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Escola de Música
Rio de Janeiro
2006
Ana Cecilia Prista Tavares Ladeira
Área de Concentração:
Rio de Janeiro
2006
ii
iii
AGRADECIMENTOS
Baumont, Edmundo Hora, Rosana Lanzelotte, Pedro Persone, Karla Dias, Fernando
Lopes, Fernando Marques, Mayra Pereira, Ângela Mello, João Carlos Santos, Maria
Agradeço aos colegas da Escola de Música de Brasília, à minha aluna Luiza Chiarelli,
Agradeço especialmente à colega Mayra Pereira por sua intensa colaboração, amizade,
contato musical e troca de idéias sobre os temas estudados ao longo do curso. Agradeço
longo desses dois anos, pela excelente orientação durante a pesquisa e pela profícua
convivência musical.
v
Agradeço aos meus filhos, Luis e Pedro, pelo carinho, alegria e estímulo que sempre me
passaram durante este período intenso de estudos, não me deixando nunca esmorecer.
Obrigada ao Luis, pela paciência e dedicação nas longas horas de trabalho minucioso
com a editoração das figuras e na revisão, e obrigada ao Pedro, pela presteza e boa
Agradeço especialmente à minha querida tia Anita Milek, que me dedicou amor de mãe
Agradeço ao meu pai, Paulo Tavares, pelo exemplo de alguém que abraçou a carreira
Agradeço especialmente ao meu marido, José Eduardo, pela convivência de paz, pelo
carinho e amor que sempre demonstrou e pelo seu apoio permanente em toda a minha
vida artística.
RESUMO
Esta dissertação aborda o prelúdio non mesuré do século XVII para cravo e contém um
estudo dos quatro autores que o cultivaram: Louis Couperin, Nicolas Lebègue, Elisabeth
notação non mesurée é abordado com o detalhamento dos aspectos que caracterizam o
gênero, tais como: ornamentos, notas melódicas, passagens, ligaduras e linhas retas,
Palavras-chave: música, cravo, prelúdios non mesurés, séc. XVII, França, Louis
Couperin, Prelúdio 1.
vii
ABSTRACT
TAVARES-LADEIRA, Ana Cecilia P.. The 17th century unmeasured preludes for
harpsichord – emphasis on Louis Couperin’s D minor tripartite prelude. 2006. 144 p.
Dissertation (Master in Music) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil. 2006.
This dissertation deals with the 17th century unmeasured prelude for harpsichord and
includes an study on the four composers who cultivated it: Louis Couperin, Nicolas
Lebègue, Elisabeth Jacquet de la Guerre and Jean Henry D’Anglebert. The way to
understand the unmeasured notation are investigated by means of detailing the features
which typically characterize that musical form, such as ornaments, melodic notes,
passages, ties and straight lines, aiming to understand the melodic and harmonic events.
The similarities between non mesurées preludes and toccatas are investigated as well.
of tripartite preludes.
Key words: music, harpsichord, unmeasured preludes, 17th century, France, Louis
Couperin, Prelude #1.
viii
ÍNDICE DE FIGURAS:
Capítulo II
2.1) Ornamentos
- Figura 11: Prelúdio 2 em ré maior - Louis Couperin – cheute sur une note - Pág. 31
- Figura 12: Prelúdio 4 em sol menor - Louis Couperin – cheute sur deux notes e port de
voix - Pág. 31
- Figura 15: Prelúdio 14 em mi menor – Louis Couperin – coulé sur deux notes de suíte
- Pág. 34
Pág.35
ornamento - Pág. 35
Pág. 36
2.2) Ligaduras
Pág. 48
semibreves - Pág. 49
Pág. 49
50
51
- Figura 43: Prelúdio 3 em sol menor - Louis Couperin –Linha reta - Pág. 51
CAPÍTULO III
- Figura 52: Prelúdio 3 em sol menor - Louis Couperin – Mudança de seção - Pág. 67
- Figura 53: Toccata III- Livro de 1649 - Froberger– Mudança de seção - Pág. 67
xi
Pág.72
CAPÍTULO IV
Pág. 85
87
Linha 29 - Pág. 89
– Pág. 89
de L. Couperin - Pág.93
SUMÁRIO
Introdução 1
1.1 Origem 8
Conclusão 107
Bibliografia 117
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa se propõe a estudar o prelúdio non mesuré através de seu breve
estas peças foram deixando de ser improvisadas, abrindo então um espaço para os
compostos e notados para cravo. As pesquisas sobre o tema mostram que praticamente
não existem fontes de época que indiquem como estes prelúdios deveriam ser tocados.
Encontramos em uma carta de Nicolas Lebègue, que será comentada no decorrer desta
Sabemos que a arte do prelúdio non mesuré provém do alaúde, mas nesta
tratar-se de obras que abrangem aspectos inerentes ao alaúde, apesar do parentesco que
no séc. XVII, representados por quatro compositores que, à exceção de Louis Couperin,
tiveram ainda em vida seus prelúdios editados, juntamente com outras peças, no próprio
séc. XVII. Louis Couperin, Nicolas Lebègue, Elisabeth Jacquet de la Guerre e Jean
Para cada aspecto abordado, seja ele de ornamentação, ligadura ou melodia, foi
compositores, o que poderá ser evidenciado por meio dos comentários e os exemplos
prelúdios non mesurés, analisando o seu papel e função dentro de um contexto musical
notação non mesurée que, comparada à notação mesurée escrita no período barroco,
como também o conhecimento do que caracteriza essa notação e o que ela significa.
pesquisa, são citados ornamentos, notas melódicas, passagens, ligaduras, que muitas
D’Anglebert foi, entre os compositores franceses, quem criou a mais completa. Nesta
dos ornamentos. Usaremos os termos propostos por esse autor para designá-los na
língua original, o francês. É importante ressaltar que os sinais gráficos que representam
extenso.
4
Outro aspecto enfocado no capítulo II será o das ligaduras, que apesar de serem
terminologia nos estudos sobre o tema. Essas terminologias serão também abordadas,
tanto em fontes de época, como o tratado de Michel de Saint Lambert, quanto nas fontes
modernas que tratam do assunto. Tenue, liaison, line são os termos mais utilizados com
Optamos nesta dissertação pela utilização do termo “ligadura”, por ser da língua
Couperin e D’Anglebert.
Froberger, sendo que na obra deste último encontramos muitas semelhanças com os
relevância é o das fugas encontradas nos prelúdios tripartite de Louis Couperin, em que
Froberger nas seções em fugato de suas toccatas. Nesta pesquisa evidenciaremos alguns
aspectos históricos da vida musical de Froberger, embora nosso foco sejam os prelúdios
seja, na execução.
5
Os prelúdios com mudança para a seção mensurada, que serão enfocados nesse
capítulo, podem ser chamados de tripartite, embora somente alguns sejam realmente em
três partes, os demais possuindo a terceira seção muito breve, uma coda. Estes prelúdios
A realização desta pesquisa foi motivada pelo fato de o prelúdio non mesuré
O fascínio que esses prelúdios exercem provém do estilo livre, podendo também
interpretação dessa notação, assim como sua execução, foram um forte motivo para nos
aprofundarmos no tema.
que não se manterão iguais por muito tempo, pois as mudanças são uma característica
1
stylus fantasticus- um estilo que provém da livre improvisação e pode ser também chamado de estilo de
fantasia. Tal estilo não se origina nem do contraponto, nem da música de dança.
6
concertos, gravações e no ensino constitui uma bagagem que, ao ser transmitida, poderá
Um dos motivos que justificam a escolha desse tema é a ausência quase total de
nosso país. Julgamos então importante a realização desta pesquisa, uma vez que no
Brasil cresce o número de instituições que abrigam cursos oficiais de cravo (Escola de
regularmente cursos oferecidos nos diversos festivais de música por todo o país. Assim,
repertório do instrumento. Aprender a tocar uma música no estilo livre faz parte da
ASPECTOS HISTÓRICOS
8
CAPÍTULO I
ASPECTOS HISTÓRICOS
1.1) Origem
Os prelúdios non mesurés para cravo foram escritos principalmente nos séc.
outros valores podem ser acrescentados pelo compositor para facilitar a compreensão do
intérprete.
nenhuma métrica faz com que o papel do intérprete seja da maior importância na
execução desses prelúdios. Não há como falar do prelúdio non mesuré sem afirmar que
a maior marca deste tipo de prelúdio consiste principalmente na maneira como eram
notados.
primeiro lugar entre os alaudistas, com nomes como entrée, recherche e também
dos alaudistas na arte do prelúdio non mesuré, tais obras para os dois instrumentos não
9
se iniciaram ao mesmo tempo. Somente a notação, afirma Prévost 2 , que não revela o
conteúdo musical, pode ser considerada uma herança transmitida do alaúde para o cravo
Nas peças non mesurées para alaúde, os prelúdios, que, como foi mencionado
por Pierre Ballard, importante editor da época. A primeira, publicada em 1631, contém
quatro peças livres, e na última antologia para alaúde solo3 (1638), encontram-se peças
entrées e recherches vão desaparecendo aos poucos até não fazerem mais parte dos
alaudista da época, publicou a obra Rhétorique des dieux (1652) e colocou duas peças
livres no recueil, mas tais peças não possuíam título. Em 1670, o livro pièces de luth de
Denis Gautier sur differens modes nouveaux já possuía quatro prelúdios e a partir daí as
peças non mesurés para alaúde passam a aparecer com mais freqüência e são chamadas
de prelúdios 5 .
É sabido que Chambonnières (1601-1672) foi o compositor que iniciou toda uma
escola de cravo na França. Através de sua obra foi inaugurada uma tradição de música
mais representativa. Embora seu talento fosse reconhecido desde 1636, em sua obra
para cravo, pièces de clavecin, composta em dois volumes publicados em 1670, não são
encontrados prelúdios, somente danças de suítes. Apesar de sua obra ter sido publicada
na mesma época que parte da obra de Denis Gautier (1603- 1672), não se conhece
2
PRÉVOST, Paul. Le prélude non mesuré pour clavecin: France 1650-1700. Baden-Baden &
Bouxwiller, Alemanha: Éditions Valentin Koerner, 1987. p.75.
3
Tablature de luth des differents autheurs sur les accords nouveaux, Paris France: Pierre Ballard, 1638.
4
PRÉVOST, 1987, p. 13.
5
PRÉVOST, 1987, p.14.
10
nenhum prelúdio escrito por ele. Prévost apresenta duas hipóteses para a falta de
registro dos prelúdios non mesurés na obra para cravo deste período: A primeira
hipótese é a de que tal fato possa ser compreendido num contexto de uma prática de
que os manuscritos possam ter se perdido. Além disso, o cravo passou um período
Os prelúdios non mesurés existiram na França sem nunca terem saído do país,
embora se encontrem em outros lugares peças em estilo livre com outros nomes. Ao
séc. XVII, mas a notação usada era métrica, precisa, ainda que não obedecesse a um
padrão regular na divisão. Tais peças, como lembra D. Moroney 7 , podiam ter outros
títulos tais como intonazione, toccata, ricercare e prelúdio. Prévost também comenta
que às peças livres foram dados diferentes títulos e o fato de serem notadas do modo
convencional poderia aproximá-las das peças comuns. No entanto, como sua execução
6
PRÉVOST, 1987, p. 25.
