácidos
Músculo
+
NH 4

Glicose Piruvato
Glicólise Glutamato

Alanina-
-aminotransferase

α-Cetoglutarato
Alanina

Alanina
Glicose sanguínea
sanguínea

Fígado Alanina
α-Cetoglutarato

Alanina-
-aminotransferase

Glutamato
Glicose Piruvato
Gliconeogênese
+
NH 4

Ciclo da ureia
© FabriCO

Ureia

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 703. (Adaptado).


Bioquímica 195

Vimos o modo pelo qual os nossos músculos fazem os grupamentos amino, oriun-
dos dos aminoácidos degradados, chegarem até o fígado. No tópico seguinte, veremos
as reações anabólicas, nas quais ocorre a síntese de aminoácidos.

7.3.4 Síntese de aminoácidos


Para sintetizar aminoácidos, é importante lembrar que essas moléculas são for-
madas por um esqueleto carbônico, chamado de α-cetoácido, e por um grupamento
amino. Apesar de haver apenas 20 aminoácidos diferentes nas proteínas encontradas
na natureza, todos os α-cetoácidos são formados a partir dos mesmos intermediários
metabólicos, que podem ser oriundos da via das pentoses fosfato, do ciclo do ácido cí-
trico ou da via glicolítica.
As fontes principais de grupamentos amino são a glutamina e o glutamato. Na fi-
gura a seguir estão representadas as principais reações de biossíntese de aminoácidos.
Bioquímica 196

Reações de biossíntese de aminoácidos


Glicose

Glicose-6-fosfato

4 passos

Ribose-5-
4 passos fosfato

Histidina

Eritrose-4-
3-Fosfoglicerato Serina
fosfato

Glicina
Fosfoenolpiruvato Cisteína

Alanina
Triptofano
Valina
Fenilalanina Piruvato
Leucina
Tirosina
Isoleucina

Citrato

Oxaloacetato α-Cetoglutarato

Aspartato Glutamato

Asparagina
Glutamina
Metionina
Prolina
Treonina
© FabriCO

Arginina
Lisina

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 891. (Adaptado).


Bioquímica 197

É importante ressaltar que somos capazes de sintetizar apenas alguns dos 20


aminoácidos, os chamados aminoácidos não essenciais. Os demais deverão ser obtidos
necessariamente por meio da dieta.

7.4 Destino do grupo amino


Como vimos anteriormente, o glutamato representa um importante transporta-
dor de grupamentos amino coletados durante a oxidação de aminoácidos nas células.
Ele levará os grupamentos amino até o fígado para que ocorra sua conversão em ureia,
com posterior eliminação urinária.
Nos hepatócitos, o glutamato seguirá até a mitocôndria e na matriz, pela ação da
glutamato desidrogenase, liberará amônio e formará α-cetoglutarato.
Além do glutamato, a glutamina constitui uma significativa forma de transpor-
te do amônio produzido em alguns tecidos, como o cérebro e os rins. A amônia reage
com o glutamato e forma glutamina no tecido. Essa glutamina no hepatócito origina-
rá novamente o glutamato, devido à ação da enzima glutaminase, que se encontra na
mitocôndria do hepatócito. Confira na figura seguinte o destino do grupamento amino.

Destino do grupamento amino

α-Aminoácido α-Cetoácido

Transaminação

α-Cetoglutarato L-Glutamato

Desaminação-
-oxidativa

+
NH4 CO2

Ciclo da ureia
© FabriCO

Ureia

Fonte: MURRAY et al., 2013, p. 274. (Adaptado).


Bioquímica 198

Vimos, portanto, que o grupamento amino oriundo da oxidação dos aminoácidos


pode ser levado ao fígado por intermédio de três transportadores: glutamato, alanina
e glutamina. Esse grupo amino forma amônio (NH4 +) – composto extremamente tóxico
para as células – e precisa ser convertido em uma molécula menos tóxica e que pode
ser eliminada. Essa conversão de amônio em ureia pelos hepatócitos ocorre em uma
via metabólica chamada de ciclo da ureia.

7.4.1 Ciclo da ureia


O ciclo da ureia é fundamental para os organismos produtores de amônio (NH4 +).
O amônio é extremamente tóxico e precisa ser convertido em um composto que pode
ser excretado pelos rins, a ureia. O ciclo se inicia na mitocôndria e tem algumas rea-
ções citosólicas.
Para iniciar a descrição do ciclo da ureia, localize na figura a seguir o NH4 + na ma-
triz mitocondrial. Perceba que esse composto chega até a mitocôndria por intermédio
da glutamina ou do glutamato. Agora olhe com atenção a ação da enzima carbamoil-
-fosfato-sintetase I sobre o NH4 +. Ela forma o carbamoil-fosfato. Nessa reação, são uti-
lizadas uma molécula de bicarbonato e 2 ATPs.
O carbamoil-fosfato formado reage com a ornitina e forma citrulina na primeira
reação do ciclo da ureia. A citrulina sai da mitocôndria e reage com o aspartato no cito-
sol, formando argininossuccinato em uma reação dependente de ATP. O argininossuc-
cinato será convertido à arginina e ocorre a liberação de fumarato. A arginina forma
ornitina e libera ureia, que, formada no citoplasma dos hepatócitos, vai para a circula-
ção sanguínea e é excretada por meio de filtração glomerular pelos rins. A ornitina vol-
ta para a matriz mitocondrial onde pode iniciar novamente o ciclo.
Bioquímica 199

Ciclo da ureia
+ +
NH3 NH3
R CH COO– CH3 CH COO–
+ Aminoácidos Alanina (do músculo) Ornitina-transcarbamoilase
O NH3 α-Cetoglutarato
Argininosuccinato sintetase
C CH2 CH2 CH COO– α-Cetoácido
+ Argininosuccinase
H2N NH3
Glutamina Arginase
(dos tecidos –
OOC CH2 CH2 CH COO–
extra-hepáticos)
Glutamato

Glutamina O

OOC CH2 C COO–
glutaminase
Glutamato Oxaloacetato

Glutamato-desidrogenase Aspartato-aminotransferase

α-Ceto- Aspartato
glutarato +
+
NH4 NH3
HCO3 –
OOC CH2 CH COO–
Carbamoil-
2 ATP -fosfato-
-sintetase i
2 ADP + Pi
O O
Carbamoil-
-fosfato H2N C O P O–
Pi O –

Matriz + +
mitocondrial NH3 O NH3
+
H 3N (CH2)3 CH COO– H2N C NH (CH2)3 CH COO–
Ormitina Citrulina

Citosol Citrulina
ATP

PPi
+
NH3
+
NH3 H2N C NH (CH2)3 CH COO–
+
H 3N (CH2)3 CH COO– O
Ornitina
O P O– NH2
Ciclo da O N
Ureia
O ureia CH2
N
O N N
H2N C NH2
H H
H H
Intermediário
H2O OH OH citrulil-AMP

+
+ + Aspartato NH3
NH2 NH3 –
OOC CH2 CH COO–
H2N C NH (CH2)3 CH COO–
Arginina AMP
+ +
COO– NH2 NH3
© FabriCO


OOC CH2 CH COO– –
OOC CH2 CH NH C NH (CH2)3 CH COO–
Fumarato Arginino-succinato

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 705. (Adaptado).


