Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Heinrich Schenker and The Art of Performance: an analysis of the incongruences resulting
from its translation and a proposal on how to solve these
Abstract: Considering the centennial of the writing of the draft of The Art of Performance, this paper aims
to emphasize the pertinence of Schenker’s reflections and pay homage to the efforts which have rendered
his annotations finally accessible to musician-interpreters and researchers. A careful reading of the
English version, however, reveals several conceptual problems stemming from the translation of discrete
terms for performance, and may mask the real intention of its author and represent an obstacle in the
understanding of basic concepts of musical practice. The main objective, however, is not only pointing to
the problems – which, in a not much different form, also emerge for the Portuguese language reader – but
rather propose a solution to the impasse.
Keywords: Heinrich Schenker, The Art of Performance, theory of musical interpretation, Viennese
School; interpretative practice.
1. Apresentação do problema
1
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
pelo autor para, um dia, se tornar livro. Depois do falecimento do autor, a tentativa de
publicar os manuscritos e anotações oriundos do espólio passou por diversos reveses até
que, no ano de 2000, a parte mais elaborada do material chegou a ser editada sob o
título The Art of Performance.1
Uma leitura minuciosa de textos teóricos redigidos por Richard Wagner
(1813-1883), Heinrich Schenker, Arnold Schönberg (1874-1951), Rudolf Kolisch
(1896-1978) e Theodor Adorno (1903-1969), contudo, revela que esses autores
costumavam empregar os termos Vortrag (exposição, apresentação), Aufführung
(apresentação no palco, evento artístico), Ausführung (execução), Wiedergabe e
Reproduktion (reprodução, sendo o primeiro o correspondente germânico do segundo,
de raiz latina), Interpretation (interpretação) e Improvisation (improvisação) para
designar os diferentes aspectos da prática musical. No início do século XX, entretanto, o
termo Vortrag, aplicado ao campo de música, caiu em desuso, sendo hoje somente
empregado em sentido de palestra, discurso ou declamação. Dos termos arrolados,
apenas o significado de Aufführung chega próximo a performance, denotando todo tipo
de representação artística no palco. Por conseguinte, a primeira incongruência já emerge
na escolha do título da versão inglesa, pois o termo alemão Vortrag, recorrente na época
de Schenker, só corresponde parcialmente a performance.
Em contrapartida, o termo performance se disseminou, nas últimas décadas,
em campos bem distintos, da filosofia ao esporte. Também no meio musical, o elemento
performativo está cada vez mais no centro das atenções.2 A enorme difusão, contudo,
também fez com que os termos interpretação e performance fossem empregados de
maneira bastante confusa. Existem, portanto, fortes evidências de que as incongruências
da versão inglesa da “arte da performance” sejam um resultado da tradução
indiscriminada de termos distintos da prática musical por um único termo de grande
abrangência – o de performance. Ainda que a tradução de Irene Schreier Scott seja boa
como um todo, a não distinção de conceitos fundamentais da prática musical vienense
como de interpretação, reprodução e performance pode encobrir a real intenção de seu
autor e representar um obstáculo para a sua compreensão. Daí a sugestão que o título “A
arte da interpretação musical” (The Art of Interpretation) ou “A arte da reprodução
musical” (The Art of Musical Reproduction) teria sido mais apropriado para o projeto de
Schenker.
2
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
Optamos por manter no título da obra de Schenker o termo performance, embora estejamos
de fato tratando de interpretação. A opção pelo anglicismo tem como intuito afirmar o
aspecto performático desta atividade. O termo interpretação, apesar de mais abrangente,
não implica necessariamente na execução de uma obra por um instrumentista. Utilizaremos
ambos, interpretação e performance, conforme nos pareça conveniente ao longo do artigo
(BARROS; GERLING, 2007: 142, nota 2).
