Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RIO DE JANEIRO
2015
Raquel de Almeida Rodrigues
(MULTI)LETRAMENTOS NO MATERIAL
DIDÁTICO DE INGLÊS PARA O ENSINO
MÉDIO: Reflexões sobre a elaboração de uma
unidade didática
Rio de Janeiro
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Raquel de Almeida Rodrigues
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Rogério Casanovas Tilio
(Orientador)
______________________________________________________________________
Profª. Dra. Kátia Cristina do Amaral Tavares - UFRJ
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Agradeço, acima de tudo e todos, ao meu orientador Rogério Tílio pela confiança no
meu potencial, por ter me levado a conhecer o Programa Interdisciplinar em Linguística
Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro após ter sido meu orientador na
especialização da Universidade Federal Fluminense. Por tudo que me ensinou desde que
nos conhecemos em 2008.
À parceira de mestrado Patrícia Costa por toda troca e cada interação que somaram a
esse trabalho, à minha experiência acadêmica, à minha aprendizagem, trazendo para
cada etapa de sofrida dedicação ao melhor aproveitamento e produção ao longo desses
últimos anos.
Aos meus pais que me ajudaram sempre com tudo que precisei, seja estimulando buscar
o que eu quis para minha vida, me dando todo tipo de apoio com relação a minha
carreira e estudos.
Aos meus filhos que foram um pouco preteridos, porém sempre compreensivos, em
vários momentos para que eu pudesse dar conta das leituras e da redação desta
dissertação.
À minha irmã por ter ajudado com a formatação e arte da unidade didática através de
seu conhecimento especializado como designer (e ter aceitado uma quantia módica bem
abaixo da tabela).
À minha generosa amiga Bárbara Alves que me ajudou muito na reta final a fazer uma
boa apresentação na defesa, doando seu tempo e me pressionando a ensaiar.
À Profª. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo pela atenção minuciosa dada à leitura da
minha dissertação com várias observações que me fizeram refletir e ainda me servirão
pelo futuro para a contínua construção do meu conhecimento.
Ao Prof. Dr. Ruberval Franco Maciel que que gentilmente aceitou fazer parte da banca
de defesa como suplente.
À Profª. Dra Paula Tatianne Carréra Szundy pela prontidão e todo auxilio
principalmente na reta final do curso com a defesa a ser marcada próxima à data do XI
Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada e em plena greve.
Knowledge is power.
Francis Bacon
RESUMO
Lista de figuras:
Figura 1 Processos de conhecimento de aprendizagem por design. Learning by Design
Knowledge Processes (KALANZIS & COPE, 2012, p. 357) ..................................................... 67
Figura 2: Primeira página da unidade, primeiro texto multimodal e primeira atividade didática.
..................................................................................................................................................... 86
Figura 3: Atividades que antecipam o texto escrito a ser lido ..................................................... 89
Figura 4: O texto escrito .............................................................................................................. 90
Figura 5: Análise do gênero ........................................................................................................ 92
Figura 6: Atividade de letramento crítico.................................................................................... 93
Figura 7: Atividades de letramento léxico-textual ...................................................................... 94
Figura 8: Atividades de letramento gramatical/estrutural ........................................................... 95
Figura 9: Tarefas de letramento gramatical/estrutural ................................................................ 96
Figura 10: Atividades para ativar conhecimento prévio antes de assistir ao vídeo ..................... 97
Figura 11: Atividades para checar previsões a respeito de conteúdo e vocabulário do vídeo .... 97
Figura 12: Atividade de co-construção de conhecimento através de (multi)letramentos............ 98
Figura 13: Atividade de vocabulário pré-produção escrita online .............................................. 99
Figura 14: Atividade de vocabulário pré-produção escrita online – parte 2 ............................... 99
Figura 15: Primeira tarefa de produção escrita online .............................................................. 100
Figura 16: Atividades pré-audição (leitura, vocabulário e tarefa de produção oral) ................. 102
Figura 17: Atividade de compreensão oral ............................................................................... 103
Figura 18: Atividades pós-compreensão oral para checagem e debate sobre as ideias no texto104
Figura 19: Atividades produção oral e de (multi)letramentos ................................................... 106
Figura 20: Tarefa de produção oral e de (multi)letramentos ..................................................... 107
Figura 21: Atividade de conscientização cultural e de gênero .................................................. 108
Figura 22: Atividade de produção oral e de (multi)letramentos................................................ 109
Figura 23: Tarefa de produção escrita e de (multi)letramentos ................................................. 110
Figura 24: Tarefa de letramento digital ..................................................................................... 111
Figura 25: Atividades e tarefas de estímulo à autonomia e auto-avaliação .............................. 113
Figura 26: Atividades de reflexão sobre a aprendizagem ......................................................... 114
Lista de quadros:
Quadro 1: Valores pedagógicos dos letramentos críticos. Adaptado de Kalantzis & Cope (2012,
p. 149) ......................................................................................................................................... 39
Quadro 2: Dimensões dos letramentos críticos (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 161) ............ 47
Quadro 3: Movimentos pedagógicos sugeridos pelo grupo. Adaptado de Cope & Kalantzis
(2000). ......................................................................................................................................... 65
Quadro 4: Processos de conhecimento (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 358) ......................... 66
SUMÁRIO
1.1 Onde, quando e por que emergiram as questões? ............................................................. 11
1.2 A pedagogia dos (multi)letramentos ................................................................................. 14
1.2 Materiais didáticos para a rede pública no Brasil.............................................................. 16
1.3 Promoção de (multi)letramentos no material didático de inglês para a transformação
social ....................................................................................................................................... 17
1.4 A construção de conhecimento nesta pesquisa, o período sócio-histórico atual e a LA
contemporânea ........................................................................................................................ 18
2. Ensino e Aprendizagem de inglês no século XXI ................................................................... 21
2.1 Teoria sociointeracional, linguagem e aprendizagem como ação social: o papel da LA
contemporânea e o papel do ensino de inglês no Brasil na contemporaneidade ..................... 22
2.2 As pedagogias de letramento como políticas linguísticas e a teoria dos (multi)letramentos
................................................................................................................................................. 37
3.1 Definição e escopo de materiais didáticos e de seus temas, textos e discursos. ................ 55
3.2 Conscientização cultural e crítica no material didático ..................................................... 60
3.3 Temas e Textos ................................................................................................................. 62
3.4 Atividades e tarefas ........................................................................................................... 64
4. Metodologia ............................................................................................................................ 70
4.1 Caráter e natureza da pesquisa .......................................................................................... 70
4.2 Como a unidade didática foi produzida? ........................................................................... 78
5. A unidade didática em escrutínio ............................................................................................ 85
5.1.1 O tema em contexto........................................................................................................ 86
5.2 Atividades de leitura e (multi)letramentos ........................................................................ 88
5.2.1 Explorando o gênero .................................................................................................. 88
5.2.2 O texto escrito ............................................................................................................ 90
5.2.3 Atividades de letramento crítico (análise do gênero e reflexão crítica) e digital ....... 91
5.3 Letramentos linguísticos – escolhas de estilo (lexicais e gramaticais).............................. 93
5.3.1 Atividades de vocabulário .......................................................................................... 93
5.4 (Multi)letramentos............................................................................................................. 96
5.4.1 Atividades de vídeo e (multi)letramentos .................................................................. 96
5.5 Atividades de produção escrita e letramento digital crítico .............................................. 98
5.6 Atividades de compreensão oral e de (multi)letramentos ............................................... 100
5.7 Atividades de produção oral e de (multi)letramentos ..................................................... 105
5.8 Atividades de produção escrita e (multi)letramentos ...................................................... 107
5.9 Atividades de estímulo à autonomia e de auto-avaliação da aprendizagem.................... 112
6. Considerações finais.............................................................................................................. 116
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 122
APÊNDICE – A UNIDADE DIDÁTICA ................................................................................. 132
11
1. Introdução
Janeiro. Após fazer análises críticas do discurso de alguns materiais didáticos (tanto
digitais quanto impressos) ao longo dos dois últimos anos como mestranda, parecia ser
o momento de tentar produzir uma unidade didática inspirada na teoria de
(multi)letramentos do Grupo de Nova Londres, como já pretendia desde a apresentação
do projeto para ingressar no curso. Além de produzir a unidade, naturalmente é de suma
importância refletir critica e sistematicamente sobre a produção e permitir que outros a
critiquem, para que juntos possamos construir um caminho a seguir. Afinal, o material
didático exerce uma enorme influência na sala de aula e, por consequência, no tipo de
educação dos cidadãos sendo formados.