Bioquímica 200

O ciclo da ureia ocorre constantemente no nosso organismo e pode ser influen-


ciado diretamente por algumas situações metabólicas, patológicas ou até mesmo pe-
los alimentos que consumimos. Dessa forma, a regulação desse ciclo é vital para a
excreção de resíduos metabólicos. A seguir, veremos de que forma ocorre a regulação
do ciclo da ureia.

7.4.2 Regulação do ciclo da ureia


A regulação do ciclo da ureia ocorre de duas maneiras: por meio da expressão das
enzimas do ciclo e da carbamoil-fosfato-sintetase I. A expressão das enzimas é basi-
camente regulada pela dieta. Indivíduos com dietas ricas em proteínas ou que estejam
em condições metabólicas que necessitam dos aminoácidos como fonte de energia,
como o jejum, possuem aumento na expressão das enzimas do ciclo. Dietas com baixo
conteúdo proteico inibem a expressão das enzimas do ciclo da ureia.
Outra maneira de regulação é pelo N-acetil-glutamato, composto ativador alos-
térico da carbamoil-fosfato-sintetase I, que estimula a formação do carbamoil fosfato
e, consequentemente, de ureia.
Estudamos neste capítulo as principais reações de degradação e síntese de lipí-
deos e proteínas. Vimos que as reações de degradação de lipídeos são fundamentais
nas situações de déficit energético como fonte de energia. Também vimos que as rea-
ções de oxidação dos aminoácidos ocorrem durante a renovação normal de proteínas
celulares e o jejum prologado. Além disso, verificamos quais são os destinos metabó-
licos do grupamento amino oriundo dessas reações. Tratamos, ainda, das reações de
síntese dos lipídeos de armazenamento e do nosso principal esterol, o colesterol.
Bioquímica 201

Referências
ALBERTS, B. et al. Fundamentos da Biologia Celular. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
LODISH, H. et al. Biologia Celular e Molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
MURRAY, R. K. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: AMGH/
Artmed, 2013.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2010.
SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica Médica Básica de Marks: uma
abordagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível
molecular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
8 Mecanismo de ação hormonal
e inter-relação metabólica
Quando um organismo é pluricelular devem existir maneiras eficientes de comu-
nicação e integração entre as células. No caso dos seres humanos, os dois grandes sis-
temas responsáveis por isso são: o sistema nervoso, por meio de neurotransmissores, e
o sistema endócrino, que utiliza os hormônios. Hormônios são mensageiros químicos
produzidos por glândulas endócrinas e que, transportados pelo sangue, atuam em célu-
las-alvo distantes do local onde foram produzidos. Eles coordenam as atividades meta-
bólicas de diversos tipos de células simultaneamente, contribuindo para a manutenção
da homeostasia do organismo.
Geralmente, os hormônios do sistema endócrino atuam no metabolismo de car-
boidratos, lipídeos e proteínas, mas também exercem funções importantes no cresci-
mento e reprodução. Como vários hormônios atuam simultaneamente no organismo
haverá uma inter-relação metabólica que auxiliará o organismo a encontrar respostas
para cada situação na qual ele se encontra.
Considerando esse contexto, neste capítulo vamos tratar do mecanismo de ação
hormonal e da inter-relação metabólica, detalhando esses processos e como eles fun-
cionam no organismo.

8.1 Mecanismo de ação hormonal


Hormônios são mensageiros químicos produzidos e liberados por células endó-
crinas que atuam em uma célula-alvo distante do local onde foram produzidos. Para
que essa ação ocorra, as células-alvo devem possuir um receptor específico para o
hormônio, assim, haverá uma interação entre o hormônio e o receptor, o que desen-
cadeará reações em cascata, promovendo modificações nas células-alvo. É importan-
te destacar que a ação hormonal depende da quantidade de hormônios liberados pela
glândula, da sua concentração no sangue e da presença de receptores específicos nas
células-alvo.
O mecanismo de ação de cada hormônio varia conforme sua estrutura química.
Alguns hormônios possuem receptores na superfície da membrana celular, portan-
to, não entram na célula. São exemplos os hormônios polares, como as monaminas
(catecolaminas) e os peptídicos. A interação hormônio-receptor ocorre na superfície
da membrana celular, desencadeando uma cascata de reações intracelulares, seja por
meio de segundos mensageiros, seja pela ação do próprio receptor. Além disso, como
Bioquímica 204

são polares, não necessitam de transportadores na corrente sanguínea. Por esse mo-
tivo, agem rapidamente ao ativar o receptor de membrana. Por outro lado, são mais
suscetíveis à degradação, apresentando meia-vida curta.
Já os hormônios apolares atravessam a membrana celular por difusão simples,
ligando-se a receptores intracelulares. Tais hormônios são transportados no sangue
acoplados a uma proteína transportadora. Esse fato faz com que apresentem meia-
-vida longa, tendo em vista que, quando acoplados à proteína transportadora, não são
reconhecidos pelas enzimas que os degradam. Existem dois tipos de hormônios apola-
res: hormônios esteroides e hormônios tiroideanos.
A remoção do hormônio da corrente sanguínea depende de vários fatores, sendo
o principal a modificação ocasionada pelo fígado. Esse processo ocorre em duas fases,
que aumentam a solubilidade do hormônio e, na maioria dos casos, promovem sua
inativação. Depois disso, o hormônio é eliminado na urina ou nas fezes. Ele também
pode ser degradado na própria célula-alvo, na qual o complexo hormônio-receptor é
degradado no lisossoma da célula. Apenas uma pequena porção do hormônio é libera-
da, sem nenhuma modificação, por via urinária ou fecal.

