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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

RAQUEL DE ALMEIDA RODRIGUES

(MULTI)LETRAMENTOS NO MATERIAL DIDÁTICO DE INGLÊS PARA O


ENSINO MÉDIO: reflexões sobre a elaboração de uma unidade didática

RIO DE JANEIRO
2015
Raquel de Almeida Rodrigues

(MULTI)LETRAMENTOS NO MATERIAL
DIDÁTICO DE INGLÊS PARA O ENSINO
MÉDIO: Reflexões sobre a elaboração de uma
unidade didática

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Linguística Aplicada.

Orientador: Prof. Doutor Rogério Casanovas Tílio

Rio de Janeiro
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Raquel de Almeida Rodrigues

(MULTI)LETRAMENTOS NO MATERIAL DIDÁTICO DE INGLÊS PARA O


ENSINO MÉDIO: reflexões sobre a elaboração de uma unidade didática

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como requisito para a
obtenção de título de Mestre em Linguística
Aplicada.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________
Prof. Dr. Rogério Casanovas Tilio
(Orientador)

______________________________________________________________________
Profª. Dra. Kátia Cristina do Amaral Tavares - UFRJ

______________________________________________________________________

Profª. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo - UNICAMP

______________________________________________________________________

Profª. Dra. Christine Siqueira Nicolaides - UFRJ (1º Suplente)

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Ruberval Franco Maciel - UEMS (2º Suplente)


AGRADECIMENTOS

Agradeço, acima de tudo e todos, ao meu orientador Rogério Tílio pela confiança no
meu potencial, por ter me levado a conhecer o Programa Interdisciplinar em Linguística
Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro após ter sido meu orientador na
especialização da Universidade Federal Fluminense. Por tudo que me ensinou desde que
nos conhecemos em 2008.

À parceira de mestrado Patrícia Costa por toda troca e cada interação que somaram a
esse trabalho, à minha experiência acadêmica, à minha aprendizagem, trazendo para
cada etapa de sofrida dedicação ao melhor aproveitamento e produção ao longo desses
últimos anos.

Aos meus pais que me ajudaram sempre com tudo que precisei, seja estimulando buscar
o que eu quis para minha vida, me dando todo tipo de apoio com relação a minha
carreira e estudos.

Aos meus filhos que foram um pouco preteridos, porém sempre compreensivos, em
vários momentos para que eu pudesse dar conta das leituras e da redação desta
dissertação.

À minha irmã por ter ajudado com a formatação e arte da unidade didática através de
seu conhecimento especializado como designer (e ter aceitado uma quantia módica bem
abaixo da tabela).

À minha generosa amiga Bárbara Alves que me ajudou muito na reta final a fazer uma
boa apresentação na defesa, doando seu tempo e me pressionando a ensaiar.

Às Professoras Doutoras Kátia Cristina do Amaral Tavares e Christine Nicolaides pelas


contribuições à minha aprendizagem, pelos conselhos e sugestões, além de aceitarem
prontamente a participar da banca de defesa.

À Profª. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo pela atenção minuciosa dada à leitura da
minha dissertação com várias observações que me fizeram refletir e ainda me servirão
pelo futuro para a contínua construção do meu conhecimento.

Ao Prof. Dr. Ruberval Franco Maciel que que gentilmente aceitou fazer parte da banca
de defesa como suplente.

À Profª. Dra Paula Tatianne Carréra Szundy pela prontidão e todo auxilio
principalmente na reta final do curso com a defesa a ser marcada próxima à data do XI
Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada e em plena greve.
Knowledge is power.
Francis Bacon
RESUMO

RODRIGUES, R. A. (Multi)letramentos no material didático de inglês para o ensino


médio: Reflexões sobre a elaboração de uma unidade didática. Dissertação de mestrado.
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2015.

Este estudo busca entender como fomentar (multi)letramentos em atividades


pedagógicas no material didático do século XXI para ensino de inglês no ensino médio;
como promover letramentos digitais no material impresso; e como propiciar a co-
construção de aprendizagem através da participação em rede utilizando letramentos
multissemióticos com base nas e com as vozes que estão à margem para a construção de
uma sociedade mais humana desafiando o pensamento único. O objetivo de buscar tais
entendimentos é o de contribuir para a descoberta de caminhos que oportunizem na
escola o desenvolvimento de competências sociodiscursivas desejáveis para a ação no
mundo e a transformação social. Para tanto conta com a elaboração de uma atividade
didática que visa promover (multi)letramentos através da escolha de temas relevantes,
textos autênticos multimodais e tarefas autênticas relacionadas a eles e à realidade
sócio-historica-cultural que vivemos na sociedade contemporânea, problematizando
algumas questões relativas a formas de descriminação. Esta é uma pesquisa qualitativa e
interpretativista que se afilia a visão sociointeracional de linguagem, pensamento e
aprendizagem e à teoria de (multi)letramentos, além de princípios da linguística
sistêmico-funcional e da Análise Crítica do Discurso. Os resultados mostram que
existem tecnologias que permitem colocar links para vídeos na página de um livro por
meio de codificação para visualização por QR code, que é um código de barra 3D, de
forma a ser lido por celulares e webcams, assim como mostrar no livro impresso memes
compartilhados na Web e trabalhar o gênero de forma a possibilitar a promoção de
(multi)letramentos incluindo o digital no material impresso. Foi possível também para
desafiar o pensamento único, mostrar pelo menos duas perspectivas sobre um mesmo
tema em textos com ideologias opostas em extremos de um contínuo e elaborar tarefas
propícias à conscientização sociocultural da linguagem como discurso, à participação
social no debate público sobre questões atualmente relevantes, tal como a construção de
identidades e caminhos para uma sociedade mais humana.

Palavras-chave: (multi)letramentos, material didático de inglês para o ensino médio,


linguagem como discurso para ação no mundo.
ABSTRACT
RODRIGUES, R. A. (Multi)letramentos no material didático de inglês para o ensino
médio: Reflexões sobre a elaboração de uma unidade didática. Dissertação de mestrado.
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2015.

This study aims at understanding forms of fostering (multi)literacies in pedagogical


activities in the XXI century learning materials for the teaching of English in high
schools; how to promote digital literacies in printed materials; and how to provide
opportunities for the co-construction of learning through network participation using
multisemiotic literacies rooted on and through the voices of those marginalized for
building a more humane society that defies an only perspective and way of thinking.
The goal for searching such understandings is to contribute to finding ways to create
opportunities for the development of desired sociodiscursive competences for action
upon the world and social transformation. Hence, it relies on the production of a
pedagogic unit which targets the promotion of (multi)literacies though the choice of
relevant themes, authentic multimodal texts, and authentic tasks related to them as well
as to the socio-historical-cultural reality that we live in our contemporary society,
problematizing some issues related to forms of discrimination. This is a qualitive
interpretive research that is affiliated to a sociointeractional view of language, thinking
and learning and to the (multi)literacies theory, besides principles from the systemic-
functional linguistics and the critical discourse analysis. The results show that there are
technologies that allow for placing hyperlinks to videos on the pages of a book through
QR codes, which work similarly to bar codes, for visualization to be read by cellphones
or webcams; as well as showing in printed media memes shared on the web and work
on its genre so as to promote (multi)literacies including the digital one in printed
learning materials. It was also possible to challenge an only perspective and way of
thinking by showing at least two different points of view on the same topic in texts with
opposing ideologies and design tasks which help develop a sociocultural awareness of
language as discourse for the social participation in the public debate related to
currently relevant issues such as the construction of identities and the paths for a more
humane society.

