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O PAPEL DOS GÊNEROS ORAIS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Priscila da Silva Rocha


prisr@bol.com.br

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Amanda Valiengo


amanda.valiengo@ufsj.edu.br

Universidade Federal de São João del-Rei

RESUMO

Este trabalho faz parte de uma pesquisa de mestrado em andamento no Programa de


Pós-Graduação em Processos Socioeducativos e Práticas Escolares da Universidade
Federal de São João del-Rei, ao qual proponho uma discussão para compreender o
desenvolvimento de práticas de oralidade na Educação Infantil sob o viés dos gêneros
orais. Documentos legais voltados para a Educação Infantil destacam a finalidade dessa
modalidade e o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade. Trazem
também como proposta pedagógica um ensino reflexivo, na qual as práticas
pedagógicas devem ser pautadas nas experiências vivenciadas. Sendo assim, é preciso
pensar nas práticas pedagógicas desenvolvidas em sala que contribuam para o
desenvolvimento integral da criança. Portanto, este estudo torna-se relevante, pois a
linguagem oral desempenha um papel importante nesse desenvolvimento,
estabelecendo-se nas relações sociais. A fundamentação teórica se pauta na Teoria
Histórico-Cultural proposta por Vigotski (2010) e as perspectivas de linguagem e
gêneros orais defendidas por Bakhtin (2011). Diante disso e em consonância com os
documentos oficiais para a Educação Infantil, a proposta aqui descrita tem como
objetivo discutir o lugar dos gêneros orais, enquanto práticas de oralidade, no contexto
da Educação Infantil. Este estudo é baseado em uma pesquisa qualitativa, na qual será
desenvolvida a observação participante em uma turma de 2º período da Educação
Infantil da rede municipal de Juiz de Fora. Este estudo está na etapa da revisão
bibliográfica, buscando autores que permitirão uma reflexão sobre a prática a ser
observada ao entrar no campo. Desse modo, a pesquisa dá seus primeiros passos
buscando contribuir para o campo de pesquisa e para o exercício da prática pedagógica.
Sendo assim, este trabalho pretende apresentar as discussões iniciais da pesquisa.

Palavras-chave: Educação Infantil; oralidade; gêneros orais.

INTRODUÇÃO

A Educação Infantil possui um papel importante no desenvolvimento integral


das crianças. Segundo a Teoria Histórico-Cultural fundamentada por Vigotski (2010), a
criança nasce com um corpo biológico que necessita totalmente do adulto para satisfazer
seus anseios elementares (alimentação, higiene, abrigo, dentre outros). O
desenvolvimento humano acontece quando as funções elementares se transformam em
funções psíquicas superiores (a comunicação, a memória, o pensamento e a atenção).
Esse desenvolvimento se dá nas relações com o outro. Partindo desses pressupostos, o
desenvolvimento humano deve ser considerado social, histórico e cultural sendo
necessário que os adultos criem necessidades nas crianças para que aprendam e,
consequentemente, se desenvolvam. Na etapa da Educação Infantil, as crianças iniciam
o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Diante disso, é preciso pensar nas
práticas pedagógicas da escola que promovam vivências significativas que promovam o
desenvolvimento infantil.
As discussões no campo acadêmico em torno da Educação Infantil ainda são
tímidas, porém muito importantes para a reflexão da Educação Brasileira. Essa
invisibilidade pode ser justificada, em parte, pela construção histórica que perpassou o
caráter assistencialista à população mais pobre, tendo o cuidado com o corpo
evidenciado e deixando à margem o caráter educacional. O acesso às creches e pré-
escolas como direito se afirmou a partir da Constituição de 1988, sendo reafirmado com
a LDB nº 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A partir dos anos
1980, com as reformas educacionais, houve mudanças no caráter assistencialista das
instituições de Educação Infantil, começando então uma discussão em torno da
importância do educar. Andrade (2010) destaca essa relevância da educação na
Educação Infantil ao afirmar que:

O reconhecimento do caráter educativo das creches implica o rompimento de


sua herança assistencialista, assim como a definição de propostas
pedagógicas para as crianças pequenas que possam garantir a aprendizagem e
o desenvolvimento infantil respeitando as particularidades dessa faixa etária.
(ANDRADE, 2010, p.146)