8.1.1 Mecanismo de ação dos hormônios esteroides e tireoideanos


Os hormônios apolares podem ser de dois tipos: esteroides e tiroideanos. Os
hormônios esteroides são derivados do colesterol e os tiroideanos são derivados do
aminoácido tirosina. Ambos apresentam características químicas que requerem uma
proteína carreadora específica para serem transportados na corrente sanguínea. Ao
chegarem próximos à célula-alvo, eles se separam da proteína por diferença de con-
centração e atravessam a membrana por difusão simples.
Uma vez no interior da célula, os hormônios esteroides e tiroideanos atuam de
maneiras diferentes. Os hormônios esteroides encontram seus receptores situados no
citoplasma. Tais receptores são complexos multiméricos que possuem diferentes sítios
de ligação com o ácido desoxirribonucleico (DNA) e cada um apresenta uma sequência
específica de reconhecimento do DNA. Quando o hormônio se liga ao receptor no cito-
plasma da célula, o complexo hormônio-receptor atravessa o poro nuclear e associa-se
ao DNA localizado no núcleo, iniciando a síntese do RNA mensageiro (RNAm). Em se-
guida, ocorre a síntese de proteínas específicas, como mostrado na figura a seguir.
Bioquímica 205

Mecanismo de ação dos hormônios esteroides


Vaso
Hormônio 1 A maioria dos hormônios esteroides apolares
sanguíneo Receptor na superfície da célula
esteroide está ligada aproteínas carreadoras plasmáticas.
2a Somente hormônios não ligados podem
Resposta rápida
difundir-se para dentro das células-alvo.
1
2 Os receptores de hormônios esteróides
Proteína 2 estão no citoplasma ou no núcleo.
Núcleo
carreadora
Receptor 2a Alguns hormônios esteroides também
citoplasmático Receptor se ligam a receptores de membrana, que
nuclear usam sistemas de segundo mensageiro
Líquido
DNA para criar respostas celulares rápidas.
interstical
3 O complexo hormônio-receptor liga-se
ao DNA e ativa ou inibe um ou mais
Retículo 3 genes.
Membrana endoplamático A transcrição
celular produz RNAm 4 Genes ativados produzem novos RNAm,
5
que se movem de volta para o citoplasma.
Novas 4

© FabriCO
proteínas Tradução 5 A tradução produz novas proteínas
para os processos celulares.

Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 225. (Adaptado).

Os hormônios tiroideanos são derivados do aminoácido tirosina e apresentam


uma estrutura química anfipática; porém o que predomina é a parte apolar, como ilus-
tra a imagem a seguir. Por isso, tanto o T4 (tetraiodotironina ou tiroxina) quanto o T3
(triiodotironina) atravessam a membrana plasmática por difusão simples.

Hormônios tiroideanos
Tirosina

H H H

HO C C N

H C H
O OH

Hormômios da tireoide

I I H H
H

HO O C C N

I I H C H
O OH
Tiroxina ( Tetraodotironina, T4)

I I H H
H

HO O C C N

H
© FabriCO

I H C
O OH
Triodotronina (T3)

Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 226 (Adaptado).


Bioquímica 206

No citosol, a tiroxina sofre a catálise da enzima desiodinase, transformando-se


em T3. Cerca de 80% do T4 é transformado em T3 na célula-alvo. O T3 que está no
citoplasma vai para o núcleo, onde se liga ao receptor, que já está acoplado ao DNA.
No DNA, o receptor tiroideano (TR) reconhece a sequência AGGTCA(N)nAGGTCA por
apresentar o sítio TER. Esse sítio de reconhecimento também é encontrado nos recep-
tores para a vitamina D, para o hormônio tiroideano, para os ácidos retinoicos e para
os ligantes PPAR. Ao lado do receptor tiroideano está o receptor retinoide X (RXR). A
formação de heterodímeros do RXR com o receptor de hormônio da tireoide aumen-
ta a interação aos elementos de resposta do hormônio da tireoide (TREs). Antes de o
T3 se ligar ao receptor, o TR está ligado a uma molécula correpressora que impede o
processo de transcrição do DNA. Porém, quando o T3 se liga ao TR, o correpressor é
deslocado e uma molécula coativadora é reconhecida pela RNA polimerase, iniciando a
síntese de RNA mensageiro e, por consequência, a síntese de enzimas específicas.
Analisando os mecanismos de ação descritos anteriormente, pode-se perceber
que a estrutura química é muito importante para que o mecanismo de ação do hormô-
nio possa ocorrer.

8.1.2 Mecanismo de ação de hormônios peptídicos que utilizam


segundos mensageiros
Os hormônios peptídicos são hidrofílicos. Por esse motivo, não necessitam estar
acompanhados de proteínas no plasma sanguíneo; porém, como dito anteriormente, a
meia-vida deles é bastante curta. Todavia, por serem hidrofílicos e grandes, esses si-
nalizadores não conseguem atravessar a membrana celular, razão pela qual existem re-
ceptores na membrana, por isso, aumentam a quantidade de segundos mensageiros
no citosol da célula.

Meia-vida do hormônio é a quantidade de tempo em que metade da quantidade do hormônio


é degradada. A meia-vida é mais curta se ele está livre no plasma, e mais longa quando trans-
portado por uma proteína carreadora.

Existem vários tipos de receptores de membranas. Alguns deles funcionam uti-


lizando os segundos mensageiros que são formados no citosol pelo mecanismo de
transdução de sinal do receptor.
Um exemplo são os receptores acoplados à proteína G. As proteínas G pertencem
a uma superfamília de proteínas heterodiméricas que promovem a regulação de molé-
culas efetoras, como enzimas e canais iônicos, de acordo com o que mostra a figura a
seguir.
Bioquímica 207

Receptores de membrana
Hormônios peptídeos (H) não podem entrar nas células-alvo
e devem se ligar a receptores de membrana (R) para iniciar
o processo de transdução de sinal.
H H

R R

G
EA TK

Abre canais
iônicos
Sistema
de segundo
mensageiro

promove fosforilação

Proteínas
LEGENDA
TK = tirosina quinase
EA = enzima amplificadora Resposta
G = proteína G celular
© FabriCO

Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 224. (Adaptado).

A proteína G possui três subunidades: α, β e γ. Em alguns casos, as subunidades


β e γ, que têm a função de dímero, podem regular algumas funções efetoras. A subuni-
dade α possui atividade de GTPase.
As três subunidades ficam unidas e ligadas ao receptor da membrana. Quando o
receptor não está ligado ao hormônio, elas estão juntas e acopladas ao receptor – nes-
se caso, a subunidade α está ligada a uma guanosina difosfato (GDP). Porém, quan-
do o hormônio se liga ao receptor, ocorre uma mudança de conformação que ativa a
proteína G. Com isso, ocorre a troca de GDP por GTP e a subunidade α se separa e
Bioquímica 208

se desloca na membrana, podendo ativar um canal iônico ou uma enzima de membra-


na. Depois da ativação dessa enzima, a subunidade α quebra o GTP e retorna à posi-
ção original juntamente com o GDP para possibilitar o início de um novo ciclo quando
outra molécula do hormônio se conectar. É importante ressaltar que, no momento da
dissociação da subunidade α da proteína G, o hormônio se separa do receptor como in-
dica a imagem a seguir.

Proteína G

Canal iônico
ou enzima
β
α
Receptor γ

© FabriCO
GTP GDP

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 439. (Adaptado).

A ativação da proteína G promove o aumento da quantidade de segundos


mensageiros no citosol. Os principais segundos mensageiros são o Ca2+ e o AMPc
(AMPcíclico). Algumas moléculas, como o diacilglicerol e o inositol-trifosfato, são pro-
duzidas pelos receptores acoplados à fosfolipase c (PLC) e possuem funções relaciona-
das como segundos mensageiros.

