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so das dein rarquzado de conesitos © iv. O pln da dexcters, toh Ase inod ote, Pes oe padnsa ~ Comesar pelos principles. A contradicio e v par iride No mincipa pole war Saget ‘ © deta con scre odio sane Iu tn, em inp. Docume ‘naz, te como reizalo a Unerdade. 0 dco como eno de clesiidae Dco€ Ot 0 proceso da cmpretma A psa as pla O sa do power Oc x ‘or 6 envesganenta ene © ‘Nang mel oo 0 ar door 4 opiniio pelo conhecimento, ini dict some ts pe ber. Sabra Sar tecnica 0 saber. A in filos eae ei 0 tbe ic sin do Res cae “eativelmente verdadeira ¢, a partir daf, claborarmos toda uma renda de bilros conceitual, donde ousarfamos descer, com toda a seguranga dogmatica, dos cumes da abstracgdo para a realidade © a vida Por exemplo, comegarmos por adoptar ~ como o primeiro mot de uma hierarquia conceptual ~ a nogo mais vulgarizada do d dizendo que ele € um sistema de normas de conduia social ass de protecgao coactiva. Explicarmos, em seguida, que, a0 lado do Jireito, ha varias ordens normativas da realidade ~ como a moral, lismos ¢ a religiio. Precisarmos finalmente que a 10 € aquela que € garantida por um mecanismo de coacgao estadualmente organizado, onde, a maneira de Max Wever, hé probabilidade da ordem ser mantida por um aparelho coactivo, isto é, por um quadro especifico de homens que usard a forga fisica _ ou psiquica com a intengdo de obter conformidade com a mesma, ou de impor sang6es pela sua violagio. ‘Se assim procedéssemos na pesquisa do quid ius, estarfamos a dar fins, de-tfinire, a dar limites ao objecto, ousando uma nogo completa sr uma oragao com a pretenstio de palavra ou a esséncia de uma coisa a, tratariamos de construir um ‘daqueles primeiros p) abstractos, como € tipico de qualquer dogmatica. Um primeiro prinefpio que, reunido a outros através do rendilhado de um sistema fechado, poderia permi por dedugio, explicéssemos todas as coisas desse universo estabe- lecendo um sistema hierarquizado de conceitos. José Adel Maez, © PROBLEMA DO DIREITO 0 sic ‘Proaen a tie vide (dubtario), uma aporia, onde no hafta men verdadeiras que cortem cerve & questéo, imposs Peery iseussto, O dieto = como diva Ansroress sobre tal aS — tem movimento, dado que nele viv i ou o paradox ene oserem porenciacossremator sate anna Seed rem acto, entre a matéria Daf que 0 direito constitu constitua uma daquelas zo ‘ humanas “onde apenas afimagies proves step dscusstoe de adoquagio ds relidaes, gerando wet problemas, © pico des sistemas abert. fice as classficacdes.conceituais, proprias de wm et 2 slr, talver mio passa acess plo essere tela dfniedo de um conceto entendide como substi lepois, se desceria, dedutivamente, do axio = de um rendilhado légio de defnigdese subdetivigoen Me donde, de através igdes € subdefinigées, hierarquica- inologicamente controladas pelo dicionério et mestre-pensador, i ‘matriz. hobbesiana, em que ac "cal certs herdites do junacionaliomo e da fapradancie dog rrudéncia dos sistema conceites, escol onde a pureza metodoldgi gica © 0 rigor teen ie controlada de c os (wg. ov 66 estabelecer os axiomas, por ir dos quai pretende1 do oa discurso sistemicament fechado. : 1s_cultores das mesmas escolas, izando métodos iios, foram_elaborando réorias gerais -quase depois desdobradas de forma hierdiquica, em text oo a anotados, para uso da jurisprudéncia' : ed clio glia Postura. que parece esquecero que JuuUs voN Kites 1899} disse em 1847: sempre que. ciéncia do direito. ae x 08 pri Tesenvolver-se Métodos 1.0 Dincito come Probiema + causal 0 seu objecto, ela mesma se converte em algo de causal: trés palavras de justificagdo do legislador ¢ bibliotecas inteiras de doutrina tornam-se papel de embrulhor Especialmente para quem sentiu a ruptura de uma recente revolugdo politica portuguesa ¢ esté agora a viver os efeitos da chamada revolugdo global que, entre n6s, passam especialmente pela epragio no proceso de construct do projecto de institucionslizaso ima entidade politica europeia supra-estadual, pela adequagdo laldeia global da comunicacio social ¢ pela intemacionalizagao da sociedade civil. © pensamento problemético Talver facamos parte de uma familia de pensamento que gostaria de acoder ao diteito pela inventio, pelo descobrimento dos lugares {que server de apoio & discussao e permitem 0 didlogo. Isto 6, pela dialéctica daquela classica ars inveniendi cujo traquejo poderia Constituir uma espécie de juste milieu entre © pensamento pro- blemitico (Problemdenken) © 0 pensamento sistemético (Systemdenken) Onde se anda d volta de um problemi, isto €, de toda a questio ue aparentemente permite mais de uma resposta. mas que tambéra requer, necessariamente, um entendimento. preliminar. Onde se reclamia que s6 pode haver didlogo entre posigSes adversérias quando cntre elas, se estabelecem pontes de consensualidade, ou lugares comuns. ‘Assim, problema, através. de uma formulagio. adequada, introduz-se-numa série de dedugGes, mais ou menos explicitas, ou ‘mais ou menos extersas, e, pela via de uma espécie de intuicdo imediara, pode set perspectivado através de diferentes argumentos € ‘variados pontos de vista, para que se encontrem, de maneira 20s (topo), ow os lugares, comuns (loci), isto orientadores da argumentacao, os elementos eis que permitem a fundamentagio de uma is convincente. possivel. ingit-se as regras materiais de Agena do & 0s pontos de conjecturais ¢ discut decisio, do mod taint dor Turcnradene ols Wusenschaft (® “Topica © que, no dominio do dire solugées_ escolhidas oIhidas por referéncia aos problemas, que podem ser enso de todos agueles que pensam de modo ara utilizarmos as palavras de Horst Enmxs’ praticamos alguns dos modelos da chamada t6pica norteadas pelo cons racional e justo, py Se assim fizerm iment: a, "© Jox6 Adcino Malte, PROBLEMA Do DiREtTO ae inada questi, as razies a favor ‘aquela simplificago, mecanicista ou sis abenas actus por reflexos © no pela reflex, gh tam eri do deter HP late isamento problemético é, assim, diverso do pensamento 10 pode ser marcado pelo autoritarismo erante os disefpulos, constituindo um ista que nfo dé lugar a © mesmo tipo de pensamento também nao se dé bem com os as regras operativas da ars iudicandi, ov ido que a inventio deve ser primétia ¢ a manuais de programagao e da I6gica demonstrativa, da conclussio, secundiéria, & Pensamento problematico assui determinando os princfpios enguanto 0 segundo é marcado pe argumentativa, de ratzes. aristo heveldssicos e neotomistas da ac reabilitagao da filosofia prética ow Partir de simples opiniGes, ‘onde existe uma conclusao. Se o pensamento sistemético actua per madum conch partir de primeiros princi me © per modum determ inferindo conclusées a Com efeit er, sobre matéia Taeoo0n dent. Bin Bere zur rehs tind, cas. de Eduardo Garcia de opta pelo processo da lade do conhecimento a ‘ontrario dos procedimentos apodicticos, que se atinge, partindo de proposigoes login de Citucia do Direto (1940), te. por, 196, 9.174 Micros, Tepica y Jursprudencia (opik und iscenchaitichen rien p49, Grundiagenforichung, Miniqse 10 Direto como Problema primeiras ou verdadeiras, como acontece na pura filosofia, Para tanto, © primwiro- modelo propie a formulagéo clara dos problemas a “resolver, a escolha de todos os argumentos a favor-e-contra’. © ponto fuleral do processo est na inventio, no descobrimento A vento (Em alemio Auffindung) dos topoi, das méximas e dos brocardos Jjuridicos que constituem ume espécie de thesaurus ou de manual de “argumentos € que servem de apoio A discusséo do problema, transformando qualquer tipo de sistema num sistema aberto. Um_método que, além da exposigio, v criativo, de acordo com o s ygico da expresso ‘argumento, entendido como agi picaga, como o aguilhio {que visa dar movimento a uma coisa animada, nesse processo pelo qual a razéo progride do desconhecido para o conhecido, conforme as palavras de So TomAs De AQUINO® E evidente que, situados nas teias de uma determinada cultura ‘modemista, a qual esqueceu destas tSenicas cléssicas, no ‘ousaremos construir um modelo altemnativo & forma mentis dominan- te. Aceitaremos, contudo, algumas das provocagées da t6pica © tenderemos a propor formas de conciliagao entre o pensamento problemético € 0 pensamento sistemético Advogamos apenas 0 recurso a métodos prético-teleolégicos que déem um pouco de sal aos métodos cognitivos do. racionalismo modemista e dos positivismos, admitindo o recurso ao direito natural eA natureza das coisas. Julgamos, aliés, que nos velhos armazéns da jurisprudéncia dos conceitos, da jurisprudéncia dos interesses © da teoria pura do direito,talvez seja wil abrirmos prateleiras para a tépica, a dialéctica e a hermenutica. Poderernos, assim, compensar aqueles neopesitivismos que, parecendo altemativa ao modelo dominante, aacabam por restaurar, por influéncia da linguistica e do estruturalis- ‘mo, os métodos descrtives e analitcos, através de andlises ldgicas que > Ente oe principale depts da reablitago ds filosofia pice Wits Hanes, Polk também um acto © argument » Malez, © PROBLEMA Do DiRETTO se preocupam preponderantemente com a seméntica, a cibern 2 significagéo dos agregados humanos. Nao faltam sequer aqueles neofinalistas que, acreditando no salvifico de certa social engineering, Procuram substituir 0 dogmatico pelo estratégico, Neste sentido, apenas queremos chamar a atengdo para um regresso A globalidade do método da Escola dos Comentadores, Nao basta a organizagio dogmitica, através de uma sistemética constante de divisoes © subdivisées. Nao basta a formulacao de principios gerais, com a elaboragio de conceitos e definigdes, para se utilizar © método dedutivo. Nao chega o simples método silogistico, Importa. A sitaglo, a propésito de cada problema, de todas. as opinibes pré e contra..Importa a colecgto das. opiniées. existentes num e noutro sentido, para atingirmos--opinido. comumt Cumpre recordar, como Micue. Viney (1914-1988), que 0 proceso é 0 bergo do direito. O processo uma controvérsia, onde se visa a descoberta de uma solugao justa, a fim de se reconciliarem £8 Pontos de vista das partes adversas. Ora, neste espaco judicidrio, wente a retdrica, a teoria da palavra, e nela até pode se a dialéctica. No processo, pessoal especializado actua tro de uma causa, invocando autoridades, da lei e dos prine{pios gerais a outros topoi, fazendo, sobretudo, uma critica da linguagem da interpretagdo, ¢ visando chegar & conclusdo da quaestio pela via da sententia que, como as concl ica, comporta uma decisdot Podemos, assim, dizer que proceso, além de ser uma espécie de sismégrafo, que detecta as concepgdes de dite determinada comunidade, nfo s6 é 0 revelador do dado que nele se diz do direito (iuris-dictio), como até pode ser um efectivo criador do mesmo, Porque o juz, a0 ndo poder abster-se de jugar, ido no Ihe chega recorrer a interpretagao literal da inevitavelmente os argumentos es da J Gina: Basch 04 Caur, Hltéra do Dirato Portguds, ites clighas por A. ‘Busbosa de Melo, Coimba, 1955, pp. 344 {(Mcun Vessy, Droit Prospect texto de 1983, p04 S1ore Govato- Fast eRe Sive, 4 Grandes Questions de Philosophie du Drod. Pais, PUR, 1993 pp 204 306 * Chan Pern, LagiqueJurdique, Nouvelle Rithorque, Ps pRROUEMADS DUP Se 1. © Dizeto coma Problema a st non nbver! pel Gade detgta T ponies om diailo civil, porque é dificil que nao-possa-ser-subvertida| Para além das definigbes, importa o estabelecimento de t6picos, ree alr eee servem para a ponderagdo dos prés e dos coniras Uns ope e poem conden veda, core a dl Fonds tts qu. romans, ao lado ds stats ieals (gramiitica, retérica, dialéctica — no sentido de légica — ‘HEE, geometria, miisica e astronomia), referiram as duas artes bona que deviam dominar 0 vir bonus: a arte do direito e a arte da estratégia Niio somos, assim, seguidores dos ditames constantes do Verdadeiro Método de Estudar {1761}, de Luis Axrowio VeRNey, nen ia 0 método sintético, comper {1772}, onde se prescrevia 0 mét demonstrativo, determinando-se que os professores deveriam dat primeiro que tudo as definigaes, ¢ as passando-se logo aos primeiros principio. simplices, e mais fa para as conclusoes mais particulares, formadas da combinagao de maior nimero de ideias, e por isso mais complicadas, ¢ sublimes, € de inteligéncia mais dificultosa. i Mais se estbeleia que devero os professores ensinar Somente a Jurispradtncia por Compéndias brevet, claros ¢ bem andenados. Os quai por se comporem anicamente do suc, ¢ da ssubstdncia das Doutrinas; por trazerem precisamente as Regras, excepedes principais, € do maior quase todos na Jurisprudéncia Did Polémica; por néo misturarem 0 Por nés, preferimos expor a confusdo das doutrinas, a polémica © 0 incerto e, & maneira de Luis CaBrat. 