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UNIVRSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO

Resenha do Livro:

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da


Historiografia. Trad. Nilo Odália – 2ª edição. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1991,
153 páginas. Tradução Nilo Odália.

Gabriela Costa Faval1

O livro escrito por Peter Burke foi publicado no Brasil pela editora UNESP e
teve sua tradução feita por Nilo Odália. Ele reconstrói criticamente o movimento surgido
a partir da revista francesa Annales, em 1929, distinguindo as três gerações de
historiadores que constituíram e impulsionaram a principal força da chamada “História
Nova” e revolucionaram a historiografia. Em sua apresentação é citada a obra de Fueter,
História de la Historiografia moderna, onde o autor chama à reflexão de que “toda nova
abordagem histórica se origina de um acontecimento que determina o rumo da própria
história” (BURKE, 1991, p. 4). Esta frase, por si só, já é um indicativo da relevância e
das mudanças proporcionadas pelo movimento dos Annales sobre a escrita
historiográfica, que a fizeram ser compreendida como “a Revolução Francesa da
Historiografia”.
O autor apresenta em sua obra uma cronologia da historiografia que gerou o
movimento dos Annales e a divide em três fases: na primeira (de 1920 a 1945) é posta a
oposição contumaz ao positivismo histórico que influenciava os escritos históricos, a
história dos eventos e a história política; a segunda faz referência à aproximação do
movimento à estrutura de uma verdadeira “escola”, apresentando conceitos e novos
métodos e marcada pela atuação de Fernand Braudel (1946-1967); a terceira (a partir de
1968) é marcada pela fragmentação do próprio movimento entre os historiadores que
migravam para a história sociocultural e os que redescobriam a história política e a
narrativa. Constituída de cinco capítulos, a obra percorre os “caminhos históricos” da
história, as finalidades de sua escrita, seus autores principais e os métodos utilizados, do
início dos registros historiográficos até meados do século XX.
O movimento dos Annales, foi iniciado por Marc Bloch e Lucien Febvre,
historiadores insatisfeitos com o que eles consideravam o empobrecimento da história
política nas décadas de 1910 d 1920. Para eles, os relatos históricos se focavam em jogos
de poder entre grandes homens e/ou países e ignoravam os campos de forças estruturais
que aprofundavam os eventos relatados. Essa crítica à frivolidade que assumira a história
é feita por eles em concordância com os anseios e questionamentos que se fazia o novo
homem, surgido nesse contexto, que compreendia sua complexidade de pensamentos e
emoções e que não encontrava respostas na história influenciada pelo positivismo.
Apesar de ser chamada posteriormente de Escola dos Annales, os integrantes do
movimento não a referendavam como tal pois, mesmo caracterizada pelas convergências
ideológicas de seus integrantes, cada um dava ao grupo contribuições individuais em
áreas diferentes. Formado centralmente por Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le
Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie, e sob a liderança de Bloch e Febvre, o movimento se

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Mestranda em Educação – PPGED/UEPA; Especialista em educação e Cultura – PPGEDUC/CUTINS/
UFPA; Especialista em Ensino da Língua Espanhola – PROMINAS; Licenciada Plena em Pedagogia –
UEPA; Coord. Pedag. do Grupo de Pesquisa e Extensão PLVQQ/NEP/UEPA; Professora concursada das
Séries Iniciais e Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Cametá.
torna, no entanto, coletivo, apresentando contribuições de um número significativo de
historiadores e escritores.
No primeiro capítulo do livro o autor propõe um retrocesso ao processo da
chamada Revolução, examinando “a história da historiografia na sua longa duração”
(BURKE, 1991, p.11), de modo a compreender melhor o sistema que Febvre e Bloch
pretendiam derrubar e, assim, as causas do movimento dos Annales.
O autor retoma fatos ocorridos no século XVIII, como o surgimento do interesse
entre os escritores com a “história da sociedade”, acompanhando temas desenvolvidos
por Voltaire e que se voltavam para a história das estruturas, tendo uns se voltado para a
reconstrução de comportamentos e valores do passado e outros à cultura. Esses escritores
produziram obras extremamente relevantes, onde incluíram em suas formas de escrita a
história sociocultural.