Key-words: (multi)literacies, earning materials for the teaching of English in high


schools, language as discourse for action upon the world.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Lista de figuras:
Figura 1 Processos de conhecimento de aprendizagem por design. Learning by Design
Knowledge Processes (KALANZIS & COPE, 2012, p. 357) ..................................................... 67
Figura 2: Primeira página da unidade, primeiro texto multimodal e primeira atividade didática.
..................................................................................................................................................... 86
Figura 3: Atividades que antecipam o texto escrito a ser lido ..................................................... 89
Figura 4: O texto escrito .............................................................................................................. 90
Figura 5: Análise do gênero ........................................................................................................ 92
Figura 6: Atividade de letramento crítico.................................................................................... 93
Figura 7: Atividades de letramento léxico-textual ...................................................................... 94
Figura 8: Atividades de letramento gramatical/estrutural ........................................................... 95
Figura 9: Tarefas de letramento gramatical/estrutural ................................................................ 96
Figura 10: Atividades para ativar conhecimento prévio antes de assistir ao vídeo ..................... 97
Figura 11: Atividades para checar previsões a respeito de conteúdo e vocabulário do vídeo .... 97
Figura 12: Atividade de co-construção de conhecimento através de (multi)letramentos............ 98
Figura 13: Atividade de vocabulário pré-produção escrita online .............................................. 99
Figura 14: Atividade de vocabulário pré-produção escrita online – parte 2 ............................... 99
Figura 15: Primeira tarefa de produção escrita online .............................................................. 100
Figura 16: Atividades pré-audição (leitura, vocabulário e tarefa de produção oral) ................. 102
Figura 17: Atividade de compreensão oral ............................................................................... 103
Figura 18: Atividades pós-compreensão oral para checagem e debate sobre as ideias no texto104
Figura 19: Atividades produção oral e de (multi)letramentos ................................................... 106
Figura 20: Tarefa de produção oral e de (multi)letramentos ..................................................... 107
Figura 21: Atividade de conscientização cultural e de gênero .................................................. 108
Figura 22: Atividade de produção oral e de (multi)letramentos................................................ 109
Figura 23: Tarefa de produção escrita e de (multi)letramentos ................................................. 110
Figura 24: Tarefa de letramento digital ..................................................................................... 111
Figura 25: Atividades e tarefas de estímulo à autonomia e auto-avaliação .............................. 113
Figura 26: Atividades de reflexão sobre a aprendizagem ......................................................... 114
Lista de quadros:
Quadro 1: Valores pedagógicos dos letramentos críticos. Adaptado de Kalantzis & Cope (2012,
p. 149) ......................................................................................................................................... 39
Quadro 2: Dimensões dos letramentos críticos (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 161) ............ 47
Quadro 3: Movimentos pedagógicos sugeridos pelo grupo. Adaptado de Cope & Kalantzis
(2000). ......................................................................................................................................... 65
Quadro 4: Processos de conhecimento (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 358) ......................... 66
SUMÁRIO
1.1 Onde, quando e por que emergiram as questões? ............................................................. 11
1.2 A pedagogia dos (multi)letramentos ................................................................................. 14
1.2 Materiais didáticos para a rede pública no Brasil.............................................................. 16
1.3 Promoção de (multi)letramentos no material didático de inglês para a transformação
social ....................................................................................................................................... 17
1.4 A construção de conhecimento nesta pesquisa, o período sócio-histórico atual e a LA
contemporânea ........................................................................................................................ 18
2. Ensino e Aprendizagem de inglês no século XXI ................................................................... 21
2.1 Teoria sociointeracional, linguagem e aprendizagem como ação social: o papel da LA
contemporânea e o papel do ensino de inglês no Brasil na contemporaneidade ..................... 22
2.2 As pedagogias de letramento como políticas linguísticas e a teoria dos (multi)letramentos
................................................................................................................................................. 37
3.1 Definição e escopo de materiais didáticos e de seus temas, textos e discursos. ................ 55
3.2 Conscientização cultural e crítica no material didático ..................................................... 60
3.3 Temas e Textos ................................................................................................................. 62
3.4 Atividades e tarefas ........................................................................................................... 64
4. Metodologia ............................................................................................................................ 70
4.1 Caráter e natureza da pesquisa .......................................................................................... 70
4.2 Como a unidade didática foi produzida? ........................................................................... 78
5. A unidade didática em escrutínio ............................................................................................ 85
5.1.1 O tema em contexto........................................................................................................ 86
5.2 Atividades de leitura e (multi)letramentos ........................................................................ 88
5.2.1 Explorando o gênero .................................................................................................. 88
5.2.2 O texto escrito ............................................................................................................ 90
5.2.3 Atividades de letramento crítico (análise do gênero e reflexão crítica) e digital ....... 91
5.3 Letramentos linguísticos – escolhas de estilo (lexicais e gramaticais).............................. 93
5.3.1 Atividades de vocabulário .......................................................................................... 93
5.4 (Multi)letramentos............................................................................................................. 96
5.4.1 Atividades de vídeo e (multi)letramentos .................................................................. 96
5.5 Atividades de produção escrita e letramento digital crítico .............................................. 98
5.6 Atividades de compreensão oral e de (multi)letramentos ............................................... 100
5.7 Atividades de produção oral e de (multi)letramentos ..................................................... 105
5.8 Atividades de produção escrita e (multi)letramentos ...................................................... 107
5.9 Atividades de estímulo à autonomia e de auto-avaliação da aprendizagem.................... 112
6. Considerações finais.............................................................................................................. 116
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 122
APÊNDICE – A UNIDADE DIDÁTICA ................................................................................. 132
11

1. Introdução

1.1 Onde, quando e por que emergiram as questões?

Este trabalho é fruto de inquietações, curiosidade e inquisição com relação à


teoria de (multi)letramentos, explicitada em linhas gerais na próxima seção deste
capítulo e abordada em profundidade no capítulo 2, e sua prática pedagógica através de
escolhas informadas no material didático de inglês para o ensino médio da rede pública
no Brasil. Ao longo da pesquisa outras ramificações deste interesse foram surgindo e
tornando este um projeto político, ético e estético de escala maior do que pensado
inicialmente. Apesar de já ambicioso inicialmente por ter a pretensão de intervir em
uma questão que representa um desafio em escala nacional, ao longo da geração de
dados, como ocorre muitas vezes na pesquisa qualitativa, emergiram questões sobre
ética e mudança social de escala ainda maior. As questões que surgiram dizem respeito
à diversidade, à luta contra a discriminação (especialmente de gênero, de sexualidade e
racial), responsabilidade social e participação no debate público sobre assuntos atuais de
interesse global no que tange mudanças socioculturais (e até mesmo legais e jurídicas)
construídas no e através do discurso.