0 Moxcapa, diremos que ligamos muito mais importincia as perguntas que formos fazendo do gue as respostas que formos dando, quando tentamos dat tespostas. lene do ste ‘aaisperile 9 menos) © @complnudine (0 agumento que voce aco © 50 José Adelino Maltez, © PROBLEMA DO DIREITO Se Aino Wate 0 PROBLEMA DO DweO Com isto, nao pretendemos, evidentemente, fazer qualquer Jeremfada contra a tradicional sebenta, mas tio $6 alertar para 1 formas de pretenso, e autoproclamado, antidog, vezes, escondem no seu seio um no met alguns ditames do pombalismo didéctico ainda continuam a marcar “Gensino em Portugal. Uma heranga que, conciliandlo-se como modelo napole6nico-republicano de universidade, constitui o essencial de uma rotina construtivista, bem servida por todos aqueles ex- ~revolucionatios que se convertem ao situacionismo dos sucessivos néopomibalismos, os quais se julgam tolerantes so Porque nao usam 6 cavete, embora continuer a mobilizar 0 inqusitorialismo das juntas de providéncia literdria e dos métodos decretinos junto dos aparelhos Weoldgicas que promovem a tuta de classes na teoria, Mas 0 pensamento tépico no deixa de conciliar o problemético com o sistemético, desde que se admita um conceito de sistema aberto. Como diz. 0 historiador Rosin Groce Couuincwooo (1889. ~1943), toda a verdadeira investigacdo parte de um certo problema vopésito da investigagao € solucionar esse problema; por eguinte, 0 plano da descoberta esta jd conhecido e formulado auando se diz que a descoberta, seja ela qual for terd de satisfazer 2s termos do problema. Assim, jamais se navega sem carta; por Poucos pormenores que contenha, a sua carta tem marcados os aralelos da latitude ¢ da longitude, e 0 seu propésito é descobrir @ que se hé-de colocar sobre e entre aguelas linhas, Nestes termos, deve 0 investigador re-presentar, no seu préprio esplrito, 0 ensamento que € objecto do seu estudo, tendo em consideragdo o Problema do qual se partiu, e reconstruindo os degraus através dos quais se vai tentando a sua solugio' S6 desta maneira pode aceder-se a0 todo do direito, vendo cada Parcela do mesmo como dotada de uma realidade de sentido. Porque ‘unidade do diteito, como um todo, 86 & pos do mesmo pode ser referida ao ideal do direito. O tal quid que permite lum transcendence situado, como um dever ser que é, para uma terminologia que nos foi ensinada por Castantisiea ‘000, Mistria como Recpresenaeao, spud Panick Gato, Teorias rad. por. de Vitor Matos ¢ $4, Lisboa, Fundaglo Caloure Gulbeakien n 1.0 Ditto como Problema “1 Com efeito, a virtude fundamental das cigncias eulturais 6 aquela. Pyuv we AnistOretes designava por phronesis e a que os romanos Ghamariopradentia a pondcraga raotvsl sobre 0 agit 9 pelo autonomia da consciencia, a razio que se interroga sobre o bem 0 mal, como ensina Hans-Geoxe Gapawen. Nestes termos, podemos dizer que a ambiguidade ndo é necessariamente uma imperfei ‘Também esta é a proposta de Mauricr Mexieav-Ponty, tendo em vista a superagio das. tradicionais antinomias filos6ficas, como as {que transparecem dos confrontos interior/ exterior, verdade/ erro, eu/ iberdade/ necessidade ou objecto, \egar pelos prineipios Dior tune Gur domino moments nesskoe para a realizagao do direito, até porque 0 ser talver. nao passe de eoniradipto, Por expo, +8 exando aq podemos chegar mals depois de passarmos a0 mais além, ousarmos it ainda is 00 lem gue Pau. CLavbeL abu a Crist6vdo homem tende para o infinito, porque se sabe finito, porque tem a carteza que vai morrer, como diz, Pascat. : Neste sentido, assinalaremos, como Ewmanvet. Mounier, que a tevelagdes Sear ao aphto pola wanscendincia apenas podem le saber e ndo saber, -se nuna nova forma, mescla fnsima de re ,preisamente,oparadasa rota do ponto de unio da eternidade com a idade, do ae com 0 desespero, do trans- 1 com a linguagem. A certeza das certezas, ou, mell n ua solidez esté composta do impulsa mituo que se a is potas da antinomia®, “Tver sone ag ume courdenago de lemons disperos pas eel covet dog anton, Ode, ate da Fawanoo Pon, Sobre Portugal. Introd a Problema Nacional, cf. 6 Joel Seco, 68 José Adeing te, PROBLEMA DO DIREYTO aN FE OREN URBIIO Hare oa Pees ‘qutonomia de objecto, Ou, por outras palavras, 6 diteito como ciéncia tom aquéla autonomia cientffica perfeita que implica a existéncia de ‘um método préprio (0 objecto formal) e de um objecto especifico (0 objecto material), Sem rejeitarmos a autonomia da ciéncia juridica, apenas advoga- mos a necessidade de uma pesquisa m como os da paz e da guerra, do desenvi conflito entre a nagio e o Estado, do ambiente, do urbanismo, da reforma administrativa ou da prépria futurologia. Problemas que nio se compadecem com um diteito entendido como torre de marfim ou com umas ciéneias sociais amarradas aos preconceitos da metodologia empfrico-analitica Os problemas fundamentais do nosso tempo, se exigem a autono- mia do jur(dico e do politico, também impdem que o juridico e o poli tico se entrelacem e que, a haver alguma dependéncia, ela se faga pe- ante uma espécie de ciéncia de prineipios, onde uma filosofia pratica ou uma teoria dos sistemas gerais poderdo desempenhar um necess4- rio papel inspirador’”. Na verdade, como proclama Carat. 0: Moxcapa, todo 0 direito serve uma politica, como toda a politica é sempre limitada por um direito, numa relago como a que existe entre o pensamento e a pala- ra que 0 traduz Auceu Amoroso Lia, por seu lado, considera que tanto 0 Direito como a Politica ndo sdo solucdes totais de destinas humans, mas silo condigdes para essa solugdo, que s6 amorte ou a imortalidade trazem consige. Dat a importdncia essencial, para toda vida humana, dessa harmonia ou dessa desarmonia entre Politica e Direito. Quando a "a nega o Direito, levanta-se 0 espectro da Tirania. Quando 0 Direito nega a Politica, segundo a sentenga romana “Summum ius injuria” (como no conceito capitalista de propriedade), o espectro que se levanta é 0 da Anarquia ... O ideal democrdtico, em sua verdadeira natureza, que orienta sempre a marcha da realidade democrética, 6 * Sobre a matiia © nosso Enaio sobre @ Problema do Evade, Tom Precisamente inulado De Necestidade ce una Ciencia de Printpan * Canta ne Movcana, Flosfie do Dire de Estado, Ip 153. 1_0 Dinca como Problema © precisamente 0 regime que procura reunir politica e direito no plano Com efeito, s6 se reduzirmos o direito & mera legitimago do statu quo, na senda da definigao naturalista de direito de Hopes, é que 0 ‘admitiremos como 0 comando de um superior face a um inferior. As- sim, conforme Nicotas Texzer, una definigao total do polttico, ndio deixando qualquer autonomia ao direito, também nao traduz a dade politica de forma global, cheia de referéncias juridicas anterio- resao acto de decisiio™, Porque, como salienta Simone GovaRD-Faake, todas as condutas dos homens sao juridicas, ou, juridicizaveis. Eis porque no hd zona de ndo-di ‘adormecimento do direit" ‘Vivemos num tempo de necesséria alianga metodoldgica entre as cchamadas ciéncias exactas e as ditas ciéncias culturais, onde se vo procura de metateorias, dado que 0 desenv mareado por um estreito racionalismo, que se visionava como tum todo no susceptivel de um esclarecimento maior e, portanto, como um religiosismo, conduz-nos 2 doenca do indiferentismo que talvez mar- {que a apatia e a insensibilidade desta sociedade de massas sem rebe- liao. Neste nosso tempo de aldeia global da comunicagao, quem se con- tentar em ser apenas globalizado pela distribuigdo e pelo consumo & nfio ousar procurar ser global nos seus actos de produgao ou criagio cultural, corre 0 risco de ser controtado pelos esquemas classificativos unidimensionais das vulgatas que dominam a produgdo em série da {industria da culturae as prateleiras dos hipermercadlos da mesma, como 0 so os actuais mass media. rio, quem quiser ser fiel & universidade, enquanto uni- rersidade de uma universitas scientiarum, nao pode deixar de ultrapassar 0s compartimentos pretensamente estanques de algumas epistemologias fechadas ¢ aspirar & globalizagio dos proble- Alianga rmstodoldgic "Profi a Legudo Potice do Ocidente. 0 Homan eo Hstad,coorSenago de Aono 1977, (Jost Adeling Malte, _O PROBLEMA PO DIREITO mas da polis e do elemento estruturante desta: 0 homem concreto, en quanto homem completo, que nunca pode ser coisificado como mera mercadoria. Com efeito, a universidade, enquanto universitas scientiarum, 6 0 sitio onde procura passar-se da mera opinidio sobre todas as coisas ao conhecimento de todas as coisas, enquanto conhecimento do todo; onde no sentido da existéncia do ho- 6, na condigo humana; onde foria, ajustando a alma ao movi- uma escola onde também se aprende a aprender, le os que nela se consideram formados obtém 0 titulo de licencia- de homens que obtém licenga para continuarem & estudar por si to 6, temos de chegar ao fim do ciclo da formagio técnica e aprendendo como as criangas, aprendendo a globalidade, 0 sentido do todo, como quetti vive 0 fenémeno da floresta depois de percorrer a andlise de muitas arvores. Uma universidade que, neste nosso tempo de dispersio das ciénci- tem de recuperar os classicos processos das discuss6es livres e ge- neralizadas de quod libet, de modo que a troca de métodos entre os varios ramos do saber permita a difusio do universal. As discusses quadlibéticas (=acerca do que se quiset) ocorriam idacles medievais, onde um professor se submetia a um de- bate generalizado provocado pelo audit6rio, sem qualquer tipo de agen- dda, dando no fim a sua opinigo sobre os argumentos expendidos. Assim se simbolizava o ritmo da ciéncia que, conforme Leo STRAUSS, 6a tentativa de substituir a opinido sobre todas as coisas pelo conhe- cimento de todas as coisas, a passagem do exoiérico, do socialmente Util, daquilo que & compreensivel por qualquer leitor, 20 esorérico, isto €, aquilo que s6 se revela depois de um estudo demorado e concentra do, Porque a ciéncia, para utilizarmos as palavras de Eric VoEceLin, rndo é apenas a emissao de uma opinido qualquer a respeito da exis- téncia humana em sociedade; & uma tentativa de formular o sentido da existéncia, definindo 0 conteiido de um género definido de experi- éncias. Acresce que, neste nosso tempo de aldeia global da comunica- ‘$Ho, onde o de quod libet se processa através da recepgdo quase pi va dos mass media, a universidade tem de assumir tanto a fungao de ensinar a dar voz. activa a0 anditérin cama também ade aindar a franc L_0 Direto como Problema @ formar as opiniées dispersas num conhecimento cientifico, nesse que, | segundo JURGEN Habermas, é capaz de ajustar a alma ao movimento - onienado do cosmos as proporedes do universo, através daquilo que - Onte98 y Gasser referia como 0 ensimesmamento. A ciéncia e a técnica do direito —Ora,.o direito néo.s6.ciéncia, mas também arte ou técnica. O direito enquanto cincia, enquanto actividade livre do esptrito, con- “forme a expressio de Savicny, é sempre um conhecimento criador ¢, | “TES(@-¥eritido, uma arte para a descoberta da verdade. _<—- Como assinala Heimur Coma, 0 Direito, como que é justo ou injusto; como __aleangar 0 justo e como evita o injusto; com: 05 € paraa colectividade, a méxima “ili téncia humana Retoma-se, assim, 0 clissico con Uneano: é a ciéncia do justo e do ini certas coisas divinas e certas coisas hum sumanarum rerum notitia E aqui importa recordar iia, segundo os classicos, de és. espécies de saber. Hé, em primeiro lugar, 0 saber puro que os grezos designavam por Sophia e os romanos, por sapientia, o saber pelo sa: ber. Segue-se 0 saber-agir, que os gregos chamaram phronesis e os r0- Siberair manos prudentia, entendido como a praxis, como a ciéncia que tende logo, para 0 honestum, e que hoje tem que os gregos chamaram tekne © os Saberfaer | romatios ars, um saber realizavel, uma técnica pura, um Fazer do sa- bert © Nestes termos, Seaasmik0 Cruz considera que, dewtro de uma esca- Atéicaco la de a ee Sapiéncia. a segunda, a Prudéncia; aterceiva, a Técnica. Porque ‘Haan Come. Las Tareas del Mistorador del 1976), rad, cast. de Antonio Meschén, Seva, Publ Apud Seassmio Cuz, Dello Roman, 9. 284, “Mem, pp. 282-28, creche. Refleloner Metodologicas ones de In Universi de Sevil, Ciencia Filostea do ireto Rel nesta hora do poder das trevas do tecnicismo, em que intencional ou inconscientemente se desumaniza o Homem, para o reduzir a uma sim- José Adclino Matez, © PROBLEMA DO DIREITO SS EEO ples coisa, pretende-se que toda a gama do Saber se reduza a Técnica, ou pelo menos esteja dominado pela Técnica... Téenica nao é todo o Saber, embora na prética, geralmente, de momento, possa ao menos parecer ou até ser a mais itil; mas a utilidade ndo constitui o critério mdximo da vida’ positiva do leis vigen Por set guia uma ciéncia filoséfica do direito ~ aquela que nquanto sinénimo de verdad = de uma ciéncia uma simples informagio sobre as ido a autoridade de quem a edita como prinefpio, lo, € possivel faze corresponder aquela tripartigo as tres atitudes na relagdo entre a realidade e 0 valor inventariadas por Gustav Rapsructs aatitude que valorae toma os valores como critério ~caso da filosofia: a direito e das restantes tude que refere os factos aos valores — caso do ‘as culturais; a atitude cega para todos os valores ~ caso das ciéncias da natureza, Estas trés atitudes seria , diferentes da atitude religiosa, itese valor/ realidade, Até porque, como ta Rabsnvcn, a filosofia ndo foi feita para nos dispensar de to- ‘mar uma decisdo, sendo para nos obrigar a tomd-la*". Assim, o direi- to com remat conexdes de sentido, Com efeit igncia nio se esgota na simples noticia das determinagées ndo-as num adequado catélogo segundo as regras da |, exigindo o conhecimento dos prinefpios materiais ¢ das importa proceder ao entendimento dos princfpios ge- tais de direito como t6picos, para se permitir a utilizago simulténea dda dedugtio e da indugio, através da interseceo do pensamento pro- lemético com o pensamento sistemtico, de maneira a podermos con- ‘a compreensio com o conheciment segundo a ligao de Hanna ARENDT. Porque a compreensio € um processo complexo que nunca nos leva a resultados néo equivocos, E uma idade que ndo tem limites, sempre mutével e variada, pela qual nos ajustamos ao real, nos reconciliamos com ele e nos esforgamos para estar em harmonia om o mundo ... Conhecimento e compreenséo sita duas coisas distin- Idem, p 2, "-Gusmav Raoanvcn, Plosofie do Diet, lp. 196 10 Diseko como Problema 11 tas, mas ligadas entre si. compreensiio esté fundada no conhecimen- 10 ¢ 0 conhecimento ndo pode actuar sem uma compreensao prelimi- ‘nar impli cita® _—Se.0s principios so generalizagées. de solugdes de problemas — porque ndo ¢ a partir das leis que nos vem os princfpios, mas sim a partir dos princfpios que se geram as leis ~, isso significa que os mes- ios siio os verdadeiros factores da sistematizagao do direi- ve sempre um processo circular que passa pela descoberta a8, pela posterior formagao dos prineipios e, finalmente, pela consolidacdo sistemdtica, onde cada problema emergente obriga, ‘um novo recomego fecundante. Defendemos, assim, que a ciéncia do direito e a ciéncia politica facam parte daquele estado dé espirito que pugna por uma ciéncia da ~ autonomia, tipica daqueles sistemas abertos, constituidos por indivi- servir de base a decisdes. © Relativamente aos conceitos técnico-juridicos (v.g. 8 orta salientar que os mesmos, além de néo possufrem valor normativo, também néo permitem que, a partir deles, possam inferir- “se decisGes. Apenas tém um valor de delimitagdo, pelo que, para se proferir uma decisio, hd que passar dos conceitos técnico-juridicos | > pata 08 critérios de valor em que aqueles se baseiam. ‘Mas, entre 0s dois extremos, podem assinalar-se, por ordem de- crescemte, vérias categorias, segundo © mesmo Coma. Mais pr6ximos dos conceitos de valor estdo os conceitos de esséncia de fenémenos “tipicos da vida social pervadidos por valores (v.g. pessoa e proprieda- de privada), Nao distantes dos conceitos técnico-juridicos, estdo os conceitos gerais empiricos de objectos e eventos que tém relevanci na vida social (¥-g, casa, érvore, ete)” Carat e Moncana, por seu lado, distingue trés camadas. Ni meira eoloea 0s sentidos valiosos ou principios gerais de direi priamenteditos, Na segunda, as relagbes que esses-principios valiosos estabelecem entre si, relagées que se convertem em pura l6gica e sio Idem: 130) w Il. © Direio ¢ a Jusiga 177 As modalidades classicas aristotélico-tomistas _Vejamos agora as modalidades clés distributiva; a justiga comutativa ou sinalagmédtica, ca care inventariadas por ARISTOTELES; € a justiga geral ou social, categorii acrescentada por Sao TomAs pe Aquino. Uma classificagio tripartida que Leinnz identifica com os praecepta i raecepia iuris dos to 0 quadro seguinte: — @ justiga Modsldns conforme Tsiga ds Tostiga gra, soca, rote ou aati Shion euigue ire nase vivere, 7 Relagbes patina pares (doiaso in| parca com pats) fone Sas otaio deve Ogee aia Qeweteonioew | Omecmemane Peper geonin | Prpuinwitmaien | Bomcomum ‘Dar acada um conforme | Tgundade elativa as suas neossdade, De cada wm coafomne 1 suns possibldads, A justica comutativa, de aquisigio recfproca ou fitica, 6 Jastign auela ue lve ohomem a datas sus Smelancs igure. direitos, aquilo que Ihes pertence, até & sua completa satisfasio, Para Sao Toms, estamos na zona das relagdes de cada parte a cada parte... 