A partir da “Revolução Copernicana” ocorrida em fins do século XVIII e, mais
precisamente, pelos escritos de Leopold Von Ranke que enfatizam as fontes dos arquivos,
Burke considera que a história sociocultural é mais uma vez marginalizada. Apesar de
não ter se limitado à história política, Ranke ocasionou que os historiadores que usavam
a história sociocultural fossem vistos como amadores, gerando uma intensificação da
intolerância iniciada por ele: a história não política foi retirada da disciplina acadêmica,
as revistas profissionais publicadas se concentravam na história política e sistematizaram-
se em compêndios os métodos históricos.
Historiadores como Michelet (com quem se desenvolve a concepção de nação
dentro dos estudos históricos) e Burckhardt, ainda no século XIX, discordavam dos
seguidores de Ranke e passam a defender, então, uma visão mais ampla da história,
tensionando para a relação entre os fatos históricos e a compreensão e análise de outros
aspectos sociais e humanos, que complementariam essa compreensão de ser humano.
Burckhardt compreendia a história como um campo de atuação de três forças: o Estado,
a Religião e a Cultura, enquanto Michelet defendia a história na perspectiva das classes
subalternas. Fustel de Coulanges também apresentava um direcionamento de maior
ênfase para a história da religião, da família e da moralidade, do que para os fatos políticos
e Marx posicionava as mudanças históricas no interior das estruturas socioeconômicas.
São estas concepções sobre a história que começam, junto com o movimento dos Annales,
a tirar a história sociocultural da marginalização.
Dentre os opositores da história política, o grupo mais bem organizado se
encontrava entre os historiadores econômicos, que encontrou discursos de apoio entre os
fundadores da Sociologia (Comte, Spencer e Durkheim). A partir de 1900 essas críticas
se acentuaram, tendo acontecimentos relevantes na Alemanha – “controvérsia de
Lamprecht” – nos Estados Unidos – a “Nova História” – e na França, com os debates
sobre a natureza da história.
A Nova História, movimento lançado por James Harvey Robinson no início do
século, definia como história qualquer traço ou vestígio, material ou imaterial deixado
pelo homem desde o seu surgimento e definia, por método, a utilização de todas as
descobertas feitas sobre a humanidade e, qualquer área do conhecimento.
Apesar disso, os cientistas sociais como Durkheim viam os historiadores como
profissionais exclusivamente envolvidos com a narrativa dos fatos políticos. Isto gerou
ataques diretos feitos por François Simiand, seguidor de Durkheim, a três ídolos dos
historiadores: os fatos políticos, a individualização histórica e a cronologia. A crítica de
Simiand eram direcionadas a Charles Seignobos, símbolo de tudo a que os reformadores
se opunham e foi publicada em uma revista nova, fundada por Henri Berr, que idealizava
uma psicologia histórica, construída através da cooperação interdisciplinar entre a história
e as demais ciências. Esse pensamento vai encontrar impulso em Febvre e Bloch, que são
tratados no segundo capítulo da obra.

O segundo capítulo se inicia relatando as diferenças de personalidade existentes


entre Bloch e Febvre, o início profissional de ambos e os anos de trabalho desenvolvidos
conjuntamente por eles, apesar delas.
Os estudos de Febvre eram caracterizados por uma oposição quase “alérgica” ao
filósofo Henri Bergson e por uma forte influência da aproximação entre história e
sociologia, impulsionada pelos estudos do geógrafo Paul Vidal de la Blanche (a
introdução geográfica, aliás, era outra forte característica de Febvre, sendo quase
obrigatória nas monografias provinciais da Escola dos Annales na década de 60); o
conceito de “mentalidade primitiva”, desenvolvido pelo filósofo e antropólogo Lucien
Lévy-Bruhl; a iconografia apresentada pelo historiador Émile Mâle; e os aspectos sociais
da língua, interesse particular do linguista Antoine Meillet, todos colegas de Febvre na
Escola Normal Superor, em Paris. Outras influências sofridas e reconhecidas por Febvre
se remetiam às obras de Michelet, Bueckhardt e Courajod, além do político de esquerda
Jean Jaurès, presente em sua tese de doutoramento e uma grande surpresa para quem
conhecia os posicionamentos de Febvre. Apesar de possuir semelhanças com o marxismo,
Febvre se diferenciava de Marx ao conciliar o conflito de ideias e sentimentos ao conflito
econômico.