Esta pesquisa é a culminância de um projeto pessoal que emergiu quando


comecei a refletir criticamente sobre o que caracteriza de fato letramento digital
enquanto produzia materiais didáticos digitais para uma editora. Este projeto é, portanto,
uma que verdadeiramente caracteriza a Linguística Aplicada. Após alguma experiência
em utilizar e criar materiais, tornou-se importante entender os princípios teóricos e as
práticas que deveriam ser adotadas. Tornou-se clara também a importância da função
social que os materiais deveriam e poderiam exercer em concordância com o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD). Foi então que se deu a decisão de produzir uma
unidade didática que tenha como finalidade promover (multi)letramentos, inclusive
digital, porém em material impresso por enquanto, pois ainda é o que se distribui nas
escolas atualmente. No futuro talvez a unidade possa ser adaptada para uma mídia
digital.

O maior estímulo a refletir sobre e pesquisar o assunto foram as aulas sobre


análise do discurso no material didático de inglês no curso de especialização em
Linguística Aplicada (LA) e ensino de inglês na Universidade Federal Fluminense e
depois como ouvinte nas aulas do mestrado em LA na Universidade Federal do Rio de
12

Janeiro. Após fazer análises críticas do discurso de alguns materiais didáticos (tanto
digitais quanto impressos) ao longo dos dois últimos anos como mestranda, parecia ser
o momento de tentar produzir uma unidade didática inspirada na teoria de
(multi)letramentos do Grupo de Nova Londres, como já pretendia desde a apresentação
do projeto para ingressar no curso. Além de produzir a unidade, naturalmente é de suma
importância refletir critica e sistematicamente sobre a produção e permitir que outros a
critiquem, para que juntos possamos construir um caminho a seguir. Afinal, o material
didático exerce uma enorme influência na sala de aula e, por consequência, no tipo de
educação dos cidadãos sendo formados.
O material didático, como todo e qualquer texto, está imbuído de e em
práticas discursivas desde o processo de produção, passando pela
distribuição até seu consumo, e estas práticas discursivas, por sua vez,
estão situadas historicamente em práticas sociais específicas, como o
ensino de língua. A relevância do material didático vai muito além de
seu conteúdo linguístico, ele pode exercer influência metodológica
sobre práticas pedagógicas em sala de aula, assim como uma
influência ideológica em seu discurso, isto é, sobre o social, sobre o
mundo e sobre valores. (RODRIGUES, 2014)

Uma unidade didática foi produzida, com o desafio de promover


(multi)letramentos, inclusive o digital, mesmo em mídia impressa, assim como oferecer
espaço para legitimação de vozes e discursos subalternos em aprendizagem participativa
realizada na interação social envolvendo conscientização discursiva e cultural e
construção de identidades socioculturais não hegemônicas. Desta forma, o material
estaria adotando um discurso de rejeição a uma visão absolutista de mundo e a primazia
do homem branco heteronormativista ou da produção cultural eurocentrista e
valorizando a produção intelectual e cultural dos aprendizes, abrindo caminhos através
do uso de mídias digitais para a participação social de alunos de diferentes contextos
culturais, sociais, de gênero e socioeconômicos na construção de significados e
imaginar um futuro melhor a ser construído através do discurso e em práticas
socioculturais. A intenção é contribuir, mesmo que com uma pequena participação
através de uma humilde tentativa de produção e reflexão, para a pavimentação de um
caminho nobre que já começou a ser trilhado por pesquisadores para deixarmos de
ensinar língua numa educação tecnicista e fordista, optando por uma abordagem
consciente e conscientizadora (TÍLIO, 2013).

Este é, portanto, um projeto ambicioso, porém não presunçoso, pois criar uma
unidade didática não é um grande desafio para quem já o fez profissionalmente, estuda e
13

pesquisa elaboração de materiais didáticos há alguns anos. O objetivo do projeto é que


pode ser considerado utópico, porém por compartilhar a premissa que a educação -
especialmente no ensino de leitura e escrita para além da codificação e decodificação de
textos (e não apenas na forma escrita) - pode fazer uma diferença na vida dos alunos
(FREIRE, 1996; LUKE& FREEBODY, 1997). Outros pressupostos que justificam a
escolha do tema desta pesquisa e a criação da unidade didática são:

1) É necessário pensar para além de métodos em estudos que dão um foco micro
analítico à questão do ensino e aprendizagem de língua na escola; é preciso pensar “que
tipo de práticas de letramento, para quem, para que tipo de formações sociais e
econômicas podem e devem ser sancionados através do ensino” (LUKE &
FREEBODY, 1997, p. 2). Ou seja, focar em questões “conectadas aos impactos gerais
de mudanças sociais, culturais e econômicas em comunidades, identidades e acesso e
participação institucional de fato” (LUKE & FREEBODY, 1997, p. 2); pensar “que tipo
de práticas textuais locais podem ser forjadas em relação a forças sociais maiores e
dinâmicas e como mudanças nas comunidades tecnológicas e globais podem formar as
bases e objetos de estudo de um programa de letramento critico” (LUKE &
FREEBODY, 1997, p. 3).

2) Letramentos envolvem mais do que comunicar, ou passar uma mensagem de pessoa


para pessoa, envolvem pensamento e representação; devemos pensar na língua não
como forma de comunicar algo a alguém, mas como forma de interação social e ação
sobre o mundo. (KALANTZIS & COPE, 2012)

3) A educação forma diferentes tipos de cidadão e se, antes, ela formava pessoas que
carregavam supostas informações corretas em suas mentes, que aprendiam a obedecer
regras e que “passivamente aceitavam as respostas para o mundo que lhes eram dadas
por autoridades, ao invés de perceber o mundo como muitos problemas a serem
resolvidos” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 7), hoje precisamos formar aprendizes
colaboradores. Os aprendizes para o mundo por vir devem ser solucionadores de
problemas, capazes de aplicar divergentes modos de pensar, inovadores, criativos, que
assumam riscos calculados (KALANTZIS & COPE, 2012).

4) Formar cidadãos com as características acima “requer não somente novos conteúdos
no ensino de letramentos, mas novas pedagogias” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 7)

5) Em tempos de grandes mudanças e instabilidade, em que as formas de poder e


dominação são radicalmente reformuladas, a mudança social se dá através da mudança
14

cultural, que em grande parte significa mudança em práticas discursivas


(FAIRCLOUGH, 1995 [2010]).

6) O discurso pode servir como forma de resistência e o ensino de língua com base em
teorias de linguagem com enfoque discursivo-interacional pode ser propício para uma
educação empoderadora, cidadã e democrática através de questionamento crítico da
vida social em termos de justiça social e poder (FAIRCLOUGH, 2003).

7) A pesquisa cientifica, especialmente na Linguística Aplicada (LA), área


transdisciplinar de construção de conhecimentos relacionados ao uso da linguagem no
mundo e seus problemas de ordem social, deve priorizar projetos com base ética para
lidar com problemas do mundo real, apagando uma distância entre a teoria e a prática
(MOITA LOPES, 2006).

1.2 A pedagogia dos (multi)letramentos

A introdução de novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) na


sociedade suscita o desenvolvimento de novas modalidades de práticas sociais de leitura
e escrita, características da cibercultura (LÉVY, 1999). As práticas de leitura e escrita
digital além de criarem novos gêneros discursivos vêm modificando a relação do leitor e
do autor com os textos. Dessas novas modalidades, emerge o letramento digital, por
exemplo, definido por Coscarelli & Ribeiro (2005, p. 9) como a “ampliação do leque de
possibilidades de contato com a escrita também em ambiente digital”.

