Você está na página 1de 11

Onde estão os Negros?

Ações e audiovisuais que jogam luz nos “espaços opacos” da polis

Laan Mendes de Barros / Kênia Cardoso Vilaça de Freitas

Resumo
Intervenções urbanas e produções audiovisuais do coletivo Frente 3 de fevereiro
provocaram a elaboração deste artigo, que trata de artivismo e experiências estéticas
políticas que rompem os “espaços opacos” das cidades. “Espaços opacos” e “espaços
luminosos” são termos cunhados por Milton Santos para denominar as zonas periféricas
e as zonas centrais das metrópoles capitalistas. Nessas disputas de territorialidades a
questão do racismo e da violência do Estado são marcantes na vida das pessoas e
comunidades. E a subversão desse quadro de injustiça social passa pela denúncia e pela
ocupação dos espaços simbólicos e políticos. Este artigo fala de cinema e movimento
negro na vida urbana.

Palavras-chave: ​Cinema; Espaço Urbano; Experiência Estética; Movimento Negro.

Abstract
Urban interventions and audiovisual productions by the Frente 3 de Fevereiro collective
led to the elaboration of this article, which deals with artivism and political aesthetic
experiences that break the “opaque spaces” of cities. “Opaque spaces” and “luminous
spaces” are terms coined by Milton Santos to describe the peripheral and central areas
of capitalist metropolises. In these territorial disputes, the issue of racism and state
violence are marked in the lives of people and communities. And the subversion of this
picture of social injustice involves denouncing and occupying symbolic and political
spaces. This article addresses cinema and the black movement in urban life.

Key words:​ ​Cinema; Urban Space; Aesthetic Experience; Black Movement.

Introdução

As ações de artivismo da ​Frente 3 de fevereiro são exemplos gritantes da


dimensão política da experiência estética, mesclando intervenções artísticas variadas
(artes plásticas, vídeo, música, teatro) com uma intervenção ativa das ruas e espaços
públicos e coletivos da cidade. Trazemos neste artigo recortes de ações
político-culturais realizadas no espaço urbano e convertidas em documentários
audiovisuais. Tais ações e produções trazem à luz a questão do racismo existente na
sociedade brasileira, tantas vezes negada. Elas são discutidas à luz do pensamento de
Milton Santos sobre o espaço e o tempo, com destaque aos conceitos de “espaços
opacos” e “espaços luminosos”, que ele formulou para diferençar as zonas urbanas das
grandes cidades e as desigualdades sociais decorrentes do capitalismo. Nas zonas
opacas vivem os pobres, “quase todos pretos”, ou “quase pretos, ou quase brancos quase
pretos de tão pobres”, como denunciaram Caetano Veloso e Gilberto Gil (1993) na
canção ​Haiti​, gravada no disco ​Tropicália 2​. Indagamos, pois, neste artigo, assim como
fizeram os integrantes da ​Frente 3 de fevereiro em suas intervenções e documentários:
Onde estão os negros?

O artigo está organizado em quatro partes. Num primeiro momento revisitamos


as ideias de Milton Santos que nos ajudam a pensar as configurações do espaço urbano
das cidades brasileiras. No segundo segmento, apresentamos a ​Frente 3 de fevereiro​,
sua trajetória e posicionamentos, a partir de entrevista que realizamos com três de seus
integrantes, especialmente para a produção deste texto. Na terceira parte descrevemos
os documentários do coletivo, com a análise mais detida de dois deles, ​Arquitetura da
Exclusão e ​Zumbi somos nós.​ O quarto bloco traz nossas reflexões sobre essas
experiências estéticas que fazem política na ocupação do espaço urbano e algumas
problematizações que nos desafiam nas articulações entre comunicação, arte, cultura e
política.

1. Os espaços luminosos e opacos da polis

Pensar o espaço de forma política sempre foi uma preocupação do geógrafo e pensador
brasileiro Milton Santos.