A proximidade de Febvre com a geografia histórica cruzou seu caminho com o
geógrafo alemão Ratzel que, (em oposição a Vital de la Blanche) defendia a influência
do meio físico sobre o destino humano e contra quem Febvre se posicionou. Após
completar o projeto sobre geografia histórica, Febvre volta seus interesses para o estudo
da “psicologia histórica”, concentrando-se na história do Renascimento e da Reforma
fazendo, inclusive, uma biografia sobre Lutero onde relaciona suas ideias aos interesses
da burguesia.
Bloch, apesar de ter seguido inicialmente a mesma trajetória de Febvre, sua
influência maior era proveniente de Durkheim. Possuía interesses pela política
contemporânea e pela geografia histórica, mas optou por especializar-se em história
medieval e, mesmo caminhando por áreas diferentes, tanto ele quanto Febvre pensavam
interdisciplinarmente sobre a história, uma aliança que teve início quando se deu o
encontro entre eles na Universidade de Estrasburgo.
Durante os treze anos seguintes Bloch e Febvre se viam diariamente rodeados
por um grupo interdisciplinar intensamente atuante, um terreno fértil para o que viria a
ser o movimento dos Annales. As discussões promovidas pelos dois despertaram o
interesse de outros colegas que, não apenas foram influenciados por elas como também
influenciaram os trabalhos desenvolvidos. Dentre os participantes dos debates, estavam:
Blondel, Halbwachs, Bremond, Lefebvre, Gabriel Le Bras e André Piganiol.
A relevância de Bloch é pontuada, no livro de Burke, principalmente através da
obra Les Rois Thaumaturges, que teve por tema a crença no poder de cura dos reis para
uma doença chamada escrófula, mais conhecida como “mal dos reis”. O livro analisava
a realeza vista como poder político supremo, não se limitando a um período histórico
convencional, mas escrevendo sobre “a história da longa-duração” da prática. A obra
também foi importante contribuição para a “psicologia religiosa”, sendo considerado na
atualidade um pioneiro para a história “das mentalidades” (p. 21). O fato de a obra ter
feito comparações entre sociedades, como a francesa e a inglesa, enfatiza sua relevância
para a “história comparativa”, conceito que ele aprofundaria quatro anos mais tarde, em
seu artigo “Por uma história comparativa das sociedades europeias”.
Após o fim da Primeira Guerra Mundial Febvre chegou a idealizar uma revista
internacional, dedicada à história econômica mas, devido a grandes dificuldades
enfrentadas, o projeto foi abandonado, sendo retomado por Bloch, em 1928, na França.
A revista, intitulada Annales d’histoire économique et sociale, objetivava ser a difusora
do apelo dos editores em favor da interdisciplinaridade da história e tinha preocupações
com o método no campo das ciências sociais. O primeiro exemplar, publicado um ano
depois, enfatizava a necessidade de intercambio intelectual entre historiadores e cientistas
sociais e teve predominância de historiadores econômicos em seus primeiros exemplares.
Porém, em 1930 houve um direcionamento para a história social, indefinindo quem
exercia tal influência ou como eram divididas as tarefas de direção da revista. Contudo,
as convergências ideológicas entre Bloch e Febvre foram fundamentais para o sucesso do
movimento.