7
MORONEY, Davitt - Prélude non mesuré. Grove Music Online. Ed. L. Macy disponível em
<http://www.grovemusic.com> Acessado em 01.07.2004.
8
PRÉVOST, 1987, p. 23. Tradução nossa.
11
Prévost cita Matheson, que explicou em poucas palavras, mas com muita sabedoria,
essa dualidade:
cuidadosamente escritas; mas, por outro lado, desistiu de qualquer tentativa de defini-las
Alan Curtis 10 faz uma colocação interessante sobre esse assunto, ressaltando a
atenção que tem sido dada por historiadores e intérpretes da música antiga à livre
improvisação no passado e à relação entre liberdade e forma fixa. O autor considera que
Tais prelúdios, comenta Curtis, foram pouco a pouco sendo escritos, elaborados,
maneira sucinta o prelúdio, dando um maior enfoque para o seu papel introdutório.
9
PRÉVOST, 1987, p. 22. Tradução nossa
10
CURTIS, Alan. Prefácio à edição de Pieces de clavecin de Louis Couperin. Paris, France: Heugel,
1970. (Coleção Le Pupitre).
12
órgão, “(...) é compor e tocar de improviso peças repletas de tudo que a composição tem
seu livro “L’Art de preluder sur la flûte traversière”12 , considera que existem dois tipos
de prelúdio: o primeiro tipo é encontrado nas óperas, cantatas, suítes e sonatas como
primeira peça, com o caráter de introdução e com forma definida. O outro tipo é o que
Tal peça deveria ser criada no momento da execução, sem nenhuma preparação.
abordagem parecida com a de Hotteterre, pois diz que existem duas formas de prelúdio
(...) é desse tipo de prelúdio que uma pessoa com habilidade se serve
para fazer brilhar a sua genialidade no instrumento que toca,
percorrendo com arte diferentes tons nos dois modos e terminando no
seu tom original, quase sem se perceber que se tenha distanciado dele
(...). 15
datas das edições estejam distantes. Ambas parecem se referir ao prelúdio de caprice ou
chant de caprice como uma improvisação, pois são criados no momento da execução.
11
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Dictionnaire de Musique. Paris, France: chez la veuve Duchesne, Librairie,
1764. p. 383.
12
HOTTETERRE, J.. L’Art de preluder sur la flûte traversiere. Paris, France: L’Auteur, Foucault, 1719, facs. p.1.
13
LESCAT, Phillippe. Traités Musicaux en France, 1660-1800. La Villette, Paris, France: Institut de
pédagogie musicale et choréographique, 1991. p. 206.
14
BORDET, Toussaint. Méthode raisonnée pour apprendre la musique d’une façon plus claire et plus
precis. Paris, France: l’Auteur, Bayle-Lyon, Bretonne, s.d. premier tirage, 1755. p.15.
15
BORDET, 1755, p. 15.
13
caprice como “um tipo de peça musical livre na qual o compositor, sem se submeter a
de que muitas dessas definições foram escritas quando os prelúdios non mesurés já
explicando sua tentativa de apresentar seus prelúdios com toda facilidade possível tanto
para a conveniência quanto para o toque do cravo. Lebègue indica a maneira de arpejar
os acordes nesse instrumento, que não possui o mesmo recurso do órgão, em que os
acordes são sustentados. Conclui sua recomendação se desculpando por uma possível
lamentavelmente, nada sobre o prelúdio non mesuré. Uma carta de Lebègue dirigida a
um cravista inglês (1684), William Dundass, o qual parecia não compreender a maneira
compreensão de seus prelúdios. Tal carta, citada no livro de Prévost e Colin Tilney 18 ,
16
ROUSSEAU, 1764, p.74.
17
LEBÈGUE, Nicolas. Les Pièces de clavecin, Paris, France: Baillon, L’Auteur, 1677; facs., Courlay, France:
Éditions Fuzeau, 2003 (collection Méthodes et Traités 12, v.1).
18
TILNEY, Colin. The art of unmeasured preludes for harpsichord: France 1660-1720. London, England: Schott,
1991. p. 4.
14
será discutida mais à frente, mas é importante deixar registrada neste capítulo a sua
definição sobre prelúdio: “O prelúdio não é outra coisa senão uma preparação para se
agradavelmente o tom das peças que vamos tocar, mas eles servem para desembaraçar
os dedos e freqüentemente para experimentar os teclados aos quais ainda não estamos
acostumados”. 20
que seriam mais fáceis para aprender ou ensinar, mas explica como devem ser
Couperin recomenda que seus prelúdios sejam tocados de maneira natural sem
concluindo o parágrafo com uma frase marcante: “Pode-se arriscar afirmar que dentre
muitos assuntos, a Música (em comparação à Poesia) tem sua prosa e seus versos”.22
Para compreender o sentido de tal frase, Davitt Moroney 23 comenta esse trecho
do tratado, onde François Couperin, segundo sua interpretação, faz uma analogia entre
literário, se distingue da poesia pelo seu ritmo irregular e mutante e por sua proximidade
dança, por exemplo, com seu ritmo regular, podem ser comparadas à poesia.
esclarecedora.
aos tombeaux franceses, peças que seguem a estrutura de uma oração fúnebre 24 , e às
interpretação non mesurée. Davitt Moroney confirma isso, classificando esses prelúdios
falecidos 25 .
Tilney (1991), mas seu conteúdo provém, principalmente na obra de Louis Couperin
1667) e dos tombeaux 26 . Prévost discorre sobre os traços de semelhança que unem as
24
LANZELOTTE, R.S.G.. Aspectos retóricos da música do século XVII: um estudo do Tombeau de
Mr. Blancrocher de Louis Couperin. Anais do IX Encontro Anual da ANPPOM (Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Música), p. 323 a 326, agosto, 1996.
25
MORONEY,1985, p. 27
26
TILNEY, 1991, p. 2
27
PRÉVOST, 1987, p. 75-76. Tradução nossa.
16
o autor considera que “os elementos de escrita comuns aos dois músicos são bem
prelúdios” 28 .
livros e artigos publicados sobre o assunto, tais trabalhos se referem quase sempre aos
por exemplo, se aprofunda mais ainda nas semelhanças entre as composições de Louis
Couperin e Froberger, ressaltando que a maneira como Froberger tocava foi motivo de
que Louis Couperin quisesse registrar exatamente como Froberger realizava seus
original” de Froberger, que, aliada a sua habilidade como cravista e organista, deve ter
Paris 29 .
esse tipo de prelúdio. Não sabemos a data exata em que ele compôs tais obras, pois além
de não haver manuscrito autógrafo, sua obra não foi publicada, talvez pelo fato de ter
falecido aos 35 anos de idade. Certos documentos, porém, ajudam a localizar o período
28
id. p.77
29
TILNEY, 1991. p. 2.
17
que contém obras para órgão de Louis Couperin e é considerado autógrafo, ajuda a
compreender as fases do compositor. Boa parte das fantasias e fugas contidas neste
manuscrito possuem as datas e os locais em que foram compostas, a partir do que pode-
prelúdios non mesurés para cravo na França. Neste capítulo optamos pela ordem
prelúdio em Dó maior não faz parte dessa impressão, pois só foi encontrado
manuscritos.
30
FULLER, David. Louis Couperin. Grove Music Online. Ed. L. Macy. Disponível em
<http://www.grovemusic.com.>. Acesso em 01.jul.2004.
18
Louis Couperin
non mesuré. Além de criar uma linguagem nova para o cravo, seus prelúdios são de uma
Nenhum dos dois é autógrafo, mas acredita-se que, no Ms de Bauyn, as peças tenham
sido copiadas por alguém da família de Couperin poucos anos após sua morte. Na
verdade, comenta Siegbert Rampe, tudo que se tem até hoje são especulações
sendo que quatro deles compõem-se de três partes. Esses prelúdios, também chamados
tripartite, possuem uma seção na parte central, com a escrita mensurada, normalmente
uma fuga.
Nicolas Lebègue
notações para auxiliar instrumentistas a melhor compreender sua música, já que estes
fazer a notação dos prelúdios de uma maneira clara sem perder a essência musical desse
método de preludiar 32 .
seus prelúdios, mas sem discorrer sobre essa maneira de notá-los. Lebègue escreve
escreve uma carta para um cravista inglês, Mr. William Dundass, como já foi explicado,
o qual parecia não compreender a maneira de executar essas obras. Esta carta é muito
importante para a interpretação dessas obras, não apenas porque provém do autor, mas
comentado item anterior. Lebègue explica também, no mesmo parágrafo, a razão de não
ter colocado barras de compasso em seus prelúdios, ao contrário do que fez nas outras
peças, porque “nesta música não existe nada de determinado”, e ainda orienta sobre a
leitura das notas, para ser efetuada na ordem em que estão escritas, ou seja, em
32
MORONEY, Davitt, The performance of unmeasured harpsichord preludes. Early Music, Oxford,
England. v. IV, p. 143-151, Abril, 1976. p. 143.
33
PRÉVOST, 1987, p. 119.
34
PRÉVOST 1987, p. 120, cita Gustavson, Bruce in Letter from Mr Lebègue Concerning his Preludes.
Recherches XVII, Paris, France: Picard, 1977, p. 9-10.
35
TILNEY, 1991, p. 13.
20
alguns anos era tido como perdido, impedindo-se assim que a compositora fosse citada
em inúmeros artigos sobre o prelúdio non mesuré. É sabido que Jacquet de la Guerre foi
confirmam seu talento desde muito nova, inclusive como improvisadora 36 . Jacquet era
muito jovem quando teve publicado seu primeiro livro de peças para cravo, e sua
“juventude e vitalidade” estão refletidas em sua música, assim como uma forte ligação
com a música vocal italiana 37 . Compôs música religiosa, dramática e obras para música
de câmera. Suas sonatas e cantatas, que estão entre as primeiras compostas na França,
são muito importantes, assim como a tragédia lírica Céphale et Procris, a primeira obra
Elisabeth Jacquet de la Guerre compôs quatro suítes, sempre precedidas por uma
peça non mesuré. É interessante observarmos que, dos quatro prelúdios que escreveu,
três são tripartite, como alguns de Louis Couperin39 . A uma dessas peças livres, Jacquet
de la Guerre deu o título de tocade. Tal peça é curiosamente notada como os prelúdios
da época, ou seja, com notação non mesurée, ao contrário das toccatas que conhecemos.
Sua Tocade é provavelmente a única do gênero em toda a literatura francesa para cravo.
Jacquet de la Guerre parece ter se destacado na maneira como organizou seu livro de
cravo, que possui uma uniformidade na disposição das danças não encontrada em outros
compositores 40 .
36
BATES, Carol Henry. Prefácio à edição de Pièces de clavecin de Elisabeth Jacquet de le Guerre.
coleção Le Pupitre. Paris, France: Heugel, 1982, p. V.
37
TILNEY, 1991, p.13.
38
BATES, 1982, p. V.
39
Louis Couperin, prelúdios tripartite: n° 1, 3, 6 e 12.
40
CESSAC, Catherine. Elisabeth Jacquet De La Guerre: une femme compositeur sous le règne de
Louis XIV. Arles, France: Actes sud, 1995. 213 p..