Porém antes de entrar na questão do letramento digital, parece sensato definir


primeiro o conceito de letramento. Magda Soares define letramento como “a
participação em eventos variados de leitura e da escrita nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas” (2004, p.
16). Ela também chama atenção para o fato de o letramento, pelo próprio sufixo –mento,
ser o “estado resultante de uma ação”, esta sendo a “ação educativa de desenvolver o
uso de práticas sociais de leitura e escrita, para além do ensinar a ler e escrever
(alfabetizar).” O individuo letrado é então, nessa concepção, aquele que exerce as
práticas sociais de leitura e escrita, e participa de eventos de letramento com
competência. Podemos sugerir, a partir disso, que o letramento como pedagogia,
constitui-se em um fator de inserção social.

Temos sofrido mudanças dramáticas em nossas vidas pessoais, públicas e


trabalhistas nas últimas décadas e elas estão transformando nossas culturas e a forma
15

que nos comunicamos. Portanto, a maneira que temos ensinado as práticas de leitura e
escrita também deve mudar. Afinal, a propagação de textos multissemióticos significou
que a comunicação mudou e deixou de ser primariamente linguística para ser
multimodal1 (KALANTZIS & COPE, 2012).

O conceito de (multi)letramentos surge do encontro do Grupo de Nova Londres,


formado por dez pesquisadores de diferentes origens (incluindo James Paul Gee e Alan
Luke), em 1994, para em colaboração buscar soluções para o futuro do ensino de
letramento nas escolas. O grupo concorda que, acompanhando as atuais mudanças no
mundo, a natureza do objeto de estudo da pedagogia de letramento estava mudando e
que o termo multiletramentos poderia encapsular o resultado de toda a discussão por
descrever dois argumentos da emergente ordem cultural, institucional e global. O
primeiro argumento relaciona-se à multiplicidade de canais de comunicação e mídia e o
segundo, à evidência da cada vez maior diversidade cultural e linguística. Dessa forma,
a noção de multiletramentos, ou apenas letramentos, como os autores passaram a
chamar mais tarde, suplementa a do mero letramento2 (no singular) que era centrado
apenas no aspecto linguístico, não dando conta dos dois aspectos de multiplicidade
textual mencionados (COPE & KALANTZIS, 2000; KALANTZIS & COPE, 2012).

O termo no plural também designa um novo tipo de pedagogia crítica na qual a


linguagem e outros modos de modos de significação são recursos representacionais
dinâmicos, sendo constantemente refeitos por seus usuários em seu trabalho para
alcançar diferentes objetivos culturais. Um fator primordial da pedagogia dos
(multi)letramentos é a integração do texto com outros modos de significação como o
visual, o auditivo, o espacial, o comportamental e o gestual, por exemplo. O grupo
ressalta a importância dessa integração para a hipermídia eletrônica e afirma que o
processo de significação é crescentemente multimodal, como na internet, e que,
portanto, precisamos de novos letramentos que sejam multimodais também. Afinal,
novas mídias estão reformando a maneira que usamos a língua (KALANTZIS & COPE,
2012).

1
Os autores utilizam o termo multimodal como sinônimo de multissemiótico(a).
2
O ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola (Kalantzis & Cope, 2012).
16

1.2 Materiais didáticos para a rede pública no Brasil

Atualmente, existe no Brasil um crescente interesse do mercado editorial na área


de desenvolvimento de materiais didáticos de ensino de inglês para a rede pública de
ensino em grande escala, motivado pelas recentes publicações de editais e guias do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), um sistema de avaliação que funciona
como um crivo adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para oferecer opções de
livros de qualidade para a escola pública. O Programa passou a avaliar livros didáticos
de língua estrangeira (visando a sua potencial escolha para adoção na rede pública)
recentemente, pois não incluía Língua Estrangeira até 2011.

Desta forma, atualmente no Brasil, para viabilizar a compra e distribuição de


suas coleções pelo MEC, editoras de materiais didáticos de ensino de língua inglesa
precisam submeter seus livros ao Programa, atendendo a diversos critérios sobre visão
de ensino-aprendizagem, linguagem, práticas sociodiscursivas e práticas pedagógicas.
Dentro deste contexto, as editoras têm empreendido esforços em assimilar os critérios
de avaliação do programa e incorporá-los em seus materiais ao longo dos últimos anos.

Pesquisadores acadêmicos das áreas de educação e ensino de línguas vêm


participando diretamente tanto da elaboração quanto da avaliação de materiais didáticos
produzidos por diversas editoras, além de contribuírem para a construção dos critérios
de avaliação em uma constante busca de entendimentos compartilhados que fomentem o
aprimoramento da experiência de aprendizagem de inglês como língua adicional nas
escolas públicas.

O que pude perceber em minha experiência como professora, como colaboradora


de uma editora de materiais didáticos no Departamento de Tecnologia da Educação da
editora Learning Factory e como pesquisadora, é que os materiais didáticos produzidos
para o ensino de inglês na rede pública tanto em mídia digital, como o Educopédia
(desenvolvido para o Ensino Fundamental do Município do Rio de Janeiro) e outros
materiais disponíveis na internet para o Ensino Fundamental, assim como em mídia
impressa, a julgar pela análise de uma unidade sobre aprendizagem digital que compõe
um volume de uma das coleções mais bem avaliadas pelo MEC para o Ensino Médio
não fomentam (multi)letramentos. O que pude observar é que, muitas vezes, os
materiais disponíveis deixam a desejar no que diz respeito à promoção de letramentos
críticos e digitais em suas propostas de atividades pedagógicas (RODRIGUES, 2014, no
17

prelo). Por letramentos críticos, entenda-se resumidamente uma conscientização crítica


do uso da linguagem (FAIRCLOUGH, 1992 [2001]).

Quando a escola e o material didático de modo geral fazem uso de ou abordam


Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) parecem guiados por
interesses comerciais e mercadológicos apenas, com o foco meramente na motivação
dos alunos através de apelo visual e à inovação tecnológica de uma forma mercantilista
para agregar valor, como dizem os marqueteiros, ao produto sendo vendido. O que se
pode observar, muitas vezes, é uma reprodução de padrões de exercícios estruturais de
uma pedagogia tradicional, que preveem uma resposta correta e sem relação com
práticas sociais reais de leitura e escrita, apenas se utilizando de mídias digitais ou
abordando tais mídias como temas para aprendizagens conceituais técnicas.

Outra questão relevante de ser mencionada é que, até o PNLD 2014, nem mesmo
a coleção melhor avaliada teve seu componente digital aprovado – assim como
nenhuma outra. Este é um dado importante, pois apenas no PNLD 2015 foram
aprovados tais componentes, o que colabora para o entendimento de que a questão
quando do início desta pesquisa ainda apresentava grandes desafios.

1.3 Promoção de (multi)letramentos no material didático de inglês para a


transformação social

Através deste estudo, proponho caminhos pelos quais (multi)letramentos (com


sua carga crítica intrínseca) podem ser propiciados através de atividades propostas pelo
material didático de língua inglesa no Brasil. Gostaria de enfatizar o aspecto do
embasamento teórico a informar as atividades, que devem mostrar a importância da
preocupação com a formação do aluno cidadão para agir no mundo contemporâneo
como um ser crítico, reflexivo, consciente e competente.