As contribuições históricas da dupla são analisadas, no livro de Burke, em
separado, dando destaque a dois grandes livros de Bloch: um ensaio intitulado Les
caractères originaux de l’histoire rurale française, de aproximadamente duzentas
páginas, desenvolvido em longa duração e que versava sobre a história rural francesa,
onde Bloch desenvolve sua concepção sobre “história agrária” e aplica o “método
regressivo”, fazendo uso sistemático de fontes não-literárias; e a obra La societé féodale,
onde ele sintetiza mais de quatro séculos de história europeia, enfocando diversos tópicos,
preocupando-se com a cultura feudal e com a psicologia histórica, dedicando um capítulo
inteiro à “memória coletiva”. As obras possuem características excessivamente
sociológicas recebendo, por isso, críticas do próprio Febvre por negligenciarem uma
análise mais detalhada dos indivíduos.
A partir dos anos 30, com as transferências de Febvre e Bloch para Paris, o grupo
de Estrasburgo se dispersa, mas, devido à relevância de Paris para a vida intelectual
francesa, essas transferências significou um grande impulso para o movimento dos
Annales, que pouco a pouco assume características de uma escola histórica.
Entre 1930 e 1940, Febvre escreveu a maioria de seus manifestos e programas
em defesa do “novo tipo de história” desenvolvido pelo movimento dos Annales e que já
tinha seguidores em escolas e universidades, mas, com a Segunda Guerra, este avanço é
freado, principalmente após Bloch unir-se aos aliados, sendo fuzilado em 1944 pelos
alemães. Ainda assim ele conseguiu escrever dois pequenos livros durante seu
isolamento: L’Étrange défaite e um ensaio sobre o “trabalho do historiador”, que ficou
inacabado.
Febvre, distante da guerra, seguia a editar a revista e escrever artigos e livros.
Dos estudos desenvolvidos por ele, alguns faziam referência a pessoas específicas, mas
sem se tornarem biografias, apenas desenvolviam problemas relacionados a esses
indivíduos, como no caso das discussões em torno do ateísmo de Rabelais que, assim
como outras obras, era uma reação de Febvre ao ponto de vista de outros autores. O livro
é referido por Burke como um exemplo devido aos métodos empregados e do uso da
história como problema, tendo alcançado grande repercussão.
Depois da guerra Febvre assumiu diversas atividades tanto junto à École Pratique
des Hautes Études (onde criou e presidiu a IV Seção, dedicada às ciências sociais e sua
maior conquista), quanto da UNESCO, onde foi delegado francês do Instituto. Por este
motivo restava-lhe pouco tempo para escrever e concluir seus estudos, o que fez com que,
após sua morte, diversas obras ficassem incompletas ou fossem terminadas por outros.
Os Annales, que haviam começado como uma revista de seita herética, após a
guerra torna-se órgão oficial de uma igreja ortodoxa e, sob a liderança de Febvre,
conquista o establishment francês, um poder herdado posteriormente por Fernand
Braudel.
O terceiro capítulo da obra de Burke se refere, justamente, a essa nova (ou
segunda) geração dos Annales, liderada por Braudel. Fazendo um resumo da biografia de
Braudel, o inicio do capítulo relata, inclusive, sua estadia no Brasil, como professor e seu
encontro com Febvre ao retornar à Europa. Esse percurso, somado ao tempo que ele
passou lecionando na Argélia, contribuiu para sua tese de doutorado, intitulada O
Mediterrâneo e Felipe II, título sugerido por Febvre.
A tese originou o livro O Mediterrâneo, rascunhado em cadernos escolares
remetidos à Febvre, durante a Segunda Guerra, quando Braudel esteve preso em um
campo perto de Lübek e que foram guardados até o final da guerra garantindo, assim, sua
publicação. A obra, seis vezes maior que os livros comuns, foi dividida em três partes: a
primeira, uma história “quase sem tempo” relatando a relação entre o homem e o ambiente
(ou “geo-história”, segundo Braudel); a segunda trata da história mutante da estrutura
social, econômica e política, tratada de forma gradativa (fronteiras culturais); e a terceira
desenvolve criticamente a trepidante história dos acontecimentos (história política),
dando atenção maior aos que envolviam a política exterior de Felipe II.