0 que fazem mutuamente entre si duas pessoas wna a respeito da outra’ . Como salienta 0 nosso Fe! ANTOMIO DE Besa, a no seu fim, numa comunicagio ou préstimo dos nas coisas que se compram e vendem, alugam ou trocam, com tal igualdade e proporgao aritmética, diz Aristételes, ue as colsas rocadas, umas ndo excedem em preco e valor as ou- comutativa porque a prestago e a contraprestagdo se equi penarente, havendo, asim, conpensagdo. No se atende qualdse «de das pessoas que intervém na comutagdo ou contrato, apenas se com- Sho Towis se Aauno, Summa Theolgie, Fe, 61, at 1 Fact Axio Beh, Breve Dontrna eEnsinanga de Principe, in Antolaga do Pen 2s, onganizada por Antnio Albeo Banha de Andale n Evudos Pennies José Adeling Maer, © PROBLEMA DO DIREITO parando o valor das coisas que se permutam, havendo, entre estas coi- sas, igualdade absoluta, igualdade numérica e matemética, igualdade segundo o nimero e a grandeza (v, g. 6=6-0u, entfo, 6=4%2 ou, ainda, (6=3x2). ARISTOTELES considera-a como a directriz das trocas™” @ SkO TomAs DE AQuiNo como uma estrita regra de equivaléncia’® Neste sentido, a justiga comutativa tem como principal fungiio a ‘estituigdo. ou-devolugdo de um bem alheio, se o bem existe; ou, no caso da coisa j4_ no existir, a restituigao do equivalente, pela repara- Neste sentido, Utmano refere que voluntas ius suum cuique tribuendi, »_ARISTOTELES considera que a justica é a virtude pela qual cada um possui legitimamente o que seu. Mais observa que se trata da distribuigao de honras ou dinheiro, ‘ou qualquer outra coisa que se reparte entre os que compantilham 0 regime politico™ , salientando que todos estéo de acordo em que 0 Justo nas distribuicdes deve consistir na conformidade com determi- ‘nados méritos, sabem que ndo coincidem todos quanto ao mérito do mesmo, daclo que os democrdticos o poem na liberdade, os oligdrquicos nna riqueca ou na nobreza e os aristocrdticos na exceléncia pessoal. ° amsrors, ew a Nicémaco, 5, ap. apud Jaccues Lscesnco, Lepont de Droit Vill, © Direito € s Jusiga 179 ‘Sho TomAs DE AguINo, por seu lado, vem dizer que esta espécie de justiga tem a ver com 0 todo na relagdo com as partes: dd uma coisa a uma pessoa privada, por ser devido & parte 0 que pertence ao todo; € essa pessoa recebe wma parte tanto maior quanto maior for a impor- tiver no todo. Por isso, a justiga distributiva di tanto mais dares, do bem comum, quanto ccenta que na mesma justiga levando em conta a igualda proporgéo entre as coisas eas pess pessoa excede outra, assim também a coisa que Uh que é dada a outra. Exige a igualdade, nfo na quantidade, mas na proporeio™® coat ‘Comentando estas perspectivas, 0 nosso FRE! ANTONI0 DE Bra re- fere-a como aquela espécie de justiga que ordena em como, resguar- dado o proveito comum, sejam partidas as dignidades e oficios, con- forme os trabalhos, virtudes e merecimentos de cada unt, Kant salienta a este respeito que a passagem do estado de natureza (“status naturalis”) para o estado civil (“status civilis”) 6 marcada pela, instituigdo da prépria justiga distributiva, saindo-se dos estados de di- reito privado e atingindo-se os estados de direito piblico™ Refira-se, finalmente, que, na justiga distributiva, o seu, do suum ‘cuique tribuere, se configura como um substancial fim e niio como ‘mera causalidade ou resultante de um paralelograma de forgas. Como salienta D’ Acosmno, para que alguém possa chamar sua a uma coisa, cesta deve destinar-se ao seu exclusiva pro a ele como ao seu fim imediato. Neste sentido, a justica atribui aos ‘outros 0 que rence... a caridade dé 0 que the néo pertence. Donde deriva o prinefpio do faz aos outros 0 que queres que te facam ‘ati; com aconsequéncia dondo fagas aos outros. que néio queres que te fagam ati ® Sho Toss ve AqUNO, Suma Theologiae, PT", 614.2. Apu RUY De ALBUQUERQUE nov, Histéria do Direto Portugués, Blementos Auilars, | Nolume, 189 José Adetino Maltez, © PROBLEMA DO DIREITO Esta primeira espécie de justiga tem a ver, portanto, com os deveres, das autoridades para com os stibditos. Como diz, Sko TomAs dicitur ordinatur®". Assim, a justiga distributiva obriga a dividir proporeionalmente os bens ¢ 08 encargos ‘entre os membros de unia comunidade. “Estamos perante um direito dos membros da comunidad, daquelas coisas que se cevem aos membros em causa pelo facto de pertencerem & comunidade. Neste sentido € uma igualdade proporc nal ou geomeétrica que atende 2s efectivas desigualdades entre os met bros do grupo (secundum proportionem rerum ad personas). Juste No caso da justiga geral, legal ou social, entramos na zona de rela- ‘8! co ascendente, dos deveres de cada um para com 0 todo, a comunida- de. Segundo Fret Anrosio pr Bra é aquela cujo fim é conservar e defender 0 comum proveito da Repiiblica ‘Sko TomAs chama-Ihe legal porque por ela o homem concorda com «alei que ordena os actos de todas as virtudes do bem comum. ‘omesito Como salienta Bxic Wei, a justica social ndo é um conceito social, tice mas uni conceito essencial e exclusivamente politico™, permitindo a0 Estado intervir nos interesses particulares para os elevar ao nivel do universal, Neste sentido, ajustica social & a virtude pela qual o homem se dedica ao bem comum, consistindo na pritica de todas as virtudes, Retomando a sintese de Sao Toss, podemos dizer que a justica cordena 0 homem para outrem, 0 que pode acontecer de duas manei- ras: duma primeira maneira, para outro homem em particular, duma segunda maneira, para outrem em geral, na medida em que aquele que presta servico a uma comunidade, presta servico a todos os ho- mens que dela fazem parte .. é evidente que aqueles que fazem parte de uma comunidade, estio perante essa comunidade na relacdo das partes com 0 seu todo; e a parte é qualquer coisa do todo, Por conse- guinte, todo o bem de uma parte pode ser ordenado para o bem do todo. Assim, em virtude deste principio, 0 bem de qualquer virtude, seja o que ordena o homem para com ele mesmo, seja 0 que ordena a outros homens considerados em particular, pode ser relacionado com 0 bem comum para 0 qual a justica nos ordena. E em virtude deste “Toms ov ACUI, Summa Theologia, I, q. XXXI, 41, a, 3. YIIL_O Direito & a Jusiga io, os actos de todas as virtudes podem ser importantes paraa Justiga enquanto ela nos ordena para o bem comunt®*, Critérios para a aferigio da desigualdade A justiga, especialmente nas modalidades da justica distributiva e renetas quanto 20s Valores tiltimos. Po justiga tanto é um problema da filosofia do direito como dat politica J4 0 referiam AnistoreLes © Sio ToMAs e, mais recent Punetaan’ considera que tudo depende daqueles ci te utilizados e que permitem dizer que seres hum: desiguais,critérios esses que constituem a determinagdo material das exigencias da justice NF 0 a cada qual segundo as suas obras; 0a cada fo as suas necessidades; ou 0 a cada qual TM fo serd uma outra justiga, a dizer que nem s6 de pio eo homem, porque ele tem, sobretudo, sede do proprio sentido glo- ball de justiga? De qualquer mancira, hd sempre um elemento colectivamente arbi no estabelecimento do eritério basico de uma qualquer c -ma de distribuigao de valores, a partir da autoridade, isto é, a partir dgs lugares onde se acumuta o poder, quem concebe as sociedades politicamente organi- zadas como sistemas de distribuigao autoritiria de valores, é, assim, levado a considerar que as mesmas assentam numa norma fundamen- % Sho Towis ox Aqumo, Summa Theologian Cis Pressey, De a Oseritio eos lemeato vbr fade da leh Trae ino Males, PROBLEMA DO DIREITO tal gue nao est nem tem de estar fundamentada, aquele dogma mi mo de qualquer regime politico, pelo qual, se todos somos iguais, hé sempre alguns que so mais iguais do que outros. Se se adoptam critérios corporativistas, aristocréticos, oligérquicos con classistas, tem de atender-se & méxima do a cada um conforme 0 Jugar que ocupa na estratificagao social, pelo que 0s poucos que estio To estamento superior tém mais direitos que os outros. ‘Se se preferem os modelos daquilo que 0 Professor Anziano Moreira qualifica como a teologia do mercado, bem proxima de certa I6gica do Imereeeiro, eis que tende a vigorar a maxima do dar a cada um segundo «4 sua produgdo, ou segundo a sua competitividade. Outra serd a perspectiva de uma l6zica de solidariedade, em que Vigora 0 modelo do a cada um segundo as suas necessidades, a0 mes- ‘mo tempo, que se exige 0 de a cada wn segundo as suas possibilida- des. Diremos, muito realisticamente, que, neste nosso estadio civiliza- cional, a igualdade, enquanto sindnimo de justiga, continua & ser algo de iio realizado, continua a ser mero prine {pio regulador, mero dever ser de uma sociedade a haver que vive dentro da sociedade que somos, ‘Temos, portanto, de concluir que a igualdade const mega da democrac Se o Estado de legalidade do demoliberalismo cléssico teve como que o actual Estado de Direito Democritico, que se pretende como Estado de Justica, continua a ter como fim a mesma igualdade, agora Jentendida como igualdade pela lei, ou como igualdade através da kei Eneste contexto que se insere a ideia de igualdade de oportunida- des, eijas linhas de forga sfo de uma luminosidad ‘maneira de premiar o mérito e de lutar co (0 6, a igualdade de oportunidades constitui 0 preciso contrério dos igualitarismos, significa que a igualdade nunca pode seF unidi- miensionalidade, mas sim uma régua flexivel que tem de adaptar-se 88 ccircunstdncias; que tem de respeitar as diferengas e, portanto, de tra- tar desigualmente o desigual e igualmente 0 igual. Acontece que Péricles falava desse principio para uma restrita mi- © Diewto © @ tus noria dos seres humanos que habitavam a cidade; para aquele pequeno grupo de pessoas que tinham o privilégio da cidadania, Aids, na polis grega, todos os cidadaos eram considerados pares, rei- ‘nando algo mais do que a prépria igualdade. A democracia no bergo da izago europeia ¢ ocidental era uma isonomia que, ultrapassan- as que separavam 0 cidadéo activo do cidadéo passivo, estabelecia um regime de participagdo directa e obrigatéria na gestio da polis E dat nasceu o drama e o desafio da ideia de igualdade: como estender «@ igualdade em quantidade sem a diminuir em qualidade? Como evitat desenvolvimentos separados, em que alguns possam ser mais iguais do que outros? Neste contexto, importa assinalar outro contributo fundamental para o legado polttico ocidental que nos foi dado pelos est6icos ~ dos estéicos, _gregos, do século IV aC, ao estoicismo romano de um Cicero ou de um s Com eles, cadla homem passa a ser um homem, cada homem passa a sma coisa sagrada, otal homo hominis, res sacra. Donde deriva 0 prinefpio do nada do que € humano pode ser atheio ao ‘homens. Porque todos os homens so cidadéios do mundo, membros de um 6 destino, a sociedade do género humano. Um ambiente libertacionista ‘que leva Cicero a considerar que a justiea é 0 hdbito da alma que, guar- dando a wilidade comum, atribui a cada um a sua dignidade. F, deste ‘modo, os homens descobrem que o dever ser constitui um transcendente situado, a que todos podem aceder através da recta razdo, Para tanto, basta que cada homem procure estar de aeordo consigo ‘mesmo, libertando-se de constrangimentos, nomeadamente das pai- . aliés, que ULriano proclame que, por direito natural todos os homens nascem livres, que todos os homens sao iguai ‘Com o cristianismo, desenvolve-se esta semente est6ica, assumin- do-se a igualdade do género humano perante Deus. B cis Sk Pato proclamando que ndo hd judeu nem grego, nao Mid servo nem livre, ndo hd homem nem muther, pois todos vos sois um s6 em Cristo. | ~ Mais do que isso: reforga-se a definicto do homem pela relago consigo mesmo, refinando-se 0 processo de interiorizagdo, quando se coloca, como centro do mundo, a existéncia de uma alma pessoal, vre.e singular; quando se considera o homem como tum ser que ni se repete; como um ser que tem obrigago de procurar, p a neénria salvation 198 Adelino Maltez, © PROBLEMA DO DIREITO eee ene OAT Se ereececse tee Mas a igualdade moral proclamada pelo cristianismo ainda néo tem @ ver com César; ainda est voltada para um reino que ndo é deste mundo. Que o digam os franciscanos da Biblia Pauperum e certas or- dens mendicantes dos séculos XII e XIII, consideradas heréticas por uererem realizar a igualdade efeetiva na cidade dos homens... ‘Apesar de tudo, a estratura eclesidstica adopta o principio da igual- dade de oportunidades, estabelecendo que officia ecclesiatica non secundiam carnis originem, sed secundum merita virtutum ... Apesat de tu smo, pelo menos a partir do tomismo, sabe globalizar a igualdade, elevando op algreja 'eira como uma s6 sociedade do género humano, Com o jusracionalismo, a partir dos séculos XVII e XVII, eis que 0 Ocidente volta aretomar a senda estica ea considerar que o homem, que homem, através do esforgo da razio, pode conceber 0 oéa. F. homens passam a ser iguais perante a razdo, exigindo a aplica- ionéria deste principio & cidade dos homens. B 0 processo da chamada Revolugdo Atlntica, que comega com a revolugdo inglesa, que passa pela revolugao norte-americana, que cul- mina com a revolueio francesa, mas que talvez tivesse sido precedido pelas revolugdes portuguesas de 1383-1385 e de 1640. E li vem a época das grandes proclamagées sobre a igualdade, na senda de Rousseau, para quem devem os cidaddos ser distinguidos e Javorecidos na proporeao dos seus servigas Na Declaracio dos Direitos da Virginia de 1776, pode ler-se: todos os homens sao por natureza igualmente livres € independentes(l) ‘nenhum homem ou grupo de homens pode exigir da comunidade ‘gios que nao resultem de servicos prestados. Na de Julho de 1789 da revolugdio francesa jé se diz, homens livres e iguais, as distingdes necessdrias 2 ordem social so apenas jundadas na utilidade geral. Segue-se a Declaragio dos Direitos do Homem e do Cidadio de 26 de Agosto de 1789: 0 homens nascem e sao livres e iguais ¢ em direitos. As distingdes s6 podem fundar-se na utilidade comum, Eno Ar da Constituiglio de 1795 1é vem: a igualdade consiste em que a €a mesma para todos, tanto quando protege como quando castiga. Acontece apenas que esta Revolugio Atlant a mareada pelo mesmo regime de apartheid que vigorava na dem cia ateniense jorque, até meados do século XX, apenas se aplica o Prinefpio da igualdade a um restrito grupo humano: as nagBes polidas © cristés, que se proclamam como civilizadas. O resto do mundo que, alids, é a esmagadora maioria, cons apenas um white man's burden; uma massa de escravos que pr