21
1689, mudou a notação original para a notação mista, talvez com o intuito de auxiliar o
intérprete a uma melhor compreensão de sua obra nesse domínio. Na verdade, o uso da
impressão e ampla divulgação das obras, uma notação aparentemente primitiva como a
considerar que se D’Anglebert não tivesse usado uma notação tão detalhada para seus
prelúdios e tivéssemos que tocá-los em suas versões originais, suas idéias musicais, ou
Howard Schott 42 . Apel fez uma apreciação sobre o compositor, classificando-o como o
alto nível na música francesa. Em seu livro History of keyboard music to 1700, Apel
ainda comenta que com D’Anglebert “(...) a música para teclado alcança o seu ápice em
41
GILBERT, Kenneth. Prefácio à edição de Pièces de clavecin de Jean Henry D’Anglebert. Paris,
France: Heugel, 1975. p. V.
42
SCHOTT, Howard. Pièces de clavecin: Jean Henry D’Anglebert. Early Music, Oxford, England, v. IV,
April, 1976. p. 213.
43
SCHOTT, 1976, p. 213.
22
No seu livro de 1689, encontramos três prelúdios: em sol maior, sol menor e ré
menor, todos precedendo danças agrupadas numa mesma tonalidade, como suítes.
que contém muitos sinais e é extremamente rica e detalhada. A publicação do seu livro
ter sido amplamente distribuído, comenta Howard Schott, com um razoável número de
cópias. Acredita-se que J. S. Bach tenha tido acesso ao livro, porque a tabela de
ornamentos que colocou no Klavierbüchlein für Wilhelm Friedmann Bach parece ser
44
GILBERT, 1975, p. V.
45
SCHOTT, 1976, p. 213.
CAPÍTULO II
CAPÍTULO II
em semibreves (figura 1), que foi usada por Louis Couperin, D’Anglebert, Léroux e
mista visava tornar mais clara a idéia do compositor, que passaria a fazer uso de
semicolcheias e, mesmo, como na obra de alguns, notas pontuadas. Este tipo de notação
A notação dos prelúdios non mesurés na música francesa para cravo os torna tão
entre as notações e a função da ligadura 47 , mostrando o quanto uma nota deve ser
sustentada enquanto a música prossegue. O autor observa que, apesar das diferenças
46
TROEGER, Richard. Metre in unmeasured preludes, Early Music 3/ XI (1983), S.340-345
47
Liaison, tenue, linhas.
25
sistema.
notas estão escritas na ordem em que devem ser tocadas, assim como os arpejos, que na
maior parte das vezes são totalmente escritos, e os ornamentos, que tanto podem ser
grafados como também escritos com todas as notas, a grande criação do intérprete está,
Couperin e conclui que ela é, na verdade, muito menos vaga do que parece, pois seu
Moroney considera que a notação livre ajuda o intérprete, que, através dessa prática, se
aspectos da música para cravo, tais como forma de arpejar, ornamentos e a consciência
48
MORONEY, Davitt. Prefácio à nova revisão de Pièces de clavecin de Louis Couperin. Mônaco:
L’Oiseau-Lyre, 1985, p. 26.
49
LEDBETTER, D.. Aspects of 17c French lute style reflected in works of the 'clavecinistes'. The Lute,
Guildford, England. v. XXII, part 2. 1982. p. 55-67. Tradução nossa.
26
intérprete um conhecimento dos aspectos mais importantes, pois quase não encontramos
fontes de época que indiquem como deveriam ser tocados. Lebègue parece ter sido o
único no séc. XVII a deixar instruções de como interpretar seus prelúdios ao cravo,
como já foi comentado no capítulo I; mas, ao que nos parece, sua maior preocupação
Podemos observar que as mudanças propostas por Lebègue foram mais visíveis
faziam uso de menor variedade de valores musicais por prelúdios. De uma maneira
geral os acordes nos prelúdios de Lebègue são notados em semínimas, mas podemos
Percebemos também o uso de notas pontuadas tanto para sugerir o ritmo como também
as duas versões em fontes autógrafas para estudo. Não conhecemos outro compositor
deste período que tenha deixado seus prelúdios notados em semibreves e transformados
seus prelúdios. O fato de os prelúdios de D'Anglebert terem sido criados com a notação
em semibreves e transformados para serem editados (figuras 4 e 5), fez com que a
ornamentação.
50
PRÉVOST,1987 p.113.
28
Couperin 51 .
dão vida ao texto musical e os arpejos, ornamentados ou não, são notados normalmente
em semibreves; mas, por outro lado, Prévost mostra exemplos de arpejos notados em
colcheias ao invés de semibreves. Para esse fato, o autor argumenta que tal
uma relação das durações. Prévost ressalta, porém, que a flexibilidade natural deste tipo
comentado também por Howard Ferguson 53 , que demonstra que quando as notas de
valor menor do que a semibreve aparecem, compreende-se que essas notas não devem
51
GILBERT, 1975 p. II.
52
PRÉVOST, 1987 p.134.
53
FERGUSON, Howard. La interpretación de los instrumentos de teclado Del siglo XIV al XIX
(Oxford University Press, 1975). Ed. cast.: Madrid: Alianza Editorial, S.A.. 2003. p.36.
29
semibreves.
D'Anglebert, reforçando o que já foi dito antes, que a notação básica nos prelúdios deste
passagem costumam ser notados em colcheias. Sobre o uso de colcheias para alguns
sugere que o arpejo não deva ser tocado tão rápido, mas, sim, melodicamente. A
notação mista, com exceção da utilizada por Nicolas Lebègue, não é mais métrica do
prelúdios manuscritos 54 .
aparecem uma vez e, ao que tudo indica, sugerem a maneira de arpejar (figura 8).
54
MORONEY, Davitt, The performance of unmeasured harpsichord preludes. Early Music, Oxford,
England. v. IV, p. 143-151, Abril, 1976. p.150.
55
CESSAC, 1995, p. 49.
30
acordes que formam um arpejo figuré utilizando semínimas para representar notas de
passagem. O prelúdio em Sol menor (figura 9), por exemplo, se compõe de uma
escritas em semínimas.
2.1- Ornamentos
mesuré foi se expandindo pela França. Louis Couperin, como já foi mencionado, fez
justamente o fato de as notas serem todas escritas por extenso, ora sugerindo um
tremblement (figura 10), ora um port de voix, uma cadence 58 ou mesmo uma cheute sur
une note (figura 11) ou sur deux notes (figura 12). Nas composições de Louis Couperin,
por exemplo, todos os port de voix 59 são escritos com as semibreves (figura 12).
56
Pincé (mordente)
57
Tremblement - trillo
58
Cadence- Grupeto
59
Port de voix - Appoggiatura
31
incidência de ornamentos do que no manuscrito de Bauyn, mas tudo indica que não
devam ter sido escritos por Couperin 60 . Em grande parte das fontes de música francesa
ornamentos; mas em obras manuscritas, que não haviam sido preparadas para a
adicional 61 .
60
MORONEY, 1985. p. 32.
61
FERGUSON, Howard, 2003. p.150.
32
É sabido que as obras mais antigas das quais se tem conhecimento, seja para
específicos 62 .
gráfico correspondente. Sendo assim, o autor criou no seu prefácio uma tabela de
ornamentos com exemplos (Figura 13) de trechos dos prelúdios de Couperin e, ao lado,
dessa obra, que é uma revisão da antiga edição Brunold-Dart, vai muito além disso.
Como os dois manuscritos, Bauyn e Parville, não são autógrafos, fica difícil saber, por
62
DONINGTON, Robert. Baroque Music. Style and Performance. A Handbook. London, England:
Faber Music Ltd, 1982. p. 91.
63
MORONEY, 1985. p. 32.
64
LEDBETTER , David. French Harpsichord. The Musical Times, East Sussex, England. v. 127, p. 156,
mar 1986. n° 1717. p.156.
33
Colin Tilney comenta seu trabalho, detalhando que Moroney identificou 17 tipos
diversos port de voix e muitas formas de arpejos. 66 Também Prévost faz um estudo
batimentos, mas encontram-se com freqüência três, quatro ou cinco. O autor cita ainda
normalmente reservado à música vocal, aos instrumentos de arco e sopro 67 (Figura 14).
65
Coulé (fr), acciaccatura doppia (it), slide (ing), schleifer (ger) (BRACCINI, Roberto. Praktisches
Wörterbuch der Musik; Serie Musik Atlantis - Schott. Mainz, Germany: Atlantis Musikbuch-Verlag,
2005 (1992). p.120-121)
66
TILNEY, 1991, p. 6
67
PRÉVOST, 1987 p 182, 183
34
Figura 14 – Prelúdio 2 em
Ré M, Louis Couperin, op.
cit., p. 8
Outro ornamento muito utilizado por Louis Couperin é o coulé sur deux notes de
(figura 15).
tremblement. O sinal utilizado por D’Anglebert para o pincé (figura 16) é diferente do
sinal utilizado por Couperin (figura 17), mas essa diferença na maneira de grafar existe
entre os compositores franceses embora o resultado musical seja o mesmo. Por esse
motivo, alguns deixaram tabelas de ornamentos para ajudar o intérprete e também para
evitar uma deturpação de sua música, como explicou Chambonnières em seu pequeno
prefácio.
35
Couperin, mas conserva muitos ainda por extenso, não atingindo assim o mesmo
algumas cadences (Figura 18) são grafadas com sinais, enquanto que na versão em
(Figura 19) Observamos então que, por alguns momentos, as duas versões divergem
quanto à ornamentação.
Figura 19 - Versão em
semibreves,
Prelúdio em Sol M,
D’Anglebert, op. cit., p. 62
36
notas para marcar coulés e port de voix no seu livro de 1687. A compositora utiliza
preferencialmente o sinal + para os port de voix 68 embora não tenha deixado tabela de
abordados, assim como os que ainda serão discutidos neste capítulo, são na verdade
acordes também implicam arpejos com notas de passagem que podem ser classificadas
em que as passagens se confundem com ela. Portanto, na análise de todos esses aspectos
pela própria notação. As notas que compõem os acordes são, muitas vezes, acrescidas
68
SAINT-ARROMAN, Jean. Agrémentation dans l'oeuvre D'Elisabeth Jacquet de La Guerre, Facs.,
Courlay, France: Éditions Fuzeau, 1997.
37
correspondentes a essas notas, tais como: cheute sur une note, cheute sur deux notes e
coulé sur une tierce 70 , que, nos prelúdios, aparecem sob a forma de appogiatura ou nota
antecipações, como já descrito neste item. Esta ornamentação pode ser representada por
sinais ou escrita por extenso. Por isso, num primeiro momento não é fácil perceber a
diferença entre ornamento e nota estranha, pois um ornamento escrito com notas, ou
seja, sem a utilização de sinais, pode estar enquadrado nas duas categorias 71 .
Outro aspecto abordado nas análises melódicas dos prelúdios non mesurés é o
no capítulo I, o prelúdio non mesuré poderia ser comparado à prosa e a música métrica à
prelúdios non mesurés, pois em muitos casos passamos por momentos essencialmente
69
Notas estranhas: (...) Entre os tipos mais comuns encontram-se a nota de passagem, a antecipação, a
nota auxiliar, a echappée, a nota cambiata e a appogiatura (...)DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA:
edição concisa/editado por Stanley Sadie, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994.
70
MORONEY, 1985. p. 26.
71
PRÉVOST. p. 169.