2. Uma frente de luta pelas bandeiras do movimento negro

Era 3 de fevereiro de 2004 e Flávio Ferreira Sant’Ana, um jovem dentista negro,


dirigia o seu carro na zona norte da cidade de São Paulo, quando foi abordado por seis
policiais militares ao seu confundido com um ladrão. A abordagem violenta resultou no
assassinato do jovem negro com dois tiros dados pela polícia, que ainda tentou sem
sucesso forjar a cena do crime para culpabilizar a vítima. O caso nos lembra tantos
outros que ocorreram antes e depois de 2004 com jovens negros (com ou sem
antecedentes criminais) alvejados por agentes do Estado brasileiro - números evidentes
de um racismo estrutural que podem ser aferidos em pesquisas como Atlas da violência
2019 (IPEA, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019).

Neste caso, no entanto, a indignação diante do acontecido gera também a


comoção de um grupo de artistas alocados na cidade de São Paulo. O chamado veio de
Maurinete Lima, mãe dos artistas Eugênio e Daniel Lima: “E aí, vocês artistas não
fazem nada?”. Como Eugênio Lima explica: “(...) a provocação que tinha várias
camadas: a primeira a sua mãe falando isso, e outra a de que a gente está fazendo um
monte de coisa e não tá fazendo nada”1. A provocação de Maurinete Lima fez efeito, e
levou a criação do coletivo de 21 artistas radicados na cidade de São Paulo com a
intenção de questionar o racismo e a violência policial. Estes eram: Achiles Luciano,
André Montenegro, Cássio Martins, Cibele Lucena, Daniel Lima, Daniel Oliva,
Eugênio Lima, Felipe Brait, Felipe Teixeira, Fernando Alabê, Fernando Coster,
Fernando Sato, Iramaia Gongora, João Nascimento, Julio Dojcsar, Majoi Gangora,
Marina Novaes, Maurinete Lima, Pedro Guimarães, Roberta Estrela D‘Alva e Will
Robson. O grupo atuou de 2004 a 2017 realizando filmes, peças de teatro e intervenções
artísticas diversas.

A primeira ação do coletivo foi a obra ​Monumento Horizontal (2004): uma placa
de metal cimentada no asfalto construída no local em que Flávio Ferreira Sant’Ana foi
assassinado pela polícia, dois meses depois do ocorrido. A obra marcava uma espécie de
enterro simbólico para o jovem negro (ALVES; OLIVEIRA, 2015; DOSSIN, 2009). E
foi um ponto importante também para o entendimento das estratégias de mobilização do
coletivo. Apesar de uma intensa articulação com movimentos sociais, instituições
políticas e figuras públicas importantes, o momento da inauguração do monumento foi
esvaziado: “Só a gente estava lá com a família do Flávio, no lugar em que ele tinha sido
morto, com um monumento horizontal… Tinha a gente e seis pessoas”, relembra

1
​Os integrantes do coletivo 3 de Fevereiro Eugênio Lima, Felipe Teixeira e Iramaia Gongora foram
entrevistados por conferência de vídeo online pelos autores em outubro de 2019 para a escrita deste
artigo.
Eugênio Lima. O sucesso na concretização do monumento - que apesar de ser retirado
inúmeras vezes pela polícia, foi sucessivamente reinstalado pelo coletivo -, mas a
ausência de uma participação mais massiva da sociedade civil organizado levou aos
integrantes ao entendimento que no lugar de ações massivas seria mais efetivo partir
para a “amplificação de ações de guerrilha”. Concretamente isso significou formas de
pensar a ressonância midiáticas das ações nos veículos tradicionais e alternativos de
imprensa após os acontecimentos.

Fig. 1: Monumento Horizontal 2004, Frente 3 de Fevereiro.


Fonte: Vídeo Brasil.