ados, aterem de esperar pelo desenvolvimento, quando os outros passam para o pos- “desenvolvimento. Condenados & modernizagao quando 0s outros as- Piram antrar na p6s-modernidade do regresso & ecologia, Segundo, porque dentro de cada nagao a igualdade no é universal, ws na sua plenitude para o cidadio activo: 0 cida. devorado pelas suas possessdes, que até © sufrégio monopoliza pelo sistema dito censitério, na dominante, se faz. uma cial separagdo entre uma coisa chamada Estado € outra coisa, chamada Sociedade Civil, dizendo que apenas aquele compete 0 mo. ¢a politica e, consequentemente, da distribuigio da justica e ia do bem comum. vez este seja um dos principais erros originais do demoli- beralismo, precisamente aquele que faz surgir tanto a questo social do século XIX, como a ineficécia do Estado-Providéncia do nosso tempo, que tenta setvir como resposta aquele desafio. Na verdade, quando se diz que s6 ¢ Estado 0 Estado-Aparetho de Poder, esquecendo que o Estado tanto é 0 Principe como a Repiblica, gue 0 Estado, enquanto projecto de polis, tanto € o Estado-Aparetho de Poder como o Estado-Comunidade, esté a dizer-se, 2 maneira hegeliana e marxista, que hé um dualismo Estado/ Sociedade Civil e, Portanto, a proclamar-se que s6 através do intervencionism governments, pode, por exemplo, praticar-se ajustiga social & as do homem de sucesso, que negam a justiga social e a justiga . pelo que, em desespero de causa, regressa a tentagdo das teorias eitistas E aqui cumpre chamar a atencZo para a maneira descuidada como Certos defensores da tradigo humanista, Iaica ou crista,tém aderido a {al argumento, Porque, para assumitmos a plenitude do prinefnia eta Vill_O Direto e 3 tusiga 185 186 José Adel Malisz, 0 PROBLEMA DO DIREITO ‘pio ba ithace ads subsidiariedade, talvez seja urgente proclamar que os valores da liber- dade, da solidariedade e da justiga nfo se excluem uns aos outros, mas, antes, que se exigem reciprocamente. Daf que nao possa aceitar-se a continuidade do dualismo sociedade civil/ sociedade politica, tomando tal bindrio paralelo aquela distinga0 ‘outrora feita entre 0 direito privado e o direito priblico, segundo a qual © primeito é proveniente da horizon a justiga social sm de set perspectiva de quem assenta no intepracionismo ico, reclama a autonomia do Estado-Comunidade e nfo the repugna que o Estado-Aparelho de Poder trate de ajudar para estimu- lar a auto-ajuda, de acordo com o principio da subsidiariedade que, segundo a actual definigao de JoAo PauLo dade de ordem superior néo deve interfe sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competéncias, mas deve antes apoid-la em caso de necessidade e ajudé-la a coordenar a sua acco com a das outras componentes soc dualism. Talvez possa reafirmar-se aquele princfpio do humanismo de Jacques Mantrain, para quem o Estado é apenas simples parcela de uma mais ampla sociedade politica, Porque hd uma repartigaio Toko Pauta I, Centeinue Annus, § 49 0 Dincito © a Hatiga integrador de democracia nos diz, que todo o poder do Estado-Poder temde vir da vontade ou do consenso do Estado-Comunidade. Porque © poder politico nao é algo deestranho & sociedad, um qualquer Pri- cipe exterior, vindo de fora ou vindo de cima. “Hoje a comunidade & a Gnica fonte do poder pol cipe nao € uma coisa que venba de fora e 8 qual a sociedade tenha de submeter-se. Hoje, muito democraticamente, temos de dizer que 0 Es- tado nao € L’Etat c’est lui. Hoje o politico é um L'Etat c'est nous, 0 Estado ¢ um c’est tout le monde. Nao 6 um soberano exterior a quem temos de submeter-nos, mas sim um pacto de associagao entre nds todos que apenas institucionalizamos em Estado de Direito. Em que, antes do pacto de governo, esté o pacto de consttuigao, exigindo que © pacto de associagéo seja periodicamente ra der de sufragio" Se quisermos ser hhumanismo ocidental, que teve as suas ra -romano, no cristianismo e no humanismo mos dizer que o fundamentalismo dessa estes dois principios simples: © moral do ismo greco- lerncia, pode- Go tem a ver com ~==0 homem é ur fim em si mesmo e nunca pode ser tratado como ‘um simples meio ao servigo de outros fins; — cada homem é um ser que nunca se repete. Isto €, 0 homem, cada homem, nao & apenas um simples modo de manifestag20 de uma abstracta humanidad uma individualidade, uma diferenga, um homens". Isto é, 0 universo tem tantos centros quantos os seres ‘manos que nele existem; cada um de nds é 0 ceniro do mundo e do universo, conforme as palavras de SoUENITSINE, 4J0s6 Adelina Maltex © PROBLEMA DO PIREITO Por outras palavras, nfo podemos olhar o homem segundo a imagtstica geométrica prépria das entidades sem profundidade is da abstracedo matemdtica, conforme ensina ia (do homem cam- pleto) através da existéncia (do homem concreto). E 0 nico transcen- dente a que podemos aceder tem de ser mediatizado pela carne, pelo ssangue e pelos sonhos do homem conereto. A salvagio da humanidade passa sempre por um processo de libertagiio interior. Viver € lutar por uma autodeterminagdo contra as alienacSes. Viver € constantemente ‘optar por valores. E escolhermos entre o homem lobo do homem e 0 bom selvagem, entre 0 anjo ¢ 0 diabo. Até talver seja caitmos e levantarmo-nos, Pecarmos e artependermo-nos. $6 podemos procurar racio, se espremermos gota a gota o escravo que dentro de nds continua latente (TcueKov), Neste sentido, desempenha uma missio fundamental a educagao a ajudar 0 homem a libertar-se por si mesmo e dentro de si mo; ajudar © homem a lutar contra a despersonalizagiio do ho- ‘mem: transformar cada homem numa ithota de subjectividade que 6 ‘mediante a comunicagao pode participar no ser (Ganrie Manct.). 86 depois desta libertagio a liberdade social € posstvel; $6 depois desta libertagdo a igualdade se tora realizéve Com isto, queremos distinguir-nos daqueles que apenas concebem ‘0s problemas da igualdade no contexto da tensfo entre o homem isola- doe o poder do centro politico, reduzindo a questi & oposigio mortal idvo © o Estado, e deixando fora do processo de libertagdo «da & complex interioridade do homem e toca a mirfade de potEneias alienadoras que nao entram na categoria conceitual do Estado, como timbre da concepgdo jacobina. Se o homem tem de lutar contra a tendéneia para 0 concen- ‘tacionarismo de Leviald, exigindo cada vez mais pactos de associa- VIEL 0 Dito © a Juiga 189 ‘pao ¢ cada vez menos pactos de sujei¢do, nfo pode deixar de comba- far contra a heteronomia do patrimonialismo, essa heranga do feudalismo que continua a considerar-nos servos de algumas glebas, ‘sem tetra, onde ha muitos donos que se medem mais pelo ter do que pelo ser. Ni acreditamos no darwinismo social do homem de suces goria esbogada por Honors, para, em nome do it 0 Leviata do Estado Moderno rismo © das suas muitas variantes, 0 justo centro entre-a pessoa e a comunidade Talvez seja curial recordarmos aquilo que o jurista neokantiano Rupoit Szamai.en elenca como principios do direito justo, desdobra- dos tanto em princtpios de respeito pela personalidade do outro, como em pri de participacao, considerando que o direito justo é um direito natural de conteddo varidvel (Naturrecht mit weckselnden Inhalt). Assim, enumera dois prinefpios de respeito (Grunsitze des Achtens) primeiro, o contetido de uma vontade nfo pode ficar & mere8 do arbf- tio de qualquer um; segundo, s6 podemos ex marmos nosso prdxit assinala principios de participagfo ou cooperagio (Grundsitce des Teilnehmens): primeiro, uma deciséo arbitraria nfo pode excluir da comunidade ninguém que esteja juridicamente vincu- mos, como RA. PROD, Que 0 djerencas indviduas sob 0 pretext de se Sanvier Vecchio José Adlino Maliex, © PROBLEMA DO DIREITO lado; segundo, s6 pode retirar-se a alguém um poder juridicamente “aribuido se 0 mesmo continuat a ser considerado como o nosso proxi- Refere, por seu lado, Janvier que, pela justica, saimos fora de nds mesmos ». para ocupar-nos dos nossos semethantes .. A Justiga é para cada um de nds a defesa de pessoas distintas de nés; para o individuo, a defesa de outros individuos; para o siibdito, a defesa do soberano; para o soberano, a defesa do stibdito; para o operdrio, a defesa do patrdo; para quem vende, a defesa de quem compra... Com efeito, a justica geral leva a vontade humana a dar & comuni- dade tudo 0 que the pertence, tendendo a compensar o facto do homem buscar com maior aff o que é sew em vez. daquilo que & com Jé vet. Veccuo salienta que, segundo a ideia de j deve ser reconhecido (pelos outros) por aquilo que a cada um seja atribuido (pelos outros) aquilo que the compete’ ‘Tratar da justiga é, pois, tratar do ser por referencia ao dever ser, da realidade penetrada pelos valores, do mundo dos fins e no apenas do ‘mundo naturalistico. Isto é, do valor, do sentido e do fim do direito. E tratar de um ideal, do ideal de uma comunidade pura, de uma comuni- dades de homens livres, de homens que se ligam uns aos outros con- setvando sempre o cardcter de fins auténomos sem que cada um possa ser mero instrumento para o outro, , OU, por outras palavras, © petmitindo qualificar determinadas A justiga toma-se, deste modo, o ponto comunidade, 0 tal justo centro entre o que € proprium eo que & ‘commune, utn t6pico sempre entendido como um ideal a atingir e que, por pertencer a esse nfvel de exigencia, de procura da perfeigio, nunca conseguiu tealizar-se, nem alguma vez se realizaré, numa qualquer ‘Neste sentido, a ideia de justiga confunde-se com a propria ideia de ito. Como salienta Kan Larenz, a [dela de Direito ndo se dilui nos funidamentos e principios, nas dowtrinas particulares e no pensa- 2 Apu Bigcio Aas, op. ct. p. SB >" Groson ax Veco, La Giusti, de 1925, apad Casson Neves, Curso. 89, IIL. © Diteito e a Justia ‘mento fundamental de uma determinada ordem jurtdica histérica. Nem Ea soma de todos os principios juridicos historicamente determina dos, nem sé. wm extracto de todas eles. Pois ela tem um sentido que franscende os conteiidos historicamente mutdveis, um sentido intemporalmente valido, que estd sempre na base de todos os princtpi ‘os juridicos historicamente condicionados e que provém da eterna de terminagao ética do homem. A quem pretender aqui uma prova vel, a esses responderemos que a tiltima certeza deste sentido sé pode Jfurdar-se na consciéncia, no encontro pessoal com 0 sipra-soste, AL é 0 ponto no qual a abjec subjectividade da consciéncia jurtdica coincidem. Ir mais al possiver™ negative 192 José Adeling Maliez, © PROBLEMA DO DIREITO. -omo diz. Gaston Jize, se € aquilo que os homens de wna determinada época e num determinado pats créem ser justo também no pode deixar de atender a clissica lamentagtio de Pascat: Linda Justiga, limitada por um rio ou por uma montanha! Verdade para cé dos Pirinéus, erro mais além. Com efeito, o positivismo liga a ideia de justiga a0 sentimento de altruismo. Herseer Spencer proclama mesmo que 0s homens tém um sentimento de justiga, um instinto do justo que deve set tomado como ‘um facto que se deve satisfazer, sendo imitil procurar o respective fun- ‘damento racional” sma posigio é adoptada pelo solidarismo de Léon Bourceois m a necessidade de justica existe em qualquer consciéncia e ai reina imperiosamente™™, MaLarext, por seu lado, afirma que hé tuna ideia ou um instinto, um apette de justica € que nao vale a pena procurar-Ihe nem a origem historica, nem 0 fundamento racional, nem a definigdo, nem o contetido positivo, tarefas que apenas cabem & metafisica”™ Um processo que atinge os cumes do paradoxo quando Nirrzscue proclams o altrufsmo como uma virtude préptia das ragas inferiores, dado que os super-homens so egotistas e imoralistas, marcados pela vontade de poder A variante utilitarista— ‘A variante utiitarista desta forma mentis, por seu lado, considera que 0 bem particular ¢ 0 bem geral coincidem, dado que os homens, ‘acréscimo, o bem geral, através da técnica da maior felicidade para 0 ‘maior niimero (the greatest hapiness to the greatest number is the measure of wright and wrong), essa formulagao de BENTHAM que est ina base das actuais reedigées do uilitarismo, nomeadamente da tese do chamado homem de sucesso?” Apu, Jncoues Lacanon, Legows de Drolt Nature, | Le Fondement da Droit et de tet, Name Lovaina, 1933, p. 230 sm, p28 [tow Boece, Ess d'une Philosophie dele Solider apud Jncurs Lecanca, op, ‘Apu Lecco, op 2 Besa cleva ou 9.245, i justo, atgorn de explicate de dit, atraves daguilo VIL, © Diet © a Justign Uma perspectiva algo diversa das exigéncias de rectidéo moral de Aan Smita e do moralismo escocés, que consideram o princfpio da simpatia como base da vida social. Uma moral da simpatia para a qual, na base de toda a vida humana, été 0 facto de qualquer homem ter necessidade de amar e de ser amado, dado que 0 desejo do homem ser amado leva o homem a ser amavel?”