72
(...) Ainsi, on peut hazarder de dire, que dans beaucoup des choses, la Musique (par comparaison à la
Poésie) a sa prose et ses vers. Couperin, François, 1717 op. cit., p. 60.
73
MORONEY, 1985. p. 27.
38
harmônicos em que o próprio ato de arpejar já nos fornece a melodia (figuras 21).
seus efeitos são tão marcantes que era natural que seu uso fosse cultivado por músicos
Alguns ornamentos, como o port de voix, tão freqüentes nos prelúdios non
melodia pode mover-se para o baixo enquanto a harmonia move-se para a mão direita
(Figura 22). 75
Figura 22 - Prelúdio 7,
L. Couperin, op. cit., p. 20
74
GEOFFROY, Dechaume. Les secrets de la musique anciènne. Recherches sur l'interpretation -
XVI,XVII, XVIII siècles. Lorient, France: Fasquelle Éditeurs 1964. p. 59.
75
PRÉVOST, p. 159.
39
Para Colin Tilney o recitativo é “(...) a contraparte vocal do prelúdio non mesuré,
pois modula livremente e utiliza ritmos falados para se expressar (...)” 76 . O autor se
reporta a Frescobaldi, que em seus avvertimenti comparou seu estilo de toccata, novo na
da música ou até mesmo o significado das palavras, poderia mover-se lentamente num
Couperin que poderiam ser interpretados como passaggi e outros como affetti. Ao
76
TILNEY, p. 7.
77
Frescobaldi avvertimenti I in DARBELLAY, Etiènne. Liberté, variété, et "affetti cantabili" chez
Girolamo Frescobaldi. Revue de Musicologie, Paris, France. T. LXI, p. 197-243, 1975, n° 2. p. 201.
78
Passaggio (it), passage (ing), passage/ trait (fr), (BRACCINI, Roberto, Praktisches Wörterbuch der
Musik; Serie Musik Atlantis-Schott. Mainz: Atlantis Musikbuch-Verlag,2005. p.188, 189).
79
Affetti (it): “expression” (fr) DARBELLAY, 1975. p. 201.
40
D'Anglebert, por exemplo, possui mais passagens que o prelúdio em sol menor e
podemos observar que elas, muitas vezes, não têm ligaduras. O mesmo pode ser
constatado nos prelúdios de Louis Couperin, que nota suas passagens em geral sem
80
A chamada passagem ornamental é normalmente utilizada para representar,
executante. Encontra-se principalmente nas peças para teclado e seu conteúdo, do ponto
de vista motívico, não é significativo. Pode também ser chamada de passaggio. Para
Rousseau, o termo passage é um “ornamento que porta um trait de canto (...), composto
gai e o vîte 81 .
ornamentadas devem ser tocadas légèrement, mas com menor enfoque no virtuosismo
do que, por exemplo, nas toccatas italianas. Sua interpretação seria, talvez, uma fusão
do movimento rápido com a leveza. Tal imagem parece-nos importante para a execução
das passaggi (passagens) nos prelúdios non mesurés. Elas devem guardar a vitesse
prelúdio non mesuré não visa à destreza das mãos e sim à valorização das harmonias
fragmentos de uma escala ou até uma escala inteira e podem às vezes unir duas
80
O termo passagem ornamental corresponde à: passage work (ing), passagenwerk (al), pasaggio (it);
Grove, 1994.
81
ROUSSEAU, 1764, passage e Légèrement. Tradução nossa.
82
PRÉVOST, p. 171.
42
Evidenciamos também passagens que começam no agudo e vão para o grave, passando
para a outra mão, atingindo quase três oitavas de extensão (Figura 28).
em diferentes posições, com maior ou menor número de notas. Tal fenômeno aparece
Figura 29 – Prelúdio 14 em Mi m,
L. Couperin, id. ibid., p. 43
43
Figura 30 – Prelúdio 10 em Dó M,
L. Couperin, id. Ibid., p. 34
2.3) Ligaduras
harmonia antes de mudar para a próxima, isto é, que notas ligar e por quanto tempo."84
mesuré. Não há uma uniformidade quanto aos termos empregados, não só na época, mas
também atualmente. As duas mais importantes fontes francesas que tratam das ligaduras
na obra para cravo do século XVII são o tratado de St Lambert e uma carta de Lebègue,
tratado (1702), procede da mesma forma em relação à liaison. O autor distingue a tenue
da liaison, pois a primeira seria uma ligadura para notas de uma mesma altura, ou seja,
notas iguais que não deveriam ser tocadas novamente. Para Saint Lambert “(…) as notas
contidas numa tenue nunca se encontram sobre graus diferentes (...). Depois de ter
tocado a primeira dessas notas encadeadas, não se deve levantar novamente o dedo para
83
O termo ligadura ( legatura (it.), tie (ing.) e liaison ( fr), em português contempla tanto a ligadura de
duração quanto a de fraseado e articulação. Em outras línguas, ao contrário, encontra-se uma
diferenciação: legature di valore (it.); tie (ing.) e signe de tenue ( fr) ; Legature de fraseggio ( it.); Phrase
mark ( ing.) e Signe de liaison du phrasé (fr.) (BRACCINI, Roberto, Praktisches Wörterbuch der
Musik; Serie Musik Atlantis-Schott. Mainz: Atlantis Musikbuch-Verlag,2005. p.132-133)
84
TILNEY, 1991, p. 5.
44
tocar as outras, mas sustentar a primeira delas até que o tempo correspondente às outras
se expire” 85 .
Quanto à liaison, Saint Lambert explica e coloca como regra geral que todas as
notas contidas numa liaison devem ser tocadas e sustentadas até que termine a ligadura.
como, por exemplo, quando notas mais longas lideram e finalizam a liaison, tendo,
entre elas, notas mais curtas. Neste caso, a indicação é de se ligarem a primeira e a
devem-se ligar somente a primeira e a última, e quando as notas contidas numa liaison
se seguem por graus disjuntos, deve-se seguir a mesma regra, observando-se, porém, a
posição da linha. Saint Lambert mostra dois exemplos: o primeiro exemplo é de uma
liaison colocada abaixo das notas, o que implicaria desligar as notas do meio; e no
segundo exemplo a liaison é colocada em cima das notas, o que indicaria que todas as
notas seriam ligadas 86 . O autor ainda explica que a liaison é usada especialmente nos
prelúdios, e no final do seu Tratado, no capítulo Remarques, comenta que se faz pouco
uso da liaison, deixando-a mais reservada para os prelúdios. No seu ponto de vista, a
liaison deveria ser usada, em todas as peças, “... nos lugares onde as partes entram uma
após a outra” 87 .
85
SAINT-LAMBERT, Michel de. LES PRINCIPES DU CLAVECIN Contenant une Explication
exacte de tout ce qui concerne la Tablature & le Clavier. Paris, France: Christophe Ballard, 1702.
facs., Courlay, France: Éd. Fuzeau, 2003 (collection Méthodes et Traités 12, v.1). De la tenue. p. 12,
Tradução nossa.
86
ST LAMBERT. p. 13 e 14.
87
ST LAMBERT, Remarques, p. 61, 62.
45
ligaduras em grande parte das vezes não se enquadra às especificações propostas por
Saint Lambert na maior parte da literatura. Muitas ligaduras colocadas abaixo das notas
em graus disjuntos parecem indicar que as notas devam ser ligadas, e não desligadas
que a única fonte de que se tem conhecimento é uma carta do compositor dirigida a um
cravista inglês que parecia não compreender a notação mista dos prelúdios de Lebègue,
de seu livro impresso em 1677. O segundo e terceiro itens dessa carta, enumerados pelo
próprio compositor, são dedicados às ligaduras e suas diferentes funções nestas peças.
recomendando que as notas contidas ali fossem prolongadas para conservar a harmonia.
em que notas iguais, ligadas, não devem ser repetidas. Nos prelúdios non mesurés de
de mesma altura, são em geral repetidas 89 , mesmo que não encontremos na França
fontes de teclado da época que afirmem isto. Através do conteúdo musical fica evidente
Lebègue, no entanto, as ligaduras em notas iguais sugerem, na maior parte das vezes,
que elas devam ser ligadas e não repetidas. Sua notação parece se aproximar bastante da
88
PRÉVOST, 1987, p. 120.
89
FERGUSON, 2003, p. 38 e MORONEY, 1985, p. 29.
46
estudos mais representativos do assunto usam termos diferentes entre si. Davitt
Moroney sustenta que a tenue, no sentido hoje adotado, é uma linha curva que reúne
duas notas de mesma altura, e, como mencionado acima, a segunda nota não deve ser
tocada. O autor explica que a tenue com essa função “... não tem lugar em uma música
non mesurée (…)”. Assim, as ligaduras que aparecem nos prelúdios de Louis Couperin
Moroney parece ter optado pelo termo tenue porque as ligaduras na música de
Louis Couperin são geralmente individuais, ou seja, uma tenue para cada nota do
acorde. O autor justifica que tais curvas, por outro lado, não podem ser chamadas de
liaison, no caso de L. Couperin, porque em geral são relativas a uma só nota. No seu
quanto ao uso de ligaduras, às quais chama aqui simplesmente de slurs, considera que
são um importante elemento para a compreensão das peças non mesurées. Para ele, as
ligaduras na notação em semibreves são usadas para indicar as notas que devem ser
sustentadas. Em geral, as notas contidas nesta ligadura formam um acorde, e não uma
linha melódica. Qualquer nota que caia entre os acordes pode ser considerada como nota
melodia, ou até para “...isolar notas daquilo que as precede e daquilo que as segue” 91 .
Colin Tilney salienta que Moroney, em seu estudo sobre Louis Couperin, usou o
termo tenue para explicar o fenômeno das ligaduras, enquanto que Paul Prévost preferiu
empregar a palavra liaison, talvez porque Saint Lambert comente em seu tratado que a
liaison é especialmente utilizada nos prelúdios. Tilney optou pela palavra linha (line),
90
MORONEY, 1985, p. 29, tradução nossa.
91
MORONEY, 1976, p. 147, tradução nossa.
47
que pode servir para tenue assim como para liaison. Como esses termos têm
significados diferentes, Tilney determinou que quando uma "linha" tiver a função de
uma tenue será chamada de “simples” ou “de uma nota”, e quando tiver a função de
seria a ligadura individual e significa que a nota a ela ligada deve ser sustentada até o
final da ligadura. As ligaduras com função de liaison, segundo Tilney, ocorrem quando
a nota possui os dois lados ligados e "implicam em que todas as notas harmonicamente
relevantes sejam sustentadas até que a nota final seja tocada" 93 . Encontramos essas
32), mas são menos freqüentes do que as ligaduras individuais que aparecem com
possui tamanha clareza, que percebemos, pela posição das linhas, quando a primeira
nota deve ser sustentada e as outras desligadas. Reportando-nos ao que disse Saint
Lambert em seu tratado, em relação à posição das ligaduras, não se torna possível
aplicar suas regras ao prelúdio non mesuré de uma maneira geral. No prelúdio em sol
menor de D'Anglebert, por exemplo, (figura 33) percebemos seu cuidado ao colocar as
especifica as notas que devem ser sustentadas. Mesmo quando uma ligadura envolve
92
TILNEY, 1991, p. 4 e 5.
93
TILNEY, 1991. p. 5.
