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HUMANO E A ESCOLA
“We had the best of educations - in fact, we went to school every day. ”
“I’ve been to a day-school, too,” said Alice. “You needn’t be so proud as all that.”
“With extras?” asked the Mock Turtle, a little anxiously.
“Yes”, said Alice: “we learned French and music.”
“And washing?” said the Mock Turtle.
“Certainly not!” said Alice indignantly.
“Ah! Then yours wasn’t a really good school,” said the Mock Turtle, in a tone of great
relief. “Now, at ours, they had, at the end of the bill, ‘French, music, and washing - extra.”
Sobre que assunto há unanimidade em todos os países entre políticos, responsáveis por
políticas públicas, técnicos, burocratas e cidadãos comuns? Raramente podemos
encontrar entre os homens uma unanimidade tão clara quanto a que existe sobre a
importância da educação, entendida em seu conceito mais amplo. Mesmo considerando
apenas a educação formal, não temos dúvida em manter nossa afirmação sobre essa
unanimidade. Entretanto, a educação tem recebido uma quantidade
desproporcionalmente menor de recursos, em face dessa importância revelada e
cantada em prosa e versos, em todo o mundo! Esse tratamento desproporcional da
educação varia de comunidade para comunidade. Em algumas, a desproporção é geral,
isto é, atinge todos os níveis de educação formal, enquanto em outras ela é localizada.
Mas o que queremos dizer com educação? O que é educação? Dentre os vários
significados registrados no Dicionário do Aurélio, o que nos parece mais adequado é o
seguinte: Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da
criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.
Parece-nos, entretanto, que o objetivo da educação não emerge claro do significado citado.
Educação é um processo que permite ao homem habilitar-se melhor para buscar sua própria
felicidade, condicionado à escassez de recursos e à organização da sociedade em que vive.
Nesse sentido, Mock Turtle tem toda razão. A educação promove o maior bem-estar das
pessoas porque as torna mais hábeis para competir pelos recursos necessários a tal fim. A
educação enriquece as pessoas e as torna mais sociáveis, a educação reduz o custo de
comunicação não só na comunidade local como no mundo globalizado. Schultz (1975)
reflete sobre a importância do processo educacional na habilitação do homem para
enfrentar os constantes ajustamentos a que é submetido, em decorrência dos desequilíbrios
econômicos e sociais tão freqüentes na sociedade moderna.
Emerge claro das evidências apresentadas por Schultz que a educação tem favorecido a
convivência do homem em meio a tanto desequilíbrio, mas que há muito a aprender sobre o
processo educacional. O que parece não estar claro para muitos é se o que atribuímos ao
processo educacional é de fato fruto da educação. Por exemplo, há na literatura uma tese
que sustenta que a educação formal serve apenas como sinalizador. A escola é usada pela
sociedade apenas para identificar as pessoas de maior potencial e mais aptas ao sucesso. O
processo de ensino e de aprendizagem é apenas um jogo no qual aqueles que nele têm
sucesso muito provavelmente terão sucesso nas demais atividades humanas e, por isso,
devem ser os escolhidos, quando de um processo de seleção para um emprego. Embora
pareça absurda a hipótese de que a educação formal seja uma peneira, muitos
departamentos de recursos humanos de empresas, para evitarem custos, usam essa teoria
em seu processo de seleção de novos empregados. Essa é uma forma de discriminação
contra o processo educacional tão perversa quanto negar-lhe acesso a recursos.
Há muitos outros preconceitos contra a educação. Neste trabalho abordaremos três que
reputamos os mais importantes por afetarem, determinantemente, a relação entre o governo
e o cidadão. A ação conjunta desses três preconceitos tem reduzido, e em muito, o papel da
educação na sociedade em que vivemos. O primeiro preconceito refere-se à aplicação do
conceito de capital ao ser humano, isto é, capital humano. Desconsiderar o capital humano
no processo educacional retira-lhe grande parte de sua eficácia. Por outro lado, seu
desprezo no processo de desenvolvimento econômico-social criou, por muitos anos, a
crença de que é possível a um país promover seu desenvolvimento econômico direcionando
recursos, primordialmente, a investimentos em capital físico.
O segundo preconceito é o de que a educação é uma missão, e aqueles que a ela se
dedicam são uns abnegados idealistas que, por isso mesmo, são mal remunerados. A visão
do sacerdócio docente é um dos piores preconceitos, pois retira do professor qualquer
responsabilidade profissional, reduz-lhe a auto-estima e justifica sua baixa qualificação e
sua dedicação.
Educação para formar o cidadão é o terceiro preconceito. Insistentemente usado como
argumento para justificar uma formação comum na escola formal, produz um grau de
intervenção governamental incompatível com o ambiente de liberdade próprio do processo
ensino-aprendizagem.
A ação conjunta desses três preconceitos é responsável por transformar a educação
formal - um problema econômico - em um problema político. O resultado é uma educação
de baixo nível, pois falta-lhe liberdade para a necessária criatividade; um excesso de
controle sobre a escola, com a possibilidade do desenvolvimento de uma exploração
mercantilista, que apenas cumpre as normas, e uma escola pública que não tem meios de
cumprir a lei que universaliza o ensino formal em todos os níveis.
