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Resenha do Livro:
O livro escrito por Peter Burke foi publicado no Brasil pela editora UNESP e
teve sua tradução feita por Nilo Odália. Ele reconstrói criticamente o movimento surgido
a partir da revista francesa Annales, em 1929, distinguindo as três gerações de
historiadores que constituíram e impulsionaram a principal força da chamada “História
Nova” e revolucionaram a historiografia. Em sua apresentação é citada a obra de Fueter,
História de la Historiografia moderna, onde o autor chama à reflexão de que “toda nova
abordagem histórica se origina de um acontecimento que determina o rumo da própria
história” (BURKE, 1991, p. 4). Esta frase, por si só, já é um indicativo da relevância e
das mudanças proporcionadas pelo movimento dos Annales sobre a escrita
historiográfica, que a fizeram ser compreendida como “a Revolução Francesa da
Historiografia”.
O autor apresenta em sua obra uma cronologia da historiografia que gerou o
movimento dos Annales e a divide em três fases: na primeira (de 1920 a 1945) é posta a
oposição contumaz ao positivismo histórico que influenciava os escritos históricos, a
história dos eventos e a história política; a segunda faz referência à aproximação do
movimento à estrutura de uma verdadeira “escola”, apresentando conceitos e novos
métodos e marcada pela atuação de Fernand Braudel (1946-1967); a terceira (a partir de
1968) é marcada pela fragmentação do próprio movimento entre os historiadores que
migravam para a história sociocultural e os que redescobriam a história política e a
narrativa. Constituída de cinco capítulos, a obra percorre os “caminhos históricos” da
história, as finalidades de sua escrita, seus autores principais e os métodos utilizados, do
início dos registros historiográficos até meados do século XX.
O movimento dos Annales, foi iniciado por Marc Bloch e Lucien Febvre,
historiadores insatisfeitos com o que eles consideravam o empobrecimento da história
política nas décadas de 1910 d 1920. Para eles, os relatos históricos se focavam em jogos
de poder entre grandes homens e/ou países e ignoravam os campos de forças estruturais
que aprofundavam os eventos relatados. Essa crítica à frivolidade que assumira a história
é feita por eles em concordância com os anseios e questionamentos que se fazia o novo
homem, surgido nesse contexto, que compreendia sua complexidade de pensamentos e
emoções e que não encontrava respostas na história influenciada pelo positivismo.
Apesar de ser chamada posteriormente de Escola dos Annales, os integrantes do
movimento não a referendavam como tal pois, mesmo caracterizada pelas convergências
ideológicas de seus integrantes, cada um dava ao grupo contribuições individuais em
áreas diferentes. Formado centralmente por Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le
Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie, e sob a liderança de Bloch e Febvre, o movimento se
1
Mestranda em Educação – PPGED/UEPA; Especialista em educação e Cultura – PPGEDUC/CUTINS/
UFPA; Especialista em Ensino da Língua Espanhola – PROMINAS; Licenciada Plena em Pedagogia –
UEPA; Coord. Pedag. do Grupo de Pesquisa e Extensão PLVQQ/NEP/UEPA; Professora concursada das
Séries Iniciais e Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Cametá.
torna, no entanto, coletivo, apresentando contribuições de um número significativo de
historiadores e escritores.
No primeiro capítulo do livro o autor propõe um retrocesso ao processo da
chamada Revolução, examinando “a história da historiografia na sua longa duração”
(BURKE, 1991, p.11), de modo a compreender melhor o sistema que Febvre e Bloch
pretendiam derrubar e, assim, as causas do movimento dos Annales.
O autor retoma fatos ocorridos no século XVIII, como o surgimento do interesse
entre os escritores com a “história da sociedade”, acompanhando temas desenvolvidos
por Voltaire e que se voltavam para a história das estruturas, tendo uns se voltado para a
reconstrução de comportamentos e valores do passado e outros à cultura. Esses escritores
produziram obras extremamente relevantes, onde incluíram em suas formas de escrita a
história sociocultural.
A partir da “Revolução Copernicana” ocorrida em fins do século XVIII e, mais
precisamente, pelos escritos de Leopold Von Ranke que enfatizam as fontes dos arquivos,
Burke considera que a história sociocultural é mais uma vez marginalizada. Apesar de
não ter se limitado à história política, Ranke ocasionou que os historiadores que usavam
a história sociocultural fossem vistos como amadores, gerando uma intensificação da
intolerância iniciada por ele: a história não política foi retirada da disciplina acadêmica,
as revistas profissionais publicadas se concentravam na história política e sistematizaram-
se em compêndios os métodos históricos.
Historiadores como Michelet (com quem se desenvolve a concepção de nação
dentro dos estudos históricos) e Burckhardt, ainda no século XIX, discordavam dos
seguidores de Ranke e passam a defender, então, uma visão mais ampla da história,
tensionando para a relação entre os fatos históricos e a compreensão e análise de outros
aspectos sociais e humanos, que complementariam essa compreensão de ser humano.
Burckhardt compreendia a história como um campo de atuação de três forças: o Estado,
a Religião e a Cultura, enquanto Michelet defendia a história na perspectiva das classes
subalternas. Fustel de Coulanges também apresentava um direcionamento de maior
ênfase para a história da religião, da família e da moralidade, do que para os fatos políticos
e Marx posicionava as mudanças históricas no interior das estruturas socioeconômicas.
São estas concepções sobre a história que começam, junto com o movimento dos Annales,
a tirar a história sociocultural da marginalização.
Dentre os opositores da história política, o grupo mais bem organizado se
encontrava entre os historiadores econômicos, que encontrou discursos de apoio entre os
fundadores da Sociologia (Comte, Spencer e Durkheim). A partir de 1900 essas críticas
se acentuaram, tendo acontecimentos relevantes na Alemanha – “controvérsia de
Lamprecht” – nos Estados Unidos – a “Nova História” – e na França, com os debates
sobre a natureza da história.
A Nova História, movimento lançado por James Harvey Robinson no início do
século, definia como história qualquer traço ou vestígio, material ou imaterial deixado
pelo homem desde o seu surgimento e definia, por método, a utilização de todas as
descobertas feitas sobre a humanidade e, qualquer área do conhecimento.
Apesar disso, os cientistas sociais como Durkheim viam os historiadores como
profissionais exclusivamente envolvidos com a narrativa dos fatos políticos. Isto gerou
ataques diretos feitos por François Simiand, seguidor de Durkheim, a três ídolos dos
historiadores: os fatos políticos, a individualização histórica e a cronologia. A crítica de
Simiand eram direcionadas a Charles Seignobos, símbolo de tudo a que os reformadores
se opunham e foi publicada em uma revista nova, fundada por Henri Berr, que idealizava
uma psicologia histórica, construída através da cooperação interdisciplinar entre a história
e as demais ciências. Esse pensamento vai encontrar impulso em Febvre e Bloch, que são
tratados no segundo capítulo da obra.