48
várias notas, sua notação é clara em relação a quais devem ser sustentadas (Figuras 34 e
35).
Nos prelúdios de Louis Couperin fica claro que somente as notas ligadas devem
ser sustentadas. Como já mencionado, Couperin usou linhas individuais para a maior
parte das notas que constituem os acordes. Algumas ligaduras mais curtas de duas notas
Couperin, ligaduras em alguns ornamentos, como o coulé de tierce (Figuras 36, 37, 38),
uma preocupação em demonstrar, tornar mais claras por meio da notação mista, as notas
que deveriam ser ligadas. Jacquet de la Guerre representa normalmente seus acordes em
semibreves com liaison, e para as notas de passagem coloca um valor menor (figura 39).
(anexo), com o nome de Cheute sur une note. Quase não se encontram ligaduras
um único acorde que se manterá e não deverá ser tocado novamente (Figura 40).
Também no mesmo exemplo encontramos ligaduras que se adaptam ao que foi dito pelo
50
com tenues ou cercles deveria ser sustentado durante a exposição da outra parte.
Figura 40 – Prelúdio 3
em Lá m, Lebègue,
id. ibid., p. 49
Howard Ferguson, em conformidade com o que já foi exposto antes, frisa que
uma ligadura que una duas notas idênticas num prelúdio non mesuré não deve ser
Esta afirmação é verdadeira para a grande maioria dos prelúdios escritos para
cravo no séc. XVII, mas, como antes mencionado, nem sempre para aqueles de
que notas de mesma altura ligadas não são tão freqüentes. Nos prelúdios de
D'Anglebert, embora tais ligaduras ocorram mais amiúde, parecem indicar que a nota
deva ser repetida. Nos prelúdios de Jacquet de la Guerre, somente aquele em Ré menor
deixa dúvidas em dois momentos, pois pelo contexto musical, as notas não aparentam
94
FERGUSON, 2003, p. 38.
51
principalmente na partitura impressa, é muito clara, e uma nota ligada à outra de mesma
altura acontece muito raramente, indicando-se, pela própria notação, que ela deve ser
repetida.
2.4)Linhas retas
Colin Tilney e Davitt Moroney classificam em três tipos as linhas retas nos
prelúdios de Louis Couperin. O primeiro tipo trata de uma linha reta que se assemelha a
uma barra de compasso e, ao que tudo indica, a nota que se segue a essa linha é
compasso, mas essas parecem sinalizar o final de uma seção, mesmo que incompleta.
52
é um tempo forte. Esse seria o segundo tipo de linhas verticais descrito por esses autores
(figura 44).
Observa-se ainda um terceiro tipo de linhas retas verticais que aparece na música
linha é colocada entre uma nota da mão direita e outra da mão esquerda e indica
certamente que as notas devem ser tocadas ao mesmo tempo. Na obra de François
Couperin, no entanto, ela indica um uníssono, o que não se aplicaria aos prelúdios de
D'Anglebert e Louis Couperin, em que tal linha une duas notas de alturas diferentes 95 .
Tal observação é verdadeira, mas encontramos alguns raros exemplos de linha reta
95
TILNEY, 1991, p. 5 e MORONEY, 1985, p. 28.
CAPÍTULO III
CAPÍTULO III
trabalho. A notação da toccata é totalmente métrica, embora sua interpretação seja livre
compasso e, portanto, nenhuma métrica, deve ser interpretado com liberdade do começo
“Quando um prelúdio ou uma toccata mostram indícios de sua origem improvisada, tal
Numa dada toccata podemos identificar suas seções livres observando, por
repetem, acordes e, por fim, cadências que freqüentemente conduzem a outra diferente
seção. Nesta nova seção um ou mais motivos são desenvolvidos muitas vezes num
estilo em fugato. Tal momento demanda do intérprete precisão, destreza e clareza nos
conteúdo musical fica diferente e mais regular. Muitas vezes esta nova seção com tema
96
FERGUSON, 2003, pp 33.
97
Tirade, “Quando duas notas são separadas por um intervalo disjunto e completamos este intervalo com
todas as notas diatônicas, isto se chama tirata.” ROUSSEAU, 1764, p. 515.
55
recitativo ou improvisado.
forma livre e era vista no princípio como uma demonstração de destreza. 98 Girolamo
Frescobaldi foi o compositor mais importante deste gênero. Escreveu, entre outras
alguns aspectos, sobre a real intenção do autor, o que será detalhado mais à frente.
Antigas tablaturas e partituras italianas eram escritas para todo tipo de teclado e
havia da parte dos compositores talvez uma preocupação em escrever peças possíveis de
98
CALDWELL, John. Toccata. Grove Music Online, Ed. L. Macy. Disponível em
o
<http://www.grovemusic.com>, acessado em 1. de julho de 2004.
99
SILBIGER, Alexander. Frescobaldi, Girolamo – 8.Works: characteristics and historical importance.
Grove Music Online, Ed. L. Macy. Disponível em <http://www.grovemusic.com>, acessado em 1.o de
julho de 2004.
56
principalmente nas figuras musicais de maior duração 100 . Girolamo Diruta, em seu
emplumados “... mais da metade da harmonia estará perdida (...)”, e o modo de remediar
A Itália foi o país, à exceção da Espanha, que menos se utilizou dos sinais de
para decorar linhas conjuntas e completar linhas disjuntas). O Tratado de Diruta explica,
por meio de exemplos, a maneira de realizar essa ornamentação 102 e inclui toccatas do
Paolo Quagliati, Vincenzo Bellavere, Gioseffo Guami e Luzzaschi, que foi professor de
Frescobaldi. 103 Pode-se presumir que esse Tratado teria sido utilizado por músicos da
conhecimento da obra de Frescobaldi, mas é sabido que admirava sua arte e com ele
entanto, o fato de ter sido publicado em 1977, por Henning Siedentopf, o inventário da
100
TAGLIAVINI, L.F. The Art of ‘Not Leaving the Instrument Empty’: Comments on Early Italian
Harpsichord Playing. Early Music, Vol. 11, p. 300, Julho, 1983, no 3.
101
‘Modo di sonar musicalmente nell’instrumento da penna’. Il Transilvano dialogo sopra il vero modo
di sonar organi et instromenti da penna, I (Venice, 1593), ff 5v-6r. In TAGLIAVINI, L.F. Julho, 1983. p.
300.
102
FERGUSON (2003), pp. 144 e 147.
103
CALDWELL, op. cit.
57
método para teclado le Transilvano, de Diruta. 104 Siegbert Rampe, em seu prefácio105 ,
considera de total relevância o fato de esse tratado pertencer a Basilius Froberger e, por
se tratar da única obra pedagógica da biblioteca, pode-se presumir com segurança que J.
J. Froberger tenha sido instruído por esse método. Embora não existam documentos que
possam comprová-lo, supõe-se que Froberger tenha estudado com os organistas Adam
com o organista alemão Samuel Scheidt (1587-1654), durante o período que passaram
havia 103 volumes de música impressa com obras de diversos compositores alemães, do
italianos 106 . Também se encontrava nessa biblioteca "La Censura" 107 , de Mutio Effrem
Froberger. 108
e Froberger foram divulgadas. Frescobaldi teve sua obra editada e difundida durante sua
104
SIEDENTOPF, H. Froberger et Frescobaldi. in J.J.Froberger Musicien Européen – Colloque
organisé par la ville et l'École Nationale de Musique de Montbéliard, 1990. Klincksieck, 1998. p. 89-98.
105
RAMPE, Siegbert. Prefácio à edição de Keyboard and Organ Works from Copied Sources. Kassel:
Barenreiter-Verlag, 2002. v. III, p. LVI.
106
RAMPE, 2002. v. III, p. LVI.
107
Uma crítica a Marco da Gagliano, Grove- Edmond Strainchamps, p. 61-62, 1980 - vol. VI.
108
SIEDENTOPF, 1998, p. 90.
109
SIEDENTOPF, 1998, p. 90.
58
figuras afetivas do recitativo seconda prattica, ritmos declamatórios, e ainda pelas obras
de texturas livres compostas para alaúde e teorba, assim como prelúdios e interlúdios
seu primeiro livro de toccatas, Frescobaldi utiliza pequenas células rítmicas de grande
intensidade expressiva com imitações constantes nas duas mãos. Os motivos acontecem
numa velocidade tão grande e de forma tão variada que as idéias musicais não
suas seções, tornando sua música menos fragmentada e mais bem construída. Neste
seguidos de uma seção que se desenvolve a partir de um motivo, tratado como imitação
normalmente com uma curta passagem improvisatória que leva à cadencia final. 111
Muitos estudos referentes à interpretação dos prelúdios non mesurés se reportam a essas
embora passe por longos momentos em que a interpretação deve ser livre como nos
prelúdios non mesurés. A maneira de tocar essas peças deve, em princípio, seguir os
avvertimenti de seu mestre, Frescobaldi, a mais preciosa fonte para a interpretação desse
confundir uma passagem com outra e comenta com detalhes a marcante flexibilidade de
110
SILBIGER, In Grove on line, 2004
59
tempo nesse gênero musical. Nas cadências deve-se tomar um tempo mais lento e os
começos das toccatas são adágio e arpeggiando. Étiènne Darbellay comenta que na
interpretação dessas peças livres, expressivas, não se deve conservar uma rigidez
rítmica, que não seria própria ao estilo, nem, por outro lado, acrescentar adornos
suas toccatas com os prelúdios non mesurés, sobretudo os de Louis Couperin. Embora
a notação seja mesurée, toda toccata de Froberger começa por uma parte livre,
livres das toccatas se entrelaçam com aquelas em andamento rápido e a volta à seção
livre é muito bem construída, pois o tema vai se alargando até ficar solto, livre em meio
geral duas seções em estilo imitativo em meio a seções livres, mas encontramos
algumas que possuem três seções em fugato. A imitação se faz presente algumas vezes
na seção livre, com pequenos motivos que se repetem como nos prelúdios non mesurés,
teve também outras influências. Talvez pelo fato de ter vivido em outros países além da
Alemanha, Froberger foi um músico que reuniu os diversos estilos em sua obra e soube
111
SCHOTT, In Grove on line, 2004
112
DARBELLAY, 1975, op. cit., p. 216.
113
Dissertações, teses de doutorado, artigos em periódicos e livros.
60
absorver a cultura de cada país em que viveu. Suas suítes se enquadram no estilo de
Froberger são peças de interpretação livre, e algumas portam no título 114 a indicação de
como devem ser tocadas: Lentement sans observer aucune mesure; à la discrétion.
sobre o assunto da interpretação non mesuré nas peças escritas metricamente, alguns
flexibilidade rítmica das toccatas, são esses Lamentos e Tombeaux de Froberger, com
indicações em francês de como devem ser tocados. O termo discrétion, tão utilizado por
Froberger nesse tipo de música, deixa ainda muitas perguntas no ar. Howard Schott, em
italiano, con discrezione. Segundo Matheson o termo indica que não se deve manter-se
estritamente no tempo, mas sim tocar ora devagar, ora rapidamente, de acordo com o
sentimento do intérprete. Matheson comenta que Froberger foi muito famoso em seu
admiração que guardava por seu mestre, Froberger, e explica que somente quem
114
Meditation, faite sur ma mort future la quelle se joue lentement avec discretion. - Tombeau fait à Paris
sur la mort de Monsieur Blancheroche; lequel se joue fort lentemeent à la discretion sans observer
aucune mesure.-Lamentation faîte sur la mort (...) et se joue lentement avec discretion. An 1657- Plainte
faite a Londres pour passer la Melancholie, laquelle se joue lentement avec discretion.