O estudo apresenta uma proposta de abordagem e atividades pedagógicas para


uma unidade didática de um material didático do primeiro ano do Ensino Médio que, de
fato, fomente (multi)letramentos e mire a transformação social ao invés de contribuir
para a manutenção do status quo em seu discurso. A intenção foi elaborar atividades
com foco nos (multi)letramentos permeados sempre pelo digital e crítico, visando o
desenvolvimento de práticas linguísticas, cognitivas, interacionais, sócio-histórico-
culturais e textuais multimodais para além da leitura e escrita vista apenas como
18

decodificação ou compreensão da palavra descontextualizada. As atividades deviam,


portanto, envolver o desenvolvimento de letramentos além dos linguísticos.

A principal base para a pesquisa foram teorias sociointeracionais e a pedagogia


de (multi)letramentos para o ensino de língua inglesa no século XXI, amparadas pelo
material didático. Para tanto, primeiro há uma revisão da literatura na fundamentação
teórica em torno das teorias e pesquisas realizadas na área, para, em seguida, descrever
como foi elaborada a unidade com atividades multissemióticas a serem apresentadas e
disponibilizadas em formato impresso, como proposto pelo PNLD, para a prática da
linguagem como um instrumento para a ação social do aluno desempenhando seu papel
de cidadão crítico.

1.4 A construção de conhecimento nesta pesquisa, o período sócio-histórico atual e


a LA contemporânea

Esta é uma pesquisa interdisciplinar voltada para as relações entre linguagem e


sociedade no material didático para o ensino de inglês. A pesquisa em questão tem
como objetivo gerar dados que contribuam para uma melhoria ainda maior na produção
de materiais didáticos de inglês para a rede pública de ensino no Brasil e é, portanto, um
projeto político e pedagógico. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de base
interpretativista embasada na teoria sociointeracional de aprendizagem, na teoria
sistêmico-funcional de linguagem, assim como nos conceitos de gêneros discursivos, de
(multi)letramentos, na teoria social do discurso e na análise crítica do discurso (ACD).

O material didático desempenha um papel preponderante na atividade docente,


especialmente no ensino de línguas. Portanto, além de constituir-se como uma prática
sociodiscursiva em si, o livro didático influencia outra prática sociodiscursiva pertinente
à LA, o ensino de língua (KULLMAN, 2012; TOMILINSON & MATSUHARA, 2013).
O estudo, ao apresentar teorizações e apontar possíveis caminhos para a promoção
letramentos no material didático, em especial o digital e crítico, centra-se na resolução
de problemas de uso da linguagem tanto no contexto da escola quanto fora dele, além de
contribuir para formulação teórica sobre novas possibilidades iminentes no ensino de
inglês e no material didático.

A LA contemporânea (MOITA LOPES, 2006) encontra-se em consonância com


teorizações da contemporaneidade sobre papel das “aquisições das linguagens na
19

constituição das atividades concretas do cotidiano” (FRIDMAN, 2000, p. 41). O que


importa para o aluno hoje não condiz com as limitações de práticas pedagógicas
tradicionais ainda adotadas em muitas aulas e materiais didáticos de inglês, de
transmissão (ao contrário de coconstrução, como seria desejável) de conhecimento, e
conhecimento inútil para o aprendiz no seu dia-a-dia. O que Fridman chama de
conscientização prática e aquisições de linguagens na constituição de atividades
concretas do cotidiano pode ser relacionado diretamente aos objetivos de promover
(multi)letramentos através dos materiais didáticos de inglês, conforme explicarei mais a
frente.

Precisamos considerar os resultados de pesquisas sobre o momento sócio-


histórico atual e, da mesma forma que Moita Lopes, Rajagopalan e outros linguistas
aplicados propõem um novo paradigma para a LA contemporânea (MOITA LOPES,
2006), incorporá-los ao material didático, ou seja, repensar a finalidade de ensinar uma
língua antes de repetir propostas de práticas tradicionais que não atendem às
necessidades do sujeito e da sociedade em que vivemos atualmente.

Um importante papel da LA contemporânea em sua construção de um novo


paradigma é o de “reinventar a vida social, assim como a LA como forma de
compreendê-la, de modo a poder imaginar novas ações políticas” (MOITA LOPES,
2006, p. 104). Os materiais didáticos produzidos para o ensino de língua e as
teorizações sobre eles estão certamente inseridos nesse contexto da reinvenção de
formas de produzir conhecimento, “uma vez que a pesquisa é um modo de construir a
vida social ao tentar entendê-la” (MOITA LOPES, 2006, p. 85).

Algumas tendências da contemporaneidade são especialmente interessantes para


a esta pesquisa. Uma é o que Fridman (2000) se refere como a globalização
revolucionária, que está se tornando cada vez mais descentralizada. Como ele mesmo
explica, nenhuma empresa ou nação tem controle sobre seu dinamismo ou suas
consequências, pois as instituições atuais não são capazes de monitorar e interferir
decisivamente na mudança tecnológica. A mudança tecnológica é uma tendência
primordial para este estudo, assim como os aspectos de pluralidade e fragmentação pós-
modernas. Entre as mudanças tecnológicas presentes na pós-modernidade (termo
adotado por Fridman para se referir à contemporaneidadee que uso aqui como
sinônimos), destaca-se a questão das consequências da “informatização sobre a
produção material e sobre o cotidiano” (FRIDMAN, 2000, p. 14) e “da necessidade de
20

novas considerações e teorias compatíveis com as novas formas de vida social”


(FRIDMAN, 2000, p. 15).

Neste trabalho, buscaremos teorizar sobre questões relativas à elaboração de


material didático de inglês para adolescentes na escola brasileira nos tempos atuais. As
perguntas de pesquisa elaboradas para conduzir este trabalho foram:

 Como fomentar (multi)letramentos em atividades pedagógicas no material


didático do século XXI?
 Como promover letramento digital através de material didático impresso?
 Como propiciar a coconstrução de aprendizagem através da participação em
rede, propondo letramentos multissemióticos ou (multi)letramentos para
estimular uma inclusão social que abra alternativas sociais com base nas e com
as vozes que estão à margem na construção de uma sociedade mais humana em
projeto que envolva uma coligação anti-hegemônica e que desafie o pensamento
único no material didático de ensino de língua?

Tendo em mente tais questões, o capítulo a seguir se aprofunda na relação do


ensino e aprendizagem de inglês nos dias de hoje com: o papel da LA contemporânea; a
teoria sociointeracional; as teorias sobre a contemporaneidade e sobre pedagogias de
ensino de leitura e escrita como forma de políticas linguísticas ao longo dos tempos até
o momento atual, com foco na pedagogia de letramentos críticos e (multi)letramentos.