Segundos mensageiros são sinalizadores intracelulares que ativam uma cascata de reações na
célula.

Alguns hormônios, como o glucagon, estimulam receptores de membrana que


aumentam a quantidade de AMPc no citosol. Para que isso aconteça, a proteína G ati-
va a adenilil ciclase, que catalisa a transformação de ATP em AMPc. O AMPc ativa a
proteína quinase A (PKA). Isso acontece porque se liga na subunidade inibitória da
PKA, promovendo sua dissociação. Assim, libera a subunidade catalítica, que realiza a
fosforilação de várias proteínas da célula, como mostrado na figura a seguir.
Bioquímica 209

Formação do AMPc
Proteina Hormônio Adenilil ciclase
receptora Membrana celular

α α
β
α
γ

ATP

Proteina G AMPc + PPi

Subunidade
Proteina quinase A inibitória
(inativa)

Proteina quinase A
fosforilação enzimática

Ativação Inibição
de enzima de enzima
específica específica

Fonte: FOX, 2007, p. 280. (Adaptado). © FabriCO

No interior do citosol, o cálcio pode agir como segundo mensageiro, dependen-


do da célula. Existem duas maneiras de o cálcio aumentar no citosol: sendo proveniente
do meio extracelular ou do retículo endoplasmático liso. Um exemplo de receptor que
permite a entrada do cálcio do meio extracelular é o α-adrenérgico. Quando a adrena-
lina se liga ao receptor, ocorre a ativação da proteína G e a subunidade α estimula um
canal de cálcio. O aumento da concentração de cálcio ativa diretamente a proteína qui-
nase c (PKC) e, ao mesmo tempo, a calmodulina. A PKC ativada promove a fosforilação
de várias enzimas. A calmodulina é uma proteína que muda sua conformação ao se ligar
com o cálcio e, com isso, pode ativar outras enzimas ou proteínas – é o caso da proteí-
na quinase dependente de calmodulina (CaM-quinases). Quando as CaM-quinases são
ativadas, podem fosforilar outras enzimas na célula. Uma característica interessante é
que, mesmo se a concentração de Ca2+] diminuir, a atividade da CaM-quinase ainda per-
manece, mesmo que parcialmente, pois a enzima fosforilada pode ativar a si própria.
O complexo Ca2+-calmodulina também ativa a Ca2+-ATPase, que promove a diminuição
dos níveis citosólicos de cálcio, restaurando o estado original da célula.
Bioquímica 210

Outra maneira de aumentar o cálcio citosólico é o que ocorre quando a proteína G


do receptor de membrana ativa a fosfolipase c (PLC). Nesse caso, essa enzima catali-
sa a quebra de fosfolipídeos, liberando diacilglicerol e inositol-trifosfato (IP3). O IP3 é li-
berado no citosol e se liga aos canais de Ca2+ do retículo endoplasmático liso, liberando
cálcio no citosol. Esse aumento na concentração de cálcio e também a ação conjunta
do diacilglicerol ativa a PKC, desencadeando várias fosforilações enzimáticas e fazen-
do o controle metabólico. Esse mecanismo está ilustrado na figura a seguir.

Cálcio como segundo mensageiro proveniente do retículo endoplasmático liso


Proteína
receptora Hormônio Fosfolipase c Membrana celular

Proteína G Ca++ Ca++


Inositol
trifosfato (IP3)
Ca++
Citoplasma
Ca++ Ca++ Ca++ Ca++
Ca++ Ca++ Retículo
endoplasmático

© FabriCO

Fonte: FOX, 2007, p. 281. (Adaptado).

8.1.3 Mecanismo de ação do receptor tirosina quinase


Alguns hormônios utilizam receptores tirosina quinase para efetivarem sua ação
na célula. Existem vários tipos de receptores tirosina quinase, como mostra a imagem
a seguir.
Bioquímica 211

Receptores tirosina quinase


Domínio
semelhante à 1g
Domínio rico Domínio rico
em cisteina em leucina

Domínio
α
de interação
com o β
ligante
Fora

Dentro
Domínio
tirosina

© FabriCO
cinase INS-R VEGF-R PDGF-R EGF-R NGF-R FGF-R

Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 457. (Adaptado).

Receptores tirosina quinase não promovem o aumento de segundos mensageiros


no citosol; ao invés disso, o próprio receptor promove a fosforilação de várias enzimas
citosólicas. Um exemplo importante é o receptor da insulina (INS-R). Esse receptor é
formado por duas subunidades α do lado externo, que estão ligadas a duas subunida-
des β inseridas na membrana. A porção citosólica das subunidades β apresenta ativida-
de de tirosina quinase. Quando a insulina se liga às subunidades α do receptor, ocorre
a ativação da atividade de tirosina quinase. Com isso, as duas subunidades β sofrem
autofosforilação, que expõe o sítio ativo da enzima, que passa a fosforilar outras pro-
teínas nos resíduos de tirosina. Sem a ligação do hormônio, a atividade tirosina quina-
se permanece inibida, pois possui uma sequência autoinibitória que fica ligada ao sítio
ativo. Essa sequência só se afasta quando a enzima sofre autofosforilação.
Depois de ativado, o receptor de insulina apresenta ações gênicas e não gênicas.
A proteína IRS-1 é uma das proteínas-alvo, sendo fosforilada assim que ocorre a auto-
fosforilação do receptor. Quando fosforilada, a IRS-1 ativa várias outras proteínas. Na
ação gênica do receptor de insulina, a IRS-1 liga-se à proteína Grb2 (Src homology 2),
que tem a função de unir a IRS-1 à proteína Sos. Quando a IRS-1 está ligada à proteí-
na Sos, funciona como um fator de troca de nucleotídeos de guanosina (GEF); por isso,
catalisa a troca de GDP por GTP na proteína G Ras. Esta última faz parte da família das
proteínas G pequenas e, quando está ligada ao GTP, fica ativada. Nessa situação, ela
ativa a Raf-1, que, por sua vez, ativa a MEK e, sequencialmente, a ERK por fosforilação.
A ERK, quando ativada, entra no núcleo e ativa alguns fatores de transcrição, ativando
a transcrição de cerca de 100 genes.
Bioquímica 212

As ações não gênicas da insulina iniciam-se com a fosforilação da IRS-1. Nesse


caso, essa enzima ativa a enzima PI-3K (fosfoinositol 3-quinase) por ligação da IRS-1
no domínio SH2 da PI-3K. Com a PI-3K ativada, ocorre fosforilação do fosfatidilinosi-
tol-4,5- bifosfato (PIP2), transformando-o em PIP3 (fosfatidilinositol-3,4,5- trifosfato).
Quando isso acontece, a cabeça polar do fosfolipídeo fica voltada para o citosol, o que
promove a ligação da proteína quinase B (PKB). Com essa ligação, a PDK1 pode fosfo-
rilar a PKB. Com a PKB ativada, haverá a fosforilação de várias proteínas, incluindo a
glicogênio sintase quinase (GSK3). Quando a GSK3 está na forma não fosforilada, ela
mantém a glicogênio sintase inativa, porém, com o processo de fosforilação, ocasiona
a inativação da GSK3 e, com isso, a glicogênio sintase permanece ativada.
Outro processo que ocorre no músculo e no tecido adiposo quando a PKB está
ativada é a exocitose da GLUT4 (transportador de glicose), permitindo a entrada de
glicose na célula. Isso não ocorre em outras células do corpo, porque somente a GLUT4
é dependente de insulina, ao passo que as outras GLUTs apresentam outros processos
de regulação.
Para terminar esse processo, uma fosfatase retira o fosfato da posição 3 do PIP3 ,
gerando novamente PIP2 , que não consegue ligar a PKB, interrompendo o processo.