115
SCHOTT, H. Parameters of interpretation in the music of Froberger, in J.J.Froberger Musicien
Européen, 1998. p. 102
116
Trecho da carta da Princesa Sibylle de Wurtemberg à Monsieur Huygens, Chevalier (RUGGERI, Y.
Froberger à Montbéliard. in J.J.Froberger Musicien Européen, 1998 p. 28, 29).
61
dos prelúdios de Jacquet de la Guerre, mas nos prelúdios de D'Anglebert, por exemplo,
em uma comparação dos dois gêneros, podemos observar que os prelúdios são menos
ativos musicalmente do que as toccatas com suas inúmeras passagens e sua constante
mutação. O traço mais comum entre os dois são as cascades 117 (Figuras 46 e 47), por
Figura 46 - Prelúdio 8 em Lá M,
L. Couperin, in Tilney op. cit., p. 28
introspecção. Ambos os estilos criam atmosferas, climas próprios que nos fazem pensar
toccata V do livro de 1656, que, ao contrário das outras, não possuem mudança visível
117
Modelo que se abre em marchas melódicas descendentes, tipo de cascades( em série, seqüência) onde
as notas reais são precedidas por appoggiaturas.
62
de seção nem partes em fugato, apesar de se aproximarem mais dos prelúdios non
considera que se trata mais de um parentesco de estilos do que uma citação "rigorosa".
em que ele viveu na França pela primeira vez. Outro fato abordado também é a
italiano ou tripartite
semelhanças com as toccatas por causa de suas seções mesurées, as quais chamamos
podemos observar várias partes ou seções, no prelúdio non mesuré tripartite, como diz o
nome, só encontramos três partes, sendo, em alguns prelúdios, a última parte quase uma
imagem interessante de dois estilos que se contrapõem. Bukofzer observa com precisão
que “(...) a distinção entre escrita estrita ou métrica e escrita livre, corresponde, de uma
certa forma, a esta oposição do estilo antigo e estilo moderno. O conflito entre os dois
118
MASSIP, Catherine. Froberger et la France. in J.J.Froberger Musicien Européen, 1998, p. 73.
119
BUKOFZER, Manfred. La musique Baroque, 1600-1750: de Monteverdi à Bach. Tradução C.
Chauvel, D. Collins, F. Langlois, N. Wild. Paris: Ed. Jean-Claude Lattès, 1982. 491 p.
64
Louis Couperin compôs 4 prelúdios divididos em três partes cada um, todos com
partes distintas e de certa forma conclusivas, embora tenham sido compostas para se
tocarem sem interrupção. Ambos começam por uma seção non mesurée, um pouco
extensa, que se conclui com um acorde na tônica, normalmente em modo maior. Uma
nova seção, chamada Changement de mouvement, se segue, desta vez com notação
mesurée, em forma de fuga, com a imitação do tema nas diferentes vozes. Neste
última seção, com notação livre, se inicia também na tonalidade principal, em modo
menor, parecendo querer reafirmar a tonalidade e modo iniciais. As três partes são
prelúdio nº 6 em lá menor ter a primeira seção um pouco mais longa que a terceira.
Couperin, são escritas na ordem em que devem ser tocadas, formando assim, um arpejo
prelúdios, no prelúdio 1 Couperin escreveu o acorde inicial com notação vertical como
compositor, pois tanto pode sugerir um arpejo ao gosto do intérprete, como também um
esmera como nunca nas diferentes maneiras de se arpejar um acorde inicial, neste caso,
120
Plaqué é o acorde que não é arpejado.
65
em lá menor. Este prelúdio é sempre citado em estudos pois essa obra foi encontrada
Froberger (Figura 51). Talvez, ao escrever esses arpejos, Louis Couperin tivesse
que tanto o influenciou. O que é curioso é que no Ms de Bauyn, o qual acredita-se ter
66
sido escrito por alguém da família de Louis Couperin, não encontramos nenhuma
Froberger em prelúdios de Louis Couperin, como este descrito acima, não significa que
vivamente impactado pelo stylus fantasticus dos organistas, encontrado nas toccatas de
Froberger com enfoque em sua habilidade na inclusão de trechos em fugato. Este stylus
fantasticus com "detalhes escritos" para o teclado foi uma novidade em Paris e a
o músico, pois sua notação, já inovadora, pôde ser aprimorada ainda mais 121 .
não possui a mesma simetria das duas obras discutidas acima. Este prelúdio parece se
aproximar um pouco mais da forma das toccatas de Froberger, justamente pelo fato de
as duas últimas seções serem interligadas. A primeira seção se encerra com um acorde
no tom principal e dá-se então, início à segunda seção, uma fuga, que porta o mesmo
título das seções centrais dos outros prelúdios, ou seja, Changement de mouvement. No
final desta segunda seção, mais especificamente nos compassos 28/29, embora ainda em
notação métrica, Couperin, diferentemente dos prelúdios já descritos, procede como nas
atmosfera característica destes prelúdios ( Figura 52). Numa toccata tal mudança ocorre
mas a notação se mantém métrica, como vimos (Figura 53). Nesse prelúdio, Couperin
121
RAMPE, 2002, Vol. III, p. XXXI.
67
nos dá um belíssimo exemplo desse fenômeno, tão próprio das toccatas e, aqui,
Figura 52 - Prelúdio 3,
em Sol m, compasso
29, trecho 19, L.
Couperin, in Tilney,
op. cit., p. 15
Figura 53 - Toccata
III, compasso 29,
mudança de seção,
Froberger, Livro de
1649, in Schott, op.
cit., p. 11
é o fato de Couperin também começar o trecho em fugato no tom original da peça, com
essas seções são um pouco diferentes pois Froberger passa normalmente por uma seção
mais livre, como uma transição, que termina muitas vezes em um acorde na dominante,
para começar o fugato na tônica. Louis Couperin, como já foi explicado, conclui a seção
68
com um acorde na tônica e sua fuga, embora seja escrita na mesma tonalidade, é
passagem (...) deve-se parar, mesmo que esta nota seja uma colcheia, ou fusa, ou ainda
um valor diferente das seguintes. Esta parada evitará a confusão de uma passagem com
outra" 122 . Darbellay comenta que a parada no final de trinados e passagens pode ser
vista como um elemento imitativo da arte vocal, entre tantos que já existem. 123
parecem necessitar de uma parada na última nota ao serem executadas, como em muitos
sempre um cuidado, através da notação, em não confundir uma passagem com o trecho
reta na notação de Couperin que indica normalmente que a nota seguinte deverá ser
valorizada, acentuada (Figura 54). Neste mesmo trecho, a passagem que se move e para
momentos nas toccatas de Froberger ( Figura 55). São passagens de grande agilidade
122
Frescobaldi, avvertimenti 4, in DARBELLAY, 1975.
123
DARBELLAY, 1975, p. 224.
69
comentados anteriormente, o que faz com que alguns autores não o considerem uma
obra tripartite.
Prévost em seu trabalho explica que, pelo fato da primeira seção ser completa,
com uma cadencia final no tom principal, a última seção non mesurée, a qual trata como
uma coda, seria a conclusão da segunda seção, pois “… sua brevidade não permite
contabilizá-la” 124 . David Fuller também concorda com Prévost nesse aspecto e
acrescenta, em conformidade ao que foi descrito acima em nosso trabalho, que a fuga
manterem mais ou menos o mesmo formato, divergem bastante entre si. Em geral as
terminações das toccatas são breves seções livres como esta do prelúdio em sol menor.
Outras toccatas terminam com passagens virtuosísticas, às vezes com escalas nas duas
Couperin em sol menor, o que reforça a idéia de ser este, dentre os quatro prelúdios
mouvement com notação mesurée, mas seu formato é um pouco diferente das obras
124
PRÉVOST, 1997, p. 252.
125
FULLER, Grove, 2004.
70
descritas acima. A parte non mesurée inicial tem menor duração neste prelúdio e a
mudança para a seção com notação métrica, não é preparada com uma cadencia no tom
se trata de uma fuga embora tenha um motivo que se imite. Esta seção, Changement de
maior, tom original da peça, dando prosseguimento à terceira seção, muito breve, com
breve, tem um razoável número de acordes e modulações, sendo então, uma exceção na
análise paradigmática que realizou em sua pesquisa onde são demonstrados, dentre
acordes. Em geral observa-se que o prelúdio mais curto modula menos. No prelúdio em
tonalidades 126 .
Jacquet de la Guerre escreveu quatro prelúdios non mesurés 127 , sendo três com
assemelham em termos de proporção, formato, mas são diferentes, tanto na seção non
imponente que sugere, de certa forma, um ritmo em sua interpretação. Cessac chama a
126
PRÉVOST, 1987, p. 253.
127
Prelúdio em ré m, Sol m, lá m e uma tocade em fá maior
71
atenção para a dramaticidade deste começo de prelúdio 128 , e poderíamos até imaginar
que o motivo inicial desta peça guarda em sua essência um pouco do caráter da
ouverture à la française, mesmo que o ritmo não seja escrito e, dependendo, é claro, da
mesmo os que deixam mais visível a intenção do compositor, podem ser interpretados
menor, não tem um motivo definido e se baseia principalmente nas harmonias. No final
da seção non mesurée encontramos uma célula motívica que começa a se apresentar
128
CESSAC, 1995, p. 49.
72
seção com notação livre, mas ainda conservando o motivo anterior nas sete primeiras
espécie de transição para a seção livre, utilizando valores diferentes com a intenção de
sugerir uma desaceleração da peça durante quatro compassos (Figura 58). Nesse
A tocade em fá maior que, parece ser a única peça escrita no gênero em toda
literatura francesa para cravo 129 , possui as seções livres, no começo e no final,
129
BATES, 1982; CESSAC, 1995.
73
verdade, a peça pode ser dividida em cinco seções. A primeira, totalmente livre, é uma
onde o começo das toccatas é adágio e arpejando. Logo em seguida começa uma seção
este último trabalhasse com mais profundidade o contraponto. A quarta seção retorna às
obra o estilo das toccatas italianas e a linguagem dos prelúdios franceses. Prévost
acredita que a tradução do título mostra a vontade da compositora de criar uma música
francesa fazendo, porém, alusão ao modelo italiano. A fusão dos dois estilos, italiano e
francês, poderia ter sido uma renovação na arte dos prelúdios non mesurés ao invés do
Embora Jacquet tenha inovado tanto, manteve o padrão francês próprio destes
prelúdios com mouvement, ou seja, duas seções livres que cercam uma seção com
74
notação mesurée. A diferença é que nesta tocade, a seção mesurée, como descrito
italianas, mas o que falta são as seções livres que conduzem aos fugatos, característica
Concordamos com Prévost quando diz que o prelúdio não evoluiu, pois ao
Prelúdio-toccata, era de se esperar, mas isso só ocorreu isoladamente. O que faltou para
seções livres e seções em fugato, mas sua notação, porém, permanece sempre a mesma.
mudanças de seção, non mesurée/ mouvement/ non mesurées, mas não se conhece
nenhum prelúdio neste formato que contenha mais de duas seções livres como nas
toccatas.
notação similar à utilizada por Louis Couperin em seus prelúdios tripartite, podendo-se
assim, através desta notação, sinalizar as seções livres de uma toccata. Para fins de
partitura integral desta toccata VI do livro de 1656 com a notação proposta, e com
Froberger e Couperin terem vivido na mesma época, deste último ter sido muito
influenciado por Froberger, e, além disso, era a notação usual deste gênero de prelúdios
130
PRÉVOST, 1987, p. 270.