O material didático, como todo e qualquer texto, está imbuído de e em
práticas discursivas desde o processo de produção, passando pela
distribuição até seu consumo, e estas práticas discursivas, por sua vez,
estão situadas historicamente em práticas sociais específicas, como o
ensino de língua. A relevância do material didático vai muito além de
seu conteúdo linguístico, ele pode exercer influência metodológica
sobre práticas pedagógicas em sala de aula, assim como uma
influência ideológica em seu discurso, isto é, sobre o social, sobre o
mundo e sobre valores. (RODRIGUES, 2014)
Este é, portanto, um projeto ambicioso, porém não presunçoso, pois criar uma
unidade didática não é um grande desafio para quem já o fez profissionalmente, estuda e
13
1) É necessário pensar para além de métodos em estudos que dão um foco micro
analítico à questão do ensino e aprendizagem de língua na escola; é preciso pensar “que
tipo de práticas de letramento, para quem, para que tipo de formações sociais e
econômicas podem e devem ser sancionados através do ensino” (LUKE &
FREEBODY, 1997, p. 2). Ou seja, focar em questões “conectadas aos impactos gerais
de mudanças sociais, culturais e econômicas em comunidades, identidades e acesso e
participação institucional de fato” (LUKE & FREEBODY, 1997, p. 2); pensar “que tipo
de práticas textuais locais podem ser forjadas em relação a forças sociais maiores e
dinâmicas e como mudanças nas comunidades tecnológicas e globais podem formar as
bases e objetos de estudo de um programa de letramento critico” (LUKE &
FREEBODY, 1997, p. 3).
3) A educação forma diferentes tipos de cidadão e se, antes, ela formava pessoas que
carregavam supostas informações corretas em suas mentes, que aprendiam a obedecer
regras e que “passivamente aceitavam as respostas para o mundo que lhes eram dadas
por autoridades, ao invés de perceber o mundo como muitos problemas a serem
resolvidos” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 7), hoje precisamos formar aprendizes
colaboradores. Os aprendizes para o mundo por vir devem ser solucionadores de
problemas, capazes de aplicar divergentes modos de pensar, inovadores, criativos, que
assumam riscos calculados (KALANTZIS & COPE, 2012).
4) Formar cidadãos com as características acima “requer não somente novos conteúdos
no ensino de letramentos, mas novas pedagogias” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 7)
6) O discurso pode servir como forma de resistência e o ensino de língua com base em
teorias de linguagem com enfoque discursivo-interacional pode ser propício para uma
educação empoderadora, cidadã e democrática através de questionamento crítico da
vida social em termos de justiça social e poder (FAIRCLOUGH, 2003).
que nos comunicamos. Portanto, a maneira que temos ensinado as práticas de leitura e
escrita também deve mudar. Afinal, a propagação de textos multissemióticos significou
que a comunicação mudou e deixou de ser primariamente linguística para ser
multimodal1 (KALANTZIS & COPE, 2012).
1
Os autores utilizam o termo multimodal como sinônimo de multissemiótico(a).
2
O ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola (Kalantzis & Cope, 2012).
16
Outra questão relevante de ser mencionada é que, até o PNLD 2014, nem mesmo
a coleção melhor avaliada teve seu componente digital aprovado – assim como
nenhuma outra. Este é um dado importante, pois apenas no PNLD 2015 foram
aprovados tais componentes, o que colabora para o entendimento de que a questão
quando do início desta pesquisa ainda apresentava grandes desafios.
O terceiro capítulo traz uma breve revisão da literatura sobre materiais didáticos
de ensino de inglês, sua importância e influencia na sala de aula, seus discursos através
de escolhas temáticas, textuais e de tipos de atividades ou tarefas pedagógica e a
diferença entre estas. Em seguida, o capítulo quatro explicita o caráter e a natureza desta
pesquisa e como foi elaborada a unidade didática analisada em detalhes no capítulo
cinco, abordando os temas, textos, atividades e tarefas de (multi)letramentos,
especialmente os letramentos digitais e críticos. O capítulo sexto e último conclui essa
reflexão, buscando responder às perguntas com considerações finais.
21
3
Agency é às vezes traduzido como “agenciamento”; no entanto, utilizo o termo “agência” com a
concepção de Murphy (1997, p. 126): “o poder satisfatório de tomar uma ação significativa e ver o
resultado de nossas decisões e escolhas”.
22
formação cidadã ativa da população brasileira para inserção e ação social se alinham à
perspectiva sociointeracional e como são compatíveis também com a teoria de
(multi)letramentos4 que inspirou esta pesquisa e que descrevo ao fim do capítulo.
De acordo com tal teoria, para uma aprendizagem efetiva e crítica, é primordial
promover oportunidades para o aluno se engajar sociodiscursivamente no processo,
coconstruindo entendimentos e seu próprio discurso na interação social. Vygotsky
(1991[1978]) afirma que “o momento de maior significado no curso do
desenvolvimento intelectual (...) acontece quando a fala e a atividade prática (...)
convergem” (VYGOTSKY, 1998[1978], p. 29]).
4
A teoria criada pelo New London Group foi cunhada por eles Teoria de Multiletramentos em um
manifesto publicado pela primeira vez em 1996 e reproduzido posteriormente na integra no livro
organizado por Cope e Kalantzis (2000) com o termo no título. Posteriormente, os autores passaram a
utilizar o termo Letramentos (KALANTZIS & COPE, 2012), apenas no plural, sem o prefixo, porém com a
mesma denotação. Adoto aqui a grafia utilizada por Rojo (2013, p. 24) ao citar a teoria, fazendo alusão
às duas grafias em tempos distintos colocando o prefixo multi entre parênteses.
5
Quando houver referência a Bakhtin, leia-se o “círculo de Bakhtin” evocado por Leontiev, isto é, textos
e ideias disputados e atribuídos a Bakhtin, porém provavelmente de outra autoria, como Voloshínov e
Medvédev.
23
Ele argumenta ainda que “todo o itinerário que leva da atividade mental (o
“conteúdo a exprimir”) à sua objetivação externa (a enunciação) situa-se completamente
em território social” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929], p. 117). O autor vê a
língua como parte de um processo dialógico em que a alteridade (o outro, o receptor
potencial de uma enunciação) é intrínseca ao processo de enunciação. O que chamo de
intertextualidade é a relação entre enunciados, pois todo anunciado produzido por
qualquer pessoa se relaciona a enunciado previamente produzidos, seja com relação à
forma ou ao tema. Nas palavras de Bakhtin (1997[1979], p. 291):
O próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente, pois não
é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de
um mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua
que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores —
emanantes dele mesmo ou do outro — aos quais seu próprio
enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se
neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe
conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo da cadeia muito
complexa de outros enunciados.
uma pedagogia crítica, para ajudar os aprendizes a entender problemas que não podem
ser resolvidos apenas na escola, mas que demandam lutas em diversos domínios da vida
social e fornecer recursos para que eles possam se engajar a longo prazo nestas lutas
(FAIRCLOUGH, 2010[1995]). Nesta perspectiva, a conscientização da linguagem
como discurso e instrumento de dominação e resistência pode empoderar cidadãos para
mudanças sociodiscursivas. Fairclough afirma o seguinte:
Há uma íntima relação entre o desenvolvimento da conscientização
linguística crítica das pessoas e o desenvolvimento de capacidades e
práticas linguísticas delas. Consequentemente, tal trabalho reflexivo
poderia envolver aprendizes e professores na análise e possivelmente
na mudança de suas próprias práticas como falantes e ouvintes (e
expectadores), escritores e leitores. (FAIRCLOUGH, 2010 [1995], p.