8.1.4 Controle por retroalimentação


A regulação imediata dos níveis hormonais ocorre no processo de síntese e de se-
creção, tendo em vista que, se depender da estrutura química do hormônio, ele não
pode ficar armazenado na célula endócrina.
A quantidade de hormônios no plasma sanguíneo é regulada pelo processo de
retroalimentação negativa e positiva. A retroalimentação negativa ocorre quando
um hormônio ativa a liberação de outro e o aumento deste último inibe a liberação
do primeiro. Muitos hormônios da hipófise promovem a ativação da produção e da li-
beração de outros hormônios. Por outro lado, a maior quantidade plasmática desses
outros hormônios inibe a liberação dos hormônios da hipófise. Por exemplo, a quan-
tidade de cortisol aumentada no plasma promove a inibição da secreção de Hormônio
Adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise. Porém a diminuição da concentração de
cortisol promove a elevação da secreção de ACTH. Outro exemplo é o paratormônio
(PTH), que é liberado quando o nível de cálcio plasmático diminui. Já quando a quanti-
dade de cálcio aumenta, promove a inibição direta das células da paratireoide, inibindo
a secreção do PTH.
Um processo inverso é o de retroalimentação positiva. Nesse caso, se a quantida-
de do hormônio estimulador aumentar, o hormônio estimulado também crescerá, ao
invés de diminuir. Um exemplo é o que acontece no processo de ovulação, em que o
Bioquímica 213

aumento do nível de Hormônio Folículo Estimulante (FSH) e Hormônio Luteinizante


(LH) na primeira fase do ciclo menstrual torna maior a quantidade de Estrógeno e, com
o pico máximo dos três hormônios, ocorre a ovulação. Depois acontece a retroalimen-
tação negativa, diminuindo a quantidade dos três hormônios. Nesse processo de con-
trole, são verificadas três maneiras para fazer a retroalimentação – alças longa, curta e
ultracurta –, como ilustra a figura a seguir.

Mecanismos de retroalimentação
Fator de liberação Hormônio trópico

+ +


Hipotálamo c Adenohipófise Órgão-alvo
Hormônio
– – b – a
do
a
órgão-alvo
a = inibição de alça longa
b = inibição de alça curta

© FabriCO
c = inibição de alça ultracurta

Fonte: MOLINA, 2015, p. 19. (Adaptado).

Os processos de retroalimentação controlam a quantidade de hormônio no san-


gue, por meio do controle da produção ou da liberação do hormônio pela célula endó-
crina. Com isso, os hormônios podem controlar a homeostase do organismo em vários
estados nutricionais, como no estado alimentado. Nesse caso, o excesso de glicose no
sangue estimula a liberação de insulina, o que ocasionará mudanças no metabolismo,
proporcionando a posterior diminuição da glicemia aos níveis normais, ou seja, entre
60 e 99 mg/dL de sangue. A explicação detalhada desse mecanismo será descrita no
próximo tópico.

8.2 Bioquímica do estado alimentado


A mudança de estado nutricional ou hormonal do indivíduo interfere nas princi-
pais vias metabólicas da maioria dos órgãos do corpo. Um indivíduo que se alimenta
de carboidratos, lipídeos e/ou proteínas promove uma modificação hormonal e, por
consequência, no metabolismo celular.
Bioquímica 214

Parte da glicose absorvida pelas células intestinais, assim como os aminoácidos, é


utilizada pelos enterócitos; o restante da glicose entra pelo sistema porta hepático, ati-
vando a liberação de insulina. A insulina chega primeiramente ao fígado para depois cair
na circulação sistêmica e atingir outros órgãos. Os triglicerídeos absorvidos no intesti-
no são transportados na forma de quilomícrons e caem primeiro na circulação linfática
para depois entrar na circulação sistêmica. Como o fígado é o primeiro órgão a receber
os carboidratos absorvidos no intestino, a insulina age primeiramente nesse órgão.

8.2.1 Fígado
O transportador de glicose-2 (GLUT2) do hepatócito não depende da insulina
para estar presente na membrana plasmática. Por esse motivo, em todas as situações
metabólicas, a glicose entra no hepatócito por diferença de concentração. No estado
alimentado, a disponibilidade de glicose é grande na veia porta, o que promove grande
aporte desse monossacarídeo para o hepatócito. Boa parte da glicose entra na via gli-
colítica para a formação de ATP e também pode ser usada na via das pentoses fosfato,
gerando grande quantidade de NADPH. Porém, com a estimulação da insulina, parte
da glicose que entra no hepatócito é armazenada na forma de glicogênio. Se a quanti-
dade de glicose não for muito grande, o restante é liberado no plasma para manter a
glicemia. Por outro lado, se a quantidade de glicose for excessiva, a insulina induz ao
aumento da produção de ácidos graxos e depois, por consequência, a síntese de trigli-
cerídeos, que posteriormente serão armazenados no tecido adiposo.
Os aminoácidos que chegam pelo sistema porta hepático entram no hepatócito,
que usa apenas uma parte para a síntese de suas próprias proteínas (o restante é libe-
rado na circulação sistêmica). Esse funcionamento é importante para que todos os te-
cidos possam utilizar os aminoácidos essenciais que chegam pela alimentação. Além
disso, esse processo ocorre porque as enzimas hepáticas que metabolizam os aminoá-
cidos apresentam um Km muito alto, o que significa ser necessário grande quantidade
de aminoácidos antes que ocorra o catabolismo.

8.2.2 Músculo
O tecido muscular só consegue captar glicose quando o transportador de glico-
se-4 (GLUT4) estiver na membrana plasmática e isso ocorre apenas na presença de
insulina. De fato, a insulina promove a exocitose de GLUT4 presentes no interior das
células musculares e, com isso, haverá uma entrada maior de glicose nessas células. Ao
entrar na célula muscular, a glicose é utilizada para a produção de ATP durante a glicó-
lise; o restante é armazenado na forma de glicogênio até a quantidade de no máximo
1% do peso do tecido.
Bioquímica 215

Os aminoácidos que chegam ao músculo são utilizados preferencialmente para a


síntese de proteínas. Com a grande disponibilidade de glicose e a presença de insulina, o
metabolismo energético do músculo está desviado para o consumo de glicose, portanto,
os ácidos graxos não são utilizados pelas células musculares nesse estado nutricional.