™ ra, com paz, impostos leves e uma administragdo razod- vel da justica. A justica pe ‘A perspectiva de justiga, por nés formulada, de marca arist ‘omista, em, assim, pontos de partida bem diversos do conceito ang! -saxGnico de justiga que 0 neocontratualista Jon Rawis desenvolve, retomando as sementes de Locke, Rousseau e KaNr e procurando cons- ir uma alternativa ao pensamento utilitarista. Mas, apesar das di- idénticos sio 0s objectivos, jé que também Rawes consi- dera que 0 principal rema da justica é a estrutura bdsica da sociedade ou, mais exactamente, a manetra pela qual as principal Merl ds simpetia 194 José Adel Malte, _O PROBLEMA DO DIREITO sociais distribuem os direitos e deveres fundamentais ¢ determinam a partilha dos beneficios da cooperapao social” © Deste modo, RawLs corrige o excessivo pendor individualista de certa doutrina anglo-saxénica, aproximando-se do comunitarismo ‘onceito piblico de justica constitui a lade humana em boa ordem™® Eneste sentido que deve perspectivar-se 0 sentido normativi respective contratualismo kantiano: as pessoas, na sua situaga 4, optariam por um de dois prinefpios um tanto diversos: 0 primeiro requer igualdade na atribuigdo de direitos e deveres basicos, enquan- to osegundo pretende que as desigualdades sociais e econdmicas, por exemplo, desigualdades de riqueza e de autoridade, sto justas apenas enquanto resultarem na compensacao de beneficios em favor de todos @ em especial dos membros menos privilegiados da sociedade. HG, assim, dois prinefpios derivados desta intengao regulativa do pac- to social: primeiro: cada pessoa deve ter um igual direito & mais extensa libertade compattvel com uma idéntica liberdade para todos; ¢ segundo: as desigualdades sociais e econdmicas devem ser ajusiadas de tal modo |que sejam tanio (a) razoavelmente supostas em favor da vantagem de todas e (b) igadas a posigoes e cargos abertos a todos™ . Lust Sao estes princfpios, que ele qualifica como justice as fairness, os jaimen Que pessoas livres e racionais, reunidas pelos mesmos interesses adop- tariam inicialmente quando todas estivessem numa posigao de igual- dale, para definir os termos fundamentais da associagao que estari- am fazendo. Como se cada pessoa tivesse que decidir através de um racioctnio racional, situagao considerada meramente hipotética® do Pexpeciva —“ Contrariamente, o-uilitarismo salienta que a sociedade é ordenada correctamente, sendo, consequentemente, justa, quando as suas it tuigdes so organizadas de forma que se tenha 0 maior saldo positive da soma de satisfagdes de todos os individuos que a ela pertencam, em que o principio da escotha, para uma associagiio de homens € inter- Vill, © Diseto € a Justia pretado como a extensiio do principio de escolha a um individuo™ adoptando-se, assim, para toda a sociedade, o principio da escolha racional de um sé homem™ Mais recentemente (1993), Rawis vem até retomar a ideia d to das gentes (Jaw of peoples), assumida por Kaw, depois de semeada pela neo-escoléstica peninsul manter 0 universalismo da respublica e senda do Projecto Filoséfico da Pac Perpéwa, defende formas de as sociagdo corporativa entre povos democriticos, e ndo um Estado mun diaP™® , assumindo, no entanto, os povos como corpos constituidos or- ganizadas pelos seus Estados Nesta linha, proclama os seguintes princfpios: os povos (enquanto organizados pelo respectivo Estado) sao livres e independentes, ¢ a sua liberdade e a sua independéncia devem ser respeitadas pelos ou- tos povos; ~ os povos sao iguais e autores dos acordos que facam; ~ ‘03 povos tém direito a autodefesa, mas ndo 0 direito d guerra; ~ os povos devem respeitar um dever de ndo-intervengio; - os povos de- vem respeitar os tratados e os compromissos; ~0s povos devem obser- var certas restrigées especificas sobre a conduta da guerra (que se supe motivada pela autodefesa); — 0s povos devem respeitar os direi- 10 do homem* As regras da conduta justa ‘Também Have, apesar de considerar a justiga social como mira- ‘gem, acaba por fazer ligagdo as teorias de ADam Saini, referindo a justiga como o princtpio de tratar todos segundo a mesma regra® © ddistinguindo as regras de conduta justa das simples regras de organi- 2a¢d0, dado que estas servem objectivos conhecidos e devem essenci- almente visar resultados previsiveis a curto prazo™®. Neste sentido, observa que as regras da conduta justa néo sio determinadas nem por 2 idem, p37 2 Haven, Dro, Légslation et Liberté, cit lp. 46, 196 Jose Adelino Malte, © PROBLEMA DO DIREITO uma “vontade”, nem por um “interesse”, nem por qualquer perspecti- va semelhante afins particulares, mas desenvolvem-se por um esforco persistente (como escreveu Ulpiano “consians et perpetua voluntas”) para dar mais coeréncia num sistema de regras herdadas por cada geragao, dado que a ordem da Grande Sociedade deve ser realizada pela observincia de regras abstractas e independentes de qualquer objective ‘Com efeito, mesmo os liberais éticos, herdeiros da escola escocesa, no deixam de assinalar, entre 0 minimo de intervengio do Estado, a administragao da justiga, Como assinala WALTER LiPPMANN, numa so- ciedade livre, o Estado no administra os negécios dos homens. Admi- Justica entre os homens que conduzem os seus préprios negd- A teoria do justo tit Contudo, a vertente ‘mente a existéncia de uma justiga distributiva e de uma ju Para Rosext Nozick, os principios da justiga distribu uma entidade qualquer se aproprie das acpdes de outras pessoas. Apa- derar-se dos resultados do trabalho de alguém equivale a apod das suas horas e mandé-lo ocupar-se noutras actividades uma passagem da nogdo da propriedade de si mesmo, prop) cléssicos do liberalismo, para uma nogao de dlireito de propriedade (parcial) sobre outras pessoas" Assim, defende a teoria do justo titulo (entitlement theory of iustice) Porque, diferentemente das desorientadoras expressées da justiga distributiva e da justica social, 0 que a justiga precisa é de especificar as regras para. correcta aquisigdo de tttulos sobre bens, regras para a correcta transferéncia de titulos, e regras para a correcta rectfica- ao de violagdes dos anteriores tipos de regras VII © Direto e a Justiga 7 Com efeito, considera que as coisas esto seladas com tftulos € que dispor de coisas sobre as quais alguém tem um titulo equivale a dispor dda:prépria pessoa titular. Um titulo concebido como uma nogio moral, ‘uma esfera de direito, um Ambito de livre disposigdo que nao deve ser invadido sem o consentimento de quem o detém. Neste sentido, aquilo que © mesmo autor considera como as teorias ‘radicionais da justiga distributiva cometeriam um erro moral: 0 de igno- rarem os titulos especiais que as pessoas podem legitimamente invocar face a bens concretos, autorizando medidas coactivas de expropriaga0 seguidas de redistibuigfo de pertencas, e, consequentemente,violando ras morais, dado pressuporem a cin de uma agéncia central de dstribuicao de bens. Por nds, questionaremos, em defesa da tese classica, a ~tomista, se a distribuigao originéria, donde provém os actuai {que garantem o statu quo, nao sera tio ou mais distributiva q distribuigo correctiva que um pio da subsidiariedade e as exigéncias da solidariedade, pode f rnome da comunidade™ B evidente que todos os autores do nes Nozick partem do principio que € 0 mercado Isto 6, continuam a nivel da sociedade imper sem atingirem a complexidade da polis. Segundo 0 sigdo e & transferéncia das pertengas ou em virtude do prin rectificagio da injustiga (tal como vem especificado pelos dois pri- 1meiros principios). Se as pertencas de cada pessoa so justas, endo 0 conjunto total (a distribuido) de pertengas é justa™™* de Rawts representa uma versdo social 1a da tradigdo libe- ral, enquanto a de Nozick ¢ tributéria do individualismo possessivo, conforme a expresso cunhada por C. B, MacPuersow, para quem a 198 José Adelino Maliez, © PROBLEMA DO DIREITO sociedad consiste em relagdes de intercimbio entre proprietérios. A sociedade politica converte-se num artficio calculado para a protec- ‘¢lo desta propriedade e para a manutengo de uma relagfo de troca devidamente ordenada: a melhor saciedade é aquela na qual todas as relagées sociais entre os individuos sao transformadas em relagdes de ‘mercado, nas quais os homens se relacionam entre si como possuido- res das suas préprias capacidades (e daquilo que eles préprios adqui- riram pelo exercicio das suas capacidades) Diga-se que 08 confrontos anglo-sax: 108 entre 08 sociais-demo- constituirem mera tradugio sem adaptagio portuguesa, nada podem dizer a um conformado por uma escoléstica cat conservadorismo e a prépria direita marcada pela doutrina social cat6lica sempre pugnaram pelas trés categorias de justiga, em oposigio a0 utilitarismo liberalista do neminem laedere. 56 em meados da década de oitenta é que comecou a conformar-se uma direita neoliberal que, entretanto, talvez ainda se nao tenha consolidado. A equidade ou a procura da super-justiga, Saliente-se que a justiga & conctetizAvel pela e% do caso conereto, resultante da ars boni et aequi equitativo nfo so conceitos metajuridicos, mas fins assinala BATTAGLIA, aquele fim bom e aquele fim equitativo exigem, na opciio, uma determinagio dos meios e um certo uso de meias, em que precisamente consiste a arte. Trata-se, pois, de uma ciéncia de meios e ‘Tear 0 sesigual emi mesmo, Na face geral, ela trata 0 igual; na face da e o desigual. CBMs 1975, pp. 192-1 Basra, ove 0 2. Vill, © Direto ¢ « Jusiga 1% AnistoreLes na Ltica a Nicémaco diz que a equidade é uma espécie Regus de régua Iésbica - uma unidade de medida usada pelos pedreiros de Lesbos, feita de chumbo capaz de moldar-se a sinuosidade dos objec- tos ‘Accquidade ¢, assim, vista como uma espécie de super-justiga, dado que, sendo a realizagao da igualdade, ultrapassa a mera justiga eneralista, coroando-a com amizade, dogura € miseric6rdia. Conti- ruando a citar ARISTOTELES, 0 justo € 0 equitativo sao idénticos e, em- ejam desefévels, a equidade 6, contudo, prefer uum methoramento do que é justo segundo a l corrigir a lei, na medida em que esta se mostra insuficient do seu cardcter geral, Com efeito, nem tudo est compreendido na em certos casos, éimpossivel legislar e & preciso recorrer, para a cisar, a uma decisdo da assembleia do povo, Para tudo 0 indeterminado, a regra néo pode dar a determinacao precisa, ao c trdrio do que acontece na arguitectura de Lesbos, com a régi chumbo™® Referindo agora comentério de Eric Writ, diremos que a j e autilidade nao devem estar em contradigao, porque uma comunida- de que se pretende sociedade moderna do trabalho racional e q ‘mesmo tempo, quer elevar a consciéncia a razdo inconsciente da ‘moral nio pode durar a ndo ser que consiga fazer compreender aos seus membros 0 necessério como necessdrio, pela razdo e pela liber- dade”. Mas se a justiga nfio pode ser entendida subjectivamente, também no se esgota no objectivismo, Como refere Castanneia Neves, ela é ‘menos wm principio racional e logicamente formuldvel e mais wm im- "pwd Show Govao- Fash © RENE SE, Les Grandes Quetions dela Phlosphed Dott, Pais, PUP. 1993, pp. 243-244, ‘© Enc Wet, Philorophie Politi itp, 11 231 José Adeline Malet, © PROBLEMA DO DIREITO iiltimas intengdes regulativas, aqueles “todos espirituais” que se rea- lizam na realidade humana como possibilidades de sentido e de objec- tividade, Apresentam-se, assim, como os tltimos fundamentos sem po- derem eles proprios ser fundamentadas, e até so insuscepitveis de se apreenderem em si mesmos, pois s6 se objectivam nas préprias reali- ages. que orientam ¢ a que dao sentido*® Neste sentido globalista, a justica, conforme Barractia, éforga sub- versiva que se converte em céinon de interpretacao™ , € pensamento ¢ actividade pratica™ , constituindo, ao mesmo tempo, critério de valoraedo das acces e impulso de acedo que, como tal, é um dever ser, um valor deontoldgico ideal e necessdrio™®, a justiga rraduz-se em {factos, mas nao se consuma neles, transcende-os"®. Mais do que um {rio critério discriminador, é sentimento, paixdo, amor ... (ama-se 0 justo, odeia-se 0 injusto, tem-se sede de justiga, desprezo para com a injustiga), mas isto, evidentemente é posstvel num mundo onde o acon- ecer nem sempre se conforma consigo mesmo, numa constdncia pere- ne de formas ¢ estraturas, na repetigao sem variagdo de sucessos que expressa a lei fisica®”.B isto porque 0 homem é livre, mas escolhe ‘motivando as suas escolhas, e motiva-se com a sua razdo, impulsiona- do pelos esttmulos, atratdo pelas paixdes que umas veres a razdo do- mina e outras ndo as senhoria totalmente. Logo, se a liberdade exclu- ernativa, mediante a qual o homem pode rebaixar-se ao ani- jerdade, esta acomodar-se-ia & natureza cusja -do e a constancia, exclui a moralidade™ Aj direito, ‘Como 0 impulso que nos mobiliza para a descoberta daquelas leis que esiao escritas no coragdo dos homens. S6 dinamizados por esta misao poderemos atingir essas leis necessariamente mais gerais e mais racio~ i as pela razio especulativa, plancadora & 86 quando & fecundado por esta forga animica to YI, © Dito ¢ a Susiga 201 eee Meese ee asses Meceeeeeaee eee eee eee tem razdes que a razio do direito, us vezes, desconhece. Porque, como diz Rousseau, a liberdade sem a justica € uma verdadeira contradi- ‘¢do™, Porque, como proclama Monresquiev, antes das leis serem fei- tas havia relacées de justica possiveis. Dizer que ndo hd nada de justo nem de injusto no que ordenam ou protbem as leis positivas, € dizer ‘que, antes de se er tracado 0 cfrculo, todos os raios néo eram iguais"™ > Jaqstacoues Rous, Letires 204 Jose Adetino Malez, © PROBLEMA DO DIREITO = doutrina do etcsme absolute 0 sitet ase da ora 0 poder nate de dri, Opti ‘ores que levam ao camprimento no couctvo das normas, Cosco ‘itu, coeretblidad ecoerctvidade a. Da conc a reps sa. 0 sono de unt isto sem coacgdo, Posivel tom 40 rind a forga © abuso da dirt, = A cone como afirmagio da iberdade, Obedecer em cons ‘ifaca. A rera vem do dito, a0 €o dito ave vem da rere, BK_0 Direto ea Fora 205 ___A doutrina do eticismo absoluto Sobre as selagdes entre o direito ea forga, € habitual areferéncia a OP duas posturas extremas. De um lado, o optimismo antropolégico, pro- xximo da ética de convicedo, marcado por um eticismo absoluto, em cos _que se proclama que © direito-nada tem a-ver-com a forga ou, por ‘outras palavras, que 0 direito é superior ao poder. Em oposigao, esté a perspectiva do pessimismo antropolbgico, marcada pela ética de res- ponsabilidade, para a qual o direito nfo passa de uma expressio da forga. Neste sentido, Bento Espinosa diz que as les contéms as homens como se contém wn cavalo conrarajuda de wn feio. E Juekinc procla- _ma que 0 direito €a politica da forga. “Entre os primeiros, conta-se, por exemplo, EMMANUEL MOUNIER para quem nao é 0 direito que nasce do poder, €0 poder, elemento estranho 40 direito, que deve incorporar-se no direito para ser transformado em direito™ . Porque, como também salienta Georces GurvttcH, nin- .guém pode ser democtata se ndo afirmar a soberania do direito sobre o poder. Esta também 6 a posigdo da doutrina social da Tgreja Catélica, Nes- com 0 mais completo desprezo de qual- Hotes, Darwin, ‘Mars José Adeling Matez, © PROBLEMA DO DIREITO posse de poder, sobrepés-se ds normas da ordem reguladora da convi- véncia humana, as quais, dimanando de Deus, estabelecem as rela ‘66s naturais e sobrenaturais que medeiam entre 0 direito ¢ 0 amor aos individuos e a sociedade. direito como expresso da forga “Teentre os que consideram o direito como simples expresso da que ndo distinguem entre Estado-Aparetho de Poder Estado-Comunidade. Ou os que nao difetenciam 0 poder-coeredo do poder politico, entendido este como estrutura complexa de préticas ‘materiais ¢ simbdlicas destinadas & produgio do-consenso. ‘Uma antiquissima perspectiva, jé detectada em TRasiMaco, para quem o direito ndo passa de uma invengao dos fortes para se imporem 0s fracos: a justiga é simplesmente o interesse do mais forte .. 36 hd um modelo de justica em todos os Estados ~o que convém aos poderes estabelecidos. Ora, estes é que detém a forca. De onde resulta, para ‘quem pensar correctamente, que a justica é a mesma em toda a parte. ‘a conveniéncia do mais forte” Uma posigao que nao deixa de ser assumida pelos que pretendem superar a degenerescéncia pela revolta dos mais fracos. Como aquela ‘que expressa CaLiciss, quando visiona o direito como uma alianga dos débeis através de uma forga colectiva para se oporem ao predorinio da forca singular dos mais fortes. De qualquer maneira, 0 extremismo sofistico constitui uma semen- te que, depois, frutfica, Primeiro, com Honnes — para quem, depois da ligdo da sociedade, nfo hé lugar para Valoragdes individuais aut6nomas. Depois, com Darwin — segundo 0 qual o direito € aquela forga que confirma e garante as condicdes da existéncia que possibili- tam o desenvolvimento dos mais aptos. Finalmente, com MaRx~ que transformou a luta pela vida numa iuta de classes: Para Hosaes, as palavras (words) constantes dos pactos, sem apoio dda espada (sword) ndo so mais do que palavras. A espada seria 0 ne- cessério poder visfvel para unir os homens pelo temor dos castigos tanto na execugao das convenedes quanto na observago das leis da natureza. 