538)
Como a forma da nova ordem social global se torna mais clara, faz-se necessária
uma conscientização crítica da linguagem como parte da educação linguística, que deve
ser vista como direito do cidadão, especialmente aprendizes, como crianças, por
exemplo, que desenvolvem sua cidadania no sistema educacional (FAIRCLOUGH,
2001[1992]; 2010[1995]). Ele ressalta ainda que sua noção de discurso, assim como
linguagem, inclui outras formas de semioses, portanto, o que está em debate na
conscientização crítica de discurso é também incluí-las a começar pela importância de
imagens visuais por sua cada vez mais proeminente função no discurso contemporâneo
(FAIRCLOUGH, 2010[1995]). Assim, a educação em linguagem voltada meramente
para as demandas de trabalho e mercado não são suficientes para os novos tempos pós-
Fordistas, especialmente para quem não se beneficia da nova ordem e é por ela
marginalizado. É preciso uma educação crítica e de (multi)letramentos que sirva aos
interesses dos cidadãos dos novos tempos permeados de discursos multissemióticos.
A teoria sociointeracional serve então como uma base própria para uma pesquisa
e uma pedagogia comprometidas com a promoção do desenvolvimento de aptidões
criativas e exercício da cidadania (que entendo como expansão das áreas de participação
dos alunos em práticas sociais diversas), através do uso da linguagem de forma ativa e
crítica, que são preocupações alinhadas com os objetivos da linguística contemporânea
(MOITA LOPES, 2006).
7
Utilizo os termos “identidade sociocultural”, “identidade cultural” e “identidade social” como
sinônimos, semelhantemente a Norton (2011), que aponta que suas intercessões teóricas são mais
significativas que suas diferenças e suas diferenças teóricas hoje em dia são mais fluidas do que há
décadas atrás. Utilizo, portanto, assim como ele, o termo “identidades socioculturais” tanto com relação
a práticas institucionais quanto dentro de comunidades, exceto quando cito algum autor que privilegia
um termo específico, seja o ‘cultural’ ou ‘social’.
28
8
Todas as traduções dos originais em inglês são livres e de minha autoria.
31
Estas novas possibilidades trazem uma pequena abertura nas relações de poder
que devem ser estudadas e podem ser de grande valor pedagógico com vista à promoção
de debates, reflexões, agência e empoderamento9. Podemos encontrar na esfera pública,
9
O termo “empoderamento” é utilizado neste trabalho de acordo com a concepção Freiriana, diferente do
significado da palavra já existente no inglês empowerment como dar poder a uma pessoa ou grupo, mas
como um processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social que não pode ser
fornecido nem tampouco realizado para pessoas ou grupos, mas se realiza em processos em que esses se
empoderam a si mesmos (FRIEDMANN, 1996).
32
10
Por pedagogia crítica (de letramentos) ou (pedagogia de) letramento crítico me refiro às práticas
pedagógicas inicialmente influenciadas pelo pensamento de Paulo Freire e hoje em dia pelas teorias de
letramento crítico, tais como concebidas por Luke e Freebody: “uma coalisão de interesses educacionais
comprometidos com o engajamento que as possibilidades que as tecnologias de escrita e outros modos
de inscrição oferecem para mudança social, diversidade cultural, equidade econômica, emancipação
38
64). Seus maiores expoentes foram Paulo Freire no Brasil, com reconhecimento e
influência internacional, e o americano Michael Apple. Os autores descrevem as
abordagens críticas de letramento da seguinte forma:
Abordagens críticas geralmente reconhecem que letramentos são
plurais. Reconhecem as muitas vozes que os alunos trazem para a sala
de aula, os muitos locais de cultura popular e as novas mídias11, e as
perspectivas divergentes que existem em textos do mundo real. Estas
abordagens apoiam os alunos como criadores de significado, como
agentes, como participantes e como cidadãos ativos. Usam a
aprendizagem de letramentos como instrumento para habilitar os
alunos a ter maior controle dos modos que significados são criados em
suas vidas, ao invés de serem alienados, inundados ou excluídos por
textos não familiares – ou simplesmente ficarem confusos ou
submissos. Mais recentemente, letramentos têm se tornado arenas de
interrogação e criação de mídia e de textos em novas mídias.
(KALANTZIZ & COPE, 2012, p. 145)
política” (1997, p. 1). Como afirmam Kalantzis e Cope, “há duas principais vertentes deste letramento
crítico e não são tão identificáveis como escolas separadas de pensamento, porque ambas estão
frequentemente interligadas” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 163). Uma é a orientação generalizada
na qual pedagogia crítica, nos termos de Paulo Freire, consiste em processos de pensamento, atividades
de reflexão sobre a realidade social. Outra é a que podemos chamar de pós-moderna. Segundo os
autores, a partir da primeira década do século XXI, a pedagogia crítica se posicionou na direção da
segunda vertente, rumo a uma teoria de diferença cultural e linguística. Central a essa visão de
letramentos no plural está o conceito da ‘voz’ do aluno – que na prática, em qualquer sala de aula,
significa ‘muitas vozes diferentes’. O professor é, então, apenas “um facilitador que dá aos alunos
espaço para expressarem seus próprios interesses e em seus próprios discursos” (KALANTZIS &
COPE, 2012, p. 163).
11
“Novas mídias” é um termo de abrangência ampla e controversa, usado aqui para designar diferentes
mídias sociais e digitais em diversas formas e veículos de informação e comunicação eletrônica, usando
novas tecnologias, como websites, blogs, streaming de vídeo no YouTube ou áudio (podcast),
aplicativos de celular, email, redes sociais. É usado em contraste com a velha mídia de jornais, revistas,
rádio e TV. (Ver: http://www.newmedia.org/what-is-new-media.html. Acesso em 09/08/2015.)
39
2012, p. 148). Ela “aborda questões difíceis para as quais pode não haver respostas
fáceis, que podem ser controversas e políticas” (KALANTIZ & COPE, 2012, p. 148).
Segundo os autores,
o objetivo é exercitar e cultivar hábitos reflexivos da mente e ação. O
objetivo dos letramentos críticos é ajudar os alunos a entenderem as
maneiras como tudo é construído no mundo pelos valores e ações das
pessoas. Uma pessoa criticamente letrada identifica tópicos relevantes
e poderosos, analisa e documenta evidencias, considera pontos de
vista alternativos, formula possíveis soluções para problemas e talvez
teste essas soluções, chega a suas próprias conclusões e usa
argumentos bem fundamentados para embasar seus pontos de vista.
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 149)
No quadro abaixo (cf. Quadro 1), podemos ver um resumo sistemático dos
principais valores dessa pedagogia e política linguística para o ensino de inglês no
século XXI, à qual me afilio por convicção, que reflete objetivos éticos para a
contemporaneidade de acordo com os estudos e teorias sociais mencionadas
previamente neste capítulo.
De acordo com Jenkins et al. (2009), as escolas devem dedicar mais atenção ao
que ele chama de novos letramentos de mídia: um conjunto de competências culturais e
habilidades sociais que os jovens precisam dominar no novo cenário midiático. A
cultura participativa muda o foco de letramento como expressão individual para
envolvimento colaborativo através de trabalho em rede. O autor afirma que, no entanto,
em atividades participativas, nem todos os membros são obrigados a contribuir, mas
devem crer que são livres para fazê-lo e que, se o fizerem, sua contribuição será
valorizada.