A análise desses preconceitos foi o caminho que escolhemos para nossas considerações
sobre a educação. Poderíamos entediar o leitor com estatísticas que desenhem um quadro
otimista ou pessimista sobre a educação brasileira. Temos certeza de não chocar o leitor ao
registrarmos o fato que os gastos públicos em educação superior, no Brasil, são de cerca de
1,2% do PIB, superior ao percentual aplicado pelo setor público dos EUA (1,1%), da
Alemanha e da França (1,0%), da Itália (0,8%) e de outros países desenvolvidos. Que cerca
de 75% dos recursos vinculados à educação no governo federal são destinados ao ensino
superior. Que existem 16 milhões de analfabetos adultos e que cerca de 17% dos
trabalhadores brasileiros não sabem ler e escrever. Seria fácil e confortável esse tipo de
trabalho.
Assim, apresentaremos, inicialmente, a importância do conceito de capital humano para o
desenvolvimento de uma escola que, se pretende, tenha um papel determinante para o
progresso do homem. Explicaremos como o preconceito contra o capital humano
direcionou recursos para investimentos em capital físico, relevando a um plano inferior o
homem, objeto de todo esforço de desenvolvimento econômico. Tamanho contra-senso não
poderia perdurar impunemente. Os custos foram altos, mas o alerta de Denison deu novo
rumo às prioridades de investimento para o desenvolvimento. A seguir, sugerimos como é
possível estabelecer uma política de combate à pobreza pela abordagem do capital humano.
Terminamos o trabalho com observações específicas sobre o estado da educação no Brasil.
CAPITAL HUMANO
Embora não tenhamos uma resposta que justifique a forma madrasta com que tratamos tão
importante aspecto da formação do homem, parece-nos que muito desse viés tem a ver com
um preconceito associado ao termo capital humano. Adam Smith, embora sem utilizar a
expressão de forma literal, não demonstrava qualquer preconceito contra a análise
econômica do investimento feito no homem. Essa não era a postura de J.S. Mill , que se
recusava a considerar o homem passível de considerações econômicas. Em 1875, com um
exemplo sobre a guerra, no qual a decisão era evitar perdas de canhões ou de soldados, von
Thunen não só aplica o conceito de capital humano como justifica seu uso frente ao
preconceito reinante, esclarecendo que tal conceito não denigre nem reduz a liberdade do
homem. Alfred Marshall, em seu Principles, reluta em utilizar a expressão capital humano
por razões éticas, embora reconheça seu significado. Essa relutância de Marshall seria
determinante para evitar a propagação do conceito de capital humano, a despeito de sua
elaboração plena por Irving Fisher, em 1906. Muito popular como livro-texto, a relutância
de Marshall expressa no Principles foi suficiente para bloquear, entre os estudiosos de
economia, a popularização do conceito.
Se entre os economistas era difícil a aceitação do conceito de capital humano, não
poderíamos esperar outra coisa que não uma reação violenta contra tal expressão por parte
dos pedagogos. À idéia de que não é ético considerar-se o capital humano agregou-se, com
excessiva ênfase, a crença de que os profissionais do ensino, principalmente os professores,
se dedicam a tal tarefa não pelo pagamento que recebem, mas pela importância da missão e
pelo idealismo que os deve mover! A educação não é mercadoria e, portanto, o ensino
formal não pode ser objeto de comércio, devendo o Estado provê-lo gratuitamente. O
ensino pago resulta da impossibilidade de o Estado atender a todos. Essa visão romântico-
pedagógica em muito contribuiu para se descartar a concepção de educação como
investimento e a atividade docente como uma escolha racional do professor. O velho ditado
quem sabe faz, quem não sabe ensina traduz de maneira clara o preconceito contra a
atividade docente, indicando que só é professor quem não sabe fazer algo que lhe permita
garantir seu sustento.
Os fatos, quando não analisados com o devido cuidado, podem ser interpretados de
maneira desastrosa. Professores são relativamente mal remunerados em todos os países do
mundo. Entretanto, em muitos lugares a profissão é respeitada e valorizada pelas
comunidades. A pouca valorização do professor decorre da visão romântica da atividade
docente, visão essa que leva as pessoas, e em particular os pais, a uma desvalorização da
educação formal. Contrariamente ao discurso, que enfatiza a importância da educação, na
sua ação as pessoas deixam claro o pouco valor que dão à mesma. A deterioração da
educação pública, em todo o mundo, é a evidência mais contundente que podemos registrar.
A educação pública é pobre não por falta de recursos financeiros, mas porque é do interesse
de muitos políticos, professores e administradores públicos que assim seja. A educação, de
um modo geral, é pobre porque é tratada como problema, e não como um investimento que
virá a resolver muitos problemas. A educação é pobre porque dela se ocupam apenas os
abnegados, que ganhando pouco já fazem muito por ela.
Enquanto nutrirmos o preconceito contra o capital humano e uma visão romântico-
pedagógica da educação não será possível dar o devido valor à educação formal. O
professor é mal remunerado pelo simples fato de que grande parte de sua remuneração não
é computada em unidades monetárias: a liberdade com que conduz seu trabalho é, sem
dúvida, para os que a valorizam, a maior parcela da remuneração do professor. Não há
dúvidas de que muitos professores exercem essa função sem com ela se identificarem -
estes são os que outra coisa não podem fazer, não são professores por opção, mas por
exclusão. É triste que isso aconteça em qualquer função, e com muito mais gravidade na
função pedagógica. Nosso descaso para com a educação é que permite, não que pessoas
façam o que não gostam no setor de educação formal, mas que pessoas despreparadas e
incompetentes permaneçam por longos anos em funções que deveriam ser ocupadas por
educadores. É comum registrarem-se clamores públicos contra pessoas que, sem habilitação
profissional, fazem bem a seus semelhantes; entretanto, são mais esporádicas as
manifestações conseqüentes contra o ensino público de má qualidade.