Embora o livro tenha recebido poucas críticas em sua segunda edição, elas foram
bastante convincentes e diversas afirmações de Braudel foram contestadas por
pesquisadores posteriores. Uma das lacunas deixadas pelo autor foi a pouca atenção dada
às atitudes, valores ou mentalidades coletivas, porém, Burke ressalta a impossibilidade
de negar as contribuições da obra no sentido de ter transformado as noções históricas de
espaço e tempo. Braudel considerava que uma das grandes contribuições do historiador
para as ciências sociais era a percepção de que todas as estruturas estavam sujeitas a
mudanças, ainda que lentas, deixando isso evidente em sua obra. A crença numa visão
totalizada sobre os fatos, fazia com que Braudel fosse contrário às fronteiras, fossem elas
geográficas ou científicas.
Burke dedica boa parte do terceiro capítulo aos escritos e publicações de
Braudel, analisando suas visões, métodos e conceitos, algumas idealizadas com Febvre,
mas que foram finalizadas um pouco diferente da proposta inicial em virtude do
falecimento deste, como é o caso de Civilization matérelle et Capitalism, cuja publicação
em três volumes (como O Mediterrâneo, com quem tinha várias convergências
estruturais), correspondia apenas à pesquisa designada a Braudel, na qual ressalta dois
conceitos básicos, o de “vida diária” e o de “civilização material”. Toma o cuidado, em
seu terceiro volume, intitulado Les temps du monde, de manter certo distanciamento de
Marx e do marxismo, cuja estrutura intelectual considerava rígida em demasiado,
passando a focar-se não mais na estrutura, mas no processo de surgimento do capitalismo.
No entanto, segundo Burke, neste último volume, Braudel se apoia firmemente nas ideias
de Wallerstein que era de tradição marxista.
Apesar das lacunas e imperfeições encontradas nos três volumes, Burke não
deixa de exaltar as qualidades da publicação na construção ampla do termo economia e a
resistência do autor na continuidade de suas pesquisas tendo, inclusive, enveredado para
a história global de seu país nos últimos anos de vida e deixando escritos os capítulos de
L’Identité de la France, publicados após sua morte.
A história das mentalidades foi marginalizada durante o período de gestão de
Braudel, tanto pelo desinteresse de dele, quanto pela quantidade de historiadores que
acreditavam que a história social e econômica era mais relevante. Além disso, a
abordagem qualitativa não encontrava sustentação nela. Assim, segundo Burke, Braudel
se manteve alheio, de certa forma (mas sem rejeitar), aos dois movimentos que cresciam
internamente nos Annales: a história quantitativa ou “revolução quantitativa” e a história
das mentalidades, mesmo tendo sido a estatística, seu último tema.
Nos trinta anos em que esteve à frente da direção da revista, após a morte de
Febvre, Braudel é citado por Burke como o mais importante e poderoso historiador
francês, tendo substituído Febvre, inclusive, na presidência da IV Seção da École, criando
a Maison des Sciences de l’Homme (entidade destinada à pesquisa interdisciplinar) e
promovendo a inclusão significativa de novos historiadores, fato que deu início à terceira
geração dos Annales em 1960.
É na terceira geração dos Annales que a história qualitativa (tratada por Burke
ao final do terceiro capítulo) tem surgimento, influenciando principalmente a economia,
devido à hiperinflação alemã e ao estouro da bolsa de valores em 1929. O autor passa,
assim, a pontuar autores que mereceram destaque por influenciarem, tanto aos Annales,
quanto à abordagem qualitativa.
Uma das publicações de grande destaque nesse período (e grande conquista para
a abordagem qualitativa) foi Esquisse du mouviment des prix et des revenus, de
Labrousse, um marxista que teve forte influência sobre os jovens historiadores dos
Annales devido à sua atuação como orientador de teses. As duas publicações de
Labrousse, feitas nesse período se tratavam de um rigoroso estudo qualitativo da
economia francesa do século XVIII, saturados de gráficos e tabelas e foram elogiadas por
Braudel no livro “História e Ciências Sociais”.