Jenkins et al. listam algumas formas nas quais muitos jovens já fazem parte de
uma cultura participativa, conceituando tais formas de participação como: afiliação;
expressão; solução colaborativa de problemas; e circulações (JENKINS et al., 2009, p.
9).
Afiliação: sendo membros de comunidades centradas em torno de
várias formas de mídia, como o Facebook, entre outros;
Expressão: produção de novas formas criativas, como
sampleamentodigital, escrevendo fanfiction12, produzindo
13
mashups de músicas.
Solução colaborativa de problemas: trabalhando em colaboração
para completar tarefas e desenvolver novos conhecimentos, como
através da Wikipedia, ou de jogos de realidade alternativa.
Circulações: formando o fluxo de mídia, como por blogs ou
podcasting. (JENKINS et al., 2009, p. 9)
12
Fanfiction é uma "ficção criada por fãs". Trata-se de adaptações de contos ou romances por terceiros
para uma história inventada por fãs.
13
Mashup é um termo usado na indústria musical para definir uma canção ou composição criada a partir
da mistura (remix) de duas ou mais canções pré-existentes, normalmente pela transposição do vocal de
uma canção em cima do instrumental de outra, de forma a se combinarem.
14
Peer-to-peer, ou P2P, é uma arquitetura de redes de computadores em que cada um dos pontos ou nós
da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhamentos de serviços e
dados, sem a necessidade de um servidor central.
42
A mídia digital é uma ferramenta dos nossos tempos que oferece oportunidades
pedagógicas para que os alunos criem conteúdo e conhecimento, publiquem seus textos
multimodais imbuídos de suas ideias e rejeitando outras. Ela provê um espaço autêntico
para a prática social da escrita e leitura no mundo, ao invés do faz-de-conta limitado ao
interior dos muros da escola (KALANTZIS & COPE, 2012).
As novas mídias acrescentam outra camada de oportunidade aos
professores, criando um espaço contemporâneo onde as vozes dos
alunos podem ser expressas. Novas tecnologias oferecem espaços para
os alunos se expressarem em forma de vídeo, ou podcast, ou blogs, ou
wikis [...]. (KALANTZIS & COPE, 2012, p.155)
Uma pedagogia para os novos tempos deve focar nos processos de letramentos,
ao invés dos produtos; reconhece e valoriza todas as variantes linguísticas e todas as
manifestações culturais. Conforme mencionado anteriormente, a pedagogia de
letramento crítico não aceita uma narrativa única para explicar nosso mundo ou
apresentar conhecimentos universais que servirão a todos, não privilegia a cultura
ocidental ou a do hemisfério norte acima de outras. Ela rejeita a imposição de um
discurso eurocêntrico e da primazia do homem branco heteronormativista.
Quadro 2: Dimensões dos letramentos críticos (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 161)
Dimensões dos letramentos críticos:
Conectar com experiências vividas Introduzir textos da própria vida dos alunos.
Ver de múltiplas perspectivas e abrir múltiplas
48
camadas de significado.
Pensar criticamente Identificar problemas, expressar consternações,
juntar evidências de uma variedade de recursos,
formular uma teoria.
Agir Oferecer soluções, conscientizar, participar.
Uma maneira que o PNLD/2013 aponta como ponto de partida ideal para o
ensino de inglês dentro de uma perspectiva sócio-interacional através de textos é a
abordagem de temas relevantes e includentes (TÍLIO, 2006); afinal, todo texto se refere
a alguma coisa (VOLOSHINOV/BAKTHIN, 2006[1929]). No caso particular do ensino
de inglês, é simples a viabilidade de se trabalhar temas em aula e no MD, pois sendo a
língua oficial da pós-modernidade e da globalização (TÍLIO, 2010, p. 169), há uma
disponibilidade vasta e rica de textos dos mais diversos tipos na internet, bastando nos
valermos de uma seleção criteriosa e elaborar atividades para explorá-los ao máximo.
Com o advento da internet e ultimamente com suas características cada vez mais
colaborativas e interativas da Web 2.015, o acesso a textos genuínos aumentou
drasticamente e surgiram novos gêneros, gêneros pré-existentes foram adaptados para
novas mídias e semioses. A escola parece não ter acompanhado plenamente essas
mudanças nas práticas sociodiscursivas do mundo externo. Novas tecnologias exigem
novos letramentos (COPE & KALANTZIS, 2000), pois novas ferramentas de acesso à
comunicação e à informação e de agência social acarretam textos de caráter multimodal
ou multissemiótico, “ou hoje em dia, mais de dez anos após a teorização inicial do
Grupo de Nova Londres, talvez possamos considerar também hipermidiáticos” (ROJO,
2012, p. 13).
15
Web 2.0 é o termo usado para referirmo-nos a uma mudança que foge ao modelo mais físico-industrial
(aos moldes do livro, do texto e da publicação) que orientavam a primeira geração de programas da
internet (e negócios também) para um modelo de abordagem do mundo contemporâneo por uma lente e
uma mentalidade mais ciberespacial e pós-industrial de participação em rede. A Web 1.0 trazia
produtos, artefatos ou mercadorias prontos produzidos por uma fonte com “autoridade”, “conhecimento
especializado” e “experiência” e disponibilizados para os usuários da internet, que não eram
posicionados como controladores de seus próprios dados. A lógica da Web 1.0 era de uso, recepção e
consumo ao invés de interatividade e “agência”. Na Web 2.0 a visão pós-industrial é mais focada em
“serviços” e “capacitação” do que em produção e venda de artefatos materiais para consumo individual.
A produção é baseada em “alavancagem”, participação coletiva e colaboração, contando com
conhecimento especializado aberto, fluido e híbrido, assim como a “inteligência distribuída”. A
descentralização da autoria e a inclusão são valores e prioridades da Web 2.0. É uma tendência histórica
de mudança do paradigma da “hegemonia do livro” para o do espaço cibernético. O paradigma deixa de
ser o de autoridade centralizada para colaboração em massa. O termo foi cunhado por Tim O’Reilly em
2005. (Lankshear & Knobles, 2007)
53
3. Material didático
O material didático tem sido alvo de muito debate dentro e fora da comunidade
científica. A abertura dada ao mercado editorial de livros de ensino de inglês para
competir pela aprovação do Programa Nacional do Livro Didático através de seus
editais tem levado muitas editoras a tentar a aprovação de forma democrática. O PNLD
vem se aprimorando e com seus critérios elevados tem levado as editoras a buscar
excelência, o que tem trazido uma melhoria nos materiais, que acredito ter impacto no
professor e no ensino.
Na primeira seção, abordo o que entendo por material didático, o que creio que
ele pode fazer pelo professor, pelo aluno e pelo processo de ensino e aprendizagem,
assim como o que podemos fazer por ele enquanto professores, pesquisadores, autores,
analistas do discurso e pesquisadores da área de Linguística Aplicada. Na segunda
seção, levanto a questão da conscientização cultural e crítica no MD, o que defino como
tal, e a importância de tais aspectos no ensino de língua inglesa. Por fim, na terceira e
última seção deste capítulo, refiro-me a atividades didáticas e tarefas propriamente ditas
também essenciais no material didático e a como distinguir um exercício de uma tarefa,
além de destacar o potencial das tarefas autênticas.
O papel do livro didático na sala de aula tem sido alvo de muita polêmica
(TÍLIO, 2008). O livro didático também é muito criticado por sua homogeneidade que
dificulta contemplar a diversidade e pluralidade das turmas e alunos em diferentes
contextos sociais. Além disso, como muitas vezes é elaborado para o mercado global,
pode ser inadequado e/ou irrelevante para certas culturas, além de suas limitações
decorrentes da mídia impressa ou dos tabus e censuras impostas pelas editoras
(HARWOOD, 2010; KULLMAN, 2012).