Entre 1956 e 1960, T.W. Schultz, com uma série de trabalhos sobre a transformação da
agricultura, reavivava a importância da educação como investimento. Num artigo de grande
repercussão acadêmica, Schultz (1961) elaborou o conceito de capital humano, conforme
estabelecido por Fisher: “ Se capital é uma fonte de um fluxo de renda ou de serviços, por
que não se admitir que, ao produzir um fluxo de renda ou de serviços, o homem é também
um capital, mas um capital muito especial, pois carrega sua natureza humana consigo?”
Essa não é apenas uma questão semântica, é muito mais uma questão filosófica, com
profundas implicações para a compreensão do processo de transformação econômica
decorrente do desenvolvimento econômico. Isso emerge claro dos trabalhos de Schultz:
modernizar a agricultura nada mais é que modernizar o agricultor; modernizar a agricultura
é investir no homem do campo, promovendo sua capacidade de aprender para, ao aumentar
seu conhecimento, permitir-lhe um melhor uso dos recursos que estão à sua disposição.
Não há progresso econômico sem o progresso da pessoa humana; há que se investir no
homem. É esta a mensagem clara dos que entendem e exploram o conceito de capital
humano.
Finalmente, com a publicação, em 1964, do livro de Gary Becker sobre capital humano, a
partir do início dos anos 70 o conceito passa a ser incorporado às considerações
econômicas. Com o conceito de capital humano Becker desenvolve toda uma teoria de
comportamento, não mais para um indivíduo isolado, mas para um indivíduo pertencente a
uma família: dentro da família, as decisões sobre consumo, investimento, especialização em
tarefas domésticas ou do mercado, número de filhos e espaçamento entre os filhos
constituem as principais preocupações dos estudiosos. As sementes da nova teoria do
consumidor, plantadas por Margareth Reid (1934), germinam de forma esplendorosa com
Becker e seus seguidores (Grossman, Gez, Pollac, De Tray e tantos outros).
O mal decorrente do viés contrário ao conceito de capital humano aparece claramente nos
modelos pós-keynesianos de desenvolvimento econômico que se espalharam como erva
daninha em todos os países, então chamados de subdesenvolvidos, logo após a segunda
guerra mundial. Identificando terra, trabalho e capital como fatores de produção,
apregoavam a relativa escassez de capital físico em tais países. Assim, para saírem do
subdesenvolvimento em que se encontravam era necessário que aqueles países
concentrassem esforços na construção de um estoque produtivo de capital físico. Terra não
se constituía em problema, e o exemplo mais citado era o do Japão. Trabalho havia em
abundância e, por incrível que possa parecer, T.W. Schultz, o promotor do capital humano
como limitador de desenvolvimento agrícola, dividiu o Prêmio Nobel de Economia com Sir
Arthur Lewis. O modelo Lewis de desenvolvimento baseava-se na necessidade de investir
em capital físico, inclusive em infra-estrutura urbana, para a promoção do desenvolvimento
econômico. Isso porque sendo a mão-de-obra abundante no campo, ela seria transferida ao
setor industrial pela migração rural-urbana a custo econômico zero, uma vez que o
trabalhador rural tinha produtividade próxima a esse valor. Como foi possível aceitar-se,
por tanto tempo, tamanho desrespeito à realidade dos fatos?
Dentre os modelos de desenvolvimento econômico, o modelo de Harrod-Domar não só é
o mais popular como também foi o que maior impacto teve sobre os responsáveis pelas
políticas econômicas dos países subdesenvolvidos ou, como se quer hoje, países em vias de
desenvolvimento! Há duas razões para isso: a primeira é que no pós-guerra uma onda de
planejamento econômico assolou todos os países da Europa, em parte pela necessidade de
sua reconstrução num curto período de tempo, em parte devido ao Plano Marshall, que era
um plano de investimentos para a reconstrução européia. A segunda razão decorre, em
parte, do desenvolvimento de metodologias de intervenção da autoridade pública nas
atividades econômicas para direcionar recursos ou estimular, artificialmente, certas
atividades de seu interesse. Aliado a essa demanda por instrumentos de planejamento e
controle surge um modelo simples, mecânico, fácil de ser aplicado, exigindo pouca
informação para seu uso e, o mais importante, muito pouco conhecimento de teoria
econômica e de organização social pelos seus usuários.
Usando o conceito de que mais produto pode ser obtido com mais capital físico, uma vez
que os outros fatores produtivos não limitam a produção, o modelo Harrod-Domar
concentra sua operacionalidade sobre um único conceito: a relação capital/produto.
Conhecida a relação capital/produto da economia, estabelecido o nível de investimentos em
capital físico, determina-se com facilidade a taxa de crescimento do país. Só o capital físico
limitava o crescimento e, portanto, o esforço desenvolvimentista deve concentrar-se na
formação de capital físico. Desenvolvimento econômico passou a ser sinônimo de
investimento em capital físico. O homem, mão-de-obra abundante, pouco importava,
embora a retórica insistisse em investimentos em saúde, educação e saneamento básico. Em
toda a América Latina e em parte da Ásia, pelo menos, era assim que os responsáveis pelas
políticas públicas entendiam o processo de desenvolvimento econômico.