Sem jamais abandonar o espaço urbano como local de ação, o coletivo passa a se
preocupar com formas de utilizar a cobertura midiática: “Então, a gente caminhava de
um lado com aliança concreta ou com movimento social, ou com torcida organizada, ou
com espaço de território, ou com a quebrada que estava junto. E, por outro lado, a gente
sabia que as reverberações midiáticas dessas ações, a gente tinha que pensar: “como que
eles ou elas iriam reagir a isso?”, explica Eugênio Lima. Para o artista o fato do racismo
estrutural também ser um componente fundamental da mídia hegemônica ajudava na
ampliação das ações: “E aí a gente começa a criar outras ações sabendo desse lugar de
como a própria mídia por ser muito racista e por também ser muito previsível, ela pode
ser utilizada como um processo de duplicação da própria ação”, explica Lima.
Para Iramara Gongora, o fundamental desta utilização da mídia era o aumento
do alcance das ações: “A ideia da mídia é que ela possa alcançar espaços que a gente na
rua não consegue. A gente na rua é ​tête-à-tête​, a gente na costura pequena, na aliança.
Quando a gente vai para qualquer tipo de mídia sendo o documentário, as fotografias, as
gravações, elas vão para replicar”. Nesse sentido, um importante dispositivo que passa a
ser utilizado pela Frente 3 de Fevereiro são as bandeiras: em geral, um tecido branco,
escrito em letras grandes pretas e vermelhas, sempre de grandes proporções e com
frases provocativas: “Brasil Negro Salve”, “Onde estão os negros?”, “Zumbi somos
nós”. No documentário “Bandeiras”, (Frente 3 de Fevereiro, 2005)2 é possível
acompanhar os passos da criação e execução do dispositivo na abertura das bandeiras
em estádios de futebol: a pintura da bandeira, a aliança com as torcidas organizadas, a
conversa com a polícia e abertura da bandeira em momentos importantes (como os de
comemoração de um gol). O documentário além das imagens de registro do coletivo
utiliza trechos de transmissão dos jogos na televisão em que as bandeiras da Frente
foram transmitidas ao vivo para milhões de espectadores.

Para Iramara Gongora, além desse momento de transmissão ao vivo, as


bandeiras alcançam também outras formas de ressonância para além da performance ​in
loco: “(...) a foto da bandeira “Onde estão os negros?” ela está em milhares de lugares e
ela abre para um leque de questionamentos que nem a gente quando fez tinha total ideia.
Então essa é a capacidade das mídias, especificamente da gente falando agora
Facebook, Instagram, Twitter, eles replicam. Elas vão embora. A gente perde o domínio
quase”. Seja a grande mídia ou as mídias sociais, acabam tornando-se assim formas de
ampliar e mesmo de aprofundar a discussão sobre o racismo proposta. Assim, formando
um dispositivo autônomo, a utilização de grandes bandeiras como forma de intervenção
política e artística passou a ser utilizado por outros coletivos e movimentos: “E a gente
vê por exemplo agora na última eleição [2018], os grupos de teatro usando bandeirão de
“Arte pela democracia”. Então é um dispositivo e ele funciona sozinho. A gente não tem
que a gente ir lá”.

Podemos perceber então a importância da utilização das imagens e dos registros


(da mídia hegemônica, das mídias sociais) na consolidação das estratégias de expansão

2
​Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=hX3GFEHsTSs&t=97s​. Acesso em 12 de Fevereiro
de 2020.
das ideias do coletivo. Se o espaço de disputa é a cidade com a suas zonas opacas e
luminosas, o trabalho do coletivo integrou também a expansão da intervenção urbano
pela utilização de vídeos e fotografias. Na próxima seção, nos deteremos nos
documentários realizados pela Frente, como também uma forma de ressonância das
ações do coletivo.

3. Uma frente de luta pelas bandeiras do movimento negro

Além das ações de intervenção urbana, a ​Frente 3 de fevereiro d​ esde os seus


primeiros anos dedica-se também a realização de filmes documentários, como não
apenas forma de registro das ações mas também de discussão estética e políticas dos
discursos do coletivo. Para Felipe Teixeira acredita que “fazer a intervenção na rua” era
o ponto inicial das atividades e “aí como coletivo artístico a ideia era usar essa material
em outras opções. Então depois a gente fazia o documentário”.

Os filmes criados pelo grupo eram uma estratégia de circulação das discussões
para além da agenda da mídia tradicional: “Então o documentário tinha esse movimento
propositivo que a gente ia em lugares comunitários, em movimentos, passava o
documentário e fazia uma conversa, fazia um workshop”, explica Teixeira - destacando
que o material cinematográfico era utilizado também como uma expansão do coletivo
para outros países.