3m Patho A Repabiea, 338-339, ad. por. de Mai Helena da Rocha Perera, Lisboa, 1X_0 Dineto © 4 Foxga 207 # de acordo com esta tradigfo realista que Runots von Jueine considera o direito como a balanga que tem a espada como fulero & como fil, pelo que coaced exercida pelo Estado consti oc rio absoluto do dir que a organizagao do di coacgao deixa de ada} cipio, 0 seu cardcter; procura realizar o di perfeita que tinha na origem, a da forga b sido organizada quanto a todos os outros campos, 4 ve-se no seu ponto de partida, Mas é precisamente nest da dos povos que combatem pela manutengdo dos seus direitos que se afirma « homogeneidade dos dois elementos do direito: um interno — anorma =, outro externo ~ a coacéo"*, aqui que situa a questio da luta pelo direito: 0 seu desacatamento provoca, como reacgiio de facto, a guerra e a revolugdo, e estas sao as formas da justiga privada nos dominios do direito piblico. Essa justica restabelece o direito dos povos privados de proteccao, como fazia na época primitiva para com o direito dos individuos, que entéio era também desprotegida"® ‘Mesmo Haxs KeLsen ndo deixa de ser impregnado por este pessi- ‘mismo antropol6gico, ao proclamar que o direito € a ordenagao coer- citiva da conduta humana. Em idéntica linha, JULieN FREUND conside- ra que 0 Direito ndo exclui a forca, mas sim a violéncia, pelo que 0 direito néo instaura por si mesmo a paz, mas contribui para a manter ‘quando a politica a tenha estabelecido ¢ se encontre em condicoes de impor e fazer respeitar as solugdes por via juridica, em lugar de solu- es por via da violéncia’” ‘Voltando a Hoses, eis que o poder eo direito se identificam: cada um goza de tanto direito quanto 0 poder que possi, natural de toda a natureza e, por isso mesmorde cada it de-se até onde chega o seu poder. No mesino sentido, Bento EsrINoss diz.que por direito natural os peixes grandes comem os pequenos™ "Rupee vow Susana, A Bvoluedo do Dirsto, tat. por. p 222 fem, p. 224 fem, p. 223, 6s Faeuvo,O que €« Plt 208 Joxé Adaline Males, © PROBLEMA DO DIREITO ‘Aus pele Dagui também deriva a ideia de lura pela vida do darwinismo que vids tanto leva Hexsexr Spencer a considerar que 0 diteito do mais forte 0 ireito do mais capacitado, como Marx a proclamar que 0 direito é a expresso da forga da classe dominant ‘lua pelo Neste ambiente, JHERING salienta que a defesa internacional do di- —_ Ito, de rebelido, de revolugéio contra lei de Lynch, 0 pos modernos ~ 0 duelo, a leg regulamentado de defender um di todos estes fendmenos, a despeito de toda a diversidade do objecto do ioe dos seus riscos, das formas e das proporgoes da luta, — ndo sdo sendo formas e cenas duma tinica e mesma luta pelo direito™ ‘Mas ainda hoje as doutrinas do neo-utilitarismo tendem a conside- © direito é aquele conjunto das regras do jogo, permitindo a erdade do homem de sucesso, em que tem razito quem vence. cowdenagéo corte , Mas apenas potencial tia para a execugao da norma", Porque, ria-ordem jurfdica, 0 normal € 0 facto das normas serem espontanca- mente observadas. (Oa, entre os factores que levam ao cumprimento ndo coactivo das normas juridicas, esté, evidentemente, a coacgao psicol6gica, embora no possamos deixar de referir outros motivos, como o interesse dos prdprios individuos obedecerem & norma, o habito de cumprir, 0 senti- ‘mento juridico comunitério, bem como a prépria sociabilidade. 1X0 Ditcito © a Forsa 209 idade (Brawingbarkeit) Coe" ms € em poténcia, ndo em acto. B isto porque, conforme BATTActia, 0 direito € aquela necessidade ética que ndo & causalidade ¢ ndo se reduz aos factos, mas que os transcende e os submete, enquanto a forgaé apenas um meio para um fim; situa-se no ambito da causalida- de externa” _-Se, como salienta Castanteina Neves, a coacgio defende a liber- dade contra o arbitrio™ , importa também observar que a coaccio nao € 0 direito, mas tio s6 0 procedimento da sociedade organizad contra ito — uma coisa é @ norma ¢ outra, bem diferente; 6 0 processo de a tornar efectiva, ‘A anti-razdo ao servigo da razaio Na verdade, como assinala JEAN LAcROIX, 0 homem sé se torna Obes racional ao tremer diante da razdo, que primeiro the aparece sob a {forma de uma violéncia exterior. E obedecendo & lei que nos tornamos concretamente racionais. O que especificaria o direito seria esta anti- -razio ao servico da razao™ Retoma-se, assim, a tese da s lade insocidivel dos homens de Kant, para quem a coaegio coincide coma liberdade: se certo uso da liberdade se converte num obsticulo a liberdade segundo leis uni- versais (isto &, se & injusto), a coacgdo que se the opie, enquanto Jmpedimento de um obstéculo a tiberdade, coincide com a liberdade segundo leis universais, ou seja, que & justa ‘Também Barvista Mactano salienta que o direito enquanto post la eficdcia ou vigéncia social, depende da coacgdo, mas também pode dizer-se que depende da forca. Na sua origem, porque ele é hoje dica- do por wna autoridade social (0 Parlamento, o Governo) que tem por detris de sio poder politico, isto é, 0 poder do Estado. Na sua aplica- io efectiva, porque a efectivagao da sangio é garantida pela existén- cia ¢ actuagao de uma instancia organizada e integrada no aparetho de Estado™ Baraca op. i I, p, 269 astonena Neves, C120. 9.26, Demperaca, Cite de Ciiteageo [1965], wad port. de Anti Convener 0 oter em ito A rorlzago a oii José Adeling Maltez, © PROBLEMA DO DIREITO Mas, como diz. Rousseau, ainda o mais poderoso de todos os ho- ‘mens néo serd suficientemente poderoso, se no souber converter 0 seu poder em direito ¢ a obediéncia dos outros em dever. Porque a {orca é uma poténcia fisica, de cujas actuagées néo pode resultar ne- —nhuina miorab™* “Também Scun.cer refere que a tinica coisa que. torna poderoso aque- le que manda é a obediéncia daquele que obedece. Porque quem manda, manda, sobretudo, pelo reconhecimento da- queles que esto sujeitos ao mando. Porque todo o poder tende a ser um oficio, um simples poder-dever. Como sal IMone Govarn-Fasre, 0 direito no se confunde com a forca. A forca é poder (puissance); ceder & forga é um acto de necessidade no qual o direito nao tem lugar. Se é verdade que o di io entre a politica e a mo- que talvez. seja, como aboligdo da pobreza das massas e a superacdo das disparidades to desenvolvimento econdmico jé pertencem, ou pertencerdo brevissima- ‘mente, aos imperativos vitais de sistemas sociais avangados. Mesmo ‘que estes sistemas, por enquanto, néo suscitem motivos suficientes para a solugio de tais problemas globais, pode-se ver que uma solucao dos problemas dificilmente serd posstvel sem a entrada efectiva em vigor ra esfera piiblica, de normas universais, cuja observancia até agora se esperava apenas na esfera privada. Isto pode-se chamar, se nos ativermos as categorias usuais, uma moralizacéo da politica, Mas nem por isso se devem rejeitar como entusiasmo ingénuo, reflexdes desta natureza” Merz, Fé em Mitra Sociedade. ,V "spud. B Merz, op. itp. 120, TKO Diteto © a Forga 211 Gustav Rapauct considera mesmo que nunca, de facto, 0 ladrao viola a propriedade alheia sem o intuito de afirmar a sua proprieda- de, prestando, deste modo, homenagem ao principio que consagra a lcd juridica da asseguré-la e defendé-la, temos de penetrar na zona da autoridade, que gera a obediéncia pelo consentimento, bem diferente da obediéy pelo temor, segundo as palavras de ApriaNo Morera, ou, como enta Grorces Bubeav, da qualificagdo para dar uma ordem, distinta we simples poder que € apenas a possibilidade de ser obedecido, Na 9; 0 perigo presente faz surgir hipdteses de vitdria futura; a ‘minoria, convencida que ndo tem nada a perder a ndo ser as suas cadeias, arrisca tudo porque pensa que jé ndo tem nada a arriscar®! Por isso € que, conforme Wiiteim ROPKE, 0 maguiavelismo é uma ma ‘moral e wma péssima politica. Na verdade, um governo legttimo & um poder que se libertou do Um poder ‘medo, porque aprendeu a apoiar-se no consentimento, activo ou pas- sivo, € a reducir proporcionalmente 0 emprego da forga, segundo. inlo GvoLieLmo Ferrero! ‘Também Gzonces BuRbEAu refere a legitimidade como a metamor- ‘fose moderna da sacralizagdo do poder, que laiciza o seu fundamento ssem lhe enfraquecer a solidee, visto que substitu a investidura divina pela consagragéo juridica. . O préprio Léon Ducurr refere que 0 poder politico serd tanto mais obedecido quanto mais seja voluntariamente aceite pelos governados. 2% Guauisino Fenneno, Powvoir. Les Géales Invisibles de ta Cl tre. fe, Libre Philosophie Pttique, p18 Legiimia 212, José Adlino Male, 0 PROBLEMA DO DIREITO Fa missiio da arte politica encontrar os processos de governo mais adequados para fazer aceitar voluntariamente pelos siibditos os co- ‘mandos da autoridade politica®® A associagio da justiga com a forga Tentando fazer a sintese, o antigo professor de direito piblico de Coimbra) José Carios Morema, num belissimo, mas pouco citado, dis- que 0 constrangimento ico, em que se resolve em tiltima andlixe a sangao especifica do ito, em si mesmo, é uma forca que como qualquer outra opera de causa a efeito. A forga domina a fraqueza. Mas é uma forga que ndo se 6 ‘o.concurso do homem, 0 qual ao ta, mas exerce um poder le a justica™ iedida em que se propée usd tomando Pascat, para quem la Ji sans la force est ireito jé ndo haveria di iris ¢ caprichosas dos sem forca seria impotent legitimar a prépria forca ito ndo & inerente a coacgio nem ldgica nem ontologicamente Bem pelo contrério, éo Direito que legitima a forca. O Direito requer saa jorca, sim, mas wna forga legitimada pelo Direito™S. © nso “Com efeito,o direito talvez tena comecado por ser conégtio quan- ncionals’ do os homens primitivos o reduziram a simples expresso de uma von- ‘Ho tade superior, sagrada e transcendente, apenas medintizada pelo sacer- dote. Nesses primérdios, quando 0 medo consttuia o principal funda- mento do direito, chegava mesmo a acreditar-se que quem o violasse incorreria naira divina, Contudo, o crescente processo de socializagio (de societas, ou s0- pa olin ee Faculdade de iret de 1. Barns MaciAoo,Friredupto ao Drei. p37 PK_0 Dirsio € a Fora 213 ciedade), de polidizagdo (de polis) ou de civilizagéo (de civitas ou cidade), tratou de transformar o direito em algo de racional. O direito passow a ser concebido como um produto da liberdade & E aqui importa assinalar que a coaccio do Estado pode ser contra 0 proprio direito quando se reduz & mera repressio, Ela também retardando a ace da justica com as dilagSes processuais, ser prejudicial ‘Como diz, Caros Lima, uma intervengdo do Estado em certos conflitos de natureza econémica é prejudicial para o proprio direito, pois que as orcas econémicas, abandonadas a si pr6prias, lutando wnas contra as ‘outras, chegariam mais rapidamente d soluedo definitiva de todos esses conflitos, a qual o Estado néo faz sendio demorar ** CanseuuTtt chega mesmo a visionar um futuro remoto onde a co- acgdo desaparecerd”” , Resta saber se, com esse eventual desapareci- mento, ndo desapareceria também o préprio direito? ‘Também no sonho anarco-sindicalista de Campos Lima, eis que o direito ndo serd assim declarado pelos tribunais ¢ assegurado pela intervengdo da justica, mas conterd em sia prépria forga que 0 torna- 16 efectivo. A sua obrigatoriedade, que jd hoje, no regime actual, devida menos a intervenedo da justiga do que d convicgao de todos dessa mesma obrigatoriedade, assentard no futuro principalmente nes- sa base de utilitarismo, facilmente acessivel aos individuos a quem ‘essas convengées interessam directa ou indirectamente e que sdo os préprios que as t8m de cumprir™. Nessa sociedade nao existiria autoridade diferenciada e especial: todos os individuos do agrupamento em que 0 acto anti-social se pro- duit, S40 competentes para exercer a coaceao social, atingindo-se uma verdadeira sociedade juridica, a possibilidade de coac¢do mais racional e mais em harmonia com o préprio direito, pois a coacgio se tornaré assim sempre juridica e uma consequéncia ldgica da prépria infraceao™ ™ Coos Lava, 0 Bsa 2 Ci Baraca, opis pp ™ Coos Lit, op tp. 406-407, 214 Jox6 Adelina Matter, _O PROBLEMA DO DIREITO Possvel___Numa perspectivaradicalmente diversa, Professor Avrues VARELA) _jadefende que a norma deve exprimir a vontade soberana do Estado, foe apurada em termos genéricos nas assembleias representativas © que o ~verdadeiro destinatdrio da mesma sdo os homens ~ ndo os individuo, Tao 0 homem, abstractamente considerado, muitd menos o Estado, ‘mas os homens, como seres livres e racionais, criados a semethanga de Deus ¢ cor que a providéncia os inseriu, Assim, teme que ela passe a reflectir apenas o resultado do consenso obtido no diélogo polémico com os grupos sociais, quando néo traduza, pior do que isso, a solugdo natu- ralmente imposta pela forga da rua ou pela campanha dos éredos de comunicagao social ‘Nestes termos, considera que este movimento de aparente retorno ao primado da forga pode cavar @ ruina, néo apenas do Direito Ci mas do Direito em geral, se a tempo ndo for posstvel_sobrepor ao conflito trdgico que se avizinha entre o poder econdmico de alguns ¢ a insatisfaigao reivindicativa dos outros, sob o signo do materialismo™ © stuso do ‘Diremos, a tal respeito, invocando a metéfora da boa lmpada, a eto ‘qual, para dat boa luz nfo precisa de muita corrente eléctrica, que tam- bem 0 bom direito s6 em situagdes limite deve recorrer & forga. Na verdade, quando © direito se reduz. a mero produto dos ditames do “aparelho de poder (em nome da lei e dos ideais meramente conjunturais ‘de uma determinada sociedade), desligando-se tanto da tradigo costu- ‘meira (que The dé a fundura da ordem esponténea e 0 liga a0 cosmos € ‘a0 mistério da condigao humana), como da prudéncia dos tedricos (que © pensam de forma racional e justa), eis que ele corre o risco de iden- tificar-se com a forga do mais forte ou do mais numeroso, nomeada- ‘mente quando se enreda nas teias das ditaduras maioritérias ou na into- lerancia dos pensamentos tinicos. ~ “Tal como a propria virtude précisa de ter limites, assim o dircito tem de ser internamente travado pelo prinefpio do abuso do direito, | segundo o qual, conforme estabelece 0 artigo 334° do nosso Cédigo “Civil, ¢ ilegitimo o exercicio de um direito, quando o titular exceda inanifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ‘au pelo fim social ou econdmico desse direito. ‘A coaccio como afirmagao da liberdade ‘A eoaegio nao pode, pois, deixar de ser entendida como uma afir- ‘magio da liberdade. Porque, como refere Jacques MARITAIN, @ autori- dade deve ser obedecida em