A ação política decorria de tal concepção. A formação acelerada de um estoque de capital
físico exigia subsídios aos investimentos em máquinas e equipamentos, a concentração dos
investimentos públicos na produção da infra-estrutura urbana, de energia e de transporte.
Enquanto o capital físico era importado ou produzido localmente com subsídios, o trabalho,
o capital abundante, era irresponsavelmente taxado.
Embora essa euforia de planejamento chegue até meados dos anos 70, a reação a tamanha
miopia emerge quase que imediatamente de forma fragmentada e considerando aspectos do
processo de desenvolvimento econômico e social. A falácia do desenvolvimento fácil
através de investimentos em capital físico é denunciada de forma categórica por um
trabalho de Denison, em meados dos anos 50 e início dos anos 60.
O ALERTA DE DENISON E O RECONHECIMENTO ACADÊMICO DO CAPITAL HUMANO
A ciência econômica trata do problema vital do ser humano, qual seja, a escassez dos
recursos produtivos existentes vis-à-vis o desejo ilimitado das pessoas de satisfazer suas
necessidades. De modo a considerar o problema da alocação dos recursos na produção de
bens e serviços para satisfazer tais necessidades humanas, os economistas definiram como
unidade decisória o indivíduo; entretanto, o ser humano vive em pequenos aglomerados
dentro das sociedades, aos quais se convencionou chamar família. Embora extremamente
útil e com boa capacidade de previsão, a teoria econômica baseada no indivíduo como
unidade decisória não permitia analisar uma série de problemas que surgem dentro da
família, tais como quantos filhos ter, como educar os filhos, etc. Por isso mesmo, por muito
tempo tais problemas eram apenas considerados por outros cientistas sociais. Então, com o
desenvolvimento do que se convencionou chamar de nova teoria do consumidor, a
unidade decisória passou a ser a família e não mais o indivíduo isolado.
Na nova teoria do consumidor a unidade decisória é a família, cujos membros são vistos
como produtores de bens e serviços vendidos no mercado e consumidos internamente pelos
seus próprios membros. Dessa forma, as atividades dos membros da família incluem não só
o trabalho remunerado fora do domicílio, como tradicionalmente se faz, mas também o
trabalho não-remunerado explicitamente executado por membros da família, dentro do
domicílio. Assim, as chamadas atividades domésticas, como tomar conta das crianças, lavar
roupa, cozinhar etc., passaram a ser incorporadas na análise econômica do comportamento
humano.
Essa reformulação permitiu que se incorporassem nas análises econômicas aspectos do
comportamento humano até então tratados por sociólogos, demógrafos, psicólogos etc. Não
nos cabe aqui apresentar formalmente a nova teoria do consumidor, e sim chamar a atenção
para o fato de que essa teoria se constitui num excelente instrumental analítico do
comportamento humano, com suas limitações, é claro, mas que pode e deve ser usado pelos
demais cientistas sociais.
Como vimos, desde os primórdios do desenvolvimento da ciência econômica os
economistas têm considerado a importância do homem e a importância de sua qualificação
no processo produtivo. Entretanto, como já destacamos, somente a partir dos trabalhos de
Schultz é que a teoria do capital humano passou a ser explicitamente considerada pelos
economistas (capital é um bem durável capaz de gerar renda; assim, o automóvel pode ser
um bem de capital, porquanto pode ser usado para gerar um fluxo de renda - ou mesmo de
serviços).
Capital humano nada mais é que a capacidade que tem o ser humano de produzir renda
(monetária ou não) ao longo de sua vida. Por certo, o valor do capital humano, isto é, o
fluxo de renda por ele gerado, deve depender da qualidade do ser humano ao qual se
associa esse capital. Um trabalhador braçal tem que possuir uma dose razoável de
capacidade física para executar seu trabalho, enquanto um trabalhador intelectual necessita
possuir uma dose menor de capacidade física para executar o seu. Assim, define-se capital
humano como a capacidade física, psíquica e intelectual do indivíduo.
O valor do capital humano associado a cada indivíduo dependerá, conseqüentemente, do
fluxo de renda que cada indivíduo, com seu respectivo capital humano, poderá gerar ao
longo de sua vida produtiva. Podemos dizer que o capital humano de cada indivíduo
corresponde aos atributos natos e aos atributos adquiridos através de um processo de
aprendizagem, ao qual os economistas chamam de investimento. Dessa forma, se quisermos
analisar como o capital humano é acumulado a partir dos atributos natos teremos que
considerar o que limita a capacidade de aprender das pessoas na acumulação de atributos
adquiridos.
Os atributos natos são aqueles que o indivíduo traz ao nascer, isto é, suas características
hereditárias, sua capacidade de aprender, sua habilidade pessoal, etc. Esses atributos podem
ser ampliados, retardados, incentivados ou desincentivados durante o processo de vida do
indivíduo. Os atributos adquiridos são aqueles produzidos no seio da família ou mesmo na
coletividade, e estão condicionados aos atributos pessoais originais. Os indivíduos têm
capacidade consciente de promover apenas os atributos a serem adquiridos, porque os
atributos natos, por definição, são as características individuais ao nascer. Dessa forma,
condições de saúde e educação inibem ou incentivam, através dos atributos adquiridos, os
atributos natos, formando, conseqüentemente, o capital humano do indivíduo, o que quer
dizer que é possível acumular capital humano através de investimentos em saúde e
educação.