57
Ao considerar, como Tílio (2006), que o autor e os usuários dos livros constroem
juntos os significados do texto (neste caso, do livro didático), adoto, assim como ele,
uma teoria social do discurso (FAIRCLOUGH, 2001[1992]) para complementar a teoria
sociointeracional e a de (multi)letramentos que embasam esta pesquisa. Segundo
Fairclough (2001[1992], p. 90-91) o discurso é “o uso da linguagem como forma de
prática social [...], um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o
mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação”.
O livro didático não deveria levar a uma acomodação pela facilidade de segui-lo,
apesar de certamente ter como vantagem a conveniência e economia de já trazer consigo
textos e tarefas prontos. Porém pode ser visto como um recurso e fonte de informação
tanto para os alunos quanto para os professores que não deve ser menosprezado. A
questão é adaptar criticamente, isto é, implementar, avaliar, aproveitar o que ele tem que
pode servir e complementá-lo com autonomia.
visão de mundo informada por alguma ideologia (uma ideia de mundo que o autor
carrega) e os situando em alguma posição ou papel, que o leitor pode aceitar ou rejeitar.
O livro didático de inglês em compasso com a pedagogia crítica (de letramentos), a
teoria de (multi)letramentos, a LA contemporânea (MOITA LOPES, 2006) e uma visão
socio-interacional de linguagem “não pode ser divorciado do contexto cultural no qual é
produzido, circulado e dos entendimentos e discursos que estão circulando em tais
contextos culturais” (KULLMAN, 2012, p. 93) e deve apresentar múltiplas perspectivas
e abrir múltiplas camadas de significado (KALANTZIS & COPE, 2012).
Kullman afirma que “poucos livros didáticos (de inglês para o mercado global)
hoje em dia trazem ‘tópicos’16 como espinha dorsal em torno da qual a nova
língua/linguagem é apresentada e praticada” (KULLMAN, 2012, p. 96). O autor ainda
afirma que a escolha – e o enquadramento – dos tópicos no livro didático vai incluir ou
excluir perspectivas de acordo com contextos, textos e o léxico especifico desses textos.
Ele dá o exemplo do tema “comida e alimentação” [sic] em dois livros diferentes. Em
um, o recorte é de consumo, como uma questão de escolha pessoal, enquanto que, no
outro, o tema é abordado como uma questão social e de responsabilidade coletiva. Da
mesma forma que o tema e os textos seguem uma perspectiva particular, assim será a
abordagem com relação às atividades, como ele afirma. No primeiro caso, as atividades
pedem que o aluno expresse preferências individuais, enquanto que, no segundo, os
alunos vão para além do gosto pessoal para como este pode ser saciado através de
articulações com suas próprias ações de assistência à comunidade e também de como a
questão da fome pode ser resolvida (KULLMAN, 2013, p. 96-100).
A questão social no livro didático é defendida pelo autor como necessária por
aqueles que abraçam a teoria sociocultural e aplicam as ideias de Vygotsky e outros
“para destacar a relação entre linguagem, pensamento e a ideia de si na aprendizagem
de língua, para ajudar os alunos a encontrarem suas próprias novas vozes na nova
língua” (KULLMAN, 2013, p. 106). Ele afirma que nós, professores e alunos,
precisamos contestar o livro didático se acreditarmos que eles estão nos impondo uma
visão que não condiz com a nossa e que, para isso, podemos contar com a pedagogia
crítica. Ele cita Cope e Kalantziz (2000, p. 34), sugerindo usar uma abordagem crítica
para auxiliar os alunos a “desnaturalizar e tornar estranho o que eles aprenderam e
dominam”. Para Kullman, nossa maior tarefa como educadores é “capacitar nossos
16
O autor chama de ‘tópicos’ o que eu denomino como temas no resto do trabalho.
60
Como hoje em dia há mais falantes de inglês não nativos do que nativos
(CRYSTAL, 2003[1997, p. 69]), a cultura do falante de inglês não pertence mais a
nenhum grupo particular, pois é mais provável que um falante não nativo use a língua
em uma interação social com outro não nativo do que com um nativo. Portanto, seria
difícil argumentar que o aluno deve ser exposto ao inglês do nativo como língua
autêntica enquanto outras variações são mais usadas no mundo (HARWOOD, 2010, p.
6). Em cada interação, os usuários de inglês como língua franca devem ter sensibilidade
e flexibilidade e a “conscientização cultural” cultiva essas competências e auxilia nessa
“jornada para dentro de um labirinto cultural” (TOMLINSON & MATSUHARA, 2013,
p. 32).
suas visões sejam valorizadas. Eles afirmam que autores de materiais devem se
certificar de que estão usando textos que vão estimular os alunos a pensar e sentir e que
estimulem controvérsia. Afirmam ainda a importância de tarefas sem resposta certa
prevista, em que os alunos possam compartilhar seus pensamentos sem medo de serem
corrigidos.
entendimento que a linguagem é o espaço de luta hegemônica, isto é, de luta pelo poder
e que o discurso hegemônico pode e deve, em muitos casos, ser questionado e talvez
combatido em todas as esferas da sociedade, inclusive e especialmente no MD da rede
pública de ensino.
Ellis explica que a ideia não é deixar de ensinar gramática, mas fazer com que os
alunos percebam a estrutura gramatical ao desempenhar tarefas elaboradas para destacar
a estrutura gramatical, de forma que seja essencial depreender seu significado e o torne
necessário para a comunicação (ELLIS, 2010). Ele concede que atividades de gramática
tradicionais que pedem um aprendizado intencional são possivelmente mais efetivas em
promover aquisição, porém podem resultar apenas em conhecimento explícito ao invés
do conhecimento implícito necessário para usar a língua com facilidade e naturalmente
na comunicação.
17
Disponível em: http://newlearningonline.com/literacies/chapter-13/kalantzis-and-cope-
on-the-learning-by-design-knowledge-processes
68
4. Metodologia
Ele fala também sobre a tendência à especialização nos tornar especialistas sem
comunicação com outras áreas e sem mesmo uma visão geral da nossa própria área de
saber e sobre como isso é prejudicial, quando afirma: “É hoje reconhecido que a
excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um
ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos” (SOUZA SANTOS,
2008[1987], p. 74). Souza Santos dá o exemplo de Foucault como um cientista do novo
paradigma, pois podemos nos perguntar se ele é historiador, filósofo, sociólogo, ou
cientista político, uma vez que ele investiga questões inter/transdisciplinares.
Conforme Souza Santos aponta, a ciência moderna nos deixou como legado um
conhecimento funcional que aumentou extraordinariamente nossa perspectiva de
sobrevivência. Porém, e graças aos avanços anteriores, hoje em dia, interessa-nos mais
saber viver do que sobreviver. Para tanto, ele afirma que precisamos de
uma nova forma de conhecimento compreensivo e íntimo que não nos
separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos. A incerteza do
conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como limitação
técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave do
entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser
contemplado. (SOUZA SANTOS, 2008[1987], pp. 85-86)
Dessa forma, esta pesquisa não se dispõe a generalizações, mas pode servir
como exemplo para aqueles que se encontram em um contexto semelhante e tiverem as
mesmas inquietações e em torno das questões estudadas. Entendo como Rajagopalan
(2006, p. 159), que “uma teoria concebida à revelia das preocupações práticas,
elaborada apenas pra satisfazer a criatividade de um gênio solitário, não tem valia
alguma no campo da prática”. O autor afirma ainda que é preciso teorizar a linguagem
considerando a atividade linguística uma prática social e que “a tentativa de analisar a
língua de forma isolada, desvinculada das condições sociais dentro das quais ela é usada
[...] se revela um gesto de conotações ideológicas” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 163).