consciéncia, isto é, da maneira como os “tromens livres obedecem e no interesse do bem comum. Q animal ape- nas tem obstéculos naturais, nfo tem liberdade e nao sente a coacgio. Besta, como ensina Castannisira Neves, nido é mais que aquel - mento de que as colectividades organizadas se servem para io, mas a coacedo sé sera v da aplicapao de um direito valido e um di recebe 0 seu fundamento ¢ enconsra o seu li sserd esta também o fundamento ¢ 0 limite da coacedo aceitavel Com efeito, a justiga € aquilo que permite a procura de um suum cuique iribue 1a relacdo entre coisas do ‘que como relagao de poder. Como diz Micui. Vi.Lev, se todas as re ‘gras trazem a marca da imperfeiciio humana, se so necessariamente {faliveis, tem de entender-se o direito conforme Junius Pautus define a Tegra: a regra é 0 que descreve de forma breve aquilo que existe. Nao éa partir da regra que se escolhe a solugéo juridica, mas a partir das ‘solugdes juridicas jd verificadas que se formula a regra (Non ex regu- la ius sumatur sed ex iure quod est regula fiat)* ‘Actesce que as proibigSes (a determinago das zonas do non facere) talvez sejam menos necessérias que 0s comandos (0 estabelecimento de um rigoroso quadro de vérios facere). Neste sentido, a forga até pode ser utilizada para impedir que os prevaricadores fagam d rnadas coisas. for 0 instrumento fo é aquele que Casto NER, CHP.» PP 262-268 © Digest, $017.1 218 José Adelino Maker, PROBLEMA DO DIREITO ~0 regresso do dieto natural. exis do ttltarsme, Con- Bspago de autodeermingio individual. A {ormagao deur jutz independent. usg 4a jusaposigto mite ‘order gin com on i, ste deuma pine eer main, A iio “momento do sistema, slsemicaO pig do sisters ~ distinguin entre o poder efectivamente X__A Perspetiva Tridimeasonal do Dirty 219 O regresso ao direito natural “Depois do choque dos totalitarismos e da experiéncia da Segunda Guerra Mundial, o diteito natural voltou a servir de inspiragao para o formas.de-positivismo, nomeadamente pela denincia das teorias finalistas da engenharia social, essa i ‘modemidade, segundo a qual o conhecimento do homem pode deter- iminar a tespectiva acedo. Com efeito,muitas-das consequéncias do totalitarismo resultaram tov. Desde logo, 0 legalismo est estabel _geral, segundo as regras da democracia pluralista e representativa, ¢ 0 ‘poder nao politico, resultante das degeneresc@ncias autoritérias e tota- litérias. Alids,.o totalitarismo foi, sobretudo, um dos resultados daquele estado (Wertfreiheit até de filosofia (Philosophiefret admissio do maquiavélico instrumentalismo dos: 6, quando admitiu a prevaléncia do método sobre 0, objecto, 0 primado «a ética da responsabilidade, c da consequente razio de Estado, sobre a atica da convicgdo, € 0 necessétio Estado-razao. Q-regresso-do.direito. natural foi, assim, marcado- especialmente fe pela memria do sofrimento face Aquelas experiéncias totalitérias que © positivisma juridico tinha permitido, principalmente com-a.experi- €ncia nazi, Veja-se, a este respeito, a comovente critica de Gustav Rappruck, numa circular dirigida aos estudantes de Heidelberg, no José Adelina Miter, © PROBLEMA DO DIREITO Jost Adttino Mater, © PROBLEMA DO DIRETTO imediato pés-guerra, em 1945, intitulada Cinco Minutos de. Filasafia. “do-Diseito. Ai, 0 antigo ministro da justica da repiblica de Weimar, ‘num primeiro minuto, 0 positivismo, por este reconhecer que a le por ser lei, e é lei sempre que, como na generalidade dos ca- sas; tiverdo seu lado a forga para se fazer impor, ao mesmo tempo que deixa sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrdrias, ‘mais eruéis e mais criminosas. Num segundo minuto, a0 criticar a formula de Frank, ministro da justiga de Hitler, que considerava o direito como tudo aquilo que é stil ‘no povo, Ravsrucn proclama: Ndo, ndo deve dizer-se: tudo 0 que for til ao povo & direito; mas, ao invés: 86 0 que for direito serd itil ao povo. No terceiro minuto, assinala que direito quer dizer 0. mesmo que -vontade de justica, pelo que quando as leis conscientemente desmen: em essa vontade e desejo de justica, como quando arbitrariamente concedem ou negam a.certos homens os direitos naturais da pessoa humana, entdo carecerao tais leis de qualquer validade, 0 povo nao hes deverd obediéncia e os juristas deverdo ser os primeiros a recu- ‘sar-lhe o cardcter de juridicas. ‘No quarto minuto, embora considerando que, ao lado da justiga, © direito deve servir 08 valores do bem comum e da seguranga, reconhe- 1 ceque pode haver leis tais, om wn tal grau de injustica e de nocividade ~ ceito juridico posi para o bem comum, que toda a validade e até o grau de juridicas nao poderao jamais deixar de thes ser negados. Finalmente, no quinto minuto, salienta que hd também principios ‘fundamentais de que sao mais fortes que todo e qualquer pre- de ial modo que toda a lei que.os contraris poderd deixar de ser, natural e quem thes chame direito racional. Sem diivida, tais princ ‘95 acham-se, no seu pormenor, envoltos em grandes diividas. Contu- do, 0 esforgo dos séculos conseguiu extrair deles esse micleo seguro € {fixo, que reuniu nas declaragdes dos direitos do homem e do cidadio ¢ j-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relagiio a ‘muitos deles, s6 um sistemdtico cepticismo poderd ainda levantar quais- quer ditvidas*® “Guay Ragen, Fovfa de Dire {192} 1, td. por. Coimbra, Arménio XA Perpectiva Tidimensiona! do Direto Fundamentalismo humanista “Por outras palavras, Gustay Rapanuctso-elativista metodolégico, aia de atacar o relativismo exacerbado, moral ou axiolégico, do ‘nihilismo, que nega a existéncia de uma norma universal em torno da {qual todos os julgamentos morais podem ser avaliados. “Também nés tentamos seguir esse sentido regulativo, baseados na- ucla hist6rica lta pelo individualismo que levou Kaw a proclamar ue o homem é um fim em si mesmo, algo que nunca pode ser um meio ‘que justifique qualquer fim. Porque, como dizia Pascat, 0 homem supera ‘mem, Donde deriva a prioridade da ética sobre a das pessoas sobre as coisas, a superioridade do es ria, como ensina Joko Pauto I. i ‘Considerar o homem como uma razdo animada, conforme AtsaKo Risso, implica um essencialismo radicalmente existencialista, em que ‘ele no é apenas manifestagao de uma abstracta humanidade, mas, sobre- tudo, uma individualidade, um in-divisus, wm ser que munca se repete. ‘Neste sentido, subscrevernos um certo fundamentalismo ceidental: aque- Je que radica na autonomia ética, na dignidade da pessoa humana. 'Na verdade, as nossas concepgbes do mundo ¢ da vida consideram, segundo palavras de Cansal.be Moncapa, que a liberdad é sentimen- to dum poder préprio de determinagdio ou de autodeterminagdo ¢m vista de certs fins previamente eleitos e que a personalidade & centro de actos livres e de autodeterminagoes volunidrias, para o qual as hnormas, os valores e o dever ser existem™*. Porque a liberdade no pode deixar de ser pessoa, como a pessoa rio pode deixar de ser liberdadle. Porque se a liberdade se nos oferece como o poder de wn “eo ipso” ndo pode deixar de se nos ofere- ito” ou centro de “sujeito”, a personal cer como sendo precisamente esse mesmo “Ss pessoa com parados ndo sé 0 fraco como o poderoso, nab sé 0 rico como o pobre, mas ainda a débil personalidade da pessoa singular com a gigantesca ppersonalidade da pessoa colectiva™ Canna ve Moncaba, Bstdor Filosficos € Histricos, pp. 93 © 9S. 2 Iden, p94, 9 Gust Rane, Fiosofa do Dire, tp 17. Literdade para realzagen da pessoa tex _O PROBLEMA DO DIREITO Porque, como salienta Stammten, considerado por um determinado direito hist6rico fim dele préprio, em oposigao ao objecto dos direitos que, pelo contrario, é considera- do sempre simples meio para conseguir ura fin Quando dizemos pessoa, nfo defendemos apenas aquela perspecti- _va formalista e processual.que. continua o sentido etimolégico da ex- pressio: a simples méscara que actua no palco da vida em relagao. elo contratio, importa adoptar a atitude substancial do personalismo, assumindo a dimensio pessoa como uma qualidade. inerente a qual- quer ser humano. Porque ser pessoa implica que, dentro dela, se reconhega tanto.uma dimensdo individual. como uma dimensdo social. Que recusa, por um lado, o individualismo atomistico, que vé a sociedade como simples adigao, e, por outro, o holismo colectivistico, que transforma o indivi duo em simples parcela de um todo, em mera pega da roldana do ser social Assumir este personalismo libertacionista, este. humanismo inte- gral, contra todos os preconceitos ordinalistas que instrumentalizam 0 ‘manidade sem nada contra o homem. Porque muitos dos que zoologi- ccamente silo a favor de uma abstracgdo chamada raga humana, € 2 n&o concebem como uma pluralidade de seres reais, podem, em nome de invocando cléusulas gerais como a humanidade, 0 povo, a revolugo ou o progresso. Quaiquer concepedio marcada, tem de assentar na dignidade, ni ‘pessoa humana, entendidas como invioléveis e inaliendveis, n efeito, a liberdade niio é apenas a simples liberdade prética, en- cia de impedimentos extemnos, esse espago de resis- activo humanismo pet (Gncia contra as heteronomias, nomeadamente as interferéncias exteriores do Estado-Aparetho de Poder, A liberdade, sem deixar de ser essa liber- ddade-naturalistica, é também, liberdade positiva e activista, exigindo.a Fealizagdo da pessoa nas comunidades em. que a mestna se insere. Como diz Karu Jaspers, a liberdade envolve a superagao do pré- prio arbitrio. Implica a necessidade imanentemente actual do verda- deiro, Se sou livre, ndo quero s6 porque assim o quero, mas porque me convenci do justo. A exigéncia da liberdade ndo é portanto, 0 agir por arbitrio ou por cega obediéncia, mas por convicedo fundada. X._A Pespetiva Tidinensional do Diet 223 De facto, a liberdade-dos.outras limita a prépria liberdade de cada Aco" ‘um, pelo que nio pode confundir-se coma-simpleslicenciosidadeouo 5“, ‘puro arbitrio, Mas o homem, porque naturalmente livre e originatia- tives mente socidvel, s6 pode ser um homem realmente livre se viver numa ‘comunidade de homens livres, Porque, se ha dependéncias que huri- Iham, talvez mais intensos sejam os lagos comunitérios que animam e estimulam a prépria liberdade de cada um. ‘Como assinala EMMANUEL MOUNIER, a experiéncia primitiva da pes- soa é a experiéncia da segunda pessoa. O tu e, adentro dele, 0 nds, recede 0 eu, ou, pelo menos, acomipanha-o™” HA também que. garantir uma esfera mfnima-de-existéncia-indivi- Ea ‘dual, um espago de autonomia, onde nada nem ninguém possam inter- ‘M% ferin, Ha que. garantit_o direito A autodeterminagao individual: e resisténcia. Porque cada homem é sempre um nna cadeia da humanidade. Actesce. que o.abuso da liberdade ja ndio.€ manifestago da liberda- Alb de, mas.aquela-libertinagem que pode levar a destruigdo da propria “™°* liberdade. Neste sentido, aliberdade exige a responsabilidade pela so- ciabilidade do homem. Porque a liberdade nio 6 apenas um direito, ‘as também um dever. ‘$6. quem for livre pode assumir responsabilidades e s6 quem actuar responsavelmente conserva a possibilidade de ser livre. O cidadio livre e responsdvel deve assumir a liberdade activamente. Deve expe- rrimentar € no apenas julgar a mesma liberdade. De acordo com os ensinamentos de Castanitina Neves, muito do que usufrutnos, em todos os planos, devemo-lo aos outros, devemos ‘mesmo aos outros as nossas possibilidades pelo que anulariamos pura € simplesmente a legitimidade do acesso a esse patriménio se niio concorréssemos para os outros com as nossas pos: contributos pessoais. A.luta.contra.o.colectivismo.¢ 0 totalitarismo passa, assim, tanto fxm pelo exerefcio quotidiano da iberdade como pela formagao de um jutzo {x independente..A maneira de Mounier, importa proclamar que a liber- dade é afirmagao da pessoa, vive-se, nao se vé™™. Até porque, segun- > Lespdrience primi dk personne ext experience del seconde personne. Le“ "je, 08 ae moins Vaccompagne, Bunawss. MoUNek, Le 204 José Adelina Malez, PROBLEMA DO DIREITO XA Penpectiva Teidimeasional do Dirito 225 do as palavras de Tocquevitte, nada hd que produza maiores maravi- has do que a arte de ser livre; mas néo hé nada mais dificil do que a aprendizagem da liberdade. A realizagio da liberdade pressupde tambémaexisténcia de ju Social. Nao hé liberdade sem justiga social, nem j berdade. Porque, sobre ‘Cumpre no esquecer, conforme ALexis pe Tocavevitis, que van- tagem real da democracia ndo é, como se diz, favorecer a prosperida- de de todos, mas sim contribuir para o bem-estar de wm maior nime- 170. O Céu néo estd mais afastado da terra que 0 espirito de liberdade da extrema igualdade. proprio Mowresqureu observa que a democracia tem dois exces- sos a evitar: o espirito de desigualdade que leva ao governo de um 6 e oesptrito de igualdade extrema, que condua ao despotisma de todos. Neste sentido, a justiga, conforme a ligdo de StawMteR, constitu sempre um ideal social, impondo ndo s6 0 respeito pelo outro, mas | rticipagao na vida comunitdria ) Esta visio personalista do homem, ao contrério das concepgdes. Se ppuramente individualistas, pressupSe, como jé assinalmos, que-a pessoa ) tem, dentro de si, tanto.uma dimenso social (commune), como uma di- |, menso propriamente individual (proprium). Assim, porgue-a pessoa hu- ‘mana traz 0 nds_dentro do eu, ela € naturalmente social. Isto &, por exi- | Béncia da propria natureca das coisas humanas, a pessoa s6 socialmente se realiza, desenvolvendo-se progressivamente, numa série de camadas: lizarmos as palavras de SamT-EXUPERY. srdade se permanecerem a fome, a miséria e @ iO desenvolvimento livre da pessoa s6 pode jidads e os bens tiverem a possibilidade de ser repartidos o mais justamente possfvel. Na verdade, os mais desfavorecidos correm sempre o risco da opres- siio, pelo que deve defender-se a proteceo especial dos mesmos pelos to a.um mfnimo vital que no & fnimo que permita satisfazer hhomem do dobrar do século considera como 'aunlade de —_© fundamento da justiga reside, deste modo, na igualdade da digni- orerunis®. dade ¢ da liberdade de todos os homens, independentemente do poder, da.capacidade-de rendimento e dos fracassos-de cada-um, Porque, como salienta ALExIS CaRkeL, 0s seres humanos sio iguais. ‘Mas os individuos néo o stio. Eo mito da igualdade, o amor pelo simbolo, ‘a desdém pelo conereto que, em larga medida, é culpado pelo enfraqueci- ‘mento do individuo. Como era impossivel elevar os inferiores, o tinico ‘meio de productr a igualdade enire os homens era conduci-los todos ao ‘mais baixo nivel. Desapareceu, assim, a forca da personalidade (p. 304). ‘A igualdade nao é apenas a formal e abstracta igualdade da peranie a lei, mas, sobretido, a igualdade de oportunidades para to- 0S, a igualdade através da lei. Com efeito, a efectiva desigualdade ‘entre 0s homens existe tanto pelas condigdes sociais, quanto ferentes capacidades, vacagdes e