Para efeito de análise, o que nos interessa são os atributos adquiridos, porque os atributos
natos dependem, fundamentalmente, de questões étnicas (exceto em casos especiais), uma
vez que esses atributos são determinados, até certo ponto, involuntariamente, pelos pais do
indivíduo. O que determina, então, os atributos adquiridos pelo indivíduo? Evidentemente,
as condições socioeconômicas nas quais o indivíduo se desenvolve são fundamentais.
Cremos que a inter-relação entre renda familiar, saúde e educação deve explicar grande
parte da possibilidade de os indivíduos adquirirem capital humano.
Por certo, a renda familiar é extremamente importante na determinação das possibilidades
de os indivíduos adquirirem capital humano. Ela se constitui na grande restrição
quantitativa imposta às famílias na aquisição de bens e serviços, inclusive aqueles
necessários à formação do capital humano de seus membros. A renda familiar depende do
capital humano das pessoas economicamente ativas na família, isto é, da escolaridade, das
condições de saúde e, conseqüentemente, da produtividade das pessoas que trabalham. Os
membros economicamente ativos em uma família têm um nível de saúde e educação no
momento atual que resulta de gastos anteriores, realizados por eles mesmos ou por seus
familiares. Como, de um modo geral, alta renda está associada a alto conteúdo de capital
humano, a inter-relação entre saúde, educação e renda determina, para as famílias mais
pobres, o que se convencionou chamar de círculo vicioso da pobreza e da miséria.
Indivíduos com baixo conteúdo de capital humano possuem baixa produtividade, tudo o
mais constante, comparativamente a indivíduos com alto conteúdo de capital humano.
Baixa produtividade implica baixa remuneração que, por sua vez, limita a capacidade de os
indivíduos terem acesso a bens e serviços que aumentem seu capital humano,
principalmente educação e saúde. A grande dificuldade em se quebrar esse círculo vicioso
reside principalmente na impossibilidade de os indivíduos se endividarem com base em
suas rendas futuras provenientes de seu trabalho. Pela impossibilidade de investirem em si
próprios, devido às restrições da baixa renda e às distorções no mercado de capitais, esses
indivíduos não podem aumentar sua produtividade e, conseqüentemente, seus rendimentos
provenientes do trabalho. Esse círculo vicioso estende-se aos membros da família, isto é, os
filhos dos trabalhadores pobres tendem a continuar pobres, já que suas famílias não têm
capacidade de lhes propiciar os meios materiais, psicológicos e ambientais necessários ao
desenvolvimento de seus atributos natos (que por questões de saúde já são bastante
limitados, nos casos de maior pobreza), de modo a aumentar-lhes seus conteúdos de capital
humano.
Os economistas têm dedicado muito de seu tempo ao estudo da importância do processo
educacional na determinação da renda dos indivíduos. As indicações são de que a sociedade
como um todo se beneficia mais de investimentos nos homens do que nas máquinas. Senna
(1976) verificou que grande parte das diferenças salariais observadas no setor industrial
brasileiro resulta da diferença no conteúdo do capital humano dos trabalhadores - nesse
caso, o capital humano foi medido apenas em termos de escolaridade formal (anos na
escola) e experiência no trabalho. A experiência no trabalho pode compensar, em parte, a
baixa escolaridade, mas as atividades nas quais a experiência no trabalho é mais importante
requerem geralmente alto conteúdo de capital humano.
Infelizmente, poucos são os estudos na área da saúde. Ainda assim, as indicações
existentes são de que as condições de saúde de nosso povo são precárias. Em estudo
realizado na Cidade de São Paulo em 1973, o DIEESE constatou fortes deficiências
nutricionais no trabalhador paulista para calorias, vitamina A, tiamina, riboflavina e
vitamina C. Resultados semelhantes foram encontrados pelo grupo interdisciplinar da USP
(Escola Paulista de Medicina e Instituto de Pesquisas Econômicas), sendo que, nesse caso,
o estudo foi feito no âmbito familiar visando, primordialmente, uma análise do estado
nutricional das crianças entre 6 e 60 meses de idade no Município de São Paulo. Essa
pesquisa constatou problemas graves de insuficiência calórica, de ferro e de vitamina A.
Em pesquisa feita com famílias de conjuntos habitacionais da cidade do Rio de Janeiro o
Instituto Brasileiro de Economia – IBRE, da Fundação Getúlio Vargas, constatou, em 1973,
deficiências nutricionais importantes, semelhantes àquelas encontradas nos estudos
paulistas.