8.2.3 Tecido adiposo


Da mesma forma que o músculo esquelético, o tecido adiposo só possui GLUT4
na membrana se houver a estimulação por parte da insulina. Com isso, a glicose pode
entrar no adipócito para ser usada na glicólise. Os triacilgliceróis chegam ao tecido adi-
poso transportados pelos quilomícrons, lipoproteínas específicas para o transporte de
lipídeos e formadas no intestino. Para que os triglicerídeos possam chegar ao interior
do adipócito, é necessário que a enzima lipoproteína lipase, que está na superfície das
células endoteliais dos capilares do tecido adiposo, faça a hidrólise dos triglicerídeos,
liberando ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos atravessam a membrana do adi-
pócito por difusão simples e são reesterificados com o glicerol 3-fosfato, que é deriva-
do da via glicolítica, para formar novamente triacilgliceróis e serem armazenados. Ao
mesmo tempo, os triacilgliceróis sintetizados no fígado pela estimulação da insulina
são unidos a várias apoproteínas para formar o VLDL (Very Low Density Lipoprotein). O
VLDL também chega ao tecido adiposo e a lipoproteína lipase promove a retirada dos
triglicerídeos dele, como ocorre para os quilomícrons.
Observe a figura a seguir, que mostra de maneira simplificada a integração meta-
bólica que ocorre no estado alimentado, começando com a absorção intestinal de gli-
cose, aminoácidos e gorduras.
Bioquímica 216

Integração metabólica no estado alimentado

Pâncreas
(celulas β)

Intestino Insulina Fígado

Glicose Glicogênio
Glicose Amino-
amino- Veia porta -ácidos
ácidos Piruvato Ureia
Síntese de
proteínas Gordura

Lactato Cérebro
Gorduras Síntese
proteica CO2 + H2O
Linfáticos (todos os Quilomícrons
Quilomícron tecidos) remanescentes

VLDL

Lactato

Gordura

Eritrócitos Tecido adiposo

CO2 + H2O Glicogênio

Tecido muscular
© FabriCO

Fonte: DEVLIN, 2007, p. 833. (Adaptado).

Você deve ter percebido que o metabolismo celular no estado alimentado depen-
de da secreção de insulina. Ela direciona o metabolismo em direção ao anabolismo:
síntese de glicogênio, síntese proteica e armazenamento de lipídeos.

8.2.4 Obesidade
Um problema comum enfrentado pelos seres humanos é o fato de ingerirem mui-
to mais alimentos do que a sua necessidade calórica diária. Se isso ocorrer, o organis-
mo humano consegue armazenar as calorias excedentes na forma de triacilgliceróis,
gerando, assim, o problema da obesidade.
Bioquímica 217

A obesidade acontece quando a quantidade de alimentos ingerida pelo indivíduo,


especialmente os alimentos mais calóricos, é maior do que a sua necessidade energé-
tica. Esse processo envolve vários fatores que atuam em conjunto, tais como a falta de
habilidade do sistema nervoso central em controlar o apetite e o sedentarismo, predis-
posição genética e fatores nutricionais.
O aumento do armazenamento de triacilgliceróis causa hipertrofia e hiperpla-
sia dos adipócitos. Isso faz com que o tecido adiposo produza uma série de citocinas
inflamatórias, que estimulam a deposição de macrófagos. Por isso, a obesidade pode
ser definida como um aumento da massa corporal na forma de triglicerídeos além dos
limites físicos.
Os adipócitos, além de armazenarem gorduras, apresentam função endócrina,
ou seja, comportam-se de maneira similar às glândulas, produzindo hormônios. A li-
beração do hormônio leptina regula a massa corporal, diminuindo a ingesta alimentar,
além de aumentar o gasto energético. A grelina, liberada pelo estômago, promove a
diminuição da oxidação lipídica e o aumento da ingesta calórica, promovendo um pa-
pel inverso ao da leptina.
Muitas comorbidades ocorrem junto com a obesidade, entre as quais estão a dia-
betes, hipertensão, dislipidemia, a síndrome do ovário policístico, apneia, várias doen-
ças hepáticas, osteoartrite, hiperatividade simpática e a hiperinsulinemia. Porém, a
obesidade pode ser consequência de outras patologias, como o hipotireoidismo, a in-
sulinoma e a síndrome de Cushing. A síndrome metabólica também é um processo
prevalente na obesidade central. Essa síndrome consiste em alterações metabólicas
provocadas pelo sobrepeso.
Para finalizar, observe a figura a seguir. No estado alimentado, e quando há um
excedente de nutrientes, o tecido adiposo está captando gordura, seja a partir dos qui-
lomícrons provenientes do intestino ou da VLDL proveniente do fígado.
Bioquímica 218

Integração metabólica na obesidade

Pâncreas
(celulas β)

Insulina

Intestino Fígado
Glicose
Glicose Amino
amino- ácidos
ácidos Veia porta
Gordura Lactato

VLDL Eritrócitos

Gorduras
Quilomícron
Gordura
Linfáticos

© FabriCO
Tecido adiposo

Fonte: DEVLIN, 2007, p. 853. (Adaptado).

Com todas essas observações, percebe-se que a etiologia da obesidade é muito


complexa, com desenvolvimento multicausal e produto de intricadas interações entre
fatores genéticos, psicológicos, socioeconômicos, culturais e ambientais.

8.3 Bioquímica do jejum


O metabolismo humano oscila entre períodos nos quais nos alimentamos e perío-
dos nos quais ficamos em jejum. Sendo assim, é indispensável que durante o jejum a gli-
cemia seja mantida dentro de níveis adequados, garantindo o funcionamento das células.
Os neurônios, por exemplo, utilizam preferencialmente a glicose como fonte de ener-
gia e os corpos cetônicos de forma alternativa. Já as hemácias utilizam apenas a glicose
como combustível. Por esses motivos, a manutenção da taxa glicêmica é essencial.
Bioquímica 219

Na situação de jejum, o hormônio glucagon é liberado e desencadeia uma série


de eventos metabólicos que envolvem a quebra de glicogênio hepático e a gliconeo-
gênese, entre outros, auxiliando na manutenção da glicemia. Quando o indivíduo fica
sem comer por até 12 horas, considera-se jejum inicial. Depois disso, se o indivíduo
permanecer em jejum, passa para o jejum prolongado. Esses dois tipos de jejum pro-
movem mudanças metabólicas importantes no indivíduo.