3
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
REPRODUÇÃO
INTERPRETAÇÃO PERFORMANCE
4
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
“reprodução” (HS: 3, 4), e tudo indica que a variante alemã do termo (Wiedergabe) por
ora tenha sido traduzida também por rendition (HS: 3, 4, 77). Devido à situação da
época que Schenker formula a sua crítica ao papel que a prática interpretativa estava
ocupando no meio musical de seu tempo, “em flagrante contraste com as verdadeiras
origens”. Ao reivindicar uma “reprodução verdadeira”, Schenker se opunha a tendências
exibicionistas da sua época que estavam exagerando em modo e medida de suas
performances (HS: 4, 81-82).4 Nesse sentido, Schenker também expressa certa
preocupação com as correntes positivista e pragmática de seu tempo, ocasião em que
formula sua crítica não apenas a Czerny como também a “Strauss, Reger, Mahler etc.”
(HS: 42, 73).
É logo na abertura do primeiro capítulo de a Arte da Performance, que
Schenker – conhecido por suas posições radicais – expõe uma questão controvertida que
afasta a noção tradicional, calcada na prática especificamente interpretativa, das
concepções contemporâneas, calcadas na dimensão performativa da prática musical
como evento artístico e social. Uma vez colocada no contexto, reparemos então na
inconsistência da versão inglesa quando, na verdade, dever-se-ia ler “reprodução” no
lugar de “performance”:
5
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
6
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
O erro fatal na interpretação de uma obra musical está na visão geral que se tem do sentido
atribuido ao modo da notação de um compositor [...] o fato de que a nossa notação
dificilmente represente mais do que meramente neumas deve fazer com que o intérprete
procure o sentido por trás dos símbolos [...] o modo de notação do compositor não fornece
as indicações para a sua interpretação, representando, em sentido mais profundo, os efeitos
que este enseja obter [...] Uma interpretação literal impediria, portanto, que tal efeito possa
ter lugar (HS: 5).10
7
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
8
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
3. Considerações finais
Os argumentos e exemplos apresentados confirmam a tese de que o
emprego do termo performance necessita de mais ponderação quando for aplicado a
termos distintos da prática musical no contexto da tradição musical vienense.
Representando a dimensão performativa na tradição vienense um aspecto bastante
sublimado, predomina, em sua prática, o elemento interpretativo. Todavia, o fato de que
o elemento performativo esteja subordinado a critérios de interpretação não quer dizer
que também não tenha importância ou que seja um elemento menos produtivo para o
intérprete, o pesquisador ou o crítico musical. Em suma, vista como um todo, a prática
interpretativa designa um processo artístico multiforme e polissêmico, cuja abrangência
conceitual aumenta sensivelmente quando se lhe atribuem a reprodução e a performance
como elementos ativos.
Embora a grande maioria dos exemplos musicais escalonados por Schenker
trate da “arte de interpretar”, estranha que justamente o elemento interpretativo tenha
quase desaparecido do vocabulário da versão inglesa. Por essa razão, uma nota que
justificasse a opção ou que alertasse o leitor desprevenido do problema certamente teria
sido apropriado.
4. Referências bibliográficas
BARROS, Guilherme S. de; GERLING, Cristina C. Análise schenkeriana e
performance. In: Opus. Goiânia, v.13, n.2, p.141-160, dezembro de 2007. Disponível
em: <www.anppom.com.br/opus/opus13/209/09-Barros-Gerling.pdf>, acesso abr.
2011.
ESSER, Heribert. Editor’s note. In: SCHENKER, Heinrich. The Art of Performance.
Tradução de Irene Schreier Scott. Editado por Heribert Esser. Oxford: Oxford
University Press, 2000, p.xi-xxi.
9
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
KOLISCH, Rudolf. Rudolf Kolisch. Zur Theorie der Aufführung. Ein Gespräch mit
Berthold Türcke. In: METZGER, H.-K.; RIEHM, R. (eds.). Musik-Konzepte, n.º 29,
30. Munique: Edition Text + Kritik, 1983.
KUEHN, Frank M. C. Interpretação – reprodução musical – teoria da performance:
reunindo-se os elementos para uma revisão conceitual do modelo recorrente das
práticas interpretativas. No prelo (junho 2011).
KUEHN, Frank M. C. Reprodução, interpretação ou performance? Acerca da noção de
prática musical na tradição clássico-romântica vienense. In: PRIMEIRO SIMPÓSIO
BRASILEIRO DE PÓS-GRADUANDOS EM MÚSICA (SIMPOM), Rio de Janeiro,
2010. Anais. Pesquisa em música: novas conquistas e novos rumos. Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), p.747-757. O paper
também está disponível em: <www.unirio.br/simpom/textos/SIMPOM-Anais-2010-
FrankKuehn.pdf>, acesso abril 2011.