Esses estudos nos indicam ainda uma forte correlação entre renda familiar baixa e
deficiência nutricional. Utilizando os dados coletados pelo IBRE, Carvalho (1981)
conduziu uma pesquisa que visava esclarecer, em parte, a inter-relação entre renda familiar,
saúde e educação, e construiu um índice nutricional um pouco arbitrário mas que,
acreditamos, refletiu o estado nutricional da família. Ao analisar esse índice, utilizando
métodos estatísticos, Carvalho observou que famílias cujas mães possuíam escolaridade
mais alta apresentavam melhor índice nutricional. Observou também o autor, como era de
se esperar, que o índice nutricional era melhor para as famílias que mais gastavam em
alimentação. Embora existam controvérsias quanto ao efeito do aumento da renda sobre a
ingestão de calorias, Deaton (1997) apresenta evidências robustas de que a elasticidade
renda da ingestão de calorias é positiva e não tão baixa como alguns estudos apregoavam
(ver, em especial, seu capítulo 4). Esse fato é de particular importância, pois indica que o
progresso econômico reduz a pobreza pela melhoria nutricional das pessoas. Esses
resultados evidenciam a importância da educação na produção doméstica de nutrientes,
bem como a importância do aumento da renda familiar na melhoria da produção de
nutrientes no domicílio
Boa nutrição é fundamental na determinação do estado de saúde da família, e o estado de
saúde é importante para determinar a capacidade de aprendizado dos membros da família e,
conseqüentemente, sua capacidade de gerar renda. Como Carvalho não tinha disponível um
índice de boa saúde, adotou a taxa de sobrevivência dos filhos, isto é, o número de filhos
vivos dividido pelo total dos filhos nascidos, como uma medida da condição de saúde na
família. Essa aproximação se justifica pelo fato de que a mortalidade infantil deve estar
altamente associada à má condição de saúde na família. Uma vez mais, o autor utilizou
métodos estatísticos para explicar a variação da taxa de sobrevivência de filhos entre as
famílias estudadas.
Entre outras coisas, a análise mencionada revelou mais uma vez que maiores níveis de
escolaridade da mãe estavam altamente associados a maiores taxas de sobrevivência dos
filhos, isto é, quanto maior o grau de escolaridade da mãe, maior a taxa de sobrevivência
dos filhos. Tanto no caso de nutrição como no de saúde a educação do pai mostrou-se
também importante, mas a significancia estatística é maior para a educação da mãe. Uma
outra observação interessante que resultou dessa análise foi a constatação, de forma muito
indireta, de que piores condições de moradia no passado estão associadas à baixa taxa de
sobrevivência dos filhos, isto é, à alta mortalidade infantil.
Esses resultados indicam a importância da mãe no processo produtivo interno da família,
bem como a importância de sua educação nas chamadas atividades domésticas e, em
especial, na produção de saúde para os membros da família.
Em sua análise da inter-relação renda, saúde e educação, Carvalho constatou que a renda
familiar não está estatisticamente associada à taxa de sobrevivência dos filhos. Ora,
deveríamos esperar que quanto maior a renda familiar, maior a taxa de sobrevivência dos
filhos; entretanto, a amostra em questão se refere apenas a famílias de renda baixa que, por
certo, têm necessidade de utilizar os benefícios do INPS a um elevado custo de tempo,
embora baixo custo monetário. Talvez, por isso mesmo, explica o autor, é que a renda
monetária não se apresente, nesse caso, como o grande limitador da obtenção de serviços
médicos.
A importância do INPS na prestação desses serviços médicos pode ser constatada pelo
seguinte fato: no estudo da USP a que nos referimos, 90% das mães tiveram assistência pré-
natal. Na faixa de renda familiar mais baixa, isto é, entre 0 e 0,5 do salário mínimo por
pessoa na família, 73% das mães tiveram assistência pré-natal. Além disso, cerca de 95%
dos partos foram feitos em hospitais. Embora esses sejam resultados de uma amostra muito
particular, eles nos indicam que a existência do INPS contorna, em parte, o problema de
acesso aos serviços médicos, ocasionados pela baixa renda familiar. Infelizmente, a pressão
sobre os serviços do INPS e sua conseqüente deterioração devem ter mitigado, nos anos
recentes, esse efeito positivo sobre as famílias de baixa renda.
Embora o INPS colabore em parte para minorar os problemas de saúde, as restrições de
renda são bastante importantes. Ainda no estudo da USP, a desnutrição mais grave e o
raquitismo foram observados nas famílias de renda mais baixa. A baixa renda também
restringe a qualidade da habitação que, por sua vez, é muito importante para a determinação
do estado de saúde da família. Habitação precária está, de um modo geral, associada a
precárias condições sanitárias, o que seguramente contribui para deteriorar a saúde das
famílias de renda mais baixa, restringindo-lhes, portanto, a possibilidade de, pelo acúmulo
de capital humano, via educação, aumentarem sua produtividade e, conseqüentemente, sua
renda. Desde o início dos anos 70, estudos comprovam um menor gasto relativo do Sistema
Nacional de Saúde em atividades geradoras de melhores condições sanitárias e de saúde
pública.
EDUCAÇÃO NO BRASIL
QUALIDADE DA ESCOLA
O PAPEL DO ESTADO
Não haveria então espaço para as autoridades públicas, inclusive o Legislativo, agirem no
campo educacional? Sim, há , e seu papel é de enorme importância, especialmente num
país com as características do Brasil. O que justificaria a ação das autoridades públicas na
educação formal e, portanto, qual seria o papel do governo (União, estados e municípios)?
Seguramente, todos concordamos com o papel ordenador institucional do governo. Essa é
uma de suas funções. Como qualquer mercado, o da educação formal só pode existir num
contexto de Estado de direito.
Como já ressaltamos, a existência de externalidades positivas no processo educacional e
as distorções no mercado de capitais, que impedem o acesso ao crédito com garantia de
renda futura, justificam uma ação do governo no sistema educacional. Entretanto, esses
fatos não significam que serviços educacionais não possam ser oferecidos e adquiridos num
contexto de mercado livre. Na realidade, há claras evidências históricas de que o mercado
funciona no provimento de serviços educacionais: Haigh-Ellig (1988) apresentam de forma
resumida e didática os casos dos EUA e da Inglaterra nos séculos XVIII e XIX – os dois
exemplos ilustram claramente a competência do mercado em prover as necessidades
educacionais de um país pobre, como era a Inglaterra no século passado.