8.3.1 Jejum inicial


Como afirmado anteriormente, é considerado estado de jejum inicial quando o in-
divíduo não se alimenta por aproximadamente 10 a 12 horas. Nessa fase, a glicemia co-
meça a diminuir e este estímulo promove a liberação de glucagon pelas células alfa do
pâncreas. A liberação de glucagon ocorre na veia porta hepática e, por esse motivo, o
fígado é o primeiro órgão que recebe o hormônio. A ação primária do glucagon é ati-
var a glicogenólise hepática, liberando glicose armazenada para a corrente sanguínea,
normalizando a glicemia.
A glicogenólise é essencialmente regulada pelo hormônio glucagon, mas em situa-
ções específicas tais como a atividade física, estresse ou até mesmo algumas patologias,
outros dois hormônios podem estimular a glicogenólise: a adrenalina e o cortisol.
Veja na imagem a seguir, que o lactato produzido no músculo, durante o metabo-
lismo anaeróbio, e nas hemácias também é utilizado para a síntese de glicose pelo pro-
cesso de gliconeogênese. Isso deve ocorrer se o indivíduo se mantiver em jejum, ou
seja, ele passa do estado de jejum inicial para o prolongado.
Bioquímica 220

Interrelação metabólica no jejum inicial

Pâncreas
(celulas α)

Intestino Glucagon

Glicogênio Fígado

Veia porta
Glicose

Lactato
Cérebro

Linfáticos CO2 + H2O

Eritrócitos
Alanina

Lactato Tecido adiposo

Piruvato

Tecido muscular
© FabriCO

Fonte: DEVLIN, 2007, p. 834. (Adaptado).

Além do lactato, o piruvato e a alanina também sofrem desvio da oxidação e da


biossíntese de ácidos graxos para serem transformados em glicose. Esse processo será
descrito no próximo tópico.

8.3.2 Jejum prolongado


Diferente do que ocorre na glicogenólise, que é rápida, a gliconeogênese passa-
rá a ser o principal metabolismo produtor de glicose à medida que o jejum se prolonga.
Depois de ultrapassar 10 a 12 horas de jejum, o glicogênio hepático foi depletado (ou
seja, acabou) e o organismo depende essencialmente do mecanismo de gliconeogê-
nese do fígado. Esse mecanismo está acoplado ao Ciclo de Cori e ao Ciclo da Alanina.
Bioquímica 221

O problema é que não ocorre aumento significativo na quantidade de glicose por esses
dois ciclos, o que acontece é que a formação de glicose a partir da alanina e do lacta-
to apenas repõe a glicose convertida nessas moléculas nos outros tecidos e não contri-
buem para o seu aumento.
Assim, os aminoácidos provenientes do músculo estriado esquelético e o glicerol,
proveniente do processo de lipólise que ocorre no tecido adiposo, tornam-se fontes
importantes de carbonos necessários para a manutenção da gliconeogênese. Também
haverá aumento dos níveis de ácidos graxos no sangue em decorrência da lipólise. Isso
é importante porque vários tecidos, como o músculo cardíaco e o esquelético, desviam
seu metabolismo para o consumo desses compostos, em detrimento da utilização de
glicose e da oxidação do piruvato (DEVLIN, 2007).
No fígado, os ácidos graxos entram no processo de β-oxidação, gerando grande
quantidade de acetil-CoA. Parte do acetil-CoA é utilizada para a geração de ATP na cé-
lula hepática. O restante é desviado para a cetogênese, aumentando a produção de cor-
pos cetônicos. Quando a concentração de corpos cetônicos aumenta no plasma, eles
podem entrar no cérebro a fim de servirem como combustível alternativo para a forma-
ção de ATP. Porém a quantidade de ATP fornecida pelos corpos cetônicos ao cérebro
não é a mesma que a glicose fornece; por isso, eles não podem ser utilizados indefini-
damente. Os corpos cetônicos também podem ser utilizados pelo músculo estriado
esquelético. Quando isso acontece, o processo de proteólise e de oxidação dos ami-
noácidos é interrompido, diminuindo a liberação de alanina. Isso protege o músculo
contra perdas excessivas na massa muscular, mas diminui a quantidade de glicose sin-
tetizada no fígado.
No que diz respeito aos aminoácidos utilizados na gliconeogênese, a maior parte
deles é transformada em alanina ou em glutamina em processos metabólicos próprios.
No entanto a utilização de quaisquer dos aminoácidos no processo de gliconeogênese
requer a retirada do grupo amina. Depois disso, o grupo amina entra no ciclo da ureia e,
por esse motivo, a gliconeogênese e o ciclo da ureia estão interligados.
Perceba na figura a seguir que todos esses processos de inter-relação metabólica,
no jejum, dependem da ação hormonal.
Bioquímica 222

Interrelação metabólica no jejum prolongado

Pâncreas
(celulas α)

Glucagon
Intestino Proteína Fígado
Glicerol
Aminoácidos
Veia porta Ureia
Glicose Corpos
Enterócitos
Lactato cetônicos
Alanina Alanina Cérebro

Glicerol CO2 + H2O

Ácidos graxos
Linfáticos
Lactato Alanina

Gordura

Glutamina Tecido adiposo


Eritrócitos
Amino-
CO2 + H2O
ácidos

Proteínas
Tecido muscular
© FabriCO

Fonte: DEVLIN, 2007, p. 835. (Adaptado).

Após um longo jejum, se o indivíduo voltar a se alimentar, a glicose absorvida


pelo intestino não será utilizada para a síntese de glicogênio hepático. Ela será dire-
cionada para os tecidos periféricos, onde serão utilizadas para produção de energia.
Haverá a formação de lactato e este será levado ao fígado e convertido em glicose,
que será armazenada como glicogênio. Então, o glicogênio hepático não é reposto di-
retamente pelo processo alimentar. A conversão dos aminoácidos da dieta em glico-
se também tem primariamente a função de restabelecer a quantidade de glicogênio.
Depois disso, a gliconeogênese cessa e o glicogênio hepático passa a ser mantido pela
glicose do sangue (DEVLIN, 2007).
Bioquímica 223

8.4 Dieta, câncer e diabetes mellitus


Além dos estados nutricionais, os estados de saúde também afetam o metabolis-
mo de quase todos os órgãos. Modificações qualitativas ou quantitativas na alimenta-
ção promovem alterações nos hormônios liberados pelo pâncreas, assim como algumas
doenças promovem modificações dos tipos de citocinas liberados. O câncer, por exem-
plo, promove liberação de várias citocinas que alteram completamente o metabolismo
orgânico da pessoa acometida pela doença. No diabetes, a hiperglicemia crônica desen-
cadeia inúmeras complicações, entre elas, alterações vasculares que promovem disfun-
ções circulatórias no organismo todo, como será discutido no próximo tópico.