O terceiro capítulo traz uma breve revisão da literatura sobre materiais didáticos
de ensino de inglês, sua importância e influencia na sala de aula, seus discursos através
de escolhas temáticas, textuais e de tipos de atividades ou tarefas pedagógica e a
diferença entre estas. Em seguida, o capítulo quatro explicita o caráter e a natureza desta
pesquisa e como foi elaborada a unidade didática analisada em detalhes no capítulo
cinco, abordando os temas, textos, atividades e tarefas de (multi)letramentos,
especialmente os letramentos digitais e críticos. O capítulo sexto e último conclui essa
reflexão, buscando responder às perguntas com considerações finais.
21

2. Ensino e Aprendizagem de inglês no século XXI

O livro didático (LD) “fornece conteúdos, textos e atividades que delineiam


muito do que acontece em sala de aula ou, em muitos casos, moldam (...) o que deve
acontecer na sala de aula” (RAMOS, 2009, p. 173). Segundo Dias, o LD é, em muitos
casos, o único recurso disponível para a atuação do professor em sala de aula, assim
como para sua formação e por isso “exerce uma grande influência no que se ensina e
como se ensina” (DIAS, 2009, p. 199), atuando como elemento-chave nas práticas
escolares dirigidas à aprendizagem de Língua Estrangeira (LE). Portanto, além de
constituir-se de uma prática sociodiscursiva em si, o material didático (MD) influencia
outra prática sociodiscursiva pertinente à Linguística Aplicada (LA): o processo de
ensino e aprendizagem de língua. Parece adequado, então, começar por abordar esta
questão.

Neste capítulo, primeiro abordo a teoria sociointeracional, que embasa esta


pesquisa. Relaciono esta teoria coma visão de linguagem e aprendizagem adotada, com
o papel do ensino de inglês como LE nos dias de hoje e com a LA na
contemporaneidade, levando em conta suas características e demandas. Em seguida,
descrevo pedagogias e políticas linguísticas e educacionais em uma retrospectiva das
práticas e conceitos de letramento para o ensino e aprendizagem de leitura e escrita em
salas de aula. Busco, por fim, mostrar como chegamos aos parâmetros e critérios para o
ensino de língua inglesa através do material didático, situando esta pesquisa sócio-
historicamente. Termino o capítulo justificando o recorte desta pesquisa, a escolha pela
teoria sociointeracional e dos (multi)letramentos para a agência3 consciente e cidadã na
contemporaneidade, assim como para a transformação social através de conscientização
crítica da linguagem e de práticas sociodiscursivas.

Ao final, aludo aos documentos oficiais para o ensino de inglês elaborados no


passado (PCN, PCN+, OCNEM) e programa criado para guiar, avaliar e selecionar o
MD a ser adotado pelas escolas públicas brasileiras (PNLD) que apenas recentemente
incluiu o livro de língua estrangeira. Explicito então como tais documentos que definem
uma política educacional e linguística direcionada às necessidades e anseios a uma

3
Agency é às vezes traduzido como “agenciamento”; no entanto, utilizo o termo “agência” com a
concepção de Murphy (1997, p. 126): “o poder satisfatório de tomar uma ação significativa e ver o
resultado de nossas decisões e escolhas”.
22

formação cidadã ativa da população brasileira para inserção e ação social se alinham à
perspectiva sociointeracional e como são compatíveis também com a teoria de
(multi)letramentos4 que inspirou esta pesquisa e que descrevo ao fim do capítulo.

2.1 Teoria sociointeracional, linguagem e aprendizagem como ação social: o papel


da LA contemporânea e o papel do ensino de inglês no Brasil na
contemporaneidade

Esta pesquisa, conforme mencionado no parágrafo acima, é embasada pela teoria


sociointeracional e sua perspectiva tanto de ensino e aprendizagem como de linguagem
para a elaboração de material didático de inglês. Considero tal teoria, associada a outras
que virei a abordar mais tarde, especialmente adequada ao momento sócio-histórico e
aos objetivos da LA contemporânea (MOITA LOPES, 2006) para fundamentar
materiais produzidos em conformidade tanto com os documentos oficiais para o Ensino
Médio no Brasil, quanto com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

A teoria sociointeracional constitui uma perspectiva de ensino, aprendizagem e


linguagem como prática sociocultural que oportuniza situações de interação com o outro
e com o meio, devido ao “papel dominante da experiência social no desenvolvimento
humano” (VYGOSTSKY, 1991[1978, p. 26]). A língua é vista como “um conjunto de
práticas enunciativas e não como forma descarnada”, uma vez que “a enunciação
humana é sempre um ato social” (MARCUSCHI, 2013 [2008], p. 19]), o que está em
plena consonância com a visão de Bakhtin5 (VOLOSHINOV /BAKHTIN, 2006 [1929])
sobre a natureza social da língua.

De acordo com tal teoria, para uma aprendizagem efetiva e crítica, é primordial
promover oportunidades para o aluno se engajar sociodiscursivamente no processo,
coconstruindo entendimentos e seu próprio discurso na interação social. Vygotsky
(1991[1978]) afirma que “o momento de maior significado no curso do
desenvolvimento intelectual (...) acontece quando a fala e a atividade prática (...)
convergem” (VYGOTSKY, 1998[1978], p. 29]).

4
A teoria criada pelo New London Group foi cunhada por eles Teoria de Multiletramentos em um
manifesto publicado pela primeira vez em 1996 e reproduzido posteriormente na integra no livro
organizado por Cope e Kalantzis (2000) com o termo no título. Posteriormente, os autores passaram a
utilizar o termo Letramentos (KALANTZIS & COPE, 2012), apenas no plural, sem o prefixo, porém com a
mesma denotação. Adoto aqui a grafia utilizada por Rojo (2013, p. 24) ao citar a teoria, fazendo alusão
às duas grafias em tempos distintos colocando o prefixo multi entre parênteses.
5
Quando houver referência a Bakhtin, leia-se o “círculo de Bakhtin” evocado por Leontiev, isto é, textos
e ideias disputados e atribuídos a Bakhtin, porém provavelmente de outra autoria, como Voloshínov e
Medvédev.
23

Da mesma forma, o círculo de Bakhtin defende a importância da interação para a


significação, afirmando que “os signos só podem aparecer em um terreno
interindividual” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929], p. 35). Bakhtin afirma
também que “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência”
(VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929], p. 35) e que “a língua em seu uso prático é
inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida”
(VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929], p. 96). O que produzimos na língua, que ele
chama de “enunciação”, é o “produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929], p. 112).
Deixando de lado o fato de que a palavra, como signo, é extraída pelo
locutor de um estoque social de signos disponíveis, a própria
realização deste signo social na enunciação concreta é inteiramente
determinada pelas relações sociais (VOLOSHINOV/BAKHTIN,
2006[1929], p. 113]).

Ele argumenta ainda que “todo o itinerário que leva da atividade mental (o
“conteúdo a exprimir”) à sua objetivação externa (a enunciação) situa-se completamente
em território social” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929], p. 117). O autor vê a
língua como parte de um processo dialógico em que a alteridade (o outro, o receptor
potencial de uma enunciação) é intrínseca ao processo de enunciação. O que chamo de
intertextualidade é a relação entre enunciados, pois todo anunciado produzido por
qualquer pessoa se relaciona a enunciado previamente produzidos, seja com relação à
forma ou ao tema. Nas palavras de Bakhtin (1997[1979], p. 291):
O próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente, pois não
é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de
um mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua
que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores —
emanantes dele mesmo ou do outro — aos quais seu próprio
enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se
neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe
conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo da cadeia muito
complexa de outros enunciados.