Tanto externalidades positivas como distorções no mercado de capitais podem ser
tratadas pelo governo com políticas de financiamento da educação pela demanda , e não
promovendo sua oferta. Mais adiante trataremos de medidas públicas que seguem essa
orientação, como, por exemplo, o vale educação e o crédito educativo para o ensino
superior.
Por certo, cabe ao governo, através de leis, prover normas básicas que venham a
preservar os direitos contratuais das partes envolvidas no processo educacional. Em nome
da formação comum e da formação para a cidadania, nossa legislação específica sobre
educação, a LDB, estatiza o ensino, estabelece mecanismos de controle e avaliação do
ensino em todos os níveis, concentrando poder nas mãos dos burocratas do MEC, indo
muito além de assegurar os direitos contratuais dos agentes nesse mercado. Na realidade, o
contrato de prestação de serviços educacionais, que não consta da LDB, é objeto de uma
medida provisória que vem sendo renovada desde 1994 por não ser discutida e votada, pelo
completo descaso do Legislativo para com o elemento normativo relevante, caso
valorizássemos a liberdade de ensinar e aprender.
A partir da Medida Provisória no 176, de 29 de março de 1990, iniciou o governo uma série
de intervenções sobre o subsistema privado de ensino, atingindo o fator crítico de
sobrevivência da escola particular: a mensalidade escolar. Desde então, a violência
reguladora do governo vem assolando o ensino particular, fomentando um conflito entre as
famílias e a escola, cuja verdadeira origem era a inflação monetária nutrida pelo próprio
governo. Examinando, num contexto de estabilidade de preços, a relação entre a escola
particular e seus clientes, não distinguimos qualquer problema para o desenvolvimento
desse mercado. A satisfação dos anseios das famílias, no que se refere à educação de seus
filhos, será atendida pelo provimento de recursos para a escola que, desse modo, se auto-
sustentará.
Inicialmente, os reajustes das mensalidades escolares estavam associados à política
salarial geral do país e contemplavam aumentos decorrentes de dissídios coletivos das
categorias ligadas à escola, em particular o dissídio dos professores. Através da MP no 183,
de 27 de abril de 1990, o governo implantou um sistema de planilhas de custo a serem
submetidas às autoridades competentes ( Conselho Federal de Educação, quando se tratar
de ensino superior, e Conselho Estadual de Educação, para os demais casos) para
aprovação de mensalidades escolares. Essa sistemática é incorporada na Lei no 8.039, de 30
de maio de 1990. Sem razão aparente, uma portaria do Ministério da Economia, Fazenda e
Planejamento (de nº 348, datada de 25 de junho de 1990) introduziu a SUNAB no processo
de aprovação de reajustes das mensalidades escolares. Essa manobra, de puro efeito
demagógico, porquanto a Lei nº 8.039 era o diploma legal que regulava tais reajustes,
visava única e exclusivamente a depreciar a escola particular e desestabilizar a cordial
relação que sempre existiu entre as famílias e a escola. A depreciação viria pelas manchetes
dos jornais, registrando as freqüentes visitas dos fiscais da SUNAB às escolas denunciadas.
Numa visão equivocada das particularidades da prestação de serviços educacionais e sob
um conceito deturpado do que seja livre negociação, o governo impõe, uma vez mais,
mudanças radicais na relação escola-família. A MP no 207, de 13 de agosto de 1990,
estabelece as regras para a livre negociação definindo como interlocutora da escola a
representação estudantil, no caso de ensino superior, e associações de pais, nos demais
casos. Através de sua concepção de livre negociação o governo transformou o problema
econômico de definir um reajuste de mensalidades em um problema político, onde outros
interesses, que não os das famílias e da escola, passaram a comandar os acontecimentos.
Muito rapidamente surgiram associações de pais criadas fora do ambiente família-escola,
com propósitos nitidamente políticos e, por isso mesmo, freqüentemente fomentadores e
promotores de atrito, imiscuindo-se, inclusive, nas negociações das mensalidades escolares
de nível superior, quando, segundo a lei, não têm qualquer papel a desempenhar nesse
processo.
Reeditada a cada mês com modificações marginais, contribuindo assim para um clima de
incerteza e de acirramento de ânimos, a MP no 207 desembocou, em 17 de dezembro de
1990, na MP no 290 que explicita uma composição de custos que se cristalizou na Lei no
8.170, de 17 de janeiro de 1991, da seguinte forma: os reajustes das mensalidades escolares
podem incorporar, no mês imediatamente subseqüente, 70% dos aumentos salariais
concedidos aos docentes, incorporando a cada seis meses 30% da variação do índice de
preços ao consumidor (IPC). Estabelece ainda a lei, em seu art. 4o, que a inadimplência
decorrente de outros encargos financeiros que não os compatíveis com essa lei não pode
provocar qualquer sanção pedagógica ou de fornecimento de documentos, inclusive
matrícula e transferência para outro estabelecimento da escola para com o inadimplente.
Revendo o art. 4o da Lei no 8.170, estabelece a MP no 343, de 12 de Agosto de 1993, o
direito ao ensino particular sem a necessária contrapartida do pagamento das mensalidades;
portanto, a nova redação retira da escola a possibilidade de suspender seus serviços aos
inadimplentes, qualquer que seja a razão do não-pagamento das mensalidades, instituindo o
governo o calote à escola particular.