8.4.1 Dieta
O processo de emagrecimento requer um balanço energético negativo no indiví-
duo. Isso significa que uma menor quantidade de calorias deve ser ingerida, ao passo
que o gasto calórico deve ser aumentado. O consumo de menor quantidade de macro-
nutrientes e, consequentemente, de menos calorias, não modifica significativamen-
te o ciclo jejum-alimentação. Com isso, o indivíduo permanece no estado alimentado
por menor tempo, passando ao estado de jejum mais rapidamente, o que libera menor
quantidade de insulina e, por consequência, o armazenamento de glicogênio e triacil-
gliceróis acontece em menor quantidade. Outra maneira de reduzir calorias é simples-
mente diminuir a ingesta de triglicerídeos, o que diminui a síntese de quilomícrons e o
armazenamento desses lipídeos no tecido adiposo.
Quando uma pessoa se submete a uma dieta com porcentagem nula de carboi-
dratos, ou seja, uma dieta cetônica, o metabolismo hepático permanece quase o tempo
todo como se estivesse em jejum. Isso força o fígado a consumir lipídeos em detrimen-
to do consumo de glicose, mantendo a formação de corpos cetônicos e a transformação
dos aminoácidos da ingesta para a formação de glicose, mesmo no estado alimentado.
Deve-se salientar que uma dieta como essa, que promove aumento na ingesta de pro-
teínas, deve ser acompanhada de aumento no consumo de água. Essa observação é im-
portante porque mais ureia será formada no fígado e eliminada para a urina e, quando
isso acontece, a água do plasma também é eliminada na urina, podendo iniciar um qua-
dro de desidratação, com sobrecarga hepática e renal.
Bioquímica 224

8.4.2 Bioquímica do câncer


As células neoplásicas apresentam funcionamento anormal em relação às outras cé-
lulas do corpo, pois não seguem o ciclo jejum-alimentação. A energia utilizada por essas
células é derivada preferencialmente da glicose e, muito raramente, existe adaptação, por
parte delas, a outros metabólitos. As mudanças hormonais que alteram o metabolismo
energético não afetam a maioria dos tumores. As células da periferia do tumor podem
metabolizar grande quantidade de glicose em processo aeróbico, mas as células do centro
do tumor geralmente se apresentam em hipóxia. Esse fato aumenta a produção do fator 1
hipóxia induzido α (HIF-1α), que aumenta a transcrição de GLUTs e de enzimas da via gli-
colítica. Isso justifica o fato de a glicólise ser tão ativa em células tumorais.
Devido à presença do HIF-1α, a maioria dos tumores apresenta grande capacida-
de de gerar ATP pela via glicolítica. No corpo humano, existem determinados genes que,
aparentemente, são os alvos mais comuns dos carcinógenos. Estes são conhecidos como
proto-oncogenes e, em sua função normal, auxiliam no controle da proliferação e da di-
ferenciação celular. Quando mutados, passam a agir de forma descontrolada, possibili-
tando a formação de neoplasias. Esses genes mutados são denominados oncogenes.
Um grande problema enfrentado pelos pacientes com neoplasias é exatamen-
te essa voracidade que as células cancerígenas possuem em relação à glicose. Como
elas não respondem aos estímulos hormonais, mesmo no jejum continuam drenando
grande quantidade de glicose do plasma. Apesar da voracidade, esse fato não explica
completamente o estado de caquexia, porque, muitas vezes, um pequeno tumor aca-
ba levando a um grande emagrecimento no paciente.
Além disso, vários distúrbios hormonais são comumente encontrados em pacien-
tes com câncer, pois alguns tumores podem ser secretórios de hormônios. A presença
do tumor também induz à produção de citocinas inflamatórias, como a interleucina-1
(IL-1), a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral α (TNF-α) pelas células do
sistema imune. A presença do TNF-α causa o depauperamento do organismo (DEVLIN,
2007), mas o aumento do fator indutor de proteólise (PIF) verificado na neoplasia oca-
siona a diminuição da quantidade de proteína muscular e também a presença do fator
mobilizador de lipídeo (LMF), que estimula o catabolismo dos triglicerídeos do tecido
adiposo (SILVA, 2006).
Bioquímica 225

8.4.3 Diabetes mellitus 


Modificações no padrão de insulina e de glucagon nos pacientes diabéticos oca-
sionam mudanças metabólicas significativas. Há indivíduos que apresentam diabetes
tipo I, que ocorre em mais de 95% dos casos por doença autoimune, chamado de tipo
1a, e em menos de 5% é idiopática, chamado de tipo 1b. Pessoas que apresentam fa-
miliares com diabetes tipo 1 possuem um risco de aproximadamente 6% de desenvol-
ver a patologia; em contrapartida, para as que não apresentam nenhum familiar com a
doença, o risco é de 3% (GARDNER; SHOBACK, 2013). Em qualquer um dos casos de
diabetes tipo I, as células β pancreáticas são destruídas e, portanto, não existe insuli-
na basal, predominando a secreção de glucagon. Esse fato aumenta muito a glicemia e
também o catabolismo de gorduras e de proteínas, no paciente, estimulando o proces-
so de cetogênese. Assim, o paciente diabético do tipo I é magro, tem grandes possibi-
lidades de apresentar cetoacidose diabética e entrar em estado de coma cetoacidótico
e coma hiperosmolar. O tratamento para esse tipo de patologia é a administração sub-
cutânea de insulina, dieta controlada e exercícios físicos.
O diabetes do tipo II é uma patologia na qual ocorre um aumento na resistência à
insulina ou mesmo à deficiência parcial de insulina. Essa é uma patologia com múltiplos
fatores, inclusive com uma prevalência ambiental e genética. A resistência à insulina é
definida como uma diminuição da resposta tecidual a ela e, por esse motivo, ocorrem
muitas alterações metabólicas. Com o aumento da resistência, os tecidos muscular e adi-
poso não respondem e não conseguem captar a glicose adequadamente, ocasionando
hiperglicemia. A hiperglicemia mantém constante a secreção de insulina pelo pâncreas e,
por consequência, suas ações, principalmente no fígado, aumentam a lipogênese.
Por esses motivos, os pacientes geralmente apresentam obesidade, o que au-
menta ainda mais a resistência à insulina, piorando o quadro. O tratamento é a utili-
zação de medicamentos orais, como os secretagogos de insulina (um exemplo são as
sulfonilureias), os sensibilizadores de insulina (como as biguanidas) e outros. Além do
tratamento à base de medicamentos, é necessário um controle estrito na dieta, além
de exercícios físicos.
Este capítulo forneceu uma visão geral dos mecanismos de ação hormonal e in-
ter-relação metabólica. Você deve ter percebido que mudanças no estado nutricional,
jejum ou alimentado, induzem diferentes respostas de hormônios. Essas modificações
promovidas pelos hormônios ocasionam alterações importantes no organismo do in-
divíduo. Em casos específicos, como ocorre no diabetes e no câncer, as alterações no
metabolismo celular são acentuadas e as células, os órgãos e o corpo, como um todo,
perdem a homeostasia. Simples mudanças nos hábitos alimentares podem ser eficien-
tes para atenuar esses efeitos indesejáveis. Pense sobre isso.
Bioquímica 226

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