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Fichamento de citação do livro: LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos. 1994.

Caíque Gonçalves Araújo1

1. CRISE

“Nossa vida intelectual é decididamente mal construída. A epistemologia, as ciências do texto,


todas têm uma reputação, contanto que permaneçam distintas. Caso os seres que você esteja
seguindo atravessem as três, ninguém jamais compreende o que você diz. Ofereça às disciplinas
estabelecidas uma bela rede sociotécnica, algumas belas traduções, e as primeiras extrairão os
conceitos, arrancando deles todas as raízes que poderiam liga-los ao social ou à retórica; as
segundas irão amputar a dimensão social e política, purificando-a de qualquer objeto. As
terceiras, enfim, conservarão o discurso, mas irão purga-lo de qualquer aderência indevida à
realidade – horresco referens – e aos jogos de poder. O Buraco de ozônio sobre nossas cabeças,
a lei moral em nosso coração e o texto autônomo podem, em separado, interessar a nossos
críticos. Mas se uma naveta fina houver interligado o céu, a indústria, os textos, as almas e a lei
moral, isto permanecerá inaudito, indevido, inusitado.” (p. 11)

“Certo, mas não somos selvagens, nenhum antropólogo nos estuda desta maneira, e é
impossível, justamente, fazer nossas naturezas-culturas aquilo que é possível em outros lugares,
em outas culturas. Por quê? Porque nós somos modernos. Nosso tecido não é mais inteiriço. A
continuidade das análises tornou-se impossível. Para os antropólogos tradicionais, não há, não
pode haver, não deve haver uma antropologia do mundo moderno (Latour, 1988b). As
etnociências podem associar-se em parte à sociedade e ao discurso, mas a ciência não pode. É
justamente porque somos incapazes de nos estudar desta forma que somos tão sutis e tão
distantes quando vamos estudar os outros sob os trópicos. A tripartição crítica nos protege e
nos autoriza a restabelecer a continuidade entre todos os pré-modernos. Foi solidamente
apoiados nesta tripartição crítica que nos tornamos capazes de fazer etnografia. Foi aí que
buscamos nossa coragem.” (p. 12 e 13)

A respeito do que ocorreu após a queda do Muro de Berlim em 1989: “Enfim, aqueles que
rejeitam o obscurantismo ecológico ou o obscurantismo anti-socialista,e que não ficam

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Caíque Gonçalves Araújo é acadêmico do curso de Licenciatura Plena em História, na Universidade Federal de
Mato Grosso. E-mail: caique43@outlook.com
satisfeitos com o ceticismo dos pós-modernos, decidem continuar como se nada ocorresse e
permanecem decididamente modernos. Continuam acreditando nas promessas das ciências, ou
nas da emancipação, ou nas duas. Contudo, sua crença na modernização hoje não soa muito
bem na arte, nem na economia, nem na política, nem na ciência, nem na técnica. Nas galerias
de arte, assim como nos institutos de desenvolvimento, é possível sentir que o espírito da coisa
não está mais presente. A vontade de ser moderno parece hesitante, algumas vezes até mesmo
fora de moda. (p. 15)

“Quer sejamos anti-modernos, modernos ou pós-modernos, como todos mais uma vez
questionados pela dupla falência do miraculoso ano de 1989.” (p. 15)

2. CONSTITUIÇÃO

“Da mesma forma como Boyle conseguiu transformar a bricolagem em torno de uma bomba
de ar ajeitada no assentimento parcial de cavalheiros quanto a fatos que tornaram-se
indiscutíveis, da mesma forma Shapin e Schaffer conseguem explicar como e por que
discussões que dizem respeito ao corpo político, a Deus e seus milagres, à matéria e seu poder,
devem passar pela bomba de ar. Este mistério jamais foi esclarecido pelos que procuram uma
explicação contextualista através das ciências.” (p. 26)

“Mas eles nunca explicam o estabelecimento prévio de uma ligação entre Deus, o rei, o
Parlamento, e determinado pássaro sufocando no recipiente fechado e transparente de uma
bomba, cujo ar é respirado graças a uma manivela acionado por um técnico. Como a experiência
do pássaro pode traduzir, deslocar, transportar, deformar todas as outras controvérsias, de tal
forma que aqueles que dominam a bomba dominam também o rei, Deus, e todo seu contexto?”
(p. 26 e 27)

“Desta forma, os filósofos da ciência e os historiadores das idéias gostariam de evitar o mundo
do laboratório, esta cozinha repugnante onde os conceitos são refogados com ninharias. Shapin
e Schaffer obrigam suas análises a girarem em torno do objeto, torno de um vazamento, da junta
de determinada bomba de ar. A prática da fabricação dos objetos retorna o lugar preponderante
que havia perdido na crítica.” (p. 27)

“São dois pais fundadores, agindo em conjunto para promover uma única e mesma inovação na
teoria política: cabe à ciência a representação dos não-humanos, mas lhe é proibida qualquer
possibilidade de apelo à política; cabe à política a representação dos cidadãos, mas lhe é
proibida qualquer relação com os não-humanos produzidos e mobilizados pela ciência e pela
tecnologia. Hobbes e Boyle brigam para definir os dois recursos que até hoje utilizamos sem
pensar no assunto, e a intensidade de sua dupla batalha revela claramente a estranheza daquilo
que inventam.” (p. 33 e 34)

“Os modernos aplicaram ao Deus suprimido o mesmo desdobramento que haviam aplicado à
natureza e à sociedade. Sua transcendência o afastava infinitamente, de forma que ele não
atrapalhava nem a ação livre da natureza, nem a da sociedade, mas conservava-se, da qualquer
forma, o direito de apelas a esta transcendência em caso de conflito entre as leis da natureza e
as da sociedade. O homem moderno podia ser ateu ao mesmo tempo em que permanecia
religioso. Podia invadir o mundo material e recriar livremente o mundo social, sem com isso
sentir-se um órfão demiurgo abandonado por todos.” (p. 38 e 39)

“Três vezes a transcendência e três vezes a imanência em uma tabela que fecha todas as
possibilidades. Nós não criamos a natureza; nós criamos a sociedade; nós criamos a natureza;
nós não criamos a sociedade; nós não criamos nem uma nem outra, Deus criou tudo; Deus não
criou nada, nós criamos tudo. Quem não percebe que as quatro garantias servem umas às outras
de checks and balances nada entende sobre os modernos.” (p. 39)

“Ao acreditar que a Constituição moderna não permite sua própria compreensão, ao me dispor
a revelar as práticas que permitem sua existência, ao assegurar que o mecanismo crítico se
encontra agora esgotado, ajo como se entrássemos em uma época nova, sucessora da era
moderna. Eu seria então, literalmente, pós-moderno? O pós-modernismo é um sintoma e não
uma nova solução. Vive sob a Constituição moderna mas não acredita mais nas garantias que
esta oferece. Sente que há algo de errado com a crítica, mas não sabe fazer nada além de
prolongar a crítica sem no entanto acreditar em seus fundamentos (Lyotarde, 1979).” (p. 50)

3. REVOLUÇÃO

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