Essa concepção educativa de Educação Infantil, reflexo da busca pelos direitos


da criança pequena, foi expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil lançadas pela Resolução nº 1, de 7 de Abril de 1999, revisadas em 2009. Esse
documento oficial trouxe como proposta uma concepção de criança enquanto sujeito
ativo e participante social.
A Educação Infantil é a primeira etapa do ensino básico e tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade. Ao reconhecer a criança
como um sujeito de direito, a Educação Infantil também passa a ser compreendida como
uma etapa da Educação responsável pelo cuidar e educar das crianças. Diante disso, é
preciso refletir sobre o papel da aprendizagem no desenvolvimento infantil e no papel
do professor enquanto mediador. Vygotski (1991) declara que a aprendizagem está
atrelada ao desenvolvimento. Portanto, é fundamental que o aprendizado seja bem
organizado proporcionando desenvolvimento mental. Para ele “aprendizado e
desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança.”
(VYGOTSKI, 1991, p.58). Essa inter-relação ocorre por meio das vivências com o
outro e com o ambiente. Para ele, o homem realiza sua mediação com o ambiente por
meio de instrumentos da cultura na qual nasce e de signos como a linguagem e a escrita.
Vigotski (2010) define o conceito de vivência como aquilo que é externo ao sujeito e
que lhe permite interpretar, perceber e sentir, proporcionando o desenvolvimento.
As vivências são permeadas por diferentes linguagens (corporal, imagéticas,
visual, verbal, escrita e musical). Assim, o trabalho pedagógico precisa contemplar
situações sociais em que haja a manifestação dessas linguagens. O presente trabalho tem
como foco a linguagem oral, pois entende que a Educação Infantil é a etapa em que as
crianças começam a desenvolver a linguagem oral. Segundo Lísina (1987), esse
desenvolvimento acontece a partir do contato com o adulto, o sujeito mais experiente, e
com os seus pares. Essas relações surgem na necessidade de comunicação, ou seja, o
adulto de maneira antecipadora fala com a criança antes mesmo que ela compreenda o
que está sendo dito. A perspectiva de linguagem que permeia este estudo é a defendida
por Bakhtin (2011), que compreende a linguagem como um fenômeno social e cultural
que se efetiva nas interações entre os sujeitos. Para o autor, “a utilização da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam
dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”. (BAKHTIN, 2011, p.
280). Essas afirmativas nos levam a compreender a necessidade de trabalhar com a
oralidade na Educação Infantil, pois é o momento em que o desenvolvimento infantil
ocorre intensamente. A oralidade aqui é entendida como prática social, ou seja, se
efetiva em diferentes situações sociais. Refere-se às práticas sociais da modalidade
falada da língua.
As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por mudanças nas propostas
curriculares da educação brasileira. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (DCNEI) lançadas pela Resolução nº 1, de 7 de Abril de 1999,
revisadas em 2009 e os RECNEIs (Referenciais Curriculares Nacionais para Educação
Infantil) trouxeram em suas orientações o uso dos gêneros como instrumento de ensino
para o desenvolvimento da linguagem. Bakhtin (2011, p. 280) chama de gêneros do
discurso “tipos relativamente estáveis de enunciados” Caracterizados por “(conteúdo
temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do
enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de
comunicação.” A partir dessa afirmativa, na qual o autor evidencia os gêneros como
instrumentos sociais e partindo dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural sobre o
desenvolvimento infantil, este trabalho apresenta alguns pontos da pesquisa de mestrado
sobre as práticas de oralidade no contexto da Educação Infantil sob o viés dos gêneros
orais.

CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

Os trabalhos com foco na linguagem oral, advindos do meio acadêmico, têm


contribuído para avanços no campo da educação (Marcuschi, 2003; 2007; Magalhães,
2008; Leal, 2012; Dionisio, 2007), porém ainda são necessárias reflexões sobre as
práticas de oralidade na Educação Infantil tendo os gêneros orais como base do ensino.
Ainda hoje presenciamos uma supervalorização da linguagem escrita na escola,
desconsiderando a linguagem oral das crianças e os instrumentos de ensino que
perpassam essa linguagem, como os gêneros orais. Marcuschi (2003, p.1) apresenta a
importância dos gêneros na sociedade, destacando que:

Já se tornou trivial a idéia de que os gêneros textuais são fenômenos


históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de
trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as
atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa.