SCHENKER, Heinrich. The Art of Performance. Tradução de Irene Schreier Scott.
Editado por Heribert Esser. Oxford: Oxford University Press, 2000.
SCHÖNBERG, Arnold. Style and Idea. Berkeley: University of California Press, 1984.
SCHREIER SCOTT, Irene. Translator’s introduction. In: SCHENKER, Heinrich. The
Art of Performance. Tradução de Irene Schreier Scott. Editado por Heribert Esser.
Oxford: Oxford University Press, 2000, p.vii-ix.
5. Notas
1
Mais informações sobre o histórico do material e os procedimentos editoriais nas notas
introdutórias da tradutora (SCHREIER SCOTT, 2000) e do editor (ESSER, 2000).
Observações: 1) nas referências bibliográficas da The Art of Performance (SCHENKER, 2000),
também designada apenas de “Arte da Performance”, será usada a sigla “HS”; 2) salvo
indicação em contrário, a tradução das citações para o português, assim como as interpolações
no corpo de texto são de minha autoria.
2
Sendo assim, realmente tudo na vida pode ser encarado sob certa ótica da (ou de uma)
performance.
3
Diferenciemos entre o termo “práticas interpretativas”, no plural, e “prática interpretativa”, no
singular. O primeiro designa a disciplina acadêmica de mesmo nome, enquanto o segundo se
refere à prática musical propriamente.
4
“I claim performances have always taken a shape that has nothing to do with a true
reproduction. Because what ought to be known in order to perform a sonata by Beethoven is not
known, the musical world found it easy to assign a role to reproduction in music that is in
appalling contrast to its real origins” (HS: 4).
5
“Basically, a composition does not require a performance in order to exist. Just an imagined
sound appears real in the mind, the reading of a score is sufficient to prove the existence of the
composition. The mechanical realization of the work of art can thus be considered superfluous”
(HS: 3).
6
“Interpretation is necessary, to bridge the gap between the author’s idea and the contemporary
ear” (SCHÖNBERG, 1984: 328).
10
KUEHN, Frank M. C. Anais do XXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música (ANPPOM), Uberlândia, MG, 2011. Disponível em: http://unesp.academia.edu/fmc
7
“[…] the instrument that is being played; properties of the hall, the room, the audience; the
mood of the performer [leia-se intérprete], technique etc. […] In other words: those properties
must not given priority. Yet how casually will many an artist sacrifice the work of art – which
never should be sacrified! – to the hall, the audience, to his fingers!” (HS: 3).
8
Escreveu Schenker: “The profession of virtuoso, based on a lie, prevailed and attained the
recognition of artistic justification” (HS: 83).
9
“Each work of art has only one true rendition [leia-se reprodução] – its own, particular one”
(HS: 77).
10
“The most fateful error in the performance [leia-se interpretação] of a musical work is the
general view on the meaning of a composer’s mode of notation [...] the mere fact that our
notation hardly represents more than neumes should lead the performer [leia-se intérprete] to
search for the meaning behind the symbols [...] the autor’s mode of notation does not indicate
his directions for the performance [leia-se interpretação] but, in a far more profound sense,
represents the effect he wishes to attain [...] A literal interpretation robs one of the very means
leading to that effect” (HS: 5).
11
É correto que o vocábulo germânico Rahmen signifique “moldura”. Anschlag, porém, nesse
caso não se refere a “afixar a moldura”, como entendem BARROS e GERLING (: 146), e sim a
“toque” (touch), associado ao modo com que o intérprete se expressa gestual, mímica e
biomecanicamente ao instrumento.
12
“Herein lies the true secret of the art of performance: to find those peculiar ways of
dissembling through which – via the detour of the effect – the mode of notation is realized”
(HS: 6). Destaque para a tradução certeira do termo performance.
13
Schenker sublinha que o músico-intérprete deve ser sempre sincero consigo mesmo e estar em
busca da verdade, contexto em que condena a tendência ao virtuosismo de seu tempo (HS: 34 e
84).
11