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γγ) "Hypothesis".
ζ) O absoluto.
— O pensamento da hipótese não se limita à relação dos planos do ser entre si, mas se
refere à relação das Idéias umas para com as outras (Rep. 509 ss.). Há Idéias
subordinadas, que são pendentes das sobreordenadas, que lhes servem de fundamento e
de suporte. Mas sempre várias Idéias subordinadas têm, nas suas superiores, a sua
pressuposição e o seu fundamento; e dessas Idéias sobreordenadas, por sua vez, várias
se fundem em Idéias ainda mais amplas e altas. Donde, como numa árvore genealógica,
as Idéias que servem de suporte às outras tornam-se cada vez menos numerosas, mas
por isso mesmo de maior virtude, pela sua mais vasta extensão e compreensão. E,
assim, chegamos finalmente ao vértice da pirâmide, á Idéia das Idéias, donde todas as
outras dependem, pois ela, abrangendo-as a todas, também as funde todas em si.
— Como o Sol, no reino das coisas visíveis, empresta a todas elas o ser, a vida e a
cognocibilidade, assim, no reino do invisível, a Idéia das Idéias também empresta a
todos os seres a sua essência e a sua cognoscibilidade. Mas, ela mesma de nada
depende. É o absoluto (ανυποθετον: Rep. 510 b; 511b), auto-suficiente (ιχανον: Fédon,
101 e). Por isso, já não é ser no sentido usual da palavra. Pois todo ser necessita de um
fundamento; mas, o Absoluto é de outra espécie, existe por si mesmo, está além de todo
ser (επεκεινα τηζ ονσιαζ), sobrepujando tudo em poder e dignidade. Assim chegamos,
de novo. à Idéia do Bem em si, a que já tínhamos subido, na busca da problemática do
valor ético.
— Se na metafísica platônica todo ser tem vida e recebe compreensão da sua Idéia
superior, então, a primeira do todas as tarefas é a de extrair as Idéias ocultas em cada
ente e prosseguir na busca da sua influência e ramificações. Donde a dialética platônica.
Ela é uma explicação do ser pelo logos, como fundamento do mesmo.
— Mas Platão se interessa menos pelo conteúdo lógico e pelas relações de extensão dos
conceitos, de que pilo Logos como hipótese, como fundamento que sustenta, o ser. Sua
dialética está ao serviço da sua metafísica. O fato de Platão nos diálogos da velhice
voltar–se para os problemas lógicos não significa nenhum hiato na sua Filosofia, mas
somente a realização do que já antes havia intencionado. Como o estabelecem os
diálogos da velhice — Fédon, o Simposion e a República, existem as Idéias que são os
fundamentos ontológicos de todos os seres; e no decurso dessa conexão entre Idéia e
Idéia emergem sempre novos fundamentos-do-ser mais extensos, quanto mais alto
subimos na hierarquia gradual ontológica. Isso, finalmente, nos leva a uma Idéia das
Idéias, como o fundamento derradeiro do ser. Ora, sendo assim, Platão era naturalmente
levado a ocupar-se da estrutura desse Logos que tudo suporta. E isto não é um jogo de
conceito por amor dos conceitos em si, como se dá com um jogo de números, mas, o de
que se trata aqui é da explicação do ser total, em dependência da idéia estrutural do
mundo. A dialética é, aqui, "pura" física, "pura" biologia, "pura" antropologia, por
descobrir ela as verdades a priori de todos os campos da ciência e, por aí, a
concatenação última e fundamental do ser. E, finalmente, na medida em que considera
em conjunto a totalidade do ser, e descobre nele, universalmente, a primazia da Idéia do
bem, nessa mesma medida lhe interessa a descoberta dos indícios de Deus no todo. A
dialética platônica é, também, como se pode claramente ver na Rep. 511, um
itinerarium mentis in Deum, embora Platão não pronuncie a palavra Deus, mas, Idéia do
Bem. Subimos, diz êle aí, de eidos a eidos, como por degraus, até o anhypótheton,
porque todos esses degraus, suportados por êle, para éle conduzem; e podemos, de
novo, descendo dele, encontrá-lo em toda parte, porque a totalidade do ser dimana da
sua riqueza e, por isso, é nele ”suposta" (υποτεσιζ). Daí, já na República; o exigir dos
reis filósofos que fossem capazes de considerável compenetração na mais profunda
concatenação do ser, e de distinguir em toda parte, no mundo e na vida, as irradiações
da Idéia do Bem em si, e mostrá-las aos outros, para que, ao contacto dessas eternas e
primárias imagens, cada qual possa difundir o seu próprio ser na verdade e na justiça.