Por não ser historiador, Labrousse não se dedicou a muitas publicações,
preenchendo seu tempo com a supervisão de estudantes pós-graduados. Ainda assim,
Burke o cita como “eminência parda” dos Annales. Em virtude de sua pesquisa e da
influência dele sobre os historiadores da Annales, em 1969 a revista amplia seu formato
para incorporar gráficos e tabelas.
Outra conquista da abordagem qualitativa foi a história demográfica ou história
da população, em virtude da percepção do aumento populacional mundial e do trabalho
conjunto de demógrafos e historiadores. Aqui Burke destaca as pesquisas de Meuvret,
que influenciaram, ao igual que Labrousse, os historiadores da Annales a pesar de suas
poucas publicações. Quando a história demográfica se liga à história social é criada, em
1960, a Seção VI que publica um número significativo de monografias com a temática
“Demografia e Sociedades”.
Destaca-se, nessa área, a tese de Goubert sobre Beauvais et le Beauvaisis, onde
o autor usa o termo “demografia social” para tratar das variações de sobrevivência dos
grupos sociais. Burke destaca seu interesse pessoal sobre esta obra, em especial aos seus
capítulos sobre sociedade rural e urbana e critica a falta de aprofundamento quando o
autor discute a “mentalidade burguesa”, porém, reconhece que a restrição à história
econômica e social era característica do estilo de escrita dos Annales dos anos 60 e 70,
concluindo que as teses desse período, de modo geral, “combinavam as estruturas
braudelianas, a conjuntura de Labrousse e a nova demografia histórica” (p.50).
As teses publicadas a partir desse período possuem as características dessa
divisão entre conjuntura e estrutura, havendo poucas exceções, como Mousnier que não
pertenceu e nem publicava nos Annales e a quem Braudel considerava persona non grata,
mas ainda assim era um nome de destaque em se tratando da abordagem comparativa. Já
dentro das publicações dos Annales, a exceção era Emmanuel Le Roy Ladurie, discípulo
de Braudel, mas que se afasta de seu mestre ao abandonar a divisão textual de conjunturas
e estruturas e assumindo uma organização cronológica em sua tese Les paysans de
Languedoc. Para Burke, apesar das críticas sofridas posteriormente, Le Roy explicita com
seu trabalho as insuficiências do paradigma braudeliano e trabalha para modificá-las.

A terceira geração dos Annales é retratada no quarto capítulo do livro de Burke


e é, segundo ele, a mais difícil de caracterizar, pois não houve um domínio gerencial
dentro do grupo, o policentrismo foi prevalecente e seus pesquisadores, por terem
estudado fora da Europa, estavam mais abertos a ideias vindas dos Estados Unidos (psico-
história, a nova história econômica, a história da cultura popular, a antropologia
simbólica, etc). Burke ressalta ainda que Paris já não era, então, o centro do pensamento
histórico e que inovações investigativas surgiam em todo o globo, como a história das
mulheres, que estava se desenvolvendo em diversos países. Para ele, pode dizer-se, então,
que haviam vários ou nenhum centro de inovação.
Conforme o livro, a terceira geração sofreu mudanças intelectuais e, dentro dessa
concepção, Burke aborda três temáticas mais relevantes: a redescoberta da história das
mentalidades, a tentativa do uso de métodos qualitativos na história cultural e a oposição
a esses métodos. As abordagens utilizadas também têm destaque na obra, pois refletem
(para ele) uma mudança no interesse intelectual de alguns historiadores que saem da base
econômica em direção à “superestrutura” cultural e uma reação contra a estrutura
representada por Braudel e outras formas de determinismo, fato que o autor identifica
como uma passagem “do porão ao sótão”.