Embora a construção técnica dos filmes na captação fosse feita por integrantes
específicos com experiência na área do audiovisual, a montagem era feita de forma
coletiva por todos os participantes. Isso para Eugênio Lima mostrou-se uma questão
bastante complexa, porque “onde na política não tem autoria, mas na arte você
reivindica a autoria”, pontua Lima. Para o artista o fazer coletivo dos filmes pela frente
foi um processo de amadurecimento: “(...) a gente teve que criar processos coletivos
para decidir coisas que supostamente seriam do ponto de vista técnico individuais: qual
é a fonte da letra? Como vai escrever? Qual é a cor da tinta? Quais são os processos que
podem democratizar o processo de edição?”. Assim, por exemplo, no processo de
montagem de “Zumbi somos nós” (Frente 3 de Fevereiro, 2005), os ​storyboards ​e as
timelines f​ oram colocados em cima da mesa e iam sendo discutidos e manipulados
coletivamente.

Iramara Gongora destaca que também foi importante a criação de processos para
que mesmo os integrantes sem experiência técnica de realização com cinema pudessem
estar envolvidos: “A gente não tinha uma super verba para pagar uma equipe. A gente
tinha a gente. Então foi criando estrutura para que todo mundo pudesse participar,
mesmo por exemplo, eu que trabalho com dança e produção, então eu não tenho um
trabalho com audiovisual, mas fui aprendendo a minutar, fazendo transcrição,
organizando”. O três integrantes entrevistados destacaram que todas as tomadas de
decisão se faziam por reuniões presenciais: “Não adiantava você não gostar e não ir para
a reunião”, ressalta Gongora.

Nesse sentido, apesar das dificuldades de um processo radicalmente democrático


de criação, os integrantes destacam que havia também uma aposta na inteligência
coletiva formada pelos integrantes da Frente. Um processo que se aproveitava das
formações e experiências artísticas variadas dos integrantes como cineastas, músicos,
designers, etc. “Era meio essa dinâmica de aproveitar o conhecimento específico das
pessoas. Mas sempre remeter a decisão coletiva de todo mundo”, explica Teixeira.

Esse efeito de construção coletiva pode ser percebido na composição variada de


temas e estéticas dos filmes. Em “Zumbi somos nós”3 o filme começa por registrar a
construção do Monumento Horizontal, ação simbólica de enterro de Flávio Sant´ana. O
registro desse e de outras ações da Frente aparece no filme junto com apresentações
musicais de integrantes da Frente e convidados e entrevista com diversos especialistas
sobre racismo e violência policial. No palco onde acontecem as apresentações musicais,
vê-se ao fundo a projeção em um telão dos registros das ações do coletivo - em uma
retroalimentação das imagens.

Nesse sentido, a grupo apresenta a sua construção como:

Como proposta formal, o documentário cria um diálogo afinado entre


imagem e som, numa proposta de apresentação ao vivo do
documentário. Construção musical que traz novas sonoridades
urbanas e seu elo com os ritmos afro-descendentes. Um manifesto

3
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9g7m12ixqjM. Acesso em 12 de fevereiro de 2020.
sonoro, constituído por uma espécie de bricolagem musical que une
os tambores e seus ritmos ancestrais com a construção do Dj.
Afro-Samples, Hip-Hop, Samba e Soul-Music brasileira, uma ode ao
sincretismo sonoro, que coloca junto as canções de Aruanda com o
ritmo e a poesia do Rap e Spoken Word4.

O filme é assim um misto de apresentação musical ao vivo, videoclipe com


imagens de manifestação, registro de ações do coletivo e documentário de entrevistas.
Em uma multiplicidade de criação que torna evidente uma complexidade de discursos e
de escolhas estéticas e formais. As ações registradas também são múltiplas, indo da
Zona Leste de São Paula a um estádio da Alemanha durante a copa do mundo de futebol
masculino da FIFA.

Em “Arquitetura da exclusão” (Frente 3 de Fevereiro, 2010)5 as estratégias


formais complexas de multicamadas são substituídas por um documentário mais focado
e direcionado ao tema da construção de um mura na comunidade do Santa Marta, na
Zona Sul do Rio de Janeiro. O documentário discute a implementação das UPPs
(Unidade de Polícia Paficadora) na cidade do Rio de Janeiro e o discurso de segurança
pública que transforma a favela em uma espécie de presídio - cercada por um muro,
vigiada por câmeras de monitoramento e ostensivamente policiada.