Está se formando um consenso entre os pesquisadores em LA, segundo ele, de que cabe
a ela “intervir de forma consequente nos problemas linguísticos constatados”
(RAJAGOPALAN, 2006, p. 165), teorizando a linguagem de forma mais adequada a
problemas mundanos.
75
Esta é uma pesquisa social, na medida em que tem como foco questões da
prática sociodiscursiva do ensino de língua inglesa através de materiais didáticos. As
questões são abordadas de forma situada em seu contexto sócio-histórico, e com base
em teorias sociais do discurso e de aprendizagem. Diferentemente das pesquisas
tradicionais quantitativas ou experimentais, este estudo crítico traz valores inexoráveis à
pesquisa e a ética tem um papel intrínseco no propósito de crítica e transformação das
estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais através do engajamento com o
contexto e o objeto de estudo. Na perspectiva da teoria crítica valores fazem parte e são
formativos da pesquisa e a voz do pesquisador é de um “intelectual transformador” e
ativista, diferente do “pesquisador desinteressado” do positivismo (GUBA &
LINCOLN, 1994, pp. 108-112). Não menos importantes nesse tipo de pesquisa é a
promoção de reflexão crítica que questione relações de poder e opressão.
Dentro da mesma vertente, Kumaravadivelu (2006) apela para uma quebra com
a visão de linguagem como um sistema, a pesquisa positivista e prescritiva e a
investigação da linguagem de modo descontextualizado e descorporificado. Segundo
ele, evitando a questão da ideologia a LA modernista preserva as macroestruturas da
dominação linguística e cultural e se esforça para tal. Já a pós-modernista, “celebra a
diferença, desafia as hegemonias e busca formas alternativas de expressão e
interpretação” (KUMARAVADIVELU, 2006, p.139). Kumaravadivelu afirma que para
transpor-nos ao pós-moderno, “os linguistas aplicados têm de se mover para além do
tratamento da linguagem como sistema e começar a tratá-la como discurso”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p.140). Discurso no sentido Foucaultiano de que
nenhum texto é inocente e todo texto reflete um fragmento do mundo em que vivemos,
ou seja, todo texto é político.
Para buscar respostas este estudo conta com a elaboração de uma unidade
didática para material didático impresso que se propõe a oportunizar (multi)letramentos
e estimular inclusão social além de reflexão crítica através da interação, participação e
produção de conhecimento inclusive na mídia digital. Entendo, da mesma forma que
Fairclough (1999, p. 71), que como a forma da nova ordem social global capitalista se
torna mais clara, se faz necessária uma consciência crítica da linguagem como parte da
educação linguística.
As categorias utilizadas têm como base os princípios teóricos que dão suporte à
pesquisa para a produção do material:
78
Tema(s) relevante(s) explorado(s) numa abordagem social deve(m) ser, de acordo com
TÍLIO (2006):
familiar(es) para alunos da faixa etária, oportunizando seu engajamento e
participação;
includente(s), de cunho social para formação cidadã e inserção social do aluno;
sobre questões pós-modernas além das tradicionais;
globalizados além dos locais;
contextualizados;
multiculturais;
diferenciadores;
conscientizadores;
compatíveis com a construção de identidades de projeto (através da resistência e
de alternativas às identidades legitimadoras); e
do tipo que possibilita a participação ativa dos alunos nos debates pertinentes a
suas vidas.
18
“Autonomia sociocultural” se refere a saber atuar no mundo usando a língua (HARWOOD, 2010;
TILIO, 2013) e ao pressuposto de que “o indivíduo faz parte de um contexto sócio-histórico e, como tal,
é responsável por seus atos e pelas consequências daí originadas, além de exercer um papel modificador
no e do meio social no qual está inserido.” O que não exclui a autonomia individual. (NICOLAIDES &
TILIO, 2011, p. 179)
80
sociais e discursivas usando a língua, ou seja, que tratam o ensino como uma prática
sociocultural, através da oportunização de situações de interação com o outro e com o
meio (VYGOTSKY, 1998[1978]). Os documentos oficiais, conforme mencionado no
capítulo anterior, propõem a adoção de práticas pedagógicas que sejam significativas
para o desenvolvimento de cidadania crítica e para combater a exclusão social e digital.
É destacada também nos documentos a vantagem de poder trabalhar a aprendizagem de
língua estrangeira em torno de temas relevantes e includentes (BRASIL, 1997).
Por sorte deparei-me com um artigo sobre um casal de homens negros (Kordale
e Kaleb) que ficaram famosos após publicarem uma foto no Instagram preparando suas
filhas para irem para a escola. Eu já tinha conhecimento do casal e da foto, porém agora
lia a notícia de que eles tinham sido escolhidos como garotos-propaganda da nova
19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LDpvxQe_Jhg. Acesso em: 09/082015.
20
Disponível em: https://youtu.be/k_BH5jBgbUY. Acesso em: 09/08/2015.
21
Disponível em: https://youtu.be/D9Ihs241zeg. Acesso em: 09/08/2015.
22
Palestras organizadas e divulgadas pela organização sem fins lucrativos chamada TED, cujo objetivo é
difundir ideias sobre temas diversos, tendo sido dedicada originalmente (à época de sua criação em
1983) apenas a uma convergência entre tecnologia, entretenimento e design.
82
23
O termo meme foi cunhado em 1976 por Richard Dawkins, para descrever pequenas unidades de
cultura que se espalham de pessoa pra pessoa por cópia ou imitação e desde então o conceito tem sido
alvo de debates acadêmicos constantes. Usuários de internet usam o termo internet meme para designar
a propagação de itens como vídeos ou piadas, por exemplo, de pessoa para pessoa pela internet
(SHIFMAN, 2014). Utilizo o termo “meme” aqui para me referir a memes de internet com a concepção
de Shifman (2014): um grupo de itens digitais compartilhando características comuns de contudo, forma
e/ou posicionamento que são criados com consciência uns dos outros e foram circulados, imitados e/ou
transformados via internet por muitos usuários.
84
24
Processo de difusão em que uma mensagem (podendo ser imagem, vídeo, frase de efeito) se espalha de
pessoa para pessoa via plataformas digitais e sociais em curto tempo e vasto alcance em visualizações
(SHIFMAN, 2014)
85
Figura 2: Primeira página da unidade, primeiro texto multimodal e primeira atividade didática.
Este ano, a Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal negou recurso
do Ministério Público do Paraná e manteve decisão que autorizou a adoção de crianças
por um casal homoafetivo (termo utilizado no processo jurídico) 26. Na mesma semana
em que essa notícia foi publicada, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso
Nacional lançou uma nota de repúdio a um beijo protagonizado por duas atrizes
octogenárias em uma novela de horário nobre da emissora de maior audiência do país
através do mural do Facebook do deputado federal João Campos (PSDB/GO) 27.
25
Enquete sobre o conceito de família:
http://www2.camara.leg.br/enquetes/resultadoEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-
457EBC94DF4E (acesso em: 09/08/2015) e texto sobre a enquete no site da câmara:
http://www2.camara.leg.br/enquetes/votarEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-
457EBC94DF4E, http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/461923-
ENQUETE-DA-CAMARA-SOBRE-CONCEITO-DE-FAMILIA-TEM-MAIS-DE-20-MIL-VOTOS-
EM-24-HORAS.html (acesso em: 09/08/2015).
26
Notícia disponível em: https://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/ministra-do-stf-
reconhece-adocao-de-crianca-por-casal-homoafetivo. Acesso em 09/08/2015.
27
Nota de repúdio ao beijo “gay” em novela
https://www.facebook.com/deputadojoaocampos/photos/a.587240587984363.1073741827.5867765946
97429/870678006307285/?type=1&theater Acesso em 09/08/2015.