A abordagem qualitativa passa a enfrentar rejeições, como o caso de Philippe
Ariès que desperta a atenção pública para a história das mentalidades. Ariès desenvolve
investigações sobre a relação entre natureza e cultura, as famílias e escolas do antigo
regime e sobre a ideia de infância. Apesar das críticas, principalmente sobre a não
diferenciação das atitudes entre homens e mulheres de acordo com as classes sociais, por
generalizar excessivamente o período e por estudar a evolução europeia a partir de
evidências francesas, suas contribuições sobre a infância permitiram o desenvolvimento
de diversos trabalhos posteriores nessa área, como também propiciou destaque especial
ao estudo da família, da sexualidade e da história do amor.
Burke, assim como em capítulos anteriores, destaca autores relevantes aos
direcionamentos investigativos que surgiram nesse período, como Delumeau, Le Roy e
Alain Besançon no âmbito da psico-história, seguindo o ideário freudiano e focando-se
no estudo dirigidos ao indivíduo (estilo vindo da psico-história dos Estados Unidos) e não
mais aos grupos (da psicologia histórica francesa).
Le Goff e Duby, historiadores ligados à história das mentalidades, mais
especificamente à ideologia e ao Imaginário Social também são destacados. As
contribuições deles foram, respectivamente, quanto às formas de representação da vida
após a morte e quanto à história das ideologias, da reprodução cultural e do imaginário
social, que Duby buscou relacionar à história das mentalidades.
Gabriel Le Bras também se destacou no tocante à história da prática religiosa
francesa, que ele investigou a partir do método quantitativo. Mesmo não sendo dos
Annales, Le Bras e seus seguidores eram tanto influenciados quanto influenciadores do
movimento. Vovelle também teve relevância nessa mesma área, desenvolvendo estudos
que objetivavam dimensionar o fenômeno da descristianização francesa a partir das
atitudes diante da morte e do além analisadas nos testamentos.
O estudo da alfabetização é outro campo da história cultural que se utilizou da
análise estatística e que teve destaque nesse período. Os trabalhos desenvolvidos nessa
área permitiram identificar a correlação entre a habilidade de assinar o próprio nome e a
capacidade de ler e escrever. Este tipo de estudo desencadeou pesquisas relacionadas à
história social do livro e à prática da leitura por determinados grupos, que ocorreram em
paralelo com estudos sobre cultura popular.
O problema que persistia diante de todos esses estudos, e que é levantado por
Burke, se refere à confiabilidade dos indicadores utilizados pelos investigadores, fato que
culminou, em 1970, em uma reação indiscriminada contra a abordagem qualitativa,
paralela a uma manifestação de oposição ao domínio da história estrutural e social,
defendida pelos Annales.
Criam-se, assim, três correntes: uma antropológica – que caminhava para uma
“antropologia histórica” ou “etno-história” focada na “antropologia simbólica”, de onde
Burke destaca Pierre Bourdeau e suas conceituações sobre sociologia da educação e
“reprodução social”, “capital simbólico”, “hábitus” e “estratégia”; um retorno à política,
cuja minimização nos Annales foi duramente criticada, apesar de nunca terem deixado de
ser feitas publicações sobre história política, como é o caso de Agulhon, que se destacou
nesse domínio ao aplicar o conceito do desenvolvimento da consciência política e da
“micropolítica” em Foucault; e um ressurgimento da narrativa, associada à liberdade
humana e ao retorno à história política (narrativa dos eventos).
A relevância dos Annales e sua forte relação com os meios de comunicação após
a década de 70 (até a atualidade) são considerados os responsáveis pelo impulso sofrido
pelo interesse histórico no âmbito popular, segundo Burke e ele finaliza o capítulo
alertando quanto à necessidade de se examinar essa relevância para além do espaço
francês, algo que ele inicia no quinto e último capítulo do livro.

No quinto capítulo, Burke se dedica a explicitar a forma como os Annales e a


nova história foram recebidos em outras localidades, ressaltando críticas, adesões e
tentativas de aplicação dos métodos criados por eles sobre outras áreas, fazendo o que ele
chama de “seleção impressionista” (p.77).