75
iguais ligadas, nesse tipo de peça, principalmente no baixo, deixam dúvidas quanto à
sua repetição, devendo ser observado o conteúdo musical, enquanto que no prelúdio de
Louis Couperin, onde as ligaduras são cuidadosamente colocadas, notas iguais ligadas,
(compasso 27), sendo seguido da parte livre que leva à última seção, um novo fugato.
com certeza resultaria em uma interpretação mais livre da parte do executante que
muitas vezes, ao tocar uma seção deste tipo, encontrada nestas toccatas, nem sempre
LOUIS COUPERIN
79
CAPÍTULO IV
harmonias estão contidas nas ligaduras e Louis Couperin expressou um imenso cuidado
parte das vezes. Os compositores escreveram seus prelúdios, mas não fizeram uso de
cifragens, com exceção de Léroux (?-1707) 131 , que colocou cifras no baixo
do baixo cifrado para uma compreensão mais rápida do acorde. Outro recurso escolhido
desde que observadas as regras para uma boa realização; mas aqui neste estudo,
optamos por seguir a altura das notas tal qual na partitura, sem a preocupação com a
seqüências de arpejos possam também constituir uma melodia em si. O ato de separar
todos estes aspectos visa a uma maior organização, mas, como já mencionado no capítulo
131
Gaspard Le Roux ( ...1707) editou seu livro em 1705, contendo quatro prelúdios: Prelúdio 1 em ré m,
prelúdio 2 em lá m, prelúdio 3 em fá M, e prelúdio 4 em sol m, todos precedendo uma suíte.
80
II, harmonia e melodia caminham juntas e o ornamento é o elemento comum aos dois
aspectos.
característicos que se apresentam em grande parte das vezes com cascades 132 , longos
trinados e passagens. Estes modelos podem também por vezes se copiar, como
capítulo III, e alguns trechos semelhantes em seus próprios prelúdios, ou seja, sua
Apesar de não possuírem ritmo definido, para estes desenhos melódicos utilizaremos o
termo “motivo”. A demonstração desses elementos será feita por meio do exemplo em
diferentes que são interligados, mas podem também, como será explicado mais à frente,
ser divididos em sous sections. Para essas sous sections utilizaremos, na partitura
suas três seções. As duas seções com notação non mesurée, ou seja, a primeira e a
terceira, se iniciam por um acorde notado verticalmente, prática não muito habitual em
132
cascades, ver Capítulo III pág 61
81
mesma forma que os acordes iniciais, conforme comentado no capítulo III 133 . A seção
central, que possui notação mesurée, é uma fuga. Nessa fuga Louis Couperin demonstra
pois, o dó# e o si b não aparecem, aqui, com as alterações que caracterizam a tonalidade
duas seções non mesurées. Logo no início da peça, Couperin já apresenta estes
intervalos, como se quisesse mostrar o afeto desta primeira seção em meio a ligaduras
múltiplas e ligaduras de duas em duas notas, trazendo dúvidas de execução que serão
parte do prelúdio, embora tal fato não seja percebido à primeira vista. Em uma análise
mais voltada para as mudanças de clima na peça, torna-se possível fragmentar essas
seções em várias outras, menores, de acordo com o conteúdo musical. Nem sempre fica
clara tal divisão, pois muitas dessas seções se interligam de tal forma, que qualquer
conduzem a um fragmento de seção (linha 5), com um acorde em sol menor, um dos
133
Capítulo III pág 64
82
neste trecho é que a nota do soprano, um si bemol, é a nota mais aguda do prelúdio,
levando-nos a crer, principalmente pelo contexto musical, ser este o clímax da seção.
vertical, neste acorde, tenha desejado tornar claro que a música passaria para um outro
para cima e não se prolongam para outra nota, provavelmente para enfatizar este novo
momento. Estas ligaduras são colocadas após cada nota do baixo e do soprano, e no fac-
símile são notadas como linhas retas em diagonal, certamente para ordenar a melodia,
pouco nas edições de Tilney (1991, Figura 62) e Moroney (1985, Figura 63),
veremos que as ligaduras colocadas pelo copista da obra de Couperin nem sempre estão
discutido acima, por exemplo, a versão de Tilney é a mais fiel às ligaduras do original.
Figura 62 – Tilney,
op. cit., p. 2
Figura 64 – fac-símile,
in Tilney, op. cit. vol 1,
p. 1
de voix repetidas vezes. Este breve momento de apenas quinze notas se apresenta, e
inicia-se então uma seqüência de acordes, às vezes interligados por ornamentos, com
uma conseqüente mudança no caráter da seção. Percebemos então que o trecho torna-se
mais harmônico e enérgico, com uma direção mais acentuada, conduzida pela voz do
observarmos como a peça passa a ser mais dinâmica, com pouca incidência de cascades
mencionado acima, que seriam o “discurso inicial” desta terceira seção, seguido da
seqüência de acordes também já descrita acima. Mas, como as mudanças nos prelúdios
diminuindo a tensão criada pelos sucessivos acordes até atingir o último, na linha 26,
que é um acorde com grande intervalo entre as vozes (figura 65). Tal acorde é colocado
saltos que sugerem, em geral, uma parada na última nota antes do intervalo, deixando a
Figura 65 – Tilney,
op. cit., vol. 2, p. 6
Após esse acorde temos uma passagem no final da linha 26, que conduz a um
novo momento, o trecho 4, na linha 27(ver figura 70). Neste trecho 4, o caráter da peça
encontra na linha 30 (Figura 66) e o outro na linha 33 (Figura 67), mas ambos de forma
muito breve.
formam uma transição para o trecho 5. Este novo trecho 5, na linha 32, se apresenta
Transição
Trecho 5
A primeira parte parece ter maior variedade de motivos que se imitam do que a
terceira, mas esta última possui mais fragmentos de seções, menor ocorrência de
presença de três ou mais trechos com transições. Em ambas as partes non mesurées do
prelúdio, as mudanças mais significativas para um novo trecho ocorrem junto com uma
passagem, uma escala com quase duas oitavas de extensão. No trecho 1 da primeira
parte do prelúdio, uma passagem conduz ao acorde com notação vertical, que é o início
Passagem
Trecho 4
em torno de I-IV-V-I, mas tal fato não é percebido em um primeiro contato com a peça,
pois o tom principal tanto pode vir rapidamente como pode passar por muitas
tonalidades diferentes até retornar. Na análise paradigmática dos prelúdios non mesurés
feita por Prévost, foram encontrados nesse prelúdio 112 acordes, 48 tonalidades e 46
modulações. 134
Trecho 1: I Æ IV
Trecho 4: I Æ V/Vm
Trecho 5: Vm Æ I
lideram cada uma um grupo de quatro notas, deixam claro que tanto o si bemol quanto o
fá deverão ser sustentados até o final da ligadura de quatro notas. As outras pequenas
134
PRÉVOST, 1987, p. 253 e 254.
87
o fá, dó#, ré e si, são mais difíceis de explicar, e tudo indica, pela maneira como estão
colocadas no Ms de Bauyn, que devem ser articuladas de duas em duas. 135 Na primeira
grande ligadura o fá# é uma appoggiatura para o sol e, na ligadura seguinte, também de
neste estudo, tais notas não foram incluídas, pois são estranhas à harmonia.
tipo não são tão freqüentes. Em seus prelúdios, ligaduras de três ou quatro notas são
ligadura de muitas notas, encontrarmos notas tanto em graus conjuntos como também
disjuntos, teremos com freqüência ligaduras menores, em geral de duas notas, contidas
peça. É importante lembrar que seus acordes são, em grande parte, notados com
Figura 71 – Tilney,
op. cit., p. 1
Figura 72 – Fac-
símile in Tilney, op.
cit. vol 1, p. 1
135
MORONEY, 1985, p. 30.
88
um ornamento, como, por exemplo, o coulé sur une tierce 136 ou o coulé sur deux notes
de suite 137 . No caso de a ligadura envolver quatro notas em graus conjuntos, podemos
(Figura 73).
Figura 73 – Tilney,
op. cit. vol 2, p. 7
percebemos que suas ligaduras na maior parte das vezes não deixam dúvidas em relação
à harmonia, como vimos anteriormente. A cifragem proposta nesse capítulo diz respeito
somente às notas ligadas de um acorde, mesmo que na partitura tais notas por vezes
pareçam distantes umas das outras. Alguns trechos deixam dúvidas, como, por exemplo,
o último acorde da linha 29, onde ligaduras individuais são colocadas em três notas
dispostas em graus conjuntos (Figura 74). Neste caso, a cifra não incluirá o mi, que é
bequadro no final da linha 3 (Figura 75), que estão sem ligaduras no fac-símile apesar
de terem sido acrescentadas por Tilney e por Moroney em suas respectivas edições. É
importante lembrar que tanto as ligaduras quanto algumas notas encontradas no fac-
136
Ver capítulo II pág. 33.
137
Ver capítulo II pág. 34.
89
assemelham mais ao texto original (Ms de Bauyn), mas, por outro lado, o autor
modificou algumas notas que, na edição de Moroney, parecem permanecer mais fiéis ao
texto, o Ms de Bauyn.
Figura 77 - Motivo b
Figura 78 - Motivo c
Figura 79 – Motivo d
este motivo somente com quatro notas, ou complementado por outras e, às vezes,
separado do momento seguinte por uma linha diagonal reta, típica na notação de
Couperin, que, ao que tudo indica, serve para separar os eventos. Neste motivo, a última
nota, o sol, porta um ornamento que reforça a nota (Figura 62, 3ª nota da mão direita).
91
Após a linha reta, o sol se repete duas vezes, à maneira dos recitativos vocais, como que
para representar uma expressão, um afeto (Figura 62, 4ª e 5ª notas da mão direita). Após
linhas retas diagonais que separam o tenor, o motivo retorna com o mesmo trinado
sobre a nota sol. Uma hipótese plausível é a de que o tema comece no lá, última nota da
passagem, pois o motivo reaparece junto com esta nota; mas, por outro lado, ao
observarmos a passagem que conduz a esse momento, veremos que o lá é a última nota
da passagem (Figura 63) e, pela maneira como foi notada no fac-símile (Anexo IV), não
parece fazer parte do motivo, mas sim da passagem. Nesse tipo de música, muitas
conclusões podem deixar dúvidas, como, por exemplo, o motivo inicial com as quartas
diminutas, que possui ligaduras não condizentes com o papel de motivo, levando-nos a
crer, mais uma vez, que as ligaduras talvez sejam, de fato, harmônicas.
nas duas peças. No prelúdio 1 em ré menor, a partir do trinado da mão esquerda, linha 6
trecho igual em ambas as mãos, na linha 9 do prelúdio 3 em sol menor (Figura 81), a
partir do trinado da mão esquerda até a nota ré no baixo, que inicia a linha 10 na edição
de Tilney.