Conforme Marcuschi (2003), em consonância com Bakhtin (2011), os gêneros


orais são fenômenos sociais, históricos e culturais, portanto são importantes aportes para
o ensino e para o desenvolvimento da linguagem oral. Cabe ressaltar que a fala, através
da tradição oral, assume um papel de destaque ao longo da história. Fato, este,
confirmado na transmissão dos conhecimentos populares, das contações de história e na
construção de memórias culturais. Também é preciso lembrar que o ser humano
desenvolve a linguagem oral antes da linguagem escrita como afirma Marcuschi e
Dionisio (2007):

Não há por que negar que a fala é mais antiga que a escrita e que esta lhe é
posterior e em certo sentido dependente. Assim, a oralidade é uma prática
social de grande penetração. Mesmo considerando a enorme e inegável
importância que a escrita tem nos povos e nas civilizações ditas “letradas”,
continuamos, como bem observou Ong (1998), povos orais. (MARCUSCHI;
DIONISIO, 2007, p. 27)

Sendo assim, somos sujeitos sociais que por meio da linguagem oral
vivenciamos situações sociais, e a partir dessas relações nos humanizamos, ou seja, nos
desenvolvemos. Nesse sentido, fica clara a importância de práticas pedagógicas com
gêneros orais na Educação Infantil.
O presente artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado em andamento no
Programa de Pós-Graduação em Processos Socioeducativos e Práticas Escolares da
Universidade Federal de São João del-Rei, ao qual proponho uma discussão para
compreender o desenvolvimento de práticas de oralidade na educação infantil sob o viés
dos gêneros orais. Diante dessas considerações, busca-se com essa pesquisa responder a
algumas questões: Quais são os conceitos de oralidade, práticas de oralidade e gêneros
orais sob a ótica da Teoria Histórico-Cultural? Quais são as percepções dos educadores
acerca da oralidade na Educação Infantil? Como os gêneros orais são trabalhados na
educação infantil?
O objetivo da pesquisa é identificar e analisar as ações pedagógicas nas quais os
gêneros orais são instrumentos de ensino, procurando compreender a efetividade das
práticas de oralidade na Educação Infantil. A partir desse objetivo geral desmembram-
se dois objetivos específicos: compreender o que é a oralidade e os gêneros orais sob a
ótica da Teoria Histórico-Cultural; e identificar e analisar as percepções de uma
educadora em exercício em uma escola na rede pública municipal da cidade de Juiz de
Fora, acerca da oralidade e dos gêneros orais na Educação Infantil.
A pesquisa ganha sua forma, se apresentando como um estudo de cunho
qualitativo, no qual se realizará uma observação participante. Bakhtin (2011) afirma que
o ato da pesquisa reflete o lugar do pesquisador e o lugar do sujeito envolvido no
estudo. O pesquisador se coloca no lugar fora do outro, em uma posição exotópica, para
construir e compreender. Tendo em vista os pressupostos teóricos desse autor, bem
como da Teoria Histórico-Cultural, a pesquisa busca analisar os enunciados orais de
uma turma de 2º período de Educação Infantil da rede municipal de Juiz de Fora.
Ainda em seus primeiros passos, essa pesquisa busca contribuir para a discussão
da temática da oralidade na Educação Infantil. Pretende-se compreender as práticas
pedagógicas nas quais os gêneros orais se fazem presente de forma a contribuir para os
estudos voltados para os gêneros e o desenvolvimento da linguagem oral.

CONSIDERAÇÕES (AINDA NÃO) FINAIS

O presente estudo buscou apresentar alguns pontos da pesquisa em andamento


sobre o papel dos gêneros orais nas práticas pedagógicas na Educação Infantil. No
campo dos estudos sobre os gêneros orais busca-se compreender os enunciados como
instrumentos de/no ensino que promovam o desenvolvimento humano. Diante disso,
discutir sobre os gêneros orais na Educação Infantil mostra a importância das práticas
de oralidade nesse contexto.
A partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, compreende-se a
importância das vivências construídas por meio das relações entre os sujeitos e o meio.
Sendo assim, a linguagem oral que permeia essas relações precisam ser consideradas
nas práticas pedagógicas tendo como objetivo o desenvolvimento integral da criança. A
realização deste trabalho proporcionou uma reflexão sobre o desenvolvimento da
oralidade na Educação Infantil, uma etapa muito importante para o desenvolvimento
Infantil. Nesta fase da educação as crianças iniciam o desenvolvimento da linguagem,
portanto é relevante o trabalho com gêneros orais visando esse desenvolvimento.
A pesquisa encontra-se em fase inicial, porém já está sendo moldada a partir da
Teoria Histórico-Cultural e das perspectivas de Bakhtin sobre a linguagem. Espera-se
que a entrada em campo proporcione novas discussões, ampliando as possibilidades de
análise e aprofundamento da temática a fim de contribuir para o campo de pesquisa.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Lucimary Bernabé. Pedrosa de. Educação infantil: discurso, legislação e


práticas institucionais. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. (Coleção PROPG Digital
- UNESP). ISBN 9788579830853. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/11449/109136>. Acesso em: julho/2019
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 6ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2011.

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MAGALHÃES, T. G.. Por uma pedagogia do oral. Universidade Estadual de Londrina.


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MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO,


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VYGOTSKI. L. S. A Formação social da mente. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes,


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