Voloshinov/Bakhtin critica a visão do subjetivismo individualista que atribui a


função criativa na língua às enunciações isoladas, porém esta corrente como incapaz de
compreender a natureza social da enunciação e reafirma categoricamente a natureza
social da língua através da interação:
A estrutura da enunciação e da atividade mental a exprimir são de
natureza social. A elaboração estilística da enunciação é de natureza
24

sociológica e a própria cadeia verbal, a qual se reduz em última


análise a realidade da língua, é social.
(...)
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação
ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade
fundamental da língua. (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006 [1929], p.
122)

A abordagem sociointeracional não ignora a forma, o sistema linguístico, porém


foca nas escolhas linguísticas, suas motivações e efeitos. Fairclough defende que os
signos são socialmente motivados (FAIRCLOUGH [1992]2001), por exemplo, quando
um jornal escolhe se referir a quem estava em uma passeata como vândalo ou
manifestante, ou quando usamos a voz passiva para omitir o sujeito por algum motivo, e
em tantas outras escolhas linguísticas que fazemos no dia a dia.

A influência dessa perspectiva de linguagem é de grande contribuição para a


Análise Crítica do Discurso (tradução que utilizo neste estudo para o termo Critical
Discourse Analysis, cunhado por Fairclough em 1985). Como apontam Resende e
Ramalho, “a concepção da linguagem como modo de interação e produção social, o
enfoque discursivo-interacionista de Bakhtin apresenta conceitos que se tornariam, mais
tarde, basilares para a ADC (sic)”. (RESENDE & RAMALHO, 2006, p. 17) 6.

Uma característica da abordagem sócio-histórica na perspectiva Vygotskiana em


uma pesquisa é que esta constitui uma instância de produção de conhecimento assim
como de aprendizagem como processo social compartilhado e gerador de
desenvolvimento. Uma característica complementar, na perspectiva Bakhtiniana com
seu foco dialógico, é a participação ativa do pesquisador. Neste tipo de pesquisa, o
pesquisador é um dos principais instrumentos de pesquisa, pois este se insere nela e a
análise que faz depende de sua situação pessoal-social. (FREITAS, 2002).

A escolha de tal teoria para a pesquisa é uma decisão política e de princípios


éticos, por compartilhar da visão de linguagem como discurso, isto é, como ação, como
prática social, uma “forma pela qual as pessoas podem agir sobre o mundo e
especialmente sobre os outros, como também um modo de representação”
(FAIRCLOUGH 2001[1992, pp. 90-91). Além disso, é ainda espaço de luta
6
As autoras utilizam o termo Análise do Discurso Crítica (ADC) para designar o que outros autores
convencionaram chamar de Análise Crítica do Discurso (ACD).
25

hegemônica, pois entende-se nessa perspectiva que “o discurso não é simplesmente


aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se
luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 1999[1971, p. 10).

Fairclough ressalta que a questão das relações entre linguagem e poder na


educação é apenas uma parte da problemática mais geral das próprias relações entre
linguagem e poder, de modo que uma discussão não pode estar isolada da outra e o
contexto da discussão é o capitalismo contemporâneo. A produção e reprodução da
ordem social dependem cada vez mais de processos de natureza cultural e o papel da
linguagem é central nessa questão, pois, na sociedade contemporânea, o poder é
exercido através do consentimento e da transmissão e aceitação de uma ideologia mais
do que pela coerção e força física. O discurso é a via pela qual as ideologias são
propagadas e o consentimento é alcançado, assim como práticas, significações, valores e
identidades são construídas. Em tempos de grandes mudanças e instabilidade em que as
formas de poder e dominação são radicalmente reformuladas, a mudança social se dá
através da mudança cultural, que em grande parte significa mudança em práticas
discursivas, práticas de uso da linguagem (FAIRCLOUGH, 2010[1995]). Nas palavras
do autor,
a problemática da linguagem e poder é fundamentalmente uma
questão de democracia. Aqueles afetados precisam se encarregar disto
como uma questão política, como as feministas tem feito com a
questão de linguagem e gênero. Se os problemas de linguagem e poder
forem seriamente enfrentados, serão pelas pessoas diretamente
envolvidas, especialmente aquelas que estão sujeitas a formas
linguísticas de dominação e manipulação. (...)
O trabalho de conscientização crítica da linguagem na escola pode
levar à análise reflexiva de práticas de dominação implícitas na
transmissão e aprendizagem do discurso acadêmico, e no engajamento
dos aprendizes na luta para contestar e modificar tais práticas.
(FAIRCLOUGH, 2010[1995], p. 533)

Fairclough acredita que o trabalho de conscientização da linguagem nas salas de


aula tem sido pouco crítico, não tem dado foco suficiente a questões de poder
relacionadas à linguagem que deveriam ser destacadas na educação linguística. E “dado
que as relações de poder trabalham em nível implícito através da linguagem e dado que
práticas de linguagem são alvo de intervenção e controle, uma conscientização crítica da
linguagem é um pré-requisito para cidadania efetiva e acesso à democracia”
(FAIRCLOUGH, 2010[1995], p. 534) A escola é vista por ele como espaço com
capacidade de contribuir para a harmonia e integração social e deve estar voltada para
26

uma pedagogia crítica, para ajudar os aprendizes a entender problemas que não podem
ser resolvidos apenas na escola, mas que demandam lutas em diversos domínios da vida
social e fornecer recursos para que eles possam se engajar a longo prazo nestas lutas
(FAIRCLOUGH, 2010[1995]). Nesta perspectiva, a conscientização da linguagem
como discurso e instrumento de dominação e resistência pode empoderar cidadãos para
mudanças sociodiscursivas. Fairclough afirma o seguinte:
Há uma íntima relação entre o desenvolvimento da conscientização
linguística crítica das pessoas e o desenvolvimento de capacidades e
práticas linguísticas delas. Consequentemente, tal trabalho reflexivo
poderia envolver aprendizes e professores na análise e possivelmente
na mudança de suas próprias práticas como falantes e ouvintes (e
expectadores), escritores e leitores. (FAIRCLOUGH, 2010 [1995], p.
538)

Como a forma da nova ordem social global se torna mais clara, faz-se necessária
uma conscientização crítica da linguagem como parte da educação linguística, que deve
ser vista como direito do cidadão, especialmente aprendizes, como crianças, por
exemplo, que desenvolvem sua cidadania no sistema educacional (FAIRCLOUGH,
2001[1992]; 2010[1995]). Ele ressalta ainda que sua noção de discurso, assim como
linguagem, inclui outras formas de semioses, portanto, o que está em debate na
conscientização crítica de discurso é também incluí-las a começar pela importância de
imagens visuais por sua cada vez mais proeminente função no discurso contemporâneo
(FAIRCLOUGH, 2010[1995]). Assim, a educação em linguagem voltada meramente
para as demandas de trabalho e mercado não são suficientes para os novos tempos pós-
Fordistas, especialmente para quem não se beneficia da nova ordem e é por ela
marginalizado. É preciso uma educação crítica e de (multi)letramentos que sirva aos
interesses dos cidadãos dos novos tempos permeados de discursos multissemióticos.

O discurso é uma possível forma de resistência e o ensino de língua com base


em teorias de linguagem com enfoque discursivo-interacionista são propícios para uma
educação cidadã e democrática através de questionamento crítico da vida social em
termos de justiça social e poder (FAIRCLOUGH, 2003). Acredito na possibilidade de
poder contribuir através da elaboração e da teorização sobre materiais didáticos para a
subversão via discurso de relações de poder assimétricas, assim como para a questão da
27

representação e coconstrução de identidades socioculturais7 de forma crítica e


consciente.