Durante a gestão de Braudel a revista e o movimento ganham visibilidade na
Europa. Em alguns lugares apesar da (ou devido à) presença marcante do pensamento
marxista, em outros graças à tradução de O Mediterrâneo. Na Alemanha houve
predominância da história política nos anos 50 e 60, principalmente após a Primeira e
Segunda Guerras, onde a atuação do país e o próprio Hitler ganham destaque. Somente
após 1970 o interesse dos historiadores alemães se volta para a “história cotidiana”, a
história popular e a história das mentalidades.
Na Inglaterra os escritores ligados aos Annales eram pouco conhecidos e
traduções de suas publicações eram extremamente raras. Além disso O Mediterrâneo não
chegou a ser discutido, tendo havido destaque apenas para Bloch em virtude de seu
interesse pela história inglesa. O estilo dos Annales era citado como “afetado e irritante”
ou “o estilo excêntrico legado por Febvre” nas revistas inglesas, em referência aos
principais livros da escola. Termos como conjuntura e mentalidades coletivas eram
virtualmente impossíveis de ser traduzidos e extremamente difíceis de ser
compreendidos, o que fazia com que os historiadores ingleses sentissem que não falavam
a mesma língua.
Apesar disso, os exemplos de aceitação aos Annales foram, segundo Burke,
maiores que as negativas e, inclusive, a relação deles com o marxismo ocorreu de modos
distintos, encontrando simpatizantes devido à preocupação com a totalidade, um ideal que
foi de Marx antes de ser de Braudel.
Quanto à difusão de métodos, conceitos e abordagens, os Annales influenciaram
diversos trabalhos, mas tiveram pouco alcance fora da Europa, principalmente na Ásia,
América do Norte e África. Já na América do Sul e Central, devido às aulas ministradas
por Braudel e a influência dele na trilogia de Gilberto Freyre, a situação difere.
Como o movimento dos Annales se fundamentou em diversas ciências, o
interesse delas em relação aos Annales também aconteceu, como no caso da sociologia
foucaultiana que tinha aproximações com a história das mentalidades. Autores como
Foucault, foram significativamente marcados pela “nova história” francesa e os Annales,
se aproximando muito da história das mentalidades.
Nos anos 70 a aproximação com as outras ciências era evidente, mas três áreas
tinham particular destaque: a geografia, a sociologia e a antropologia, sendo com a
geografia a relação mais antiga. Com a sociologia teve uma maior aceitação na França, já
na Inglaterra o contato foi mais recente.
A antropologia teve uma maior aproximação com os Annales nos anos 60, porém
divergiram na virada antropológica, quando esta fincava seus interesses nos eventos e na
narrativa (rejeitados pelos Annales). Disso resultou um baixo interesse dos antropólogos
pela “história nova” francesa.
Assim, Burke finaliza sua obra fazendo uma análise geral sobre a originalidade
e o valor dos Annales, ao longo de três gerações de historiadores, para a história e conclui
que ainda tendo havido contextos favoráveis ao protagonismo francês e ao surgimento
dos Annales é inegável a contribuição dada individualmente por Bloch e Febvre.
Da mesma forma, o autor considera que, ainda existindo a Écola des Hautes
Études e possuindo historiadores relevantes, o movimento dos Annales se dissolveu entre
os que buscavam outros paradigmas e os que ainda se inspiravam nas ideias apresentadas
pelos historiadores dos Annales. O mais adequado, então, segundo ele, seria analisar os
Annales como paradigma, ou grupo de paradigmas, seus usos e limitações dentro de
diversas áreas, em contribuições profundas, mas desiguais.
As gerações dos Annales são analisadas pelo autor com destaque merecido ao
trabalho conjunto de Bloch e Febvre na primeira e à atuação de Braudel na segunda, bem
como às equipes de pesquisa que realizaram empreendimentos memoráveis. A maior
contribuição dos Annales, para Burke, se encontra na expansão às outras áreas,
descobrindo novas fontes e métodos para explorá-las.
Burke conclui com a frase “A historiografia jamais será a mesma”, uma
concepção que fica evidente ao longo do percorrido histórico apresentado por sua obra.

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