Não nos parece conveniente cansarmos os leitores com mais detalhes. Um conceito
fundamental que emerge com a sociedade moderna é o conceito de igualdade. Não
podemos nos referir a esse conceito sem deixarmos claro seu significado: entendemos que
igualdade se refere única e exclusivamente à lei - todos são iguais perante a lei. É esse
conceito de igualdade que o governo vem insistentemente atropelando, ao tratar de questões
afetas à escola particular no Brasil.
Le difficile est de ne promulguer que des lois nécessaires, de rester à jamais fidèle à ce
principe vraiment constitutionnel de la société, de se mettre en garde contre la fureur de
gouverner, la plus funeste maladie des gouvernements modernes.
Não há dúvida alguma sobre a atualidade e a pertinência das palavras de Mirabeau aqui
reproduzidas. Não nos resta qualquer dúvida, também, sobre a importância dos conceitos de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade para a formação de repúblicas modernas. Ainda estão
vivas em nossa memória as calorosas discussões políticas sobre liberdade e igualdade na
Inglaterra vitoriana. A despeito de toda essa herança, insiste o governo brasileiro em
agredir o sistema de ensino do país tratando-o ora como filho bastardo, no caso do
subsistema público, ora como marginal, no caso do subsistema privado, e, em ambos os
casos, retirando-lhe a liberdade.
A escola particular representa a liberdade de ensinar e aprender. Somente através da
escola particular podem os pais prover, segundo sua vontade livre, a educação que julgam
adequada para seus filhos. A escola pública poderia atender às exigências das famílias se
estas, e não a burocracia oficial, fossem localmente responsáveis pela escola. O furor
controlador do governo mantém a escola pública refém da burocracia oficial e impede o
desenvolvimento e a criatividade da escola particular. Entretanto, uma nova organização
administrativa da escola pública vem-se desenhando no Brasil, conforme tivemos
oportunidade de comentar, e esperamos que as inovações caminhem para um controle dos
pais e da comunidade local sobre a escola pública.
Nenhuma outra atividade humana no Brasil está sujeita a tanto controle quanto a
educação formal da escola: a entrada no mercado não é livre e depende de uma licença que
perio-dicamente precisa ser renovada; o controle se espraia pelo conteúdo pedagógico,
atingindo o número de dias trabalhados e a titulação dos recursos humanos utilizados no
processo. No caso da escola particular, as anuidades cobradas em parcelas mensais são
monitoradas por várias autoridades governamentais e as instalações físicas estão sujeitas a
exigências impostas por essas mesmas autoridades. Pura ilusão! O excesso de controles não
tem promovido qualidade - ao retirar do mercado sua criatividade, pela supressão da
liberdade de ensinar, o governo só tem promovido a mediocridade e penalizado as
organizações que levam a sério sua missão de educar.
Se a liberdade foi abolida da escola, a igualdade só tem sido conseguida na mediocridade.
As organizações de ensino, que mantêm os melhores níveis de qualidade, o fazem a
despeito dos embaraços criados pelo governo. Sua qualidade, ainda que elevada no país,
não se destaca num contexto internacional. A educação no Brasil não carece de recursos;
carece, isso sim, de liberdade. Os países de planejamento central sempre destinaram,
relativamente a países similares mas sujeitos a uma organização institucional mais livre,
mais recursos públicos para a educação. Todos concordamos que é fundamental para o
pleno desenvolvimento de uma nação a melhoria continuada da qualidade de seu povo. A
experiência dos países socialistas do Leste Europeu deixa claro que sem liberdade os
investimentos no homem têm pouco impacto sobre o desenvolvimento econômico-social. A
preservação da criatividade do ser humano e a promoção de sua inventividade num
contexto social dependem das instituições; instituições que promovem a liberdade
individual dentro de um Estado de direito favorecem a criatividade humana, fator
indispensável ao progresso econômico-social, e, por conseguinte, ao maior nível de bem-
estar do homem.
O homem aprende com a experiência. Uns mais rapidamente que outros, uns a maiores
custos que outros. Todo o mundo caminha no sentido de promover mais liberdade, pois só
assim consegue-se mais prosperidade, porque a criatividade e a inventividade do homem
decorrem de sua liberdade. Se por um lado a lei viabiliza a liberdade e a justiça garante o
seu exercício, é a escola a instituição que promove a liberdade de forma mais perene, não
só pela importância de sua atividade fim na formação da cultura e na preservação dos
valores, como também por sua própria natureza, a busca do saber, o qual não existe sem a
liberdade. Em 1978 o governo francês tentou acabar com parte da escola particular (a
confessional) , na França. O povo francês reagiu rapidamente, exigindo ter o direito de
escolher como educar seus filhos.
Inviabilizando a escola particular e prometendo escola pública para todos estamos
corrompendo, diante das dificuldades conjunturais por que passa o povo brasileiro, nossos
ideais de liberdade e de prosperidade. Não nos podemos deixar enganar com medidas
demagógicas, não podemos permitir que o Estado, uma instituição inventada pelo homem,
com o propósito de tornar a vida em sociedade sujeita a um mínimo de atritos, promova,
por demagogia de seus governantes, conflitos artificialmente criados. É preciso que o
governo saiba que não somos favoráveis à manutenção dessa política de promoção da
ignorância. Explicitemos nossa vontade!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS