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O PROCESSO EDUCACIONAL, O DESENVOLVIMENTO

HUMANO E A ESCOLA

“We had the best of educations - in fact, we went to school every day. ”
“I’ve been to a day-school, too,” said Alice. “You needn’t be so proud as all that.”
“With extras?” asked the Mock Turtle, a little anxiously.
“Yes”, said Alice: “we learned French and music.”
“And washing?” said the Mock Turtle.
“Certainly not!” said Alice indignantly.
“Ah! Then yours wasn’t a really good school,” said the Mock Turtle, in a tone of great
relief. “Now, at ours, they had, at the end of the bill, ‘French, music, and washing - extra.”

Sobre que assunto há unanimidade em todos os países entre políticos, responsáveis por
políticas públicas, técnicos, burocratas e cidadãos comuns? Raramente podemos
encontrar entre os homens uma unanimidade tão clara quanto a que existe sobre a
importância da educação, entendida em seu conceito mais amplo. Mesmo considerando
apenas a educação formal, não temos dúvida em manter nossa afirmação sobre essa
unanimidade. Entretanto, a educação tem recebido uma quantidade
desproporcionalmente menor de recursos, em face dessa importância revelada e
cantada em prosa e versos, em todo o mundo! Esse tratamento desproporcional da
educação varia de comunidade para comunidade. Em algumas, a desproporção é geral,
isto é, atinge todos os níveis de educação formal, enquanto em outras ela é localizada.
Mas o que queremos dizer com educação? O que é educação? Dentre os vários
significados registrados no Dicionário do Aurélio, o que nos parece mais adequado é o
seguinte: Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da
criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.
Parece-nos, entretanto, que o objetivo da educação não emerge claro do significado citado.
Educação é um processo que permite ao homem habilitar-se melhor para buscar sua própria
felicidade, condicionado à escassez de recursos e à organização da sociedade em que vive.
Nesse sentido, Mock Turtle tem toda razão. A educação promove o maior bem-estar das
pessoas porque as torna mais hábeis para competir pelos recursos necessários a tal fim. A
educação enriquece as pessoas e as torna mais sociáveis, a educação reduz o custo de
comunicação não só na comunidade local como no mundo globalizado. Schultz (1975)
reflete sobre a importância do processo educacional na habilitação do homem para
enfrentar os constantes ajustamentos a que é submetido, em decorrência dos desequilíbrios
econômicos e sociais tão freqüentes na sociedade moderna.
Emerge claro das evidências apresentadas por Schultz que a educação tem favorecido a
convivência do homem em meio a tanto desequilíbrio, mas que há muito a aprender sobre o
processo educacional. O que parece não estar claro para muitos é se o que atribuímos ao
processo educacional é de fato fruto da educação. Por exemplo, há na literatura uma tese
que sustenta que a educação formal serve apenas como sinalizador. A escola é usada pela
sociedade apenas para identificar as pessoas de maior potencial e mais aptas ao sucesso. O
processo de ensino e de aprendizagem é apenas um jogo no qual aqueles que nele têm
sucesso muito provavelmente terão sucesso nas demais atividades humanas e, por isso,
devem ser os escolhidos, quando de um processo de seleção para um emprego. Embora
pareça absurda a hipótese de que a educação formal seja uma peneira, muitos
departamentos de recursos humanos de empresas, para evitarem custos, usam essa teoria
em seu processo de seleção de novos empregados. Essa é uma forma de discriminação
contra o processo educacional tão perversa quanto negar-lhe acesso a recursos.
Há muitos outros preconceitos contra a educação. Neste trabalho abordaremos três que
reputamos os mais importantes por afetarem, determinantemente, a relação entre o governo
e o cidadão. A ação conjunta desses três preconceitos tem reduzido, e em muito, o papel da
educação na sociedade em que vivemos. O primeiro preconceito refere-se à aplicação do
conceito de capital ao ser humano, isto é, capital humano. Desconsiderar o capital humano
no processo educacional retira-lhe grande parte de sua eficácia. Por outro lado, seu
desprezo no processo de desenvolvimento econômico-social criou, por muitos anos, a
crença de que é possível a um país promover seu desenvolvimento econômico direcionando
recursos, primordialmente, a investimentos em capital físico.
O segundo preconceito é o de que a educação é uma missão, e aqueles que a ela se
dedicam são uns abnegados idealistas que, por isso mesmo, são mal remunerados. A visão
do sacerdócio docente é um dos piores preconceitos, pois retira do professor qualquer
responsabilidade profissional, reduz-lhe a auto-estima e justifica sua baixa qualificação e
sua dedicação.
Educação para formar o cidadão é o terceiro preconceito. Insistentemente usado como
argumento para justificar uma formação comum na escola formal, produz um grau de
intervenção governamental incompatível com o ambiente de liberdade próprio do processo
ensino-aprendizagem.
A ação conjunta desses três preconceitos é responsável por transformar a educação
formal - um problema econômico - em um problema político. O resultado é uma educação
de baixo nível, pois falta-lhe liberdade para a necessária criatividade; um excesso de
controle sobre a escola, com a possibilidade do desenvolvimento de uma exploração
mercantilista, que apenas cumpre as normas, e uma escola pública que não tem meios de
cumprir a lei que universaliza o ensino formal em todos os níveis.
A análise desses preconceitos foi o caminho que escolhemos para nossas considerações
sobre a educação. Poderíamos entediar o leitor com estatísticas que desenhem um quadro
otimista ou pessimista sobre a educação brasileira. Temos certeza de não chocar o leitor ao
registrarmos o fato que os gastos públicos em educação superior, no Brasil, são de cerca de
1,2% do PIB, superior ao percentual aplicado pelo setor público dos EUA (1,1%), da
Alemanha e da França (1,0%), da Itália (0,8%) e de outros países desenvolvidos. Que cerca
de 75% dos recursos vinculados à educação no governo federal são destinados ao ensino
superior. Que existem 16 milhões de analfabetos adultos e que cerca de 17% dos
trabalhadores brasileiros não sabem ler e escrever. Seria fácil e confortável esse tipo de
trabalho.
Assim, apresentaremos, inicialmente, a importância do conceito de capital humano para o
desenvolvimento de uma escola que, se pretende, tenha um papel determinante para o
progresso do homem. Explicaremos como o preconceito contra o capital humano
direcionou recursos para investimentos em capital físico, relevando a um plano inferior o
homem, objeto de todo esforço de desenvolvimento econômico. Tamanho contra-senso não
poderia perdurar impunemente. Os custos foram altos, mas o alerta de Denison deu novo
rumo às prioridades de investimento para o desenvolvimento. A seguir, sugerimos como é
possível estabelecer uma política de combate à pobreza pela abordagem do capital humano.
Terminamos o trabalho com observações específicas sobre o estado da educação no Brasil.

CAPITAL HUMANO

Embora não tenhamos uma resposta que justifique a forma madrasta com que tratamos tão
importante aspecto da formação do homem, parece-nos que muito desse viés tem a ver com
um preconceito associado ao termo capital humano. Adam Smith, embora sem utilizar a
expressão de forma literal, não demonstrava qualquer preconceito contra a análise
econômica do investimento feito no homem. Essa não era a postura de J.S. Mill , que se
recusava a considerar o homem passível de considerações econômicas. Em 1875, com um
exemplo sobre a guerra, no qual a decisão era evitar perdas de canhões ou de soldados, von
Thunen não só aplica o conceito de capital humano como justifica seu uso frente ao
preconceito reinante, esclarecendo que tal conceito não denigre nem reduz a liberdade do
homem. Alfred Marshall, em seu Principles, reluta em utilizar a expressão capital humano
por razões éticas, embora reconheça seu significado. Essa relutância de Marshall seria
determinante para evitar a propagação do conceito de capital humano, a despeito de sua
elaboração plena por Irving Fisher, em 1906. Muito popular como livro-texto, a relutância
de Marshall expressa no Principles foi suficiente para bloquear, entre os estudiosos de
economia, a popularização do conceito.
Se entre os economistas era difícil a aceitação do conceito de capital humano, não
poderíamos esperar outra coisa que não uma reação violenta contra tal expressão por parte
dos pedagogos. À idéia de que não é ético considerar-se o capital humano agregou-se, com
excessiva ênfase, a crença de que os profissionais do ensino, principalmente os professores,
se dedicam a tal tarefa não pelo pagamento que recebem, mas pela importância da missão e
pelo idealismo que os deve mover! A educação não é mercadoria e, portanto, o ensino
formal não pode ser objeto de comércio, devendo o Estado provê-lo gratuitamente. O
ensino pago resulta da impossibilidade de o Estado atender a todos. Essa visão romântico-
pedagógica em muito contribuiu para se descartar a concepção de educação como
investimento e a atividade docente como uma escolha racional do professor. O velho ditado
quem sabe faz, quem não sabe ensina traduz de maneira clara o preconceito contra a
atividade docente, indicando que só é professor quem não sabe fazer algo que lhe permita
garantir seu sustento.
Os fatos, quando não analisados com o devido cuidado, podem ser interpretados de
maneira desastrosa. Professores são relativamente mal remunerados em todos os países do
mundo. Entretanto, em muitos lugares a profissão é respeitada e valorizada pelas
comunidades. A pouca valorização do professor decorre da visão romântica da atividade
docente, visão essa que leva as pessoas, e em particular os pais, a uma desvalorização da
educação formal. Contrariamente ao discurso, que enfatiza a importância da educação, na
sua ação as pessoas deixam claro o pouco valor que dão à mesma. A deterioração da
educação pública, em todo o mundo, é a evidência mais contundente que podemos registrar.
A educação pública é pobre não por falta de recursos financeiros, mas porque é do interesse
de muitos políticos, professores e administradores públicos que assim seja. A educação, de
um modo geral, é pobre porque é tratada como problema, e não como um investimento que
virá a resolver muitos problemas. A educação é pobre porque dela se ocupam apenas os
abnegados, que ganhando pouco já fazem muito por ela.
Enquanto nutrirmos o preconceito contra o capital humano e uma visão romântico-
pedagógica da educação não será possível dar o devido valor à educação formal. O
professor é mal remunerado pelo simples fato de que grande parte de sua remuneração não
é computada em unidades monetárias: a liberdade com que conduz seu trabalho é, sem
dúvida, para os que a valorizam, a maior parcela da remuneração do professor. Não há
dúvidas de que muitos professores exercem essa função sem com ela se identificarem -
estes são os que outra coisa não podem fazer, não são professores por opção, mas por
exclusão. É triste que isso aconteça em qualquer função, e com muito mais gravidade na
função pedagógica. Nosso descaso para com a educação é que permite, não que pessoas
façam o que não gostam no setor de educação formal, mas que pessoas despreparadas e
incompetentes permaneçam por longos anos em funções que deveriam ser ocupadas por
educadores. É comum registrarem-se clamores públicos contra pessoas que, sem habilitação
profissional, fazem bem a seus semelhantes; entretanto, são mais esporádicas as
manifestações conseqüentes contra o ensino público de má qualidade.
Entre 1956 e 1960, T.W. Schultz, com uma série de trabalhos sobre a transformação da
agricultura, reavivava a importância da educação como investimento. Num artigo de grande
repercussão acadêmica, Schultz (1961) elaborou o conceito de capital humano, conforme
estabelecido por Fisher: “ Se capital é uma fonte de um fluxo de renda ou de serviços, por
que não se admitir que, ao produzir um fluxo de renda ou de serviços, o homem é também
um capital, mas um capital muito especial, pois carrega sua natureza humana consigo?”
Essa não é apenas uma questão semântica, é muito mais uma questão filosófica, com
profundas implicações para a compreensão do processo de transformação econômica
decorrente do desenvolvimento econômico. Isso emerge claro dos trabalhos de Schultz:
modernizar a agricultura nada mais é que modernizar o agricultor; modernizar a agricultura
é investir no homem do campo, promovendo sua capacidade de aprender para, ao aumentar
seu conhecimento, permitir-lhe um melhor uso dos recursos que estão à sua disposição.
Não há progresso econômico sem o progresso da pessoa humana; há que se investir no
homem. É esta a mensagem clara dos que entendem e exploram o conceito de capital
humano.
Finalmente, com a publicação, em 1964, do livro de Gary Becker sobre capital humano, a
partir do início dos anos 70 o conceito passa a ser incorporado às considerações
econômicas. Com o conceito de capital humano Becker desenvolve toda uma teoria de
comportamento, não mais para um indivíduo isolado, mas para um indivíduo pertencente a
uma família: dentro da família, as decisões sobre consumo, investimento, especialização em
tarefas domésticas ou do mercado, número de filhos e espaçamento entre os filhos
constituem as principais preocupações dos estudiosos. As sementes da nova teoria do
consumidor, plantadas por Margareth Reid (1934), germinam de forma esplendorosa com
Becker e seus seguidores (Grossman, Gez, Pollac, De Tray e tantos outros).

O VIÉS DOS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

O mal decorrente do viés contrário ao conceito de capital humano aparece claramente nos
modelos pós-keynesianos de desenvolvimento econômico que se espalharam como erva
daninha em todos os países, então chamados de subdesenvolvidos, logo após a segunda
guerra mundial. Identificando terra, trabalho e capital como fatores de produção,
apregoavam a relativa escassez de capital físico em tais países. Assim, para saírem do
subdesenvolvimento em que se encontravam era necessário que aqueles países
concentrassem esforços na construção de um estoque produtivo de capital físico. Terra não
se constituía em problema, e o exemplo mais citado era o do Japão. Trabalho havia em
abundância e, por incrível que possa parecer, T.W. Schultz, o promotor do capital humano
como limitador de desenvolvimento agrícola, dividiu o Prêmio Nobel de Economia com Sir
Arthur Lewis. O modelo Lewis de desenvolvimento baseava-se na necessidade de investir
em capital físico, inclusive em infra-estrutura urbana, para a promoção do desenvolvimento
econômico. Isso porque sendo a mão-de-obra abundante no campo, ela seria transferida ao
setor industrial pela migração rural-urbana a custo econômico zero, uma vez que o
trabalhador rural tinha produtividade próxima a esse valor. Como foi possível aceitar-se,
por tanto tempo, tamanho desrespeito à realidade dos fatos?
Dentre os modelos de desenvolvimento econômico, o modelo de Harrod-Domar não só é
o mais popular como também foi o que maior impacto teve sobre os responsáveis pelas
políticas econômicas dos países subdesenvolvidos ou, como se quer hoje, países em vias de
desenvolvimento! Há duas razões para isso: a primeira é que no pós-guerra uma onda de
planejamento econômico assolou todos os países da Europa, em parte pela necessidade de
sua reconstrução num curto período de tempo, em parte devido ao Plano Marshall, que era
um plano de investimentos para a reconstrução européia. A segunda razão decorre, em
parte, do desenvolvimento de metodologias de intervenção da autoridade pública nas
atividades econômicas para direcionar recursos ou estimular, artificialmente, certas
atividades de seu interesse. Aliado a essa demanda por instrumentos de planejamento e
controle surge um modelo simples, mecânico, fácil de ser aplicado, exigindo pouca
informação para seu uso e, o mais importante, muito pouco conhecimento de teoria
econômica e de organização social pelos seus usuários.
Usando o conceito de que mais produto pode ser obtido com mais capital físico, uma vez
que os outros fatores produtivos não limitam a produção, o modelo Harrod-Domar
concentra sua operacionalidade sobre um único conceito: a relação capital/produto.
Conhecida a relação capital/produto da economia, estabelecido o nível de investimentos em
capital físico, determina-se com facilidade a taxa de crescimento do país. Só o capital físico
limitava o crescimento e, portanto, o esforço desenvolvimentista deve concentrar-se na
formação de capital físico. Desenvolvimento econômico passou a ser sinônimo de
investimento em capital físico. O homem, mão-de-obra abundante, pouco importava,
embora a retórica insistisse em investimentos em saúde, educação e saneamento básico. Em
toda a América Latina e em parte da Ásia, pelo menos, era assim que os responsáveis pelas
políticas públicas entendiam o processo de desenvolvimento econômico.
A ação política decorria de tal concepção. A formação acelerada de um estoque de capital
físico exigia subsídios aos investimentos em máquinas e equipamentos, a concentração dos
investimentos públicos na produção da infra-estrutura urbana, de energia e de transporte.
Enquanto o capital físico era importado ou produzido localmente com subsídios, o trabalho,
o capital abundante, era irresponsavelmente taxado.
Embora essa euforia de planejamento chegue até meados dos anos 70, a reação a tamanha
miopia emerge quase que imediatamente de forma fragmentada e considerando aspectos do
processo de desenvolvimento econômico e social. A falácia do desenvolvimento fácil
através de investimentos em capital físico é denunciada de forma categórica por um
trabalho de Denison, em meados dos anos 50 e início dos anos 60.
O ALERTA DE DENISON E O RECONHECIMENTO ACADÊMICO DO CAPITAL HUMANO

Usando o conceito de função de produção, isto é, como é possível combinar trabalho e


capital para obter uma certa quantidade de produto, Harrod concebe um índice de produção
agregada. Assim, o índice de produto da economia (PIB, por exemplo) pode ser explicado
por um índice de trabalho (horas trabalhadas) e por um índice de capital (horas de
máquinas). Essa interpretação permite uma melhor compreensão dos trabalhos sobre
produção agregada que chamavam a atenção dos estudiosos pelo fato de ser substancial a
parte da variação do produto não explicada por capital e trabalho – a esse resíduo não
explicado os economistas atribuíam a contribuição da tecnologia. Desse modo, tudo o que
não podia ser explicado pelo trabalho ou pelo capital era imputado às mudanças
tecnológicas. Até hoje, a tecnologia constitui um mistério para aqueles que desejam
quantificar sua importância no crescimento do produto. Isso se deve ao fato de a tecnologia
afetar não só a quantidade dos fatores mas, principalmente, sua qualidade e a qualidade do
produto, para não falarmos de inovações institucionais de organização social.
Denison, num estudo sobre o crescimento da economia dos EUA, dá especial atenção a
esse resíduo, isto é, a parte da variação do produto não explicada pelas variações de
trabalho e de capital. Em parte, argumentava Denison, o resíduo está associado às variações
tecnológicas, mas trabalho não é um fator homogêneo, e sua contribuição para o
crescimento do produto não é tão simples. Assim, Denison procurou identificar como
variações no número de trabalhadores, na sua qualificação e na sua alocação setorial
afetavam o produto. O número de trabalhadores era caracterizado pela PEA (população
economicamente ativa), enquanto sua qualidade era caracterizada pelos anos de escola
formal, pela idade e pelo sexo do trabalhador. Os efeitos alocativos do trabalho sobre o
produto foram caracterizados pela variação do emprego setorial, isto é, pela migração do
trabalho de um setor para outro.
Desse modo, Denison reduziu a importância do desconhecido resíduo na explicação da
variação do produto. Caracterizando, ainda que de forma imperfeita, o conteúdo de capital
humano da PEA, Denison aumentou o conhecimento sobre a importância do homem no
processo produtivo, bem como o papel desempenhado por suas diversas características
gerais, como educação, idade e sexo. Como era de se esperar, a questão levantada por
Denison para o fator trabalho também procede para o fator capital. Uma máquina produzida
há cinco anos não é igual a uma máquina produzida hoje, mantendo-se o mesmo fabricante.
Baseado nesse princípio, qual seja, a idade do equipamento está associada à qualidade do
equipamento, Jorgenson-Griliches aplicaram a mesma técnica de Denison para o fator
capital. O resíduo não explicado tornou-se ainda menor, sendo que parte da melhoria
tecnológica passou a ser absorvida pela qualidade dos fatores: máquinas melhores
incorporam a nova tecnologia que exige trabalho mais qualificado (mais escolaridade, mais
experiência). Com esses resultados, passa a não fazer sentido o uso da relação
capital/produto num contexto de planejamento. Sua importância, entretanto, seria
preservada por mais algumas décadas, assim como o próprio processo de planejamento
governamental.
O trabalho de Denison foi reproduzido por diversos autores, para vários países,
apresentando, consistentemente, resultados que comprovavam a relevância do capital
humano para o crescimento do produto. Aplicações da metodologia de Jorgenson-Griliches
são mais difíceis de serem encontradas, pois as informações sobre estoque de capital físico
por ela requeridas são mais raras. Langoni (1974) , ao aplicar a metodologia de Denison
para o caso brasileiro, considerou dois períodos: 1950-60 e 1960-70. Anos mais tarde, em
sua dissertação de mestrado, Dulcos (1990) reproduziu o estudo de Langoni, no que se
refere à contribuição do capital humano, para os seguintes períodos: 1950-60; 1960-70;
1970-80 e 1980-86.
Esses dois trabalhos apresentam resultados semelhantes aos elaborados para outros
países: para todos os períodos considerados, o fator trabalho participa com mais de 50% do
PIB. A contribuição líquida da educação formal para a taxa de crescimento do produto
varia de cerca de 9% a cerca de 44% no período de mais baixo crescimento (1980-86). Em
resumo, os estudos sobre a importância do capital humano no crescimento da economia
brasileira indicam:
a)a escolaridade é a qualidade mais importante na explicação da taxa de crescimento do
PIB;
b) idade, como proxy para experiência, tem pouca relevância quando o produto cresce mais
rápido, sendo mais importante nos períodos recessivos;
c)o aumento da participação da mulher está associado a uma contribuição negativa,
indicando que a alternativa de maior uso do trabalho feminino decorre da escassez relativa
de mão-de-obra masculina ou da possibilidade de uso do trabalho da mulher a menores
salários.
d) quanto maior o dinamismo da economia, maior a contribuição da realocação do trabalho
na economia.
Um subproduto importante de trabalhos à la Denison é a constatação de que os
investimentos no ser humano geram um retorno superior ao retorno obtido nos
investimentos em capital físico. Langoni (1974) calculou que a média ponderada do retorno
de investimentos em capital humano era de 28% ao ano, enquanto o retorno de
investimentos em capital físico, no mesmo período, variava entre 14% e 16% ao ano. Um
outro resultado importante é que os retornos dos investimentos em capital humano, quando
avaliados a custos e benefícios sociais, são superiores aos retornos dos mesmos
investimentos valorizados a custos e benefícios privados, principalmente pelos ganhos que
temos por convivermos com pessoas mais bem-educadas, mais bem informadas, com as
quais podemos nos comunicar a custos mais baixos. Esse ganho sem custo (externalidade
positiva) que a educação produz para cada membro da sociedade é maior no ensino
fundamental e menor na educação superior. Só como indicação desse diferencial, registrado
por todos os estudos dessa natureza, Langoni (1974) estimou para o antigo curso primário
(primeiras quatro séries do atual ensino fundamental) um retorno social da ordem de 32%
ao ano, enquanto os investimentos em educação superior produziam um retorno social de
cerca de 12% ao ano.
Outras evidências foram consolidando o conceito de capital humano entre os
economistas: Kuznets (1963), por exemplo, justificava a concentração de renda nos
períodos de crescimento mais rápido pela maior escassez relativa de trabalhadores com a
qualificação que tal crescimento exigia. Como é necessário tempo para que se prepare e
qualifique o trabalhador segundo as demandas do mercado, os poucos com tal qualificação
passam a receber um prêmio em sua remuneração pela escassez relativa de tais habilidades.
Essa tese de Kuznets foi pivot de uma acirrada discussão acadêmica no Brasil, em meados
dos anos 70. Em seu trabalho sobre distribuição de renda no Brasil, Langoni (1973)
apresenta evidências de que a proposição de Kuznets (1963) se verifica para o Brasil no
período do milagre econômico.
Dois exemplos adicionais para atestar o reconhecimento da importância do capital
humano: a rápida recuperação da Europa do pós-guerra não pode ser imputada apenas ao
Plano Marshall. Num período mais longo, a América Latina recebeu de ajuda externa
montante superior ao que foi transferido à Europa, com seu capital físico devastado; na
verdade, a grande diferença está no fato de que a Europa tem instituições sociais sólidas e
uma população sobrevivente com elevado conteúdo de capital humano. Essas duas
condições faltam à América Latina, e isso pode justificar o fracasso dos investimentos
físicos na tentativa de promover o desenvolvimento econômico da região.
O fantástico crescimento da produtividade do trabalho é explicado pela melhoria da
qualidade do fator trabalho, expressa na maior escolaridade e em investimentos das
empresas no treinamento no trabalho. Vários estudos comprovam os ganhos, tanto pessoais
como sociais, pelo investimento no homem. Com o acúmulo de evidências empíricas para
os mais variados países, fica cada vez mais claro que os ganhos de investimento em capital
humano são superiores aos dos investimentos em capital físico.
A despeito de tantas evidências sobre a importância de se investir no homem, alguns
países, como o Brasil, mantêm políticas que discriminam o capital humano. A totalidade
dos países trata, para efeitos fiscais, diferentemente a depreciação do capital: subsidiando a
do capital físico e desconsiderando a do capital humano. Além disso, não há qualquer
reconhecimento do impacto do desemprego sobre o capital humano. Na maioria dos países
há restrições ao acesso a várias profissões, se não a todas, quando devidamente registradas.
Como não se pode separar o homem do seu capital humano, as condições de emprego do
capital humano estão sujeitas a exigências maiores que as que condicionam o emprego do
capital físico.
Sob uma ótica social, as taxas de retorno dos investimentos em capital humano são muito
superiores às obtidas, em média, em investimentos em capital físico em todo o mundo.
Imperfeições no mercado de capitais impedem maiores investimentos em capital humano,
justificando desse modo sua elevada taxa de retorno. Há, portanto, um subinvestimento em
capital humano no mundo, em decorrência de imperfeições no mercado de capitais. Essas
imperfeições bloqueiam o acesso ao crédito para pessoas que prometem pagá-lo com o
resultado de sua maior escolaridade - sem garantias físicas não há crédito. Estudos indicam
que sob o ponto de vista privado os maiores retornos médios são para os investimentos
correspondentes à aquisição dos conhecimentos da escola fundamental (da 1a a 4a séries) e
para a educação universitária.

POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA, PELA ABORDAGEM DE CAPITAL HUMANO

De um modo geral, aqueles que se intitulam social-democratas parecem querer monopolizar


possíveis soluções para os chamados problemas sociais, que podem ser resumidos em uma
única palavra: pobreza. O combate à pobreza é facilmente concebido através de um
conjunto de políticas públicas ditas políticas sociais, e na repartição do poder político os
partidos autodenominados progressistas insistem em manter o controle das secretarias ou
ministérios cujas atividades estão ligadas a essas políticas sociais. Em quase todo o mundo,
alegando promover a melhoria da qualidade de vida dos pobres, tais políticas têm acabado
por penalizá-los. Para usarmos a imagem de Adam Smith sobre políticas públicas, as
autoridades, com o intuito declarado de promover o bem-estar dos desvalidos, são como
que conduzidas por uma mão visível (dos grupos de interesse) a promover o bem-estar de
poucos a expensas de muitos. Os exemplos são tão abundantes que dificilmente passariam
despercebidos até para um observador ingênuo dos eventos sociais: Quem gosta de pobreza
é intelectual. Pobre gosta é de luxo (Joãozinho Trinta, carnavalesco).
Os desastres da intervenção equivocada das autoridades públicas têm sido objeto de
análise de vários autores (ver, por exemplo, Liberdade de Escolher, do casal Friedman). No
caso brasileiro, temos acompanhado os benefícios apropriados pela classe média alta em
decorrência de políticas sociais (o subsídio à aquisição da casa própria pelo SFH; o subsídio
à educação superior em universidades públicas), bem como a penalização de grupos que se
deseja proteger com a intervenção (salário mínimo, proteção à mulher trabalhadora).
O conceito de capital humano é muito útil para considerarmos ações públicas contra a
pobreza, e é disso que trataremos a seguir. Antes, porém, faremos alguns comentários sobre
a contribuição da ciência econômica à análise de problemas sociais e tentaremos, depois,
descrever algumas causas das dificuldades do ser humano em aprender, apresentando
evidências empíricas sobre a importância da educação e da saúde na capacidade de gerar
renda e, conseqüentemente, da importância do meio socioeconômico no qual as pessoas
vivem. A seguir, damos algumas sugestões de como quebrar o famoso círculo vicioso da
pobreza e da miséria.

A CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA ECONÔMICA

A ciência econômica trata do problema vital do ser humano, qual seja, a escassez dos
recursos produtivos existentes vis-à-vis o desejo ilimitado das pessoas de satisfazer suas
necessidades. De modo a considerar o problema da alocação dos recursos na produção de
bens e serviços para satisfazer tais necessidades humanas, os economistas definiram como
unidade decisória o indivíduo; entretanto, o ser humano vive em pequenos aglomerados
dentro das sociedades, aos quais se convencionou chamar família. Embora extremamente
útil e com boa capacidade de previsão, a teoria econômica baseada no indivíduo como
unidade decisória não permitia analisar uma série de problemas que surgem dentro da
família, tais como quantos filhos ter, como educar os filhos, etc. Por isso mesmo, por muito
tempo tais problemas eram apenas considerados por outros cientistas sociais. Então, com o
desenvolvimento do que se convencionou chamar de nova teoria do consumidor, a
unidade decisória passou a ser a família e não mais o indivíduo isolado.
Na nova teoria do consumidor a unidade decisória é a família, cujos membros são vistos
como produtores de bens e serviços vendidos no mercado e consumidos internamente pelos
seus próprios membros. Dessa forma, as atividades dos membros da família incluem não só
o trabalho remunerado fora do domicílio, como tradicionalmente se faz, mas também o
trabalho não-remunerado explicitamente executado por membros da família, dentro do
domicílio. Assim, as chamadas atividades domésticas, como tomar conta das crianças, lavar
roupa, cozinhar etc., passaram a ser incorporadas na análise econômica do comportamento
humano.
Essa reformulação permitiu que se incorporassem nas análises econômicas aspectos do
comportamento humano até então tratados por sociólogos, demógrafos, psicólogos etc. Não
nos cabe aqui apresentar formalmente a nova teoria do consumidor, e sim chamar a atenção
para o fato de que essa teoria se constitui num excelente instrumental analítico do
comportamento humano, com suas limitações, é claro, mas que pode e deve ser usado pelos
demais cientistas sociais.
Como vimos, desde os primórdios do desenvolvimento da ciência econômica os
economistas têm considerado a importância do homem e a importância de sua qualificação
no processo produtivo. Entretanto, como já destacamos, somente a partir dos trabalhos de
Schultz é que a teoria do capital humano passou a ser explicitamente considerada pelos
economistas (capital é um bem durável capaz de gerar renda; assim, o automóvel pode ser
um bem de capital, porquanto pode ser usado para gerar um fluxo de renda - ou mesmo de
serviços).
Capital humano nada mais é que a capacidade que tem o ser humano de produzir renda
(monetária ou não) ao longo de sua vida. Por certo, o valor do capital humano, isto é, o
fluxo de renda por ele gerado, deve depender da qualidade do ser humano ao qual se
associa esse capital. Um trabalhador braçal tem que possuir uma dose razoável de
capacidade física para executar seu trabalho, enquanto um trabalhador intelectual necessita
possuir uma dose menor de capacidade física para executar o seu. Assim, define-se capital
humano como a capacidade física, psíquica e intelectual do indivíduo.
O valor do capital humano associado a cada indivíduo dependerá, conseqüentemente, do
fluxo de renda que cada indivíduo, com seu respectivo capital humano, poderá gerar ao
longo de sua vida produtiva. Podemos dizer que o capital humano de cada indivíduo
corresponde aos atributos natos e aos atributos adquiridos através de um processo de
aprendizagem, ao qual os economistas chamam de investimento. Dessa forma, se quisermos
analisar como o capital humano é acumulado a partir dos atributos natos teremos que
considerar o que limita a capacidade de aprender das pessoas na acumulação de atributos
adquiridos.

CAUSAS DAS DIFICULDADES NO APRENDIZADO

Os atributos natos são aqueles que o indivíduo traz ao nascer, isto é, suas características
hereditárias, sua capacidade de aprender, sua habilidade pessoal, etc. Esses atributos podem
ser ampliados, retardados, incentivados ou desincentivados durante o processo de vida do
indivíduo. Os atributos adquiridos são aqueles produzidos no seio da família ou mesmo na
coletividade, e estão condicionados aos atributos pessoais originais. Os indivíduos têm
capacidade consciente de promover apenas os atributos a serem adquiridos, porque os
atributos natos, por definição, são as características individuais ao nascer. Dessa forma,
condições de saúde e educação inibem ou incentivam, através dos atributos adquiridos, os
atributos natos, formando, conseqüentemente, o capital humano do indivíduo, o que quer
dizer que é possível acumular capital humano através de investimentos em saúde e
educação.
Para efeito de análise, o que nos interessa são os atributos adquiridos, porque os atributos
natos dependem, fundamentalmente, de questões étnicas (exceto em casos especiais), uma
vez que esses atributos são determinados, até certo ponto, involuntariamente, pelos pais do
indivíduo. O que determina, então, os atributos adquiridos pelo indivíduo? Evidentemente,
as condições socioeconômicas nas quais o indivíduo se desenvolve são fundamentais.
Cremos que a inter-relação entre renda familiar, saúde e educação deve explicar grande
parte da possibilidade de os indivíduos adquirirem capital humano.
Por certo, a renda familiar é extremamente importante na determinação das possibilidades
de os indivíduos adquirirem capital humano. Ela se constitui na grande restrição
quantitativa imposta às famílias na aquisição de bens e serviços, inclusive aqueles
necessários à formação do capital humano de seus membros. A renda familiar depende do
capital humano das pessoas economicamente ativas na família, isto é, da escolaridade, das
condições de saúde e, conseqüentemente, da produtividade das pessoas que trabalham. Os
membros economicamente ativos em uma família têm um nível de saúde e educação no
momento atual que resulta de gastos anteriores, realizados por eles mesmos ou por seus
familiares. Como, de um modo geral, alta renda está associada a alto conteúdo de capital
humano, a inter-relação entre saúde, educação e renda determina, para as famílias mais
pobres, o que se convencionou chamar de círculo vicioso da pobreza e da miséria.
Indivíduos com baixo conteúdo de capital humano possuem baixa produtividade, tudo o
mais constante, comparativamente a indivíduos com alto conteúdo de capital humano.
Baixa produtividade implica baixa remuneração que, por sua vez, limita a capacidade de os
indivíduos terem acesso a bens e serviços que aumentem seu capital humano,
principalmente educação e saúde. A grande dificuldade em se quebrar esse círculo vicioso
reside principalmente na impossibilidade de os indivíduos se endividarem com base em
suas rendas futuras provenientes de seu trabalho. Pela impossibilidade de investirem em si
próprios, devido às restrições da baixa renda e às distorções no mercado de capitais, esses
indivíduos não podem aumentar sua produtividade e, conseqüentemente, seus rendimentos
provenientes do trabalho. Esse círculo vicioso estende-se aos membros da família, isto é, os
filhos dos trabalhadores pobres tendem a continuar pobres, já que suas famílias não têm
capacidade de lhes propiciar os meios materiais, psicológicos e ambientais necessários ao
desenvolvimento de seus atributos natos (que por questões de saúde já são bastante
limitados, nos casos de maior pobreza), de modo a aumentar-lhes seus conteúdos de capital
humano.
Os economistas têm dedicado muito de seu tempo ao estudo da importância do processo
educacional na determinação da renda dos indivíduos. As indicações são de que a sociedade
como um todo se beneficia mais de investimentos nos homens do que nas máquinas. Senna
(1976) verificou que grande parte das diferenças salariais observadas no setor industrial
brasileiro resulta da diferença no conteúdo do capital humano dos trabalhadores - nesse
caso, o capital humano foi medido apenas em termos de escolaridade formal (anos na
escola) e experiência no trabalho. A experiência no trabalho pode compensar, em parte, a
baixa escolaridade, mas as atividades nas quais a experiência no trabalho é mais importante
requerem geralmente alto conteúdo de capital humano.
Infelizmente, poucos são os estudos na área da saúde. Ainda assim, as indicações
existentes são de que as condições de saúde de nosso povo são precárias. Em estudo
realizado na Cidade de São Paulo em 1973, o DIEESE constatou fortes deficiências
nutricionais no trabalhador paulista para calorias, vitamina A, tiamina, riboflavina e
vitamina C. Resultados semelhantes foram encontrados pelo grupo interdisciplinar da USP
(Escola Paulista de Medicina e Instituto de Pesquisas Econômicas), sendo que, nesse caso,
o estudo foi feito no âmbito familiar visando, primordialmente, uma análise do estado
nutricional das crianças entre 6 e 60 meses de idade no Município de São Paulo. Essa
pesquisa constatou problemas graves de insuficiência calórica, de ferro e de vitamina A.
Em pesquisa feita com famílias de conjuntos habitacionais da cidade do Rio de Janeiro o
Instituto Brasileiro de Economia – IBRE, da Fundação Getúlio Vargas, constatou, em 1973,
deficiências nutricionais importantes, semelhantes àquelas encontradas nos estudos
paulistas.
Esses estudos nos indicam ainda uma forte correlação entre renda familiar baixa e
deficiência nutricional. Utilizando os dados coletados pelo IBRE, Carvalho (1981)
conduziu uma pesquisa que visava esclarecer, em parte, a inter-relação entre renda familiar,
saúde e educação, e construiu um índice nutricional um pouco arbitrário mas que,
acreditamos, refletiu o estado nutricional da família. Ao analisar esse índice, utilizando
métodos estatísticos, Carvalho observou que famílias cujas mães possuíam escolaridade
mais alta apresentavam melhor índice nutricional. Observou também o autor, como era de
se esperar, que o índice nutricional era melhor para as famílias que mais gastavam em
alimentação. Embora existam controvérsias quanto ao efeito do aumento da renda sobre a
ingestão de calorias, Deaton (1997) apresenta evidências robustas de que a elasticidade
renda da ingestão de calorias é positiva e não tão baixa como alguns estudos apregoavam
(ver, em especial, seu capítulo 4). Esse fato é de particular importância, pois indica que o
progresso econômico reduz a pobreza pela melhoria nutricional das pessoas. Esses
resultados evidenciam a importância da educação na produção doméstica de nutrientes,
bem como a importância do aumento da renda familiar na melhoria da produção de
nutrientes no domicílio
Boa nutrição é fundamental na determinação do estado de saúde da família, e o estado de
saúde é importante para determinar a capacidade de aprendizado dos membros da família e,
conseqüentemente, sua capacidade de gerar renda. Como Carvalho não tinha disponível um
índice de boa saúde, adotou a taxa de sobrevivência dos filhos, isto é, o número de filhos
vivos dividido pelo total dos filhos nascidos, como uma medida da condição de saúde na
família. Essa aproximação se justifica pelo fato de que a mortalidade infantil deve estar
altamente associada à má condição de saúde na família. Uma vez mais, o autor utilizou
métodos estatísticos para explicar a variação da taxa de sobrevivência de filhos entre as
famílias estudadas.
Entre outras coisas, a análise mencionada revelou mais uma vez que maiores níveis de
escolaridade da mãe estavam altamente associados a maiores taxas de sobrevivência dos
filhos, isto é, quanto maior o grau de escolaridade da mãe, maior a taxa de sobrevivência
dos filhos. Tanto no caso de nutrição como no de saúde a educação do pai mostrou-se
também importante, mas a significancia estatística é maior para a educação da mãe. Uma
outra observação interessante que resultou dessa análise foi a constatação, de forma muito
indireta, de que piores condições de moradia no passado estão associadas à baixa taxa de
sobrevivência dos filhos, isto é, à alta mortalidade infantil.
Esses resultados indicam a importância da mãe no processo produtivo interno da família,
bem como a importância de sua educação nas chamadas atividades domésticas e, em
especial, na produção de saúde para os membros da família.
Em sua análise da inter-relação renda, saúde e educação, Carvalho constatou que a renda
familiar não está estatisticamente associada à taxa de sobrevivência dos filhos. Ora,
deveríamos esperar que quanto maior a renda familiar, maior a taxa de sobrevivência dos
filhos; entretanto, a amostra em questão se refere apenas a famílias de renda baixa que, por
certo, têm necessidade de utilizar os benefícios do INPS a um elevado custo de tempo,
embora baixo custo monetário. Talvez, por isso mesmo, explica o autor, é que a renda
monetária não se apresente, nesse caso, como o grande limitador da obtenção de serviços
médicos.
A importância do INPS na prestação desses serviços médicos pode ser constatada pelo
seguinte fato: no estudo da USP a que nos referimos, 90% das mães tiveram assistência pré-
natal. Na faixa de renda familiar mais baixa, isto é, entre 0 e 0,5 do salário mínimo por
pessoa na família, 73% das mães tiveram assistência pré-natal. Além disso, cerca de 95%
dos partos foram feitos em hospitais. Embora esses sejam resultados de uma amostra muito
particular, eles nos indicam que a existência do INPS contorna, em parte, o problema de
acesso aos serviços médicos, ocasionados pela baixa renda familiar. Infelizmente, a pressão
sobre os serviços do INPS e sua conseqüente deterioração devem ter mitigado, nos anos
recentes, esse efeito positivo sobre as famílias de baixa renda.
Embora o INPS colabore em parte para minorar os problemas de saúde, as restrições de
renda são bastante importantes. Ainda no estudo da USP, a desnutrição mais grave e o
raquitismo foram observados nas famílias de renda mais baixa. A baixa renda também
restringe a qualidade da habitação que, por sua vez, é muito importante para a determinação
do estado de saúde da família. Habitação precária está, de um modo geral, associada a
precárias condições sanitárias, o que seguramente contribui para deteriorar a saúde das
famílias de renda mais baixa, restringindo-lhes, portanto, a possibilidade de, pelo acúmulo
de capital humano, via educação, aumentarem sua produtividade e, conseqüentemente, sua
renda. Desde o início dos anos 70, estudos comprovam um menor gasto relativo do Sistema
Nacional de Saúde em atividades geradoras de melhores condições sanitárias e de saúde
pública.

COMO QUEBRAR O CÍRCULO VICIOSO DA POBREZA E DA MISÉRIA

Embora a quebra do círculo vicioso da pobreza e da miséria só possa ser conseguida a


longo prazo, pelo que foi exposto aqui parece-nos claro que a forma mais viável de se
quebrar tal círculo é através da implementação de políticas que visem ao aumento do
conteúdo de capital humano das pessoas mais pobres.
Nesse caso específico, a intervenção do Estado através dessas políticas pode ser desejada,
primeiro, pelas externalidades1 associadas às condições de educação e saúde da
coletividade e, segundo, pela impossibilidade de as pessoas que possuem apenas capital
humano terem acesso ao mercado de capitais, isto é, tomar emprestado para acumular
capital humano e então amortizar suas dívidas.
A importância da educação no processo produtivo familiar, constatada por Carvalho e em
outros trabalhos empíricos, sugere um maior investimento em educação. Especi-ficamente,
esses investimentos devem se concentrar nos cursos fundamental e médio, pelo seu maior
impacto sobre a eficiência dos indivíduos na produção de bens domésticos ou não, e sobre
sua capacidade de absorver informações.
Uma vez que a saúde se constitui no pré-requisito básico do aprendizado, é fundamental
uma análise detalhada do Sistema Nacional de Saúde de modo a se redirecionar e, se for o
caso, ampliar o volume de recursos nele aplicados, para que se obtenham efeitos mais
positivos no sentido de solucionar o problema da pobreza.
Como vimos, o INPS exerce um papel importante no acesso a serviços médicos e
hospitalares da população mais pobre. Infelizmente, seu trabalho está muito mais associado
ao tratamento de pessoas doentes do que em evitar que pessoas fiquem doentes. Nesse
sentido, é importante que se redirecionem recursos para a produção de melhores condições
sanitárias e de saúde pública, bem como para programas de esclarecimento público, de
modo a se prevenir maior incidência de doenças e, conseqüentemente, a redução na
capacidade de trabalho dos indivíduos. Note-se, entretanto, que informações sobre boas
práticas alimentares e de higiene só podem ser absorvidas se os chefes de família possuírem
um mínimo de capacidade de absorver informações.
Investimentos em educação e saúde devem ser feitos visando, precisamente, à melhoria
da qualidade de nossas crianças. É mais ou menos aceito por todos os cientistas sociais,
médicos inclusive, que os seis primeiros meses de vida de uma criança são extremamente
importantes no que se refere à sua capacidade de aprender e, conseqüentemente, à sua
capacidade de acumular capital humano ao longo de sua vida.
Num estudo importante, Reutlinger Selowsky (1976) constataram que a má nutrição nos
primeiros três meses de vida da criança pode causar danos sérios à sua capacidade de
aprender. O estudo conduzido por esses autores utilizou como medida de capacidade de
aprender e de inteligência testes do tipo QI. Por certo os índices de QI não representam uma
boa medida para a capacidade de aprender e de inteligência, mas esses índices foram
considerados em razão da dificuldade de se definir empiricamente tais conceitos e pela
impossibilidade daquela pesquisa de utilizar medida melhor. Ainda que imperfeita, a
análise de Reutlinger-Selowsky (1976), como de vários outros estudiosos do problema,
indica-nos que programas que visem melhorar a saúde das crianças podem ser, no longo
prazo, uma das melhores alternativas para o combate à pobreza.

EDUCAÇÃO NO BRASIL

A Constituição brasileira dedica o Capítulo II do Título II, Dos Direitos e Garantias


Fundamentais, aos denominados direitos sociais. O art.6 estabelece: São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Apesar de nomear os direitos sociais, a Carta Magna não conceitua o que são tais direitos.
Concentra, entretanto, toda explicação sobre os direitos dos trabalhadores (art. 7 ao 11),
sem qualquer referência aos demais direitos. Não é de nosso interesse discutir o conceito de
direito social. Assim, registramos apenas duas observações: a) todo direito só pode ser
definido num contexto social e, b) não se pode caracterizar um direito que dependa de
recursos escassos para sua existência, porquanto este fica condicionado à existência de
recursos, não sendo por isso mesmo possível manter-se o princípio da igualdade - uns
podem exercer esse direito e outros não.
No Capítulo III do Título VIII, Da Ordem Social, a Constituição trata da educação, da
cultura e do desporto. A educação é considerada nos art. 205 a 217. Dois artigos são de
particular interesse para este nosso trabalho: o art. 205, complementado pelo art. 206
(estabelece os princípios que norteiam o ensino no País), pelo 208 (caracteriza o dever do
Estado para com o processo educacional) e pelo art. 209.
O art. 205, que define educação como direito de todos e dever do Estado e da família,
estabelece que esta será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. Sem dúvida, há necessidade de recursos para que
possamos, como sociedade organizada, garantir educação para todos, em todos os níveis.
Para tanto, a própria Constituição estabelece que o Executivo destine à educação recursos
provenientes de receita fiscal, não inferiores a 18%, no caso da União, e 25%, nos casos dos
estados e dos municípios (art. 212). Infelizmente, poucos são os estados e municípios que
cumprem tal norma.
O progresso das matrículas na educação formal é incontestável. Segundo as estatísticas
oficiais do MEC/INEP, a pré-escola (que inclui creche) teve sua matrícula multiplicada por
20 em 1997, se comparada com as matrículas de 1970. Em parte, essa demanda por pré-
escola para crianças de zero a seis anos se deve à crescente participação da mulher na força
de trabalho e, em parte, pela expansão da oferta do setor público, praticamente inexistente
até o início dos anos 80. Nem toda matrícula na pré-escola ocorre em unidades escolares
administradas pelo setor público: oficialmente, cerca de ¼ dessas matrículas ocorre em
organizações particulares. Esse percentual deve estar subestimado, pois muitas creches
funcionam informalmente, isto é, sem os devidos registros, não sendo por isso mesmo
consideradas nas estatísticas oficiais.
O crescimento das matrículas, no mesmo período, nos demais níveis de ensino foi,
embora menor que o da pré-escola, significante: 115% no ensino fundamental; 472% no
ensino médio e 367% no ensino superior. Uma vez mais, o setor privado contribuiu para o
atendimento da demanda por educação formal com importância relativa bem diversificada:
12% no ensino fundamental; 20% no ensino médio e 59% no ensino superior.
Tamanho crescimento na oferta de matrículas deve ter produzido uma substancial
melhoria na qualidade do povo brasileiro, uma vez que a educação é o instrumento de
liberação da pobreza. Constata-se, por exemplo, que em 1996, segundo os dados da
PNAD/IBGE, cerca de 96% de nossas crianças entre 7 e 14 anos estavam matriculadas em
alguma série de uma escola regular e que, no mesmo ano, o analfabetismo atingiu 14,7% da
população de 15 anos ou mais, comparados com 33,6% em 1970. Por isso mesmo, em 1996
registraram-se 31,5% de analfabetos na população de 50 anos ou mais; 25,7% na população
entre 30 e 49 anos; 15,2% na população de 20 a 29 anos; 6% para a população entre 15 e 19
anos e, curiosamente, 8,3% para a população entre 10 e 14 anos.
O Professor Simonsen costumava afirmar que estatística é como biquíni, mostra muito
mas esconde o essencial! De fato, as estatísticas de analfabetismo dão a entender que a
pobreza que nos cerca é incompatível com a melhora escolar do povo brasileiro. Melhora
no atendimento escolar da população não é exatamente melhora no conteúdo de capital
humano das pessoas - é preciso que a qualidade da escola tenha sido mantida ou melhorado.
É preciso que as pessoas responsáveis pelas decisões familiares tenham melhorado seus
níveis de conhecimento para administrar melhor seus recursos escassos, o volume de
informação que as massacra e cuidar melhor de seus filhos.
Tomando os mesmos dados da PNAD/96 observamos, para os chefes de domicílios
particulares, que na zona rural 50% das mulheres e 34% dos homens não têm qualquer
instrução; esses percentuais caem para a zona urbana, respectivamente, para 19% e 11%.
Chefes de domicílios que completaram o antigo curso primário, obrigatório por ser dever
do Estado, correspondiam, no caso feminino, a cerca de 16,7% (rural 10,9% e urbana
17,4%), e no caso masculino a 18,6% (rural 17,4% e urbana 19%). Se considerarmos os
chefes de domicílios que completaram a escola fundamental, esses percentuais caem para
7,3% (rural 2,5% e urbana 7,9%), no caso das mulheres e 8,8% (rural 3,3% e urbana
10,3%), no caso dos homens.
Essa mesma fonte de dados apresenta a mobilidade educacional interge racional para o
Brasil e grandes regiões. A mobilidade educacional inter-geracional compara a educação da
pessoa considerada com o nível de educação do seu pai e, alternativamente, de sua mãe.
Excluída, como em todos os casos, a população da zona rural da região Norte, essa pesquisa
indica, quando consideramos a mobilidade com relação ao pai, que cerca de 75% da
população brasileira não apresentam qualquer mobilidade, isto é, os filhos têm a mesma
escolaridade do pai. A mobilidade ascendente é registrada para cerca de 21% da população
pesquisada, sendo que 4,6% apresentam uma mobilidade descendente com relação ao pai.
A região Nordeste apresenta as maiores mobilidades, tanto ascendente (23,3%) como
descendente (7,5%). Considerando a mobilidade em relação à escolaridade da mãe, os
resultados são melhores: cerca de 68% apresentam imobilidade, 29,2% mobilidade
ascendente e 3,0% mobilidade descendente.
Assim, parece que a melhoria da escolaridade ainda não teve um impacto significante
sobre os chefes de domicílios e, conseqüentemente, sobre seus filhos. Cerca de 20% a 30%
dos brasileiros atingem um nível de escolaridade superior ao de seus pais. Como partimos,
em 1970, de uma baixa escolaridade para os pais (cerca de 30% sem qualquer instrução), a
importância relativa da mobilidade ascendente não é forte o suficiente para reduzir, de
maneira marcante, a pobreza que nos cerca. Além disso, é preciso que a melhora
quantitativa venha acompanhada de uma manutenção ou melhora da qualidade de nossa
escola.

QUALIDADE DA ESCOLA

A preocupação com a qualidade da escola é global. Avaliações sobre sistemas e sobre o


ensino específico têm marcado a escola, em todos os níveis de ensino, desde o final da
década de 70. Wolf-Schiefelbein-Valenzuela (1994) pesquisaram a melhoria da qualidade
na educação primária em 19 países da América Latina e do Caribe, o Brasil inclusive. Em
sua avaliação, os autores consideraram que as crianças que completassem a escola primária
deveriam saber ler e escrever, possuir conhecimentos básicos de matemática e, dessa forma,
adquirir autoconfiança para serem capazes de enfrentar e resolver problemas. Para 18
países foi constatado que bons livros e acesso à pré-escola melhoravam o rendimento do
aluno na escola primária. Os salários dos professores e o tamanho das turmas afetavam
muito pouco os resultados do processo ensino-aprendizagem. Entretanto, seu sucesso estava
intimamente associado a métodos personalizados de ensino, à formação básica e à
experiência docente do professor, ao tempo disponível para aprender e ao ambiente em que
viviam os alunos, bem como à participação dos pais no processo educacional e no desenho
do currículo.
Os resultados apresentados nesse relatório para o ano de 1990 são alarmantes:
· de 9 milhões de crianças entre 6 e 7 anos de idade que cursam o primeiro ano da escola
primária (primeiros quatro anos do fundamental), 4 milhões fracassam;
· 42% dos alunos matriculados no ensino fundamental (primeiros oito anos) são repetentes,
sendo que em 1980 esse percentual era de 50% ;
· os 19 países estudados gastam US$ 2,5 milhões por ano com a educação de 20 milhões
de repetentes;
· só o Chile apresenta aumento de gastos por aluno, sendo que em 1989 o gasto por aluno
na região era de US$ 118, comparados com US$ 164 em 1980.
Wolf-Schiefelbein-Valenzuela (1994) relatam os resultados de um estudo sobre
rendimento escolar conduzido pela International Assessment of Educational Progress para
19 países. O estudo consistiu na aplicação de testes de conhecimento em matemática e
ciências para alunos de treze anos de idade. As cidades brasileiras de São Paulo e Fortaleza
foram os representantes da América Latina, numa amostra que incluiu países da Europa,
Ásia e África, além dos EUA. Nos testes de matemática os jovens de São Paulo atingiram
uma média de 37 (desvio-padrão 0,8) e os da cidade de Fortaleza 32 (desvio-padrão 0,6),
somente superior ao resultado apresentado pelos jovens de Maputo e Beira, em
Moçambique, cuja média foi de 28 (dp 0,3). Os jovens da Coréia e de Taiwan, com média
73 (dp 0,6 e 0,7), seguidos de Espanha e Estados Unidos, com média 55 (dp 0,8 e 1,0),
apresentaram o melhor rendimento. Em ciências os resultados brasileiros foram melhores
(São Paulo com média 53 e Fortaleza com 46), mas bem inferiores aos dos jovens da
Coréia (78) e de Taiwan (76). Os 5% de brasileiros que apresentaram os melhores
resultados obtiveram uma pontuação inferior às médias registradas em países como Coréia,
Taiwan, Suíça, União Soviética, Hungria e França.
Os autores relatam também um estudo-piloto conduzido pelo Banco Mundial em cinco
países da América Latina e do Caribe sobre rendimento escolar em matemática e ciências.
Os países escolhidos foram: Argentina, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana e
Venezuela. Embora a amostra de alunos de treze anos não tenha sido obtida sob critérios
científicos, os resultados são ilustrativos, especialmente porque quatro tipos de escolas
foram considerados: escola privada de elite; escola privada de pior qualidade e escola
pública da melhor qualidade; escola pública de pior qualidade; escola pública rural. Os
resultados podem ser resumidos assim:
· em quatro dos cinco países os alunos das escolas públicas apresentaram um desempenho
muito inferior às médias obtidas pelos alunos norte-americanos e tailandeses, sendo que os
resultados para os alunos das escolas rurais foram considerados sofríveis;
· o desempenho dos alunos das escolas privadas de elite é tão bom ou superior aos
registrados em média para os norte-americanos e tailandeses (os piores resultados são para
ciências);
· o desempenho dos alunos das escolas privadas de pior qualidade é ligeiramente superior
ao dos alunos das escolas públicas;
· nos países considerados, 13% das matrículas são em escolas particulares.
A lição que esses estudos encerram parece ser a seguinte:
a) os alunos da escola primária particular, em todos os países considerados, apresentam um
melhor preparo, segundo testes reconhecidos internacionalmente, quando comparados com
os alunos da escola pública;
b) os alunos da escola primária da América Latina e do Caribe, em testes internacionais,
apresentam resultados medíocres comparados aos de alunos de outras áreas do globo;
c) os alunos com melhor rendimento nos testes internacionais são de países asiáticos, onde
a escola primária pública, embora subsidiada, exige uma contrapartida das famílias, e
embora a educação primária seja obrigatória por lei, ela é de responsabilidade das famílias,
e não do Estado.
A escola secundária também tem sido objeto de um questionamento de sua qualidade.
Jimenez-Lockheed (1995) compararam a escola secundária pública com a particular em
cinco países: Colômbia, República Dominicana, Filipinas, Tanzânia e Tailândia. A
comparação de qualidade se fundamentou nos resultados de testes internacionais em
matemática aplicados a todos os alunos e, em dois países, sobre a capacidade de expressão
verbal dos alunos. Os filipinos foram testados em matemática, inglês e filipino.
Informações sobre o background do aluno, sobre sua motivação, habilidade inata e
performance escolar anterior foram coletadas para todos os participantes dos testes, com o
propósito de isolar os efeitos dessas variáveis sobre os resultados dos testes. Isso foi feito
com técnicas estatísticas de tratamento de variáveis qualitativas e análise de regressão. A
pergunta básica desse estudo é: um estudante secundário, escolhido ao acaso de uma
população de estudantes, tem melhor performance se proveniente da escola pública ou da
escola particular? Os principais resultados desse estudo podem ser resumidos da seguinte
forma:
a)embora os alunos das escolas particulares sejam de famílias mais abastadas do que as dos
alunos das escolas públicas, a interseção desses dois conjuntos é significante;
b) mantendo-se constante o background familiar e o viés de seleção dos alunos, os alunos
da escola particular apresentam nos testes (matemática e verbal) uma performance superior
àquela dos alunos da escola pública;
c) a organização administrativa da escola particular é mais eficiente para os objetivos
pedagógicos que a da escola pública;
d) é infundada a crença de que os burocratas dos órgãos reguladores e de fiscalização da
educação têm mais conhecimentos sobre técnicas e procedimentos educacionais que os
profissionais da escola particular;
e) os custos por aluno são menores na escola particular.

Os resultados dessa pesquisa, por decorrerem de comparações entre a escola pública e a


particular, isolando os diversos elementos que afetam o rendimento de seus alunos, põem
por terra dois mitos comuns em educação: o de que a escola particular é melhor porque seus
alunos vivem em ambientes melhores e mais abastados, sendo por isso uma escola de elite -
o resultado resumido na letra b contraria tal preconceito; o segundo mito é o de que a
autoridade pública deve controlar e regular a escola particular, pois se isso não for feito sua
qualidade se deteriorará. A despeito do excesso de controles sobre a escola, as evidências
resumidas aqui atestam que a escola particular não só é mais efetiva no desempenho da
função de educar como é mais eficiente, em termos econômicos, quando comparada à
escola pública. A escola particular está sujeita às exigências dos pais e não, como a escola
pública, a normas burocráticas, eivadas de preconceitos e férteis de interferência política.
Na realidade, os autores sugerem a redução de restrições e controles sobre a escola
particular e que a escola pública adote os métodos e os procedimentos administrativos da
escola particular. Sem dúvida, todo processo educacional está fundado na liberdade tanto de
ensinar como de aprender, e normas rígidas e excesso de controles retiram da escola sua
capacidade criativa e a coragem para ser inovadora. Uma escola mais autônoma, capaz de
atender as demandas das famílias e, conseqüentemente, da sociedade é uma condição
necessária para que uma sociedade desfrute de um sistema educacional eficaz, eficiente e
em sintonia com a realidade!
No Brasil, parece que estamos seguindo em direção oposta. Embora a escola pública
brasileira venha sendo modernizada e, em certo sentido, as inovações organizacionais
sigam a sugestão de Jimenez-Lockheed (1995), essa modernização está eivada de
preconceitos e de conteúdo político que poderão contribuir para uma maior deterioração do
ensino público. A maior autonomia à escola pública no Brasil tem ocorrido pela introdução
de três novos elementos de organização: eleição direta do diretor da escola; transferência de
recursos financeiros a serem geridos pela própria escola e criação de conselhos dos quais
par-ticipam representantes das comunidades locais e dos pais de alunos. Um relato analítico
de várias experiências de implementação desses novos elementos de organização e
administração da escola pública no Brasil pode ser encontrado em Xavier-Mello-Amaral
Sobrinho-Silva (1995).
A eleição direta do diretor da escola foi a primeira inovação que emergiu, na década de
80, como subproduto da abertura política. A idéia da eleição direta dos dirigentes das
escolas públicas muito rapidamente se transferiu às universidades públicas, sendo hoje um
procedimento mais efetivo nas universidades que nas escolas. A introdução de um processo
político na administração da escola é perniciosa, pois os administradores devem ter o
respeito de seus subordinados por sua competência e capacidade administrativa. Uma
escolha através de um processo político não necessariamente satisfará essas exigências,
colocando, desse modo, em risco não só a saúde pedagógica da Escola como o próprio
ambiente de ensino e aprendizagem.
O administrador, no exercício de sua função, tem um orçamento sob o qual deve fazer
cumprir a missão da organização que administra. A administração direta, pela escola
pública, de recursos financeiros infelizmente não mimetiza as condições a que uma escola
particular está sujeita, em parte porque tais recursos são transferidos à escola pública e, em
parte, porque tais recursos têm destino certo e limitado em seu escopo. Esse caminho sob as
condições atuais dificilmente poderá tornar a escola pública mais eficiente. Os recursos
financeiros transferidos para a escola pública só podem ser aplicados, segundo destino
especificado, em manutenção de imóveis e de equipamentos, material de consumo e
didático. O fato de a escola pública não ser uma unidade orçamentária, aliado à falta de
pessoal preparado para essa tarefa e à conseqüente rigidez das normas para o uso desses
recursos, é a principal razão de nosso pessimismo para a imposição de uma restrição
orçamentária à escola pública.
A introdução de colegiados, com função de coordenar e avaliar a execução do projeto
pedagógico da escola pública, é, sem dúvida, uma inovação importante. A composição
desses colegiados é de fundamental importância para sua eficácia na promoção de uma
melhor escola pública, mas há que se cuidar para que esses colegiados não se transformem
em santuários do corporativismo, sendo indispensável evitar que se reproduzam no Brasil
os nefastos efeitos dos PTA (Associações de Pais e Mestres) americanos. As experiências
de escolas brasileiras com colegiados indicam composições predominantemente
corporativistas, com predomínio de professores e funcionários. Os pais são os clientes e,
por isso mesmo, deveriam ter uma posição majoritária, juntamente com os membros da
cole-tividade que, em última instância, pagam a conta.
Curiosamente, as autoridades públicas e os burocratas da educação têm procurado, em
muitos países, inclusive no Brasil, tornar a escola pública mais eficiente mimetizando o
mercado, por considerarem que o próprio mercado não é capaz de prover a educação por
eles julgada desejada. Mas, o que fundamenta essa posição? Em primeiro lugar, a
concepção de um objetivo muito específico para a educação formal, conforme o art. 22 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): A educação básica tem por
finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para
o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores.
A caracterização de uma formação comum indispensável para o exercício da cidadania é
a mais forte justificativa para a suposição de que, entregue às forças de mercado, a
educação formal não preservaria a identidade de nação da sociedade nem tampouco os
valores democráticos que caracterizam sua modernidade. Se livre, a escola formal
atenderia, como acontece em qualquer mercado, aos anseios das famílias. Nessa linha de
raciocínio, haveria um conflito entre os desejos das pessoas e das famílias e o objetivo
social da educação formal. Mas qual é o objetivo social da educação? O que é a sociedade
moderna em que vivemos?
A sociedade moderna, na qual vivemos, resulta de um longo processo de evolução.
Distingue-se das organizações sociais que a precederam por identificar a liberdade como
valor indispensável à condição humana. Formada por homens livres e sob a égide de três
direitos fundamentais - à vida, à liberdade e à propriedade -, a sociedade moderna
organizou-se economicamente através da instituição de mercados livres e, politicamente,
através do processo democrático. Essa sociedade só emergiu porque homens de convicção,
através de suas idéias, conseguiram, ao longo dos anos, convencer seus pares dos ganhos
que cada um e todos os participantes da sociedade teriam com tal organização.
O aperfeiçoamento de nossa organização social depende da liberdade de pensar, agir,
ensinar e aprender que cada um de nós pode desfrutar, dentro de uma ordem bem definida,
em que os direitos individuais são protegidos contra a concentração de poder, seja ele de
natureza política ou econômica. Retirar do homem a liberdade de inovar, ensinar e aprender
em nome da proteção de um bem coletivo, que resulta da própria ação individual do
homem, nada mais é que ditadura. É esta a diferença entre uma sociedade socialista - que
valoriza o coletivo mais que o próprio homem - e a sociedade ocidental moderna, que
aperfeiçoamos continuamente. É difícil resumir esse caminhar, mas podemos tomar como
marco as contribuições de Descartes, Calvino e Lutero, Hobbes e Adam Smith, passando
pela Revolução Inglesa, com o estabelecimento do Estado de direito, pela Revolução
Americana, com a construção dos conceitos de Constituição e federalismo, e pela
Revolução Francesa, com a partição dos poderes públicos e a construção do conceito de
cidadania.
O desafio da educação formal não é diferente do desafio de se manter uma organização
social que valorize o homem num contexto de diversidade e pluralidade. A sociedade
moderna é constituída de indivíduos que embora tenham uma herança cultural comum,
agregam-se em grupos menores segundo suas crenças religiosas, preferências raciais e
interesses particulares. Essa convivência, num contexto de liberdade, só é possível no
campo político pelo desenvolvimento do processo democrático que, embora falho, vem
sendo aprimorado para responder a tamanho desafio. Não há razão para descartarmos a
instituição do mercado livre na solução dos problemas econômicos. O que não devemos
fazer é usar o sistema político, ainda que sob uma democracia, para resolver problemas
econômicos – a educação formal demanda recursos escassos e, portanto, é um problema
econômico, como bem caracterizou Adam Smith em seu Livro V: The institutions for the
education of the youth may, in the same manner, furnish a revenue sufficient for defraying
their own expense. The fee or honorary which the scholar pays to the master naturally
constitutes a revenue of this kind.
A comprovada superioridade da economia de mercado sobre qualquer processo político
na solução de problemas econômicos convida à seguinte conclusão: não se deve deixar a
cargo das autoridades públicas o que pode ser cuidado de melhor maneira (menores custos
sociais) pela ação dos agentes privados, em permanente, livre e voluntária interação no
mercado. Produtores e consumidores de educação formal vão acabar por entenderem-se,
mesmo porque ambos são, simultaneamente, e de alguma maneira, produtores e
consumidores.

O PAPEL DO ESTADO

Não haveria então espaço para as autoridades públicas, inclusive o Legislativo, agirem no
campo educacional? Sim, há , e seu papel é de enorme importância, especialmente num
país com as características do Brasil. O que justificaria a ação das autoridades públicas na
educação formal e, portanto, qual seria o papel do governo (União, estados e municípios)?
Seguramente, todos concordamos com o papel ordenador institucional do governo. Essa é
uma de suas funções. Como qualquer mercado, o da educação formal só pode existir num
contexto de Estado de direito.
Como já ressaltamos, a existência de externalidades positivas no processo educacional e
as distorções no mercado de capitais, que impedem o acesso ao crédito com garantia de
renda futura, justificam uma ação do governo no sistema educacional. Entretanto, esses
fatos não significam que serviços educacionais não possam ser oferecidos e adquiridos num
contexto de mercado livre. Na realidade, há claras evidências históricas de que o mercado
funciona no provimento de serviços educacionais: Haigh-Ellig (1988) apresentam de forma
resumida e didática os casos dos EUA e da Inglaterra nos séculos XVIII e XIX – os dois
exemplos ilustram claramente a competência do mercado em prover as necessidades
educacionais de um país pobre, como era a Inglaterra no século passado.
Tanto externalidades positivas como distorções no mercado de capitais podem ser
tratadas pelo governo com políticas de financiamento da educação pela demanda , e não
promovendo sua oferta. Mais adiante trataremos de medidas públicas que seguem essa
orientação, como, por exemplo, o vale educação e o crédito educativo para o ensino
superior.
Por certo, cabe ao governo, através de leis, prover normas básicas que venham a
preservar os direitos contratuais das partes envolvidas no processo educacional. Em nome
da formação comum e da formação para a cidadania, nossa legislação específica sobre
educação, a LDB, estatiza o ensino, estabelece mecanismos de controle e avaliação do
ensino em todos os níveis, concentrando poder nas mãos dos burocratas do MEC, indo
muito além de assegurar os direitos contratuais dos agentes nesse mercado. Na realidade, o
contrato de prestação de serviços educacionais, que não consta da LDB, é objeto de uma
medida provisória que vem sendo renovada desde 1994 por não ser discutida e votada, pelo
completo descaso do Legislativo para com o elemento normativo relevante, caso
valorizássemos a liberdade de ensinar e aprender.

A LEGISLAÇÃO DO SETOR EDUCACIONAL

A partir da Medida Provisória no 176, de 29 de março de 1990, iniciou o governo uma série
de intervenções sobre o subsistema privado de ensino, atingindo o fator crítico de
sobrevivência da escola particular: a mensalidade escolar. Desde então, a violência
reguladora do governo vem assolando o ensino particular, fomentando um conflito entre as
famílias e a escola, cuja verdadeira origem era a inflação monetária nutrida pelo próprio
governo. Examinando, num contexto de estabilidade de preços, a relação entre a escola
particular e seus clientes, não distinguimos qualquer problema para o desenvolvimento
desse mercado. A satisfação dos anseios das famílias, no que se refere à educação de seus
filhos, será atendida pelo provimento de recursos para a escola que, desse modo, se auto-
sustentará.
Inicialmente, os reajustes das mensalidades escolares estavam associados à política
salarial geral do país e contemplavam aumentos decorrentes de dissídios coletivos das
categorias ligadas à escola, em particular o dissídio dos professores. Através da MP no 183,
de 27 de abril de 1990, o governo implantou um sistema de planilhas de custo a serem
submetidas às autoridades competentes ( Conselho Federal de Educação, quando se tratar
de ensino superior, e Conselho Estadual de Educação, para os demais casos) para
aprovação de mensalidades escolares. Essa sistemática é incorporada na Lei no 8.039, de 30
de maio de 1990. Sem razão aparente, uma portaria do Ministério da Economia, Fazenda e
Planejamento (de nº 348, datada de 25 de junho de 1990) introduziu a SUNAB no processo
de aprovação de reajustes das mensalidades escolares. Essa manobra, de puro efeito
demagógico, porquanto a Lei nº 8.039 era o diploma legal que regulava tais reajustes,
visava única e exclusivamente a depreciar a escola particular e desestabilizar a cordial
relação que sempre existiu entre as famílias e a escola. A depreciação viria pelas manchetes
dos jornais, registrando as freqüentes visitas dos fiscais da SUNAB às escolas denunciadas.
Numa visão equivocada das particularidades da prestação de serviços educacionais e sob
um conceito deturpado do que seja livre negociação, o governo impõe, uma vez mais,
mudanças radicais na relação escola-família. A MP no 207, de 13 de agosto de 1990,
estabelece as regras para a livre negociação definindo como interlocutora da escola a
representação estudantil, no caso de ensino superior, e associações de pais, nos demais
casos. Através de sua concepção de livre negociação o governo transformou o problema
econômico de definir um reajuste de mensalidades em um problema político, onde outros
interesses, que não os das famílias e da escola, passaram a comandar os acontecimentos.
Muito rapidamente surgiram associações de pais criadas fora do ambiente família-escola,
com propósitos nitidamente políticos e, por isso mesmo, freqüentemente fomentadores e
promotores de atrito, imiscuindo-se, inclusive, nas negociações das mensalidades escolares
de nível superior, quando, segundo a lei, não têm qualquer papel a desempenhar nesse
processo.
Reeditada a cada mês com modificações marginais, contribuindo assim para um clima de
incerteza e de acirramento de ânimos, a MP no 207 desembocou, em 17 de dezembro de
1990, na MP no 290 que explicita uma composição de custos que se cristalizou na Lei no
8.170, de 17 de janeiro de 1991, da seguinte forma: os reajustes das mensalidades escolares
podem incorporar, no mês imediatamente subseqüente, 70% dos aumentos salariais
concedidos aos docentes, incorporando a cada seis meses 30% da variação do índice de
preços ao consumidor (IPC). Estabelece ainda a lei, em seu art. 4o, que a inadimplência
decorrente de outros encargos financeiros que não os compatíveis com essa lei não pode
provocar qualquer sanção pedagógica ou de fornecimento de documentos, inclusive
matrícula e transferência para outro estabelecimento da escola para com o inadimplente.
Revendo o art. 4o da Lei no 8.170, estabelece a MP no 343, de 12 de Agosto de 1993, o
direito ao ensino particular sem a necessária contrapartida do pagamento das mensalidades;
portanto, a nova redação retira da escola a possibilidade de suspender seus serviços aos
inadimplentes, qualquer que seja a razão do não-pagamento das mensalidades, instituindo o
governo o calote à escola particular.
Não nos parece conveniente cansarmos os leitores com mais detalhes. Um conceito
fundamental que emerge com a sociedade moderna é o conceito de igualdade. Não
podemos nos referir a esse conceito sem deixarmos claro seu significado: entendemos que
igualdade se refere única e exclusivamente à lei - todos são iguais perante a lei. É esse
conceito de igualdade que o governo vem insistentemente atropelando, ao tratar de questões
afetas à escola particular no Brasil.

O ESTADO DE DIREITO E A EDUCAÇÃO


O contrato é uma instituição fundamental numa sociedade moderna, individualista, sujeita
ao império da lei, que garanta os direitos individuais, dentre os quais destacamos três: a
vida, a liberdade e a propriedade. A organização da produção em uma sociedade só se dará
através do mercado se existir propriedade privada e as relações comerciais forem
amparadas por contratos, num contexto de Estado de direito. Desse modo, não há razão
para tratarmos contratos de prestação de serviços educacionais diferentemente de outros
contratos, no que se refere às exigências legais. Por certo, cada conjunto de contratos tem
suas especificidades que precisam ser respeitadas, mas o propósito último da lei deve ser o
de proteger interesses de terceiros. Como está claro pelo relato anterior, o governo tem
discriminado a escola particular. Quem imaginaria uma medida provisória do governo que
instituísse o calote na compra a prazo de automóveis ou outros bens duráveis? Por que a
sociedade brasileira aceita - e alguns de seus seguimentos até aplaudem - tal agressão à
escola e, em última instância, ao direito de as famílias escolherem livremente a educação
formal de sua juventude? As explicações são longas e não serão expostas agora; por ora,
adiantamos apenas que essa passividade resulta fundamentalmente do pouco valor que nós,
brasileiros, damos ao direito de propriedade.
Com a MP no 434, de 27 de fevereiro de 1994 ( e suas reedições), que instituiu a URV,
foi definido um procedimento voluntário para a transformação de preços em URV igual à
regra imposta aos salários. Dados os riscos da irreversibilidade dessa conversão, a maioria
dos setores da economia brasileira optou pela manutenção dos preços em cruzeiros reais.
Essa foi a opção da maioria das escolas particulares. Através de acordos, o governo
conseguiu que alguns setores fixassem seus preços na nova unidade de valor, segundo uma
regra estabelecida. Com a introdução do real, as conversões remanescentes foram feitas
pela paridade da URV=R$1 com o cruzeiro real.
A lei, igual para todos, não poderia ser a mesma para mensalidades escolares, aluguéis
residenciais ou planos de saúde, todas essas atividades regidas por contratos próprios
firmados de acordo com legislação específica de cada uma. Não se poderia tratar
igualmente setores tão desiguais. Por isso, agrediu-se o pressuposto fundamental de uma
sociedade democrática - o da igualdade perante a lei. A escola particular foi a primeira a ser
atingida , depois de consultadas as bases estudantis. O art. 1o da MP no 524, de 7 de junho
de 1994, reduzia a mensalidade escolar a cerca de 52% de seu valor real, em março do
mesmo ano. A falência da escola particular não ocorreu porque, atendendo a um recurso da
CONFENEN, o Supremo Tribunal Federal considerou-a inconstitucional, não pela redução
da mensalidade, mas pela quebra de contrato de pleno direito. Num claro desrespeito à
decisão do Supremo, volta o Executivo, com a MP no 550, de 8 de julho de 1994, a insistir
na conversão das mensalidade escolares de cruzeiros reais para URV, tendo por base
valores de mensalidades pertencente a dois contratos distintos. Essa nova medida
provisória, além de manter o calote financeiro, dedicou-se a listar as penalidades a serem
aplicadas às escolas, bem como o comportamento que os juizes devem ter em certos casos
afetos às mensalidades escolares! As relações contratuais entre a escola particular e as
famílias continuam sujeitas a uma medida provisória, reeditada a cada 30 dias.
Para que se tenha uma idéia do grau de controle sobre a educação formal no Brasil e da
concentração de poder nas mãos dos burocratas do MEC, reproduzimos abaixo apenas o
art. 9 da LDB, que caracteriza o papel da União, isto é, do MEC, na organização da
educação brasileira. Estados e municípios também têm seu papel de controle. Escolhemos
ilustrar o poder concentrado no MEC para não entediarmos o leitor com muitos detalhes.
Art. 9o : A União incumbir-se-á de:

I- elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os estados, o Distrito


Federal e os municípios;
II. organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de
ensino e o dos Territórios;
III. prestar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário
à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva;
IV. estabelecer, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios,
competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio,
que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação
básica comum;
V. coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;
VI. assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino
fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a
definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;
VII. baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;
VIII. assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com
a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino;
IX. autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos
das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.