disposigdes, pelo que a igualdade niio pode ser apenas igualdade abstracta de condigées jurfdicas, exigindo ‘mais igualdade entre as pessoas reais. [Neste sentido, subscrevemos aquele radical neotomismo de Gio La Pina, segundo o qual a pessoa humana I: é naturalmente social, o que sigy lidade humana se desenvolve progressivamente numa série nnismos — desde o familiar até ao territorial, de trabalho, de classe, politico, cultural, religioso — que a integram e a elevam; a norma reguladora de tais organismos € a da solidariedade, do fim comum, 0 que importa a subordinacao de cada um ao bem de todos. Porque a pessoa s6 se realiza numa comunidade que Ihe oferega Cam ( complementaridade e colaboragdo. Assim, cada pessoa é obrigadaa ‘i Jcontribuir para os outros de-acordo com a suas possibilidades. Como 08 outros sao responsdveis pelo nosso ser; sé'0s meus direitos se hiio- -dde medir pelos meus deveres, 05 meus deveres sao 0 fundamento dos S6 serd justa a participagao socialmente real que for vida hurmana-im- edo aqueles que As comnidades| Jost Adelina Mater, PROBLEMA DO DIREITO funde-se neles, A humanidade néo é composta de elementos separa- dos, como as moléculas de um gas. Assemelha-se a uma rede de filamentos que se estendem no tempo, desfiando, como contas de um rosério, geragées sucessivas de individuos, como descreve ALEXIS Carre (O Homem esse Desconhecido, trad. port. p. 203). Neste sentido, a ordem jurfdica tem de reconhe 10 das iedade pode conciliar o trabalhador ¢ a iduo e a sociedade, o aparelho de Estado ¢ o cidadao, 'S6.0 mesmo pode compensar {duo face a0 poder, garantindo a participagio das estruturas ditas intermeditias na vida pitblica cen- al. Porque 0 cidadao nfo pode ser reduzido & dimenséo de simples 1 Porque o cidado, enquanto pessoa, possui uma série de estatu- {os e atributos ~ tantos quantas as comunidades em que se insere. Perspectivamos, assim, uma visdo institucional ou estrutural da vida huimana. Porque ha prinefpios € valores que se impdem objecti te.aos homens, sendo independentes das intengdes meramente psicol6- szicas dos individuos. Porque, como diz Rickexr, os homens reconhe- ‘cem determinados valores e aspiram a produzir bens a que esses valo- ves adiram. Como também salienta CasraL. pe Moncapa, hi pensamentos que se acham situados para além da consciéncia individual e da subjectividade de cada wm de nés. Sao patris de de homens na forma de valores, normas, critérios de valoragdo e de preferéncia de certos interesses sobre outros. ,essas ideias, princfpios e valores no existem desligados dda realidade, a0 contrério do que pretendem certos moralismos e idea- lismos de cardcter absoluto, Tais ideias, princfpios e valores se, como ‘ordem superior, como esséncias, transcendem a realidade, a existén- cia, vivem, contudo, em tensio dialéctica, em didlogo com essa mes- ma realidade. Um adequado desenvolvimento dos prinespios do direito justo de ‘Stamntsk exige, aids, um conceito valorativo de democrac ver com uma filosofia geral da vida humana e da vida politica e até ‘mesmo com um estado de espirito. % Flosoa do Direto« do Estado,» 59. X_A Perspectiva Thimensonsl do Direito ‘As quest6es do poder e da moral nao podem, assim, isolar-se e, ‘milifo menos, opor-se. A actividade politica tem de ser orientada por tem de ser regulada por fins que estio para além da simples 0 estéio do poder. Importa, pois, dar & politica nd s6 uma filosofia politica, como também um impulso moral. Impde-se levar a “eabo uma revolugddo moral antes da revolugdo politica e social, con- “Forme a proposta de Caries Peavy. Retomando Mavaice Barrés, também questionamos: que é 0 pen- ssamento se 0 entusiasmo 0 ndo anima? Que é 0 entusiasmo se o pen- Samento 0 néo coordena? Porque se temos de nos submeter para so breviver, importa luar para continuar a viver, como diz. ANTOINE SAINT [Exurtiey. Alids, como assinala FeRNaNbo Pessoa, enguanto os idealis- tas se nito organizarem para a actividade social nao haverd constru- es. Os tinicos construtores em Portugal so os idealistas. Contra as perspectivas da politique d’abord, com o primado do politiqueirismo, entendido como a uta de um amigo contra um inimi- ‘go, na senda da perspectiva de Cant. Scitrr, marcada pela preponde- le um pretenso realismo, hé que reclamar 0 primado da ética, ‘ido do primado do espiritual, com a submissio do poder a0 entendido este como fundamento ¢ limite do préprio poder. » 0 maquiavelismo, além de mé politica, é uma péssima mo- ral, Pode parecer uma boa politica a curto prazo, mas nada consegue a ‘médio ou a longo prazo. Assim, uma atitude politica essencialmente antropocéntrica assu- me 0 primado metodolégico da praxis, nao considerada como uma ‘acgdo derivada unicamente de principios tedricos e morais, mas como uma “praxis” de libertagdo tendo em vista a humanizagao da socie- dade, da historia e da natureza, tendo em vista um novo humanismo no qual o homem se define principalmente pela sua respons. {face aos outros e face & histéria, como diz. Ronexero PaPmst Insista-se: as questées do poder e da moral nao podem is ‘muito menos, opor-se, Neste sentido, importa tantbém fazer’ igen, 30, 17, 44, pr Anrypacer Submissto o poder I Gireto J Nem tudo 0 25 pias 228 José Adeline Maltz, © PROBLEMA DO DIREITO da legalidade pode ser avaliado pelos que julgam segundo o direito “estabelecido e nto segundo a moral ou os juizos de,valor da politica. idade cabe & consciéncia dos cidadios e pode ser exerci- do pelos parlamentos ¢ pela opinitio piblica, Porque, conforme o nos- so MaNust. Roprioues LetrAo (1630-1691), quem faz tudo o que pode std muito perto de fazer o que néo deve. yral ndo tem nada em comum com a 1a moral tem néo sé comprimento, admite excepgoes; exige modifi- tas excepeaes, estas modificagdes ndo poderdo estabelecer- /ez importe assinalar que a politica nao pode ser reduzi- smos e utopismos, isto 6, a pensamentos desligados ou independentes da ac¢fio, Porque, na definigo de Kart. MaNKeiM, as ideologias sdo ideias que transcendem a situago que nunca conse- guiram realizar efectivamente o seu contetido virtual, si0 elementos transcendentes. Por seu lado, as utopias representam uma fuga ao real e, portanto, uriia reniincia, uma negagdo do mundo e dos seus conflitos (Jan ‘Servirn). Porque estio fora do espago ¢ do tempo, sio estaticas face a0 processo hiist6rico: as utopias escrevem.-se em sociedades cujos mem- bros perderam a esperanga de progresso e aspiram a um invenctvel equiltbrio estével como forma de travagem do declinio, como diz Arwotp Toys, Com efeito, as ideologias ¢ as utopias conduzem a uma atitude de deSespero porque se traduzem num mero exercicio mental (pensa-se, nndo se vive) que pretende fornecer um modelo planificado do que de- veria ser, segundo Gancta PeLavo™? O direito como facto, norma ¢ valor Depois da Segunda Guerra Mundial, coma critica jusnaturalista ao positivisino Tevada a cabo pela filosofia dos valores pela teoria da natureza das coisas, tanto na perspectiva existencialista como de acor- dorcomras teses essencialistas da ética material dos valores, voltou a ° Anqives do Centr Caltural Portugués, Pais, andaeio Caloaste Galbenkien, 1974. X._A Perspeativa Tidimensional do Ditto 729 hecer-se que o direito é simultaneamente um facto social, uma (ou comands) e um valor (ou dever ser), assinalando-se-lhe ‘uma dimensio axioldgico-normativa (o direito como uma ordcm posi- -tiva de valores), 11ma dimensio.normativo- -ser realizado), uma dimensio normative-raci ando numa determinada ordem ju dialéctica (o direito 6 um sistema aberto aos valores e a realidade soci- al), conforme as categorias de Castantsina Neves. Isto 6, os trés elementos do dire cexigem trés qualidades para a ordem juridica: que ela seja eficaz (0 ye ‘momento da validade social, do cumprimento ou da aplicagio), vigen te (o momento da validade formal que leva & mediatizago dos valo- res) ¢ valida (a validade ética, a ligagao do direito estabelecido a um direito superior) ‘Depois da experiéncia totalitéria passa, assim, a defender-se que 0 ra contréria ao jusnaturalismo classico ou trad re 0 dircito positivo relativamente a um outro direito, situado nurma cordem superior, entendida como um transcendente abstracto ~ a natu- reza, 0 direito divino ou a razao individual. Surge, deste modo, uma tetveira via que passa a proclamar que 0 nigtajurfdico — os valores teligiosos, ticos, culturais e estéticos ~ tem ddé'ser juridicamente assumida. A dimensio normativa “Trata-se, pois, de um direito entendido como uma ordem positiva ‘de valores, como algo que apenas tem uma yalidade relativa, Relativa, sobretudo, consciéncia dos valores que predominam num certo tem- po e num certo espaco, facto, a norma e o valor) Efcicia De facto, o direito tem sempre uma pretensdo normativa, isto 6, Prtento como salienta Jacques Euwt, propoe um modelo de relagdes huma- nas. Neste sentido, um sistema juridico ndo é apenas um conjuunto de regras que sao mais ou menos bem aplicadas; é também uni conjunto ideoldgico que representa o que deve ser, situago que se aplica tanto ao direito natural como aos varios direitos pos eitotrans- porta uma voeapdo ou um apelo, ndo é apenas um. wodecons- istir desta ou daquela maneira, a aciedades formulam 0 230 Jos6 Adsino Males, © PROBLEMA DO DIREITO _respectivo direito em funcdo de un modelo no qualas mesmas se reco- (—O.mesmo autor refete, a este propésito, a importéncia das téonicas Jjuridicas, dado-que-as mesmas sfio um meio-que-os homens descobri- ram num determinado momento para a realicagao de wm certo-projec- to, tendendo para uma sistematizagao e denotando a existéncia de wma conta légica interna, intrinseca, especifica, do corpo institucional que Daf deriva grande parte da autonomia do dotado de uma Logica prépria e de um esquema tipico de desenv vimento!* A dimensio da realidade sue ‘Numa segunda dimensao, considera-se que o diteito existe para ser sek realizado, porque-quando se institui se torna real ~ é a dimensio normativo-real do direito as tendéncias axiolégicas do p6s-guerra, na linha do xistencialismo, exigem um direito vélido, vigente e eficaz ~ os trés _ momentos da vida do direit. ‘A validade, enquanto o fundamento do dever ser do cumprimento dde um qualquer direito; a vigéncia ea eficdcia, enquanto momentos da respectiva realizagao. A vigéncia, como momento potencial e intenci- onal; € a eficécia, como momento real e actual ‘Trata-se de uma concep¢ao integradora dos trés momentos do di- reito, 0 direito como dever ser que é, como um transcendente siruado, Mas essa compreensio da realidade social nao € como a que apare~ ce subjacente ao sociologismo, em que se considera apenas aeficdciae a vigéncia, esquecendo-se a validade, o sentido, Em suma: néo é direi- to um qualquer ordenamento que se mostre vigente.c eficaz. i 0 aii A dimensio da racionalidade Agden Considera-se, contudo, que a realizaglo do di Jes Formagaia_ju da realidade, se_estabi in ‘numa dada ordem jurfdica, Passa-se, assim, da dimensao da re para adimensiio da racionalidade. a relidade do dato; ead oprép wend pasa para a ealldade 0 que ete . XA Perpectiva Tidimensonal do Dinca [Cio eee Neste sentido, pode dizer-se.que-tma.ordem juridica.néo.é apenas mero ordenamento, mas também uma instituigdo. Como salienta S- “yont Govaro-Fanre, qualquer dispositivo juridico tem uma dimensio orgdnica e organizacional. Hé um tendencial organigrama hierdrqui- co que nos leva procura da estrutura fundamental do funcionamento ilo que podemos qualificar como a fonte da juridicidade ,, procuifa que ndo pode confundir-se com a pesquisa que visa ago empftica da respectiva origem hist6rica, mas antes coma ‘procura da respectiva fundacao légica, exigindo, consequentemente, verdade, étambém sistema, possuindo uma dimensio assumido pela jutisprudéncia dos conceitos, se reconhece como um sistema aberto, Abetto a valores, a0 momento da validade, e aberto histérica realidade social, ao momento da vigéncia. Com efeito, a jurisprudéncia dos conceitos entende 0 direito como um sistema fechado, tal como 0 conce! co de sistema, tam- ‘bém ele definido por axiomas, proclamando que o direito apenas se realiza através de certas regras as quais visam to s6 traduair aquilo {que se contém potencialmente nos axioms. (© conceito de sistema aberto implica, pelo o« novos conteridos, a um desenvol ‘mas sim regressivo, em que a assimilagao de novos contetidos pode até obrigar & alteragio da prépria forma do sistema. A trindade juridica (ordo, logos, lex) ‘A este respeito, importa saliehtat, Conforme a observacio de CARL ‘Scumrr, que todas os juristas so, 20 mesmo tempo, institucionalistas, Tormativistas e decisionistas. O jurista prético tende a ser mais, jormativista; 0 jurista politico, decisionista; € 0 jurista de Formaca0 icionalista. Como salienta CABRAL DE MONCADA, f0- ‘penos nes lei «na papel no €sendo un fntosma do diet, no parse de 1 ee realca como diet € rete. En E'Bsprit du Drot Re ip I3-apud Geouoes Bunceab, Tra de Sclence Polaue, I, Paris, ra. Peto 220 ° Swucre Gora Fataze Rent Sive, Les Grandes Questions... p27. jonal..Conforme as palavras de Castanuena Neves, 6” m Sis pin ‘prudent Pruraiade de itera Wibcaisme ‘ica ese Adling Mater, © PROBLEMA DO DIREITO dos estes tipos esto na verdade; todos eles apreendem um aspecto real das coisas, embora todos facam uma hipostasiacdo que no seu exclusivismo os inutiliza para’ verem todos as estruturas do direito positive. Assemelham-se ao mistério da Santfssima Trindade, em que itese do Pai viria a corresponder @ideia da “Ordo”, a do Filho ‘ogos” ada “Lex”, , finalmente, a da decisao ou da vontade ompreensivo, entendido como uma partir de um pequeno ntimero de princfpios a praxis néo pode estar subordinada a uma técnica que se deduza de um mero saber te6rico que ndo seja conatural A mesma praxis. A razo prética ndo pode modelar-se pela razdo especulativa, nem sequer hi uma separacdo metédica entre 0a pri A praxis tem de ser marcada por aquilo que 0s gregos chi icaram com a prudenti define como 0 apelo & autonomia das consciéncia, a razio rroga sobre o bem ¢ o mal, esse elemento de ligacio entre 0 logos ¢ 0 ethos, entre a razio como discurso légico e a experiéncia lade da consciéncia e a substancialidade do la Pav Ricoeur, toda a acedo tem elementos icos, l6gicos (logos), axiol6gicos e normativos (phronesis) Neste sentido, Tueoo0R' centende 0 tépico de maneira muito ‘ampla, como toda e qualqu nu ponto de vista que possa desem- penhar algum papel nas andlises juridicas, sejam estas de que espécie forem. Assim, o pensamento t6pico leva & existncia, nfo de um siste- ma, mas de uma pluralidade de sistemas, sem demonstrar a sua com- patibilidade a partir do sistema total™ De certa maneira, também constituem formas de regresso a0 direi- tonatural certas facetas éticas do neotiberalismo ¢ alguns modelos tra-

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