Assim, para Platão, a dialética, no sentido próprio, muito mais que uma pura lógica, é
sempre uma metafísica e, como tal, serve de fundamento, por igual, á ética, à pedagogia
e á política.
θ) O um e o múltiplo.
ι) Dignificação da Idéia.
— Pelo que acaba de ser dito, podemos facilmente estabelecer as várias significações
atribuídas por Platão às Idéias. Já tratamos da significação lógica.
αα) Conceito. — A Idéia é um conceito universal (λογοζ). Isto é herança de Sócrates.
Mas o "conceito" não deve entender-se no sentido nominalista de uma soma de
conotações, mas no de uma forma unificante, espiritual, visual, dotada de
universalidade, objetivamente tomada.
ββ) Essência.
— Por onde é a Idéia, em terceiro lugar, tanto ideal como um paradigma. Por ele erguia-
se tanto o nosso pensamento como o ser existente. Na sua discussão da idéia
platônica (Kr. VB 368 ss), Kant quis equiparar Idéia com ideal, no domínio da prática;
mas que no domínio teórico, i. é, das essências, possa ela ter valor de paradigma, isto
o homem não pode saber. O que Platão considera como paradigmas e essências,
são apenas conceitos "hypostasiados", e aqui Kant se deixa orientar pela sua concepção
metafísica de uma total separação entre transcendência e sensível.
δδ) Causa.
— Em quarto lugar, a Idéia é causa ( αιτια). Isto ela o é como pressuposto, como
hipótese; e então ela é o fundamento do ser. Causa aqui vale tanto como ratio. O
fundamentado participa (μετεξιζ) do ser do que o fundamenta; se aquele existe, é por ter
o fundamento presente em si (παρουσια). Platão faz o seu Sócrates declarar (Fédon, 100
a ss.) que não podia prometer-se nenhuma explicação satisfatória do mundo, recorrendo
às cansas materiais dos pré-socráticos, e, por isso, teve de lançar-se, nessa "segunda
navegação (δευτερον πλουν), em busca das Idéias. As Idéias formam uma nova espécie
de causa, a causa eidética ou ideal. Isto compreenderemos melhor se pensarmos na
relação entre uma imagem e o seu objeto. O objeto copiado é, pela sua forma (ειδοζ),
causa do eidos da imagem. Esta participa daquele; e aquele está presente nesta. O Timeu
afirma, expressamente, que todo o mundo é uma imagem. O Demiurgo criou tudo,
fitando as Idéias eternas.
εε) O fim.
— Donde resulta uma quinta significação da Idéia, o seu caráter de alvo e fim (τελοζ).
Por causa dele é que qualquer coisa existe. Êle é um ον ενεχα. Ou, dito de. modo geral,
todo ser tem um sentido e, por este sentido, êle se refere sempre a algo que lhe é
superior. É uma tendência. e apetência ( δρεγεσται, προθυμεσισθαι) para o que há de
mais elevado no mundo: "todo sensível quer ser como a Idéia" (Fé don, 75 ab). Na
medida em que a Idéia é buscada como fim, .manifesta-se ela como valor (αγατον).
Com este modo de pensar, introduz-se uma perspectiva teleológica na metafísica
platônica. Platão explica o inferior pelo superior, e não vice–versa. As espécies
superiores não nascem, para êle, pela evolução das inferiores. Uma origem das espécies,
fundada em causas mecânicas, como o admite Darwin, não seria para êle uma evolução,
mas um caos inextricável. "Onde dominam forças brutas, e sem sentido, não pode
nascer nenhuma estrutura formal". Por isso, toda evolução, para êle, depende de um
superior, por antecipação do sentido e do fim. Platão érepresentante de uma morfologia
idealista. Também aqui vale para êle o princípio: "No princípio era o Logos". O quo
ANAXÁGORAS não realizou, erigir a causa final em causa dominante de tudo, como
Platão o diz, censurando-o, isso ele próprio o conseguiu: todo ser subordinado existe em
vista de um superior; este, por sua vez, por causa ainda de outro superior, e assim por
diante, até o supremo e absoluto. Por causa deste existe, final e "ultimamente, tudo. E
assim é o grande Todo um cosmos, uma pirâmide de ser, na qual todo o existente, em
geral, se subordina ao que está no ápice de toda realidade. Tudo, na pirâmide, tende para
o ápice e o uma. Deste amor vive o ser do mundo. O ser mesmo nâo é outra coisa senão
um tender para a Idéia e nela deseançar, Isto é, na Idéia das Idéias. "E todo afã e todo
tender é um etérno descanso em Deus. o Senhor".
— Aristóteles, várias vezes o expressamente, adverte que, para Platão, as Idéias são
números. Platão ocupou-se, de fato, e intensivamente, nos últimos diálogos,
particularmente na lição da velhice, "Sobre o bem", com a relação’ entre a Idéia e o
número.
αα) Números ideais. — Para se conseguir alguma clareza nesta matéria fortemente
controvertida, devemos ter adiante dos olhos um esquema dierético, como antes o
notamos, e assim pôr em concordância, duas importantes observações de Platão no
Político (2S7 c; 285 a ss.) e no Filebo (16 de). Segundo esses lugares, nunca podemos
desmembrar um conceito Arbitrariamente, mas devemos dividi-lo de acordo com sua
estrutura natural, como um anatomista disseca um corpo, conforme às regras da sua
arte. Isto é, não podemos extrair de uma Idéia nem mais nem menos Idéias do que as
nela contidas. Além disso, descendo, nesse processo dialético, de espéciepara
espécie, até a última, não mais susceptível de divisão em espécies subordinadas
(ατομον ειδοζ), por abranger em si somente indivíduos, não devemos nunca
omitir nem acrescentar nenhuma espécie, deixando, talvez, de levar em conta que
numa ou noutra coisa se inclui ou não uma nova espécie. Assim, pois, as novas
espécies ou Idéias emergentes se regulam exatamente por números e podem ser
enumeradas. Por outras palavras: a cada Idéia corresponde um determinado valor
numérico, se, acertadamente, descermos, pelo método dialético da Idéia do Bem em si,
ou da Unidade, como Platão dirá mais tarde, sem omitirmos nem acrescentarmos
nenhuma Idéia. Falando em termos modernos, poderíamos inscrevê-la num
sistema de coordenadas, onde conservassem uma posição conforme ao seu valor.
Este valor numérico lhe determina o que tem de próprio e o que a distingue de qualquer
outra Idéia; limita-a relativamente ao que é logicamente outro, mesmo no concernente
ao espaço vazio, matemático ou físico, como poderíamos hoje dizer em relação ao mais,
ao menos, ao maior ou ao menor, como Platão costuma dizer. Esse o valor numérico. É
o irreproduzível em face da dualidade indeterminada. E temos assim o número ideal,
com um caráter qualitativo, como facilmente se compreende; é portanto incomensurável
e, assim, diferente dos números matemáticos, diversos uns dos outros, não qualitativa,
mas quantitativamente, e, logo, não suscetíveis de adição.