Por conta do inciso IV deste artigo, a Secretaria de Ensino Fundamental do MEC


produziu e divulgou pela internet um detalhado documento, rico em análises e observações
metodológicas e pedagógicas, estabelecendo os Parâmetros Curriculares Nacionais. Esse
documento foi produzido após um trabalho cuidadoso, ao longo dos anos de 1995 e 1996, e
que procurou envolver o maior número possível de responsáveis pelo ensino nos estados e
municípios, técnicos e pesquisadores de fundações e organizações dedicadas à educação,
docentes de universidades públicas e particulares, especialistas e educadores.
Sem dúvida, Parâmetros Curriculares Nacionais é um documento rico, bem elaborado
tecnicamente e que, se examinado como um trabalho científico-pedagógico, será uma
referência importante para todos aqueles que se interessem por educação; chegando a
detalhes de como certos conceitos podem ser passados para os alunos, esses parâmetros
podem se transformar num instrumento perigoso de controle da escola. É sempre bom
termos em mente que os burocratas do MEC, que eventualmente farão aplicar esses
parâmetros, podem ter uma visão muito própria do que uma escola precisa e deve fazer para
construir seu projeto educativo. Dado o poder discricionário da burocracia no Brasil, é
possível que na prática o conceito orientador e indicativo desses parâmetros seja
transformado em exigências homogeneizadoras e em uma forte restrição à liberdade de
ensinar. Se a motivação para a introdução desses parâmetros é melhorar a qualidade da
escola, o Chile escolheu um caminho mais coerente com o processo educacional, que não
pode prescindir da liberdade.
Em 1980, o Chile reformou todo seu ensino básico, anteriormente de responsabilidade
integral do governo central. A responsabilidade desse ensino foi totalmente transferida para
os municípios. Para contornar o problema de recursos, o governo introduziu um sistema de
vale-educação, que consiste em financiar a escola, financiando a demanda e não a oferta,
como ocorre hoje em muitos países, inclusive no Brasil. Essa forma de financiar a educação
básica, além de promover a descentralização do sistema de ensino, promove as famílias a
agente determinante, e não passivo, da qualidade do ensino a que seus filhos estão sujeitos.
Um relato de várias experiências de financiamento da educação pela demanda pode ser
encontrado no trabalho de Patrinos-Ariasingam (1998).
O vale-educação consiste, basicamente, em transferir para as famílias de mais baixa renda
um volume de recursos através de uma espécie de carta de crédito, que será usado para
matricular e custear os estudos de uma criança durante o ano escolar. O vale-educação pode
ser usado em qualquer escola pública, e as escolas particulares que desejarem participar do
programa podem fazê-lo, desde que cobrem de qualquer outro aluno o mesmo valor
recebido através do vale. Castañeda (1992) relata que em 1986 as matrículas nas escolas
particulares tinham dobrado em relação às registradas em 1980. O autor atribui esse
crescimento da matrícula em escolas privadas ao programa de vales, uma vez que a
matrícula na escola privada, paga sem o uso de vales, declinou marginalmente.
Não só a matrícula na escola básica aumentou como há fortes indicadores de sua
melhora. Embora nos testes de performance em espanhol e matemática, introduzidos a
partir de 1984, os alunos da escola particular em geral apresentassem resultados superiores
aos alunos das escolas públicas, registram-se, nestas, quedas substanciais na taxa de
abandono escolar e no percentual de repetência.
Mais importante ainda - relata o autor numa pesquisa nacional conduzida em 1985 para
uma amostra de 20.000 famílias -, constatou-se que mais de 45% dos recursos destinados
pelo programa de vales para a pré-escola e a escola primária (escola fundamental) foram
apropriados pelos 30% mais pobres, e somente cerca de 20% daqueles recursos foram
apropriados pelos 40% mais ricos.
O uso de testes de conhecimento em matemática e linguagem oral e escrita tem sido o
instrumento mais eficaz na avaliação da qualidade da escola. Essa evidência internacional
deveria ser suficiente para dispensarmos qualquer exigência quanto aos parâmetros
educacionais por parte da burocracia oficial. A introdução de testes similares para as
escolas brasileiras só faz sentido se as famílias puderem ter o direito de escolher a escola de
seus filhos. Assim, enquanto insistirmos em financiar a escola pública enfatizando a oferta,
e não a demanda, tais testes só têm significancia para a escola particular. Nesse caso, a
participação da autoridade pública é completamente dispensável, porque as associações de
escolas particulares locais podem conduzir tais avaliações com rapidez e eficiência,
gerando informação para as famílias sobre a qualidade da escola particular. De um modo
geral, as famílias têm um bom conhecimento sobre a qualidade das escolas particulares da
comunidade em que vivem.
O inciso IX do artigo 9 da LDB atribui à União o controle pleno da educação superior no
Brasil. É um fato conhecido que o sistema universitário brasileiro promove injustiças, mas
poucos atribuem a esse controle alguma responsabilidade pelos resultados. Como
chamamos a atenção anteriormente, são os alunos das escolas particulares, de melhor
ensino, que acabam sendo admitidos na universidade pública, que não exige qualquer
pagamento. As universidades e instituições de ensino superior particulares, no Brasil,
necessitam de autorização do MEC para manterem quaisquer programas de graduação ou
pós-graduação. Quase 60% do total das matrículas em cursos superiores no Brasil são de
responsabilidade das instituições particulares.
Pela existência de distorções no mercado de capitais, as forças livres de mercado não
conseguem redirecionar recursos de outras atividades para a educação. Como conciliar o
fato de a maioria dos estudantes universitários, na média, oriundos de famílias com menor
nível de renda, ter que pagar seus estudos universitários enquanto uma minoria, oriunda de
famílias, em média, mais abastadas, não necessita fazê-lo? Em vários países o governo tem
agido justamente na promoção de crédito para a educação superior de modo a contornar a
distorção no mercado de capitais. É importante notar que nem todos os países que adotaram
o crédito educativo têm a universidade pública isenta de pagamento direto. De um modo
geral, as experiências têm sido desastrosas.
No Brasil, o CREDUC - Crédito Educativo, só é concedido para estudantes universitários
em cursos de graduação de organizações de ensino reconhecidas pelo MEC e registradas no
programa. Embora não exista uma estatística oficial, há um reconhecimento, pelos técnicos
que trabalham na área, que a inadimplência, que já foi de mais de 80%, gira hoje em torno
de 50%. Em parte, isso se deve à forma com que o governo brasileiro instituiu o programa:
em parte pela existência de universidade pública gratuita e em parte pelo controle do MEC.
Sem nos estendermos sobre o assunto, registramos em primeiro lugar que esse tipo de
financiamento não se aplica à pós-graduação.
O CREDUC não possui um sistema efetivo de recuperação do crédito, e tanto os
responsáveis pela administração do programa como os tomadores de recursos acham
injusto que os devedores tenham de amortizar tais créditos por não terem tido oportunidade
de cursar uma universidade gratuita. Como a escola particular é de melhor qualidade que a
escola pública, estudantes que terminam o ensino básico em escolas particulares têm maior
probabilidade de ingressarem nas universidades públicas, não necessariamente escolhidas
pela qualidade de seu ensino, mas, de modo geral, por ter custo direto zero. Já os egressos
da escola pública conseguem, de modo geral, matrícula em organizações particulares, e são
eles, os oriundos de famílias de mais baixa renda, que tomam recursos do CREDUC.
A distorção maior se origina no poder regulador do MEC. Como o MEC autoriza o
funcionamento e a emissão de diplomas das organizações particulares de ensino superior,
legalmente qualquer diploma tem o mesmo valor, independentemente da qualidade do
ensino ministrado. Assim, uma grande maioria dos estudantes que tomam recursos do
CREDUC não consegue, ao completar seus cursos, empregos compatíveis com o
investimento feito e, portanto, não consegue amortizar o empréstimo. É voz corrente que o
governo deseja, por isto mesmo, desativar o crédito educativo.
Como esse instrumento pode contornar uma distorção existente no mercado de capitais,
seu aperfeiçoamento poderia ser uma alternativa para enfrentar o problema, e o certo seria
não desativar o CREDUC. Transferindo o crédito para a organização de ensino responsável
pelo seu pagamento, em muito reduzir-se-ia a inadimplência. Seria necessário dar às
organizações de ensino instrumentos para receber as amortizações dos devedores em seu
devido tempo e flexibilidade para acertar parcerias com instituições financeiras para a
administração desse novo sistema de crédito. A descentralização da concessão do crédito e
a possibilidade de flexibilizar o percentual da anuidade a ser financiada em muito
contribuiriam para contornar os atuais problemas do sistema.
É comum ouvirmos afirmações de que, de modo geral, os estudantes das organizações
particulares de ensino superior têm uma formação média de qualidade inferior àquela dos
estudantes de universidades públicas. Supostamente, a qualidade do graduado pelas
instituições particulares é pior que a daqueles oriundos das universidades públicas. Por que
isso acontece? É pelo fato de as organizações particulares serem de pior qualidade? Não
resta dúvida que há muitas organizações particulares de ensino superior que sequer
poderiam funcionar, quanto mais concederem diplomas, que precisam ser, e o são,
registrados no MEC. As organizações de ensino superior são bastante diversas: no âmbito
das públicas, a grande maioria é de universidades mantidas pelo governo federal; no caso
das particulares, o grande número é de escolas isoladas, que também representam um
percentual elevado do total de matrículas. A qualidade média dos graduados num sistema e
em outro tem significado bastante diferente. A comparação deve ser entre universidades
públicas e universidades particulares.
Mas, se a qualidade de muitas organizações particulares é baixa, como justificar sua
existência? Em primeiro lugar, essa realidade é muito diferente da do tempo em que o
preconceito foi criado. Com a necessidade de se produzirem estatísticas melhores para o
país, em termos de educação superior, passamos por um período, na década de 70, de
estímulo à abertura de cursos superiores. A oferta de ensino superior cresceu , e também as
matrículas, pela demanda reprimida existente. O Conselho Federal de Educação, que
segundo declarações oficiais na época foi extinto por ser instrumento de tráfego de
influência, em muito colaborou para esse crescimento exagerado da oferta de ensino
superior, sem a existência de pessoal qualificado para o exercício do magistério. O
resultado não podia ser outro: queda na qualidade do ensino e, conseqüentemente, como as
unidades adicionais, de modo geral , não tinham pessoal preparado, a qualidade média do
graduado pelas instituições particulares caiu.
Parte da demanda reprimida buscava exclusivamente um diploma oficial; funcionários
públicos de todos os níveis administrativos eram os clientes em potencial de um ensino
medíocre. A racionalidade pela busca de um diploma é obvia: sua promoção automática
carecia apenas da apresentação de um diploma de curso superior reconhecido pelo MEC. A
situação hoje é bem diferente. Com a queda contínua da taxa de crescimento da população
brasileira, há hoje um excesso de oferta de educação superior para muitas áreas específicas
do conhecimento.
Preocupado com a qualidade do ensino superior, o MEC instituiu um sistema de
avaliação desse ensino que compreende um exame de conhecimentos específicos aplicado
aos formandos; uma avaliação do curso ministrado pela instituição, através da visita de uma
comissão de especialistas e seu correspondente relatório, e uma avaliação do corpo docente
com base em sua titulação, dedicação ao magistério e produção acadêmica.
Um exame de conhecimentos específicos para avaliar a qualidade do ensino superior foi
instrumento utilizado em meados da década de 70 e abandonado na década de 80. Esse
experimento ocorreu tanto nos EUA como em muitos países europeus, e a razão para o seu
abandono se deve à precariedade de tal indicador, comparado com outras alternativas.
Nesse sentido, o provão, como instituído pelo MEC, tem um caráter de indicador pior do
que os testes aplicados em outros países, porquanto as normas de sua aplicação isentam o
estudante de qualquer custo direto. Pelas normas vigentes, os resultados do provão só são
divulgados para a instituição de ensino, e não para o estudante. Desse modo, o estudante,
individualmente, não tem qualquer estímulo para empenhar-se na realização desse exame,
pois o maior custo de sua má performance recairá sobre a instituição na qual se gradua.
A avaliação do curso por especialistas e a avaliação do corpo docente são dois
instrumentos importantes para a caracterização da qualidade de um programa universitário.
Teichler (1996), ao discutir a educação superior e o emprego, chama a atenção para a
importância do professor de tempo parcial no ensino universitário profissional. Médicos,
advogados, juízes, promotores, arquitetos, administradores, contadores e muitos outros
profissionais têm uma grande contribuição a dar à formação de nossos jovens participando
em tempo parcial de programas universitários. Considerando um critério único de avaliação
do corpo docente para as diversas áreas de ensino universitário, as autoridades públicas
podem ter uma percepção errada da qualidade de programas universitários, em especial os
de natureza profissional.
McDaniel (1996) conduziu uma pesquisa sobre aspectos teóricos e práticos do uso de
indicadores de performance em avaliação universitária. Dos 17 instrumentos de avaliação
considerados, apenas sete tiveram impacto alto ou médio sobre a determinação da
qualidade da instituição de ensino. Os 17 indicadores de qualidade foram apresentados a
especialistas em educação superior, sendo-lhes pedido que conferissem uma nota de 1 a 7
segundo sua relevância para a determinação da qualidade. De países diversos e de
instituições universitárias também diversas, 373 especialistas classificaram os 17
indicadores de performance dando-lhes notas que variaram de 1= completamente
irrelevante, a 7= muito relevante. O indicador que recebeu a maior média foi a avaliação
dos graduados pelos empregadores (5,55), e o que recebeu menor média foi a renda dos
professores de outras fontes (4,13). Os indicadores que tiveram média superior a 5,2, além
dos já mencionados, foram reputação acadêmica do corpo docente (5,49); avaliação do
conteúdo curricular pelos pares (5,38); taxa de emprego dos graduados (5,34); taxa de
graduação (5,21) e avaliação da qualidade pelo estudante (5,21).
É claro, portanto, que na visão dos especialistas o mercado é o melhor avaliador da
qualidade do ensino superior, uma vez que quatro (avaliação do graduado pelo empregador,
qualidade do currículo, taxa de emprego dos graduados e a própria avaliação do estudante,
se ele tem opção de escolha onde estudar) dos seis indicadores considerados mais
importantes estão diretamente associados ao mercado de educação.

UMA REFLEXÃO FINAL

Le difficile est de ne promulguer que des lois nécessaires, de rester à jamais fidèle à ce
principe vraiment constitutionnel de la société, de se mettre en garde contre la fureur de
gouverner, la plus funeste maladie des gouvernements modernes.

Não há dúvida alguma sobre a atualidade e a pertinência das palavras de Mirabeau aqui
reproduzidas. Não nos resta qualquer dúvida, também, sobre a importância dos conceitos de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade para a formação de repúblicas modernas. Ainda estão
vivas em nossa memória as calorosas discussões políticas sobre liberdade e igualdade na
Inglaterra vitoriana. A despeito de toda essa herança, insiste o governo brasileiro em
agredir o sistema de ensino do país tratando-o ora como filho bastardo, no caso do
subsistema público, ora como marginal, no caso do subsistema privado, e, em ambos os
casos, retirando-lhe a liberdade.
A escola particular representa a liberdade de ensinar e aprender. Somente através da
escola particular podem os pais prover, segundo sua vontade livre, a educação que julgam
adequada para seus filhos. A escola pública poderia atender às exigências das famílias se
estas, e não a burocracia oficial, fossem localmente responsáveis pela escola. O furor
controlador do governo mantém a escola pública refém da burocracia oficial e impede o
desenvolvimento e a criatividade da escola particular. Entretanto, uma nova organização
administrativa da escola pública vem-se desenhando no Brasil, conforme tivemos
oportunidade de comentar, e esperamos que as inovações caminhem para um controle dos
pais e da comunidade local sobre a escola pública.
Nenhuma outra atividade humana no Brasil está sujeita a tanto controle quanto a
educação formal da escola: a entrada no mercado não é livre e depende de uma licença que
perio-dicamente precisa ser renovada; o controle se espraia pelo conteúdo pedagógico,
atingindo o número de dias trabalhados e a titulação dos recursos humanos utilizados no
processo. No caso da escola particular, as anuidades cobradas em parcelas mensais são
monitoradas por várias autoridades governamentais e as instalações físicas estão sujeitas a
exigências impostas por essas mesmas autoridades. Pura ilusão! O excesso de controles não
tem promovido qualidade - ao retirar do mercado sua criatividade, pela supressão da
liberdade de ensinar, o governo só tem promovido a mediocridade e penalizado as
organizações que levam a sério sua missão de educar.
Se a liberdade foi abolida da escola, a igualdade só tem sido conseguida na mediocridade.
As organizações de ensino, que mantêm os melhores níveis de qualidade, o fazem a
despeito dos embaraços criados pelo governo. Sua qualidade, ainda que elevada no país,
não se destaca num contexto internacional. A educação no Brasil não carece de recursos;
carece, isso sim, de liberdade. Os países de planejamento central sempre destinaram,
relativamente a países similares mas sujeitos a uma organização institucional mais livre,
mais recursos públicos para a educação. Todos concordamos que é fundamental para o
pleno desenvolvimento de uma nação a melhoria continuada da qualidade de seu povo. A
experiência dos países socialistas do Leste Europeu deixa claro que sem liberdade os
investimentos no homem têm pouco impacto sobre o desenvolvimento econômico-social. A
preservação da criatividade do ser humano e a promoção de sua inventividade num
contexto social dependem das instituições; instituições que promovem a liberdade
individual dentro de um Estado de direito favorecem a criatividade humana, fator
indispensável ao progresso econômico-social, e, por conseguinte, ao maior nível de bem-
estar do homem.
O homem aprende com a experiência. Uns mais rapidamente que outros, uns a maiores
custos que outros. Todo o mundo caminha no sentido de promover mais liberdade, pois só
assim consegue-se mais prosperidade, porque a criatividade e a inventividade do homem
decorrem de sua liberdade. Se por um lado a lei viabiliza a liberdade e a justiça garante o
seu exercício, é a escola a instituição que promove a liberdade de forma mais perene, não
só pela importância de sua atividade fim na formação da cultura e na preservação dos
valores, como também por sua própria natureza, a busca do saber, o qual não existe sem a
liberdade. Em 1978 o governo francês tentou acabar com parte da escola particular (a
confessional) , na França. O povo francês reagiu rapidamente, exigindo ter o direito de
escolher como educar seus filhos.
Inviabilizando a escola particular e prometendo escola pública para todos estamos
corrompendo, diante das dificuldades conjunturais por que passa o povo brasileiro, nossos
ideais de liberdade e de prosperidade. Não nos podemos deixar enganar com medidas
demagógicas, não podemos permitir que o Estado, uma instituição inventada pelo homem,
com o propósito de tornar a vida em sociedade sujeita a um mínimo de atritos, promova,
por demagogia de seus governantes, conflitos artificialmente criados. É preciso que o
governo saiba que não somos favoráveis à manutenção dessa política de promoção da
ignorância. Explicitemos nossa vontade!
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