92
menor é sustenido, com certeza para conduzir o retorno a sol menor, tonalidade da peça.
Outra diferença que pode ser considerada de pouca importância, pois não muda a
harmonia, é que encontramos no acorde da mão direita (trecho entre colchetes) um sol a
descendente e ascendente (Figura 82) que é muito semelhante a um trecho de uma peça
anteriormente, semelhantes aos da primeira parte. Sabemos que esta terceira seção é
mais voltada para a harmonia, dando vez, em alguns momentos, a trechos em estilo
4.4 Interpretação
quanto à execução, talvez pela sua complexidade melódica e pelo modo como as
diminutas.
nos estudos sobre o gênero, assim como interpretações bem opostas podem ser
presente, embora a fluência das notas talvez ficasse menor. Também uma interpretação
maneira, o deslizar das oito notas. Sabemos que o si bemol, que lidera a primeira
ligadura, e o fá, que lidera a segunda, devem manter-se ligados durante a execução das
quatro notas. Os graus conjuntos não devem ser ligados neste caso.
Nenhum outro trecho neste prelúdio parece apontar tantos caminhos diferentes
como este enigmático início. É importante explicar que, ao executarmos os dois grupos
de quatro notas com maior rapidez e leveza, imaginando os acordes que formam sem
outra maneira diferente no trecho mais próximo. O afeto que se coloca num
determinado motivo é que criará uma atmosfera única que só poderá ser mudada no
principalmente nos de Couperin, são freqüentes, e que todas essas situações descritas
ligaduras de duas em duas notas. A opção por um ritmo lombárdico, neste momento,
trará à peça um caráter mais marcante, mais enérgico, que irá se dissipando aos poucos
95
até chegar à passagem que virá a seguir. Já a opção por uma interpretação mais
melódica e natural sem um ritmo tão forte, irá se integrar imediatamente ao arpejo
Figura 84 – Tilney,
op. cit., p. 2
esses eventos, devendo o intérprete cuidar para que o discurso musical não fique
excessivamente fragmentado.
interpretação. Tal fato faz com que as idéias musicais sejam mais direcionadas e com
atmosfera, pois a maneira como Couperin concebeu este momento, até culminar no
26 ocorre a mudança (ver Figura 65). Uma intervenção no agudo com as notas ré, mi, fá
e, ainda mais uma vez, o fá, interrompem repentinamente a seqüência da seção, dando
lugar a este clima, como o silêncio expressivo entre o fá e o dó#, que finaliza o trecho.
96
momentos para que as idéias sejam ordenadas, e não colocadas como uma avalanche de
Interpretar um prelúdio non mesuré não significa apenas tocar, ligar as notas indicadas e
mudanças de expressão, e entender que o prelúdio non mesuré não é simplesmente uma
peça aleatória.
tronco ou estrutura já são dados pelo compositor. Talvez a tarefa mais importante seja a
CONCLUSÃO
Os prelúdios non mesurés são, em sua maior parte, desprovidos de uma linha
Poderíamos concluir que esta complexidade harmônica e melódica buscou uma notação
aparentemente tão complexa quanto ela. Tanto o prelúdio quanto a sua notação fogem
aos padrões tradicionais da música européia dos sécs. XVII e XVIII, ou seja, com o
Alguns raros prelúdios não se enquadram tão bem neste grupo, pois possuem
uma definição rítmico-melódica tão evidente que nos induz a imaginar barras de
compasso, mas podemos observar que esse não é o padrão do prelúdio non mesuré,
maior definição da linha melódica, como, por exemplo, o prelúdio em sol menor de
D’Anglebert, onde a harmonia se funde a essa linha, ou, por exemplo também, o
prelúdio em ré menor de Jacquet de la Guerre, que possui uma linha melódica desde o
alguns outros prelúdios que se enquadram nesse formato, como, por exemplo, o
melódico. Trata-se, porém, de uma peça isolada, e é importante lembrar que sua outra
séc. XVIII, conservando mais ou menos as mesmas características. No que diz respeito
transformação ocorreu logo no início, com a criação da notação mista em torno de 1677,
portanto posterior a Louis Couperin, mas a maneira como ela foi desenvolvida,
podemos concluir que a notação em semibreves é muito eficaz e não apresenta dúvidas
fizeram uso desta notação no século XVIII, destacando-se, dentre eles, Léroux, que
escreveu quatro prelúdios non mesurés em semibreves. Seus prelúdios são de fácil
notação mista ao invés de semibreves. Podemos concluir que de nada vale ter uma
numa mesma peça, as imitações de motivos e a perfeita notação das ligaduras são
alguns dos aspectos que demonstram a profundidade e riqueza de sua música e fazem
dele um “mestre” na arte dos prelúdios. É importante levar em conta que o número de
prelúdios que deixou é muito superior ao dos outros compositores e provavelmente por
deixou poucos prelúdios, e todos são verdadeiras obras primas. Notados com riqueza de
110
que expressa suas idéias musicais, aliada a uma grande inspiração nos motivos, na
harmonia e na expressividade, aspectos que tornam sua obra de mais fácil compreensão
exageradamente explicada, não tendo sido copiada de maneira tão detalhada por
nenhum outro compositor do gênero; mas julgamos importante considerar que foi o
precursor desse tipo de notação e, talvez por isso, tenha sido excessivamente didático,
julgando ajudar o intérprete. Em seus prelúdios os acordes são mais simples, com
pouca troca harmônica. Há menos interação entre as vozes e observamos que, enquanto
observar uma maior fusão entre as vozes, assim como ornamentação e harmonia mais
seus prelúdios em notação non mesurée sempre iniciando uma suíte. Chamamos a
mais melódico, fato não muito comum neste gênero, e o prelúdio em lá menor se baseia
Froberger, embora seja o único a não possuir a seção mensurada. Este tipo de seção
111
parece ser parte integrante de sua obra, pois, das quatro peças non mesurées que
compôs, três possuem a parte mensurada, chamada de mouvement pela própria autora,
Muito embora o prelúdio non mesuré seja um gênero voltado para o teclado,
encontramos estudos que o comparam ao recitativo vocal. É fato que estes prelúdios
forma de prosa 138 , mas observamos diferenças importantes, pois o recitativo vocal terá
sempre o texto como parte fundamental e toda interpretação será em função dele. Os
non mesuré apresenta a melodia em sua harmonia, pois muitas vezes a forma de arpejar
já é, por si só, a própria melodia, como pudemos observar na figura 21, no capítulo II
desta dissertação. No recitativo a melodia não parece ser harmônica e existem menos
voz superior acompanhada pelos acordes, no prelúdio non mesuré percebemos uma
maior fusão entre as vozes e os acordes, que se misturam nas duas mãos, e podem se
Um outro aspecto importante a ser abordado nesta conclusão é que o estudo dos
III, o prelúdio non mesuré tripartite possui a mudança para a parte mensurada, que é
138
Ver cap. I e II
112
uma ária transmite muitas vezes uma mudança de afeto, o que é também devido ao
igualmente nos prelúdios non mesurés tripartites em boa parte das passagens para o
ária e os prelúdios da época, veremos que é possível estabelecer uma analogia com a
pela “prosa” através de sua irregularidade; enquanto que a ária, devido a sua métrica e
A obra de Jacquet de la Guerre nos induz a esse estudo, pois sua produção é
significativa tanto nos prelúdios quanto nas cantatas. Mesmo assim, após observarmos
sua obra vocal, não encontramos pontos de semelhança importantes para um estudo
prelúdio para o mouvement provoca um contraste que deixa a marca dessa dualidade:
prosa e poesia.
essas comparações são verdadeiras, mas trata-se de gêneros diferentes e tanto a toccata
perceberemos que existe uma seqüência de eventos com forte expressividade que se
tornar dramática. Seu início é normalmente discreto, com poucas notas, mas que aos
devemos saber de antemão que a abordagem será diferente da música tradicional, pois
iremos trabalhar muitas vezes com a ausência de uma melodia definida. É fato que o
dos compositores em questão nesta pesquisa, concluiremos que somente algumas raras
toccatas se confundiriam com um prelúdio non mesuré. Nas toccatas Da sonarsi alla
encontramos uma linguagem bem mais próxima do prelúdio non mesuré e poderíamos
até concluir que, se fossem concebidas com a notação non mesurée, talvez pudessem ser
Uma outra diferença importante entre os dois gêneros é a duração da parte livre,
pois nos prelúdios non mesurés, com exceção dos tripartite, a parte livre só acabará no
acorde final, enquanto que na toccata passamos por alguns breves momentos livres que,
fusão de ambos não aconteceu. A Tocade de Jacquet de la Guerre é citada por alguns
musicólogos como sendo a obra mais próxima das toccatas de Froberger 139 .
139
Capítulo III, p. 72
114
Concordamos, mas o que falta realmente na tocade são as breves seções livres que
do intérprete está na criação rítmica, pois, se as notas estão escritas e não devem ser
mudadas nem acrescidas de outras, mesmo que para ornamentar, e as harmonias estão
ao gênero, que foram abordados ao longo dessa dissertação, tais como ornamentos,
passagens, desenhos melódicos, formas de arpejar e harmonia, bem como saber que
esses aspectos se fundem de tal maneira que se torna difícil detalhá-los e categorizá-los.
podemos perceber, através da posição das ligaduras, quais notas devem ser ligadas (Cap
II pág. 47 e 48). Quanto às notas iguais ligadas, demonstramos que, quando ocorrem,
115
devem ser repetidas, com exceção daquelas encontradas muitas vezes nos prelúdios de
musical, pois, em um tipo de música como este, nada é convencional; portanto, perceber
Europa, pois tanto pode estar nos ornamentos quanto nos arpejos ou nos momentos
acordo com o caráter do momento na música. Há muitas ocasiões em que devem ser
tocadas mais lentamente, mais expressivamente (cap. II pág. 41). É preciso reconhecer
embora em um prelúdio non mesuré a flexibilidade de tempo para realizá-lo seja muito
maior do que em uma peça mesurée, que possui barras de compasso e exige, na maior
parte das vezes, que o ornamento seja realizado dentro de uma pulsação. É importante
mais doce, meditativo, devem contrastar com os mais enérgicos, como as passagens e
alguns acordes, muito embora nada seja determinado neste tipo de música.
prelúdio muitas vezes vai além disso, e podemos também concluir que foram compostos
para permitir uma maior criatividade, fantasia e liberdade das composições. O fato de
terem sido compostos para o cravo, com múltiplas explorações de seus recursos
sonoros, tímbricos, expressivos, torna esses prelúdios uma importante parte atual para o
resgate de uma prática musical cuja sonoridade se perdeu ao longo dos séculos.
BIBLIOGRAFIA
118
BIBLIOGRAFIA
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Italian Harpsichord Playing. Early Music, Vol. 11, p. 209-308, Julho, 1983, no 3.
TILNEY, Colin. The art of unmeasured preludes for harpsichord: France 1660-1720.
London, England: Schott, 1991. 24 p.
a) Tabela 1
127
b) Tabela 2
ANEXO III
TOCCATA VI DE FROBERGER, LIVRO DE 1656: PARTITURAS
COM NOTAÇÃO PROPOSTA E COM NOTAÇÃO ORIGINAL EM
EDIÇÃO MODERNA
129