88
trata de questões pós-modernas, uma família não tradicional de dois pais e uma
mãe e globalizado, eles moram em uma cidade americana, porém ganharam
exposição internacional através da internet.
contextualizado, pois é apresentado em uma propaganda que situa os sujeitos no
tempo e espaço; é multicultural, pois reconhece a pluralidade cultural e suas
diferenças inerentes;
diferenciador, pois trata de diferenças que co-existem, sem se preocupar com a
atribuição de identidades uniformes;
conscientizador, pois aborda problemas sociais como discriminação e falta de
representação de certas identidades socioculturais na publicidade, com o intuito
de educar o aluno e o cidadão para pensar sobre os questões do cotidiano de
forma crítica e participar ativamente de lutas e contestações com ferramentas e
argumentos fundamentados em informação e reflexão, caso queira;
compatível com a construção de identidades de projeto através da resistência e
da abertura de espaço para a construção de identidades alternativas às
legitimadoras (ex.: histórias de vida e experiências pessoais).
As atividades que abordam o texto escrito (um artigo ilustrado por duas fotos)
foram elaboradas para além de desenvolver as habilidades de leitura, abordar o gênero,
promover (multi)letramentos com foco nos letramentos crítico (incluindo
conscientização cultural) e digital. Desde a contextualização os alunos estão envolvidos
numa prática situada de experimentar o conhecido e o novo, porém caminhando em um
contínuo para conceituar nomeando e teorizando, analisar funcional e criticamente e, em
uma próxima etapa, aplicar apropriadamente de forma criativa em uma prática
transformada (KALANTZIS & COPE, 2012, cf. Figura 1, Quadro. 3).
A primeira atividade de leitura (cf. Figura 3), que antecede o texto escrito, busca
ativar conhecimento prévio sobre o Instagram, ferramenta social digital de
compartilhamento de fotos (rede de mídia) que desempenha um papel importante na
89
notícia. O texto é sobre uma família cujos pais (Kordale e Kaleb) se tornaram garotos-
propaganda de uma campanha publicitária após fazer sucesso e gerar polêmica ao postar
uma foto usando a ferramenta por serem uma família composta por um casal de homens
e três filhos (na foto compartilhada estavam apenas as duas filhas, o filho não aparece).
Na atividade, os alunos devem usar a língua para interagir falando sobre a ferramenta e
fotos postadas em redes sociais, compartilhando suas experiências e conhecimentos
prévios sobre quais tipos de fotos são mais frequentes e quais eles gostam ou gostariam
de ver compartilhadas e quais não gostam/gostariam. Desta forma, o assunto já é
introduzido na interação com a voz dos alunos sendo ouvida, pois não há resposta
correta para as perguntas e algum vocabulário já é apresentado de forma natural e
autêntica nos enunciados, assim como provavelmente na produção linguística (oral) dos
alunos.
5.4 (Multi)letramentos
Figura 10: Atividades para ativar conhecimento prévio antes de assistir ao vídeo
As atividades que seguem (cf. Figura 11) chamam atenção para o conteúdo do
vídeo e itens de vocabulário, checando se os alunos conseguiram prever o que
apareceria no vídeo e inquirindo sobre o que aparece.
Figura 11: Atividades para checar previsões a respeito de conteúdo e vocabulário do vídeo
98
Na atividade seguinte (cf. Figura 14), eles devem organizar um glossário com
palavras mais sofisticadas que aparecem na descrição do vídeo, relacionando-as a suas
definições por inferência com base no contexto, olhando para elas no texto.
A seguir (cf. Figura 15), os alunos os alunos devem ler amostras do gênero
(comentários sobre o vídeo) e opinar sobre elas em o que pode ser tido como uma
atividade de transformação da aprendizagem na recepção de textos/discursos. Os alunos
devem ter instrumental para análise critica dos comentários após debater o tema nas
atividades anteriores de enquadramento crítico em que se posicionam ideologicamente
em relação a valores, discursos e visões de mundo. O professor deverá mostrar para os
alunos que a liberdade de expressão se sobrepõe a crimes, como discurso de ódio
incitando qualquer forma de violência ou difamação, conforme explicitado em
anotações para o professor no manual.
Por fim, eles são convidados a publicar na rede seus próprios comentários (cf.
Figura 15), usando suas vozes em uma tarefa autêntica de produção linguística (escrita)
promovendo interação real em mídia digital e desenvolvendo responsabilidade,
autonomia e tomada de decisão (linguística, comunicativa, política e ética) e
conscientização crítica do uso da linguagem.
palavras selecionadas para a compreensão (cf. Figura 15). Depois para checar devem
assistir aos seis minutos iniciais do vídeo para checar com a legenda a tradução daquelas
palavras.
Na atividade de audição (cf. Figura 17), os alunos devem primeiro tentar prever
como completar as frases com uma ou duas palavras. As frases são extraídas da fala do
entrevistador e as lacunas estão no lugar de verbos usados no present simple ou present
continuous (na afirmativa), pois estes são o foco gramatical da unidade. A intenção é
que eles reconheçam a estrutura em textos orais também e ao tentar prever haja um
103
esforço maior para focar e, portanto, facilitar o reconhecimento dos itens linguísticos
específicos.
Figura 18: Atividades pós-compreensão oral para checagem e debate sobre as ideias no texto
105
Por fim, os alunos devem usar tudo que aprenderam para negociar escolhas
linguísticas, imagéticas e ideológicas co-construindo significados em uma tarefa
autêntica, pois simula uma prática sociodiscursiva do mundo real na área de criação de
campanhas publicitárias (cf. Figura 20). É uma tarefa de prática transformada em que
devem aplicar o que aprenderam de forma apropriada e criativa. Há ainda reflexão
crítica e promoção de (multi)letramentos na escolha do tema e textos multissemióticos a
serem produzidos em colaboração usando a criatividade.
107
A primeira atividade que antecipa a produção escrita (cf. Figura 21) menciona os
gêneros textuais trabalhados até então na unidade, evoca dos alunos outros tipos de
texto comuns na internet e pergunta o que eles sabem sobre memes. A ideia é que os
alunos sejam expostos a uma diversidade de textos, semioses e gêneros e só precisem
produzir um que seja passível de uso por parte da maioria no presente ou em um futuro
não muito distante, aprendendo, desta forma, algo relevante para a vida real fora da
escola. Talvez algum aluno venha a trabalhar com publicidade ou jornalismo, porém
não há motivo para preparar todos para escrever uma reportagem.
108
A última seção da unidade (cf. Figura 26) leva os alunos a refletirem sobre e
expressarem o que sentem estar aprendendo na unidade, qual a prioridade deles no
momento, para que aprender inglês e como eles gostam de aprender. A intenção é deixar
114
claro para o aluno o que ele está aprendendo, como e para quê, assim como desenvolver
responsabilidade, autonomia individual e tomada de decisão.
6. Considerações finais
Outro desafio proposto pela dúvida de “como promover letramento digital através
de material didático impresso?” foi dirigido através da reprodução, nas páginas do
material impresso, textos multissemióticos com escrita e imagens disponíveis online e
elaborando perguntas que levem à conscientização de como encontrá-los e interagir com
eles. Outra forma encontrada de trazer o digital para o impresso foi usar a tecnologia de
QR codes para abrir links em monitores (de celular, tablet ou computador)
possibilitando a visualização e exploração de textos autênticos multimodais, tais como
vídeos. As tarefas propostas devem chamar atenção para a fonte dos textos na internet e
elementos típicos dos gêneros digitais, como (hash)tags utilizados e as formas como
determinadas ferramentas digitais são utilizadas, além de propor interação real com os
textos ou simulações utilizando algum dispositivo (dentro ou fora da sala de aula) para
se conectar, de forma a estimular os alunos a desenvolver competências necessárias para
agir no mundo usando a língua em (e através da) mídia digital.
relativamente simples pelas possibilidades NTICs da Web 2.0 disponíveis hoje, porém
não contemplaria necessariamente a questão da inclusão social.