— Donde vem o admitir. Platão dois novos princípios: a mônada (εναζ μοναζ) e a díada
indeterminada (αοριστοζ δυαζ). Estes não influem somente dentro de cada Idéia, mas
valem também para o ser em geral. E, como constitutivos da essência do ser, por
conseqüência, determinam também o processo sucessivo da Idéia, a partir da mônada; e
são, pois, dois princípios geradores das Idéias e do ser.
— Mas, nota Aristóteles, a Idéia está separada das coisas sensíveis por um abismo
(chorismós). As coisas sensíveis estão ao lado e fora das Idéias (τα δε αισθετα παρα
ταντα); e isso acarretaria uma cisão no mundo. As Idéias pairariam, por assim dizer,
acima do mundo. Por isso, os pensadores medievais sempre lhes chamam formae
separatae. E Rafael, correlatamente, na sua Escola de Atenas, representou Platão com o.
rosto levantado para o céu, na con-. templação da ”celestial região", i. é, do mundo
ideal, enquanto Aristóteles dirige os seus olhares para o mundo sensível, vendo aí a
verdadeira realidade. Com essa separação entre o universal e a sua substancialização,
diz Aristóteles, Platão se separa de Sócrates. Este também admite os universais, mas os
teria incluído no mundo real espácio-temporal; ao passo que Platão, separando-os,
duplicou o mundo. É verdade que o mundo sensível espácio-temporal participa,
realmente, segundo Platão, do mundo das Idéias (methexis), pois é sempre uma copia
das imagens ideais, e o Demiurgo criou o universo fitando as Idéias eternas. Demais
disso, o realismo das coisas do mundo visível é, de fato, participação das Idéias. O
mundo das Idéias porém é sempre algo de próprio, embora, na verdade, o ser, ao lado
do qual o mundo sensível é apenas aparência, seja um meio-termo entre o ser e o não-
ser. Este hiato entre o mundo das Idéias e o dos sentidos Aristóteles particularmente o
frisa e o considera uma réplica do mundo. É muito controvertido se Aristóteles, assim
pensando, reproduziu ou não com exatidão o sentido do mundo das Idéias. Em todo
caso, Platão poderia ter respondido: eu não redupliquei o mundo, pois o mundo sensível
não é, para mim, nenhum verdadeiro ser, como Aristóteles o pensa. E assim é do seu
ponto de vista, e só dele Aristóteles, que há a reduplícação. Contudo, para Platão, o
inundo sensível 8e reduz a uma manifestação da Idéia. A idéia não está, pois, totalmente
separada, como o expõe Aristóteles. O "chorismós" tinha um outro sentido: êle pretende
fixar, dentro da I existência anterior ou posterior de um ser, a diferença de modalidade
existente na força do mesmo ser. O outro ser significa, apenas, a diferença- do
fundamentado com referência ao fundamento. Neste sentido, na "Idéia" já está contido
tudo que existe.
Mas, poderá Platão manter esta explicação? Não é o mundo sensível realmente nada
mais que manifestação da . Idéia? Se, sem êle, não há nenhum despertar de Idéias; e se,
sem uma determinada percepção sensível, também, não pode haver nenhum despertar
de nenhuma Idéia determinada, seria então o seu significado tão insignificante? Que eu
chame a esse significado ocasião ou causa, isso é indiferente; em todo caso, não há,
para Platão, nenhum conhecimento das Idéias sem sensibilidade’. E se, além disso, a
sensibilidade devesse ser apenas aparência, porque deveria então a Idéia manifestar-se
sensivelmente? Porque não haveríamos de ter apenas Idéias puras, dado que o inundo
propriamente dito é o das idéias. A sensibilidade constitui, para Platão, uma aporia
semelhante à do mal.
d) Bibliografia.