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APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS*
1. Introdução
A relação entre literatura e outras formas de expressão não é um fenômeno
recente. De fato, desde os primeiros manifestos literários produzidos ainda na
Antiguidade, após a apropriação da escrita por povos como os sumérios, os egípcios, os
fenícios, os gregos e os romanos, a literatura tem andado lado a lado com os mais diversos
sistemas de representação, tais como o teatro, a escultura e a pintura, dentre vários outros.
As narrativas orais sumérias e gregas, todavia, nos mostram que nem sempre foi
a escrita o principal código associado à produção literária. Presentes em um período
histórico anterior ao advento da escrita e usadas como forma de registro e manutenção do
conhecimento, essas narrativas eram ritmadas para facilitar a memorização e, ao mesmo
tempo, perpetuadas de geração em geração com o auxílio de encenações e de músicas
para prender a atenção da audiência. Essas formas de expressão literária perduraram por
séculos até que pudessem, ainda na Antiguidade, formar as bases para as primeiras obras
literárias escritas das quais se têm registro. De forma semelhante, no Antigo Egito as
narrativas mitológicas para a criação do universo e do próprio homem eram representadas
por meio de uma associação entre caracteres escritos, pinturas (em paredes de templos,
em vasos de cerâmica, em afrescos e em pergaminhos) e esculturas. Isso nos mostra que
a percepção do mundo pelo egípcio da Antiguidade se dava por meio de representações
semióticas diversas e não somente por meio da escrita. Essa também é uma característica
da cultura greco-romana, em que imagens, encenações e a música desempenhavam um
papel importante na construção de narrativas de valor histórico, ideológico e estético.
De modo geral, no mundo ocidental, mesmo após o estabelecimento da cultura
escrita como aquela predominante, outros modos de produzir e de consumir literatura
continuaram vigentes. Shakespeare, um dos grandes nomes da literatura mundial, por
exemplo, produziu boa parte de sua obra narrativa por meio de peças teatrais, dando
continuidade à literatura cênica grega e à tradição trovadoresca da Idade Média.
1
“For having created new poetic expressions within the great American song tradition” (Tradução nossa)
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O objetivo deste trabalho não é discutir o conceito de literatura, uma vez que as inúmeras divergências
teóricas que tratam do tema inevitavelmente levam a pontos de vista distintos e, frequentemente,
conflitantes. Mesmo assim, é inegável assumir que a literatura se manifesta por outros meios e textos que
não somente os escritos.
O conceito de Letramento (no singular) tem sido usado no Brasil desde a década
de 1980 para descrever as práticas sociais decorrentes da apropriação de leitura e da
escrita. De forma resumida, podemos dizer que ele descreve o modo como a apropriação
da leitura e da escrita operam mudanças na vida (nos mais diversos aspectos) daqueles
que se tornam seus usuários competentes. Nesse sentido, textos verbais são vistos como
instrumentos de empoderamento social por meio do qual os indivíduos podem mudar a
sua realidade. Ser letrado, entretanto, implica na não passividade e está longe de
FIGURA 01: Mudanças na relação cinema – literatura: à esquerda, cartaz do filme de 2010; à direita, capa
do livro de 2011.
Fontes: http://www.ccine10.com.br/wp-content/uploads/2013/05/O-DISCURSO-DO-REI.jpg
http://blooks.com.br/wp-content/uploads/2011/02/o-discurso-do-rei.png
Sobre esse enriquecimento da literatura por meio das mídias audiovisuais, Bessa
(2006) nos diz que nesta relação complexa e abrangente entre TV e literatura, as
produções televisivas buscam dar validade cultural a suas criações, utilizando-se, para
isso, de aproximações e afastamentos com o texto literário. Como exemplo, o autor cita
4. Considerações Finais
A história nos mostra que em um mesmo momento o que era considerado literário
para um determinado grupo podia não ser visto como tal para outro, da mesma forma
que pessoas de um mesmo lugar, mas em momentos históricos diferentes também
poderiam ter visões distintas acerca do fenômeno literário.
Contudo, como os valores humanos estão naturalmente sujeitos à uma infinidade
de influências, os padrões literários acabaram por se mostrar como parte de um ciclo, em
que estruturas e valores são exaltados e desvalorizados continuamente, por vezes
coexistindo por um certo período. Atualmente, por exemplo, vivemos em um momento
em que a literatura ganha cada vez mais características provenientes de outras formas de
expressão, especialmente aquelas que envolvem elementos audiovisuais como a TV, o
cinema e o computador.
Dentro dos estudos literários, partidários do letramento literário têm discutido com
afinco a formação de leitores de textos literários e as práticas escolares que levaram ao
afastamento da literatura por prazer. Entretanto, acreditamos que a adoção desse conceito
passa por uma maior reflexão acerca do que é ou não literário, assim como o papel da
literatura na formação de leitores preparados para os contextos atuais repletos de
tecnologias e de meios de comunicação cada vez mais dinâmicos. Nesse sentido, é
necessário apontar que o Letramento Literário talvez possa se beneficiar mais de uma
discussão sobre como o contato com a literatura pode contribuir para a formação de
5. Referências:
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2009.
THE NOBEL PRIZE. MLA style: The Nobel Prize in Literature 2016. Nobel Media.
2019. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2016/summary/>
Acesso em 13.03.19.