Para alcançar este objetivo, a partir de experiência com o gênero em redes sociais e
uma leitura sobre memes de uma perspectiva compatível como as ideias deste estudo a
ideia de abordar e produzir memes com o tema selecionado trouxe ainda mais sentido e
uma forma totalmente significativa, participativa e autêntica para a proposta. Afinal
memes trazem uma congruência de fatores importantes para a aprendizagem da
perspectiva sociointeracional: constituem uma arena de disputa de relações de poder,
possibilidade de visibilidade publica de subversão com relação a discursos
hegemônicos, democratização da esfera pública de debate e rumos da globalização
(SHIFMAN, 2014), problematização de questões socioculturais, material para reflexão
crítica e promoção de (multi)letramentos.
Para desafiar o pensamento único, havia a possibilidade de mostrar pelo menos duas
perspectivas sobre um mesmo tema em textos com ideologias opostas em extremos de
um continuo (como foi possível com a entrevista do Stephen Fry a Bolsonaro), ou
mostrar como a abordagem de apenas um texto exprime uma posição e discutir aquela
posição (como nos outros textos abordados). Mostrando que nenhum texto é neutro,
pois no mínimo exclui alguma voz em detrimento da(s) que expressa, já está sendo
promovida uma forma de letramento crítico. Isto foi realizado na unidade através das
tarefas propostas em torno dos textos, nas quais os alunos devem interagir e co-construir
conhecimento debatendo valores expressos ali.
Quando é definido que certos discursos não serão aceitos nas produções dos alunos
por não se tratar de liberdade de expressão, mas por constituírem um crime de discurso
de ódio contra pessoas que fogem ao padrão heteronormativista, está sendo feito um
trabalho de conscientização para uma educação cidadã, democrática e responsável nessa
coligação anti-hegemônica que se pretende fazer parte por um futuro e um mundo
119
questão da união civil entre casais LGBTQ, por exemplo, está em pauta no mundo todo.
Enquanto reescrevia este capítulo a Suprema Corte norte-americana legalizou o
casamento gay em todos os estados do país, após duas décadas de discussão sobre o
tema.28 O Facebook lançou então uma através da qual mais de 26 milhões de usuários
utilizaram um filtro com as cores do arco-íris (símbolo do orgulho gay) para manifestar
apoio à comunidade LGBTQ na qual. No Brasil está sendo debatida a “emenda da
opressão”, nome popular da proposta de emenda à Lei Orgânica Municipal 145/15, de
autoria do vereador Campos Filho, que proíbe o debate de gênero e orientação sexual
nos currículos das escolas municipais de Limeiras (SP). Há no momento uma
campanha29contra a emenda nas redes sociais organizadas por grupos como o Coletivo
LGBT Cores30 em que as pessoas estão publicando fotos com cartazes onde escreveram
frases machistas ou homofóbicas que já ouviram junto ao slogan da campanha: “Eu
preciso do debate de gênero nas escolas”.
Esta pesquisa poderia ter contado com o suporte da Teoria da Atividade em vários
momentos, assim como com muitas outras contribuições de Gee (2013) sobre o papel da
interação e colaboração em mídia digital no futuro da humanidade. O autor acredita na
teoria de uma inteligência sincronizada como forma de organizar pessoas e ferramentas
digitais para criar soluções para problemas reais, produzir conhecimento e permitir que
as pessoas comuns possam fazer a diferença e contribuir para mudanças sociais. Ele
acredita que provendo a criatividade humana com sofisticação internacional e
tecnológica poderemos superar limitações de sistemas educacionais problemáticos e
resolver problemas no nosso mundo global em alto risco (GEE, 2013). No entanto, creio
que a fundamentação teórica neste recorte já trazia embasamento suficiente e o tempo
acabou por ser um fator de exclusão na seleção do que incluir e ter que deixar de lado
para talvez embasar uma próxima investigação.
Uma das limitações do material impresso é não poder ser editado e atualizado com a
mesma facilidade e rapidez que o digital, porém toda vez que houvesse mudanças ou
notícias relacionadas ao tema da unidade, elas deveriam seriam trazidas pelo professor e
provavelmente seriam trazidas espontaneamente pelos alunos para dialogar na sala de
28
Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/26/internacional/1435327649_177772.html.
Acesso em :09/08/2015.
29
Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/2015/07/07/debate-genero-
limeira_n_7744212.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004. Acesso em: 09/08/2015.
30
Disponível em: https://www.facebook.com/coletivolgbtcores. Acesso em: 09/08/2015.
121
aula com o material em adaptações de seus debates e tarefas propostos. Entendo que
outra limitação em questão para a circulação de um material com uma unidade como a
produzida para este estudo seria uma possível recusa de editoras por temer a rejeição do
mercado representado pelo consumidor conservador. Uma editora poderia se interessar,
o livro com uma unidade como este protótipo poderia ser aprimorado, aprovado pelo
PNLD, promover (multi)letramentos, porém os temas, textos e abordagem ainda são
considerados tabu e difíceis de lidar em sala de aula, por oposição pública a trazer esse
tipo de assunto para a escola, especialmente quando motivados pela manutenção do
status quo ou por medo do novo, do subversivo, da mudança, da transgressão, ou apenas
da repercussão de um ensino que problematiza questões delicadas na sociedade.
Por fim, o material também não seria aprovado no Programa Nacional do Livro
Didático, pois as tarefas extrapolam o impresso aludindo ao uso de ferramentas digitais
em ambiente virtual. No entanto, a intenção é a de colaborar para uma mudança na
produção de materiais didáticos no sentido de extrapolar as barreiras entre o impresso e
o digital, a sala de aula e o mundo da vida do aluno fora da escola, portanto a intenção é
de disponibilizar este material na internet para apropriação, remixagem e mashups por
parte de professores interessados em transgredir e todo retorno pós-uso em sala de aula
seria extremamente benéfico ao material e às futuras pesquisas da autora.
122
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M. [1979] Estética da criação verbal. 2ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
curriculares Nacionais para o ensino médio. Brasília, DF, 2004. p. 14-59. Disponível
em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001942.pdf. Acesso em:
09/08/2015
COPE, B.; KALANTZIS, M. Eds. Multiliteracies: literacy learning and the design of
social futures. London & New York: Routledge, 2000.
______. [1995] Critical Discourse Analysis: The Critical Study of Language. 2. ed.
London: Routledge, 2010.
KRAMSCH, C. Language, thought and culture. In: DAVIES, A.; ELDER, C. (Ed.)
The Handbook of Applied Linguistics. Oxford: Blackwell, 2004.
______. TESOL Quarterly, Vol. 33, No. 3, Critical Approaches to TESOL. (Autumn,
1999), pp. 453-484.
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (2007). Sampling the new in new literacies. In:
KNOBEL, M. & LANKSHEAR, C. (orgs.) A new literacies sampler. Nova York: Peter
Lang.
LUKE, C. Media Literacy and Cultural Studies. In: Constructing critical literacies:
teaching and learning textual practice. Cresskill, New Jersey: Hampton Press, 1997.
MARX, K. [1845] Teses contra Feurbach. In: MARX. Os pensadores. São Paulo:
Abril, 1978.
______. (Org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola,
2006.
______. Política linguística: do que é que se trata, afinal? In: NICOLAIDES, C.;
SILVA, K.; TILIO, R.; ROCHA, C. Política e políticas linguísticas. Campinas: Pontes,
2013.
SOUZA SANTOS, B. [1987] Um discurso sobre as ciências ed. 5 São Paulo : Cortez,
2008.