Os documentaristas perguntam a moradores, policiais da UPP, a banhistas na


praia, entre outras pessoas que encontram na cidade do Rio de Janeiro durante a
gravação do filme se: “O Haiti é aqui?” e “O Rio de Janeiro continua negro?”. Além das
perguntas, o coletivo também confeccionou um globo mundi em grandes dimensões
onde está escrito: “Haiti aqui”. Esse globo foi levado para a praia de Ipanema,
provocando interação e reação das pessoas. Há uma evidente separação entre o espaço
da comunidade do Santa Marta e o espaço das praias da Zona Sul da cidade. No
primeiro, as imagens destacam o controle e a vigilância, e no segundo a amplidão do
espaço e circulação de muitas pessoas dão uma ideia de liberdade e democracia de
ocupação da cidade.

4
Sinopse do documentário Zumbi Somos nós. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=9g7m12ixqjM​. Acesso em 12 de fevereiro de 2020.
5
​Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=nUZBkMDm8zU&t=9s​. Acesso em 12 de fevereiro
de 2020.
Fonte: Frame do filme “Arquitetura da exclusão” (Frente 3 de Fevereiro, 2010)
Legenda: Globo mundi com a frase “Haiti aqui” na praia.

4. Artivismo: experiências estéticas sem anestesia

Considerações finais

E para concluir, relembramos os versos da canção Haiti, de Gilberto Gil (melodia) e


Caetano Veloso (melodia e letra):

Quando você for convidado pra subir no adro


Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

E são quase todos pretos)


E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres

https://contrapontoefuga.wordpress.com/2008/07/21/zumbi-somos-nos-diaspora-afronetica/

http://www.omenelick2ato.com/mais/frente-3-de-fevereiro
Referências ​(USADAS ATÉ O MOMENTO)
ALVES, Iulo Almeida; OLIVEIRA, Marília Flores Seixas de. O monumento horizontal
e a luta
antirracista: arte & política em pesquisa. In: Revista Perspectivas do Desenvolvimento:
um enfoque multidimensional. Volume 03, Número 04, Julho 2015.
DOSSIN, Francielly R. Reflexões sobre o Monumento Horizontal: o corpo negro além
do racismo e da negritude. 2009. 144p. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) –
Centro de Artes, Universidade do Estado de Santa Catarina. 2009.
IPEA, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (orgs.). Atlas da violência 2019. Brasília:
Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, 2019.

Referências ​(possíveis)
BARROS, Comunicação sem anestesia.​ Revista Brasileira de Ciências da Comunicação,​ v. 40,
n. 1, jan./abr. São Paulo: Intercom, 2017.
____________. Vozes que dão voz: mobilização, reconhecimento e alteridade na Web. In:
SILVA, Maurício Ribeiro da (et al) Orgs. ​Mobilidade, espacialidades e alteridades.​ Salvador:
EDUFBA / Compós, 2018.
GADAMER, Hans-Georg. ​Verdade e método I:​ traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. 9ª. Ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
MBEMBE, Achille. ​Crítica da razão negra​; tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1
edições, 2018.
MEMMI, Albert. ​Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador.​ Tradução de
Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
____________. ​L'homme dominé​: le noir - le colonisé - le prolétaire - le juif - la femme - le
domestique - le racisme. Paris: Éditions Gallimard, 1968.
MESTRE Claire, Peau claire et masques noirs : Les luttes anti-colonialistes et féministes de
Françoise Vergès. ​L’autre, cliniques, cultures et sociétés,​ 2016, vol. 17, n°1, pp. 91-105.
Disponível em: ​https://revuelautre.com/boutique/lautre-2016-vol-17-n1/​ . Acesso em 20 ago. de
2018.
MUNANGA, Kabengele. ​Negritude​: Usos e Sentidos. São Paulo, Ática, 1986.
PARRET, Herman. ​A estética da comunicação:​ além da pragmática. Campinas: Editora
Unicamp, 1997.
RANCIÈRE, Jacques. ​A partilha do sensível:​ ​estética e política. 2ª ed. São Paulo: EXO
organizacional / Editora 34, 2009.
SODRÉ, Muniz. ​As estratégias sensíveis:​ ​afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2006.
____________. ​Claros e escuros​: identidade, povo e mídia no Brasil. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2015.
VERGÈS, Françoise. De l’identité-prison aux “identités liquides”. In: ​Après-demain​ 2007/4 (N
° 4, NF), p. 29-32. Disponível em:
https://www.cairn.info/revue-apres-demain-2007-4-page-29.htm​ . Acesso em 05 de set. de 2018.

Você também pode gostar