A teoria sociointeracional serve então como uma base própria para uma pesquisa
e uma pedagogia comprometidas com a promoção do desenvolvimento de aptidões
criativas e exercício da cidadania (que entendo como expansão das áreas de participação
dos alunos em práticas sociais diversas), através do uso da linguagem de forma ativa e
crítica, que são preocupações alinhadas com os objetivos da linguística contemporânea
(MOITA LOPES, 2006).

A Linguística Aplicada (LA) contemporânea (MOITA LOPES, 2006) tem como


objetivo principal “criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a língua tem
um papel central” (MOITA LOPES, 2006, p. 14). Uma de suas principais
características, de acordo com Moita Lopes (2006, pp.85-105), consiste em estabelecer
diálogos com o mundo contemporâneo, unindo o conhecimento científico àqueles
entendidos como senso comum pela ciência positivista e explodir relações entre teoria e
prática, além de ter ética e poder como pilares cruciais. A LA contemporânea (MOITA
LOPES, 2006) se lança o desafio de buscar entender a vida contemporânea e, ao mesmo
tempo, colaborar para que se abram alternativas sociais com base nas e com as vozes
dos que estão à margem” (MOITA LOPES, 2006, p. 86).

As características da LA contemporânea, por sua vez, estão em conformidade


com teorias de cientistas sociais como Luis Carlos Fridman sobre a contemporaneidade.
Fridman afirma sobre o momento em que vivemos: “no mundo da reflexividade
disseminada, as faculdades cognitivas dos atores sociais e a consciência prática (...)
incorporam as aquisições das linguagens na constituição das atividades concretas do
cotidiano” (2000, p. 41). Assim sendo, o que importa para o aluno hoje não condiz com
as práticas pedagógicas tradicionais ainda adotadas em muitas aulas e materiais
didáticos de inglês, de transmissão de conhecimento (ao contrário de coconstrução,
como seria desejável) e de conhecimento que muitas vezes é inútil para o aprendiz no
seu dia-a-dia. O que Fridman chama de consciência prática e aquisições de linguagens
na constituição de atividades concretas do cotidiano pode ser incorporado aos objetivos

7
Utilizo os termos “identidade sociocultural”, “identidade cultural” e “identidade social” como
sinônimos, semelhantemente a Norton (2011), que aponta que suas intercessões teóricas são mais
significativas que suas diferenças e suas diferenças teóricas hoje em dia são mais fluidas do que há
décadas atrás. Utilizo, portanto, assim como ele, o termo “identidades socioculturais” tanto com relação
a práticas institucionais quanto dentro de comunidades, exceto quando cito algum autor que privilegia
um termo específico, seja o ‘cultural’ ou ‘social’.
28

de promover (multi)letramentos através dos materiais didáticos de inglês, conforme


explicarei mais a frente.

Fridman caracteriza a reflexividade dos indivíduos na sociedade contemporânea


como:
1) uma rejeição à concepção de que o comportamento humano é
resultado de forças que os atores não controlam nem compreendem
(...);
2) exame e reforma das práticas sociais por força de informação
renovada;
3) reconhecimento do uso da linguagem na constituição das atividades
concretas da vida;
4) papel central das capacidades reflexivas do ator no fluxo da
conduta cotidiana com implicações na institucionalidade e na
mudança social;
5) o entendimento que os seres humanos têm de sua própria história e
das influências para mudá-la. (FRIDMAN, 2000, p. 42)

O autor, em Vertigens Pós-Modernas, discorre sobre várias tendências da


contemporaneidade: a necessidade da flexibilidade no trabalho, o fato de as pessoas
terem que se reinventar o tempo todo, a vida ter se tornado errática pela multiplicidade e
pela fluidez, os novos apartheids sociais, a sociedade do espetáculo, a colonização
realizada através da mídia e da indústria da propaganda, o hiper-real de simulacros e a
imperiosidade do parecer ao invés de querer ser ou ter, entre outras (FRIDMAN, 2000).
Todas essas tendências são relevantes para a LA e para o material didático, no mínimo
como temas a serem debatidos, problematizados e, em alguns casos, combatidos por
professores/pesquisadores éticos em atos políticos, como o a decisão sobre questões
relevantes a serem pesquisadas, seus objetivos e a perspectiva a ser adotada. Assim
como devem ser consideradas políticas as escolhas feitas ao se produzirem materiais
didáticos a serem utilizados na escola, especialmente a pública.

Algumas tendências sociais contemporâneas expostas são especialmente


interessantes para a esta pesquisa. Por exemplo, o entendimento sobre a
descentralização de controle sobre a globalização e a mudança tecnológica, de forma
que empresas, instituições no geral ou mesmo países e governos estão tão às escuras
com os rumos de seus negócios e economias quanto seus trabalhadores estão com
relação a seu futuro e ninguém pode prever, definir ou limitar o que a tecnologia
possibilitará.
29

A globalização está se tornando cada vez mais descentralizada, isto é,


nenhuma empresa ou nação tem controle sobre seu dinamismo ou suas
consequências. Além disso, as instituições atualmente existentes não
são capazes de monitorar e interferir decisivamente na mudança
tecnológica. (FRIDMAN, 2000, p. 92)

A mudança tecnológica, que se destaca como um dos aspectos de “pluralidade e


fragmentação pós-modernas” (FRIDMAN, 2000, p. 14), é outra tendência de influência
primordial para este estudo sobre materiais didáticos (e consequentemente,
ensino/aprendizagem de inglês) no século XXI. Entre as mudanças tecnológicas
presentes na pós-modernidade (termo adotado por Fridman para se referir à
contemporaneidade, que utilizo aqui como sinônimos), o autor menciona a questão das
consequências da “informatização sobre a produção material e sobre o cotidiano”
(FRIDMAN, 2000, p. 14) e “da necessidade de novas considerações e teorias
compatíveis com as novas formas de vida social” (FRIDMAN, 2000, p. 15).

Não existe um monopólio da reflexividade, apesar de haver diferenças claras na


utilização dos recursos do conhecimento. “Desta maneira, a batalha do conhecimento
torna-se uma arena da política. Ou ainda, a atmosfera de indagação racional permanente
da sociedade contemporânea concorre inclusive para a emergência de novos ativismos
políticos” (FRIDMAN, 2000, p. 19). Ele também menciona as possibilidades e alcances
da internet com relação à transformação social, passando por relações de poder e
conquistas de direitos, dando como um exemplo a legitimidade do casamento entre
homossexuais em diversos países repercutir nas iniciativas de parlamentares brasileiros
“ao apresentarem ao Congresso projetos de lei relativos à união homossexual”
(FRIDMAN, 2000, p. 47).

Se tentarmos entender a globalização a partir de uma definição meramente


econômica, estaremos negligenciando muitas das importantes consequências em
diversas esferas da sociedade, isto é, seus enormes efeitos socioculturais. Fridman
(2000) afirma que o capitalismo de hoje em dia dispensa raízes geográficas duradouras,
graças à comunicação eletrônica instantânea e o espaço virtual da autoestrada da
informação “para trabalhar, receber salário, ter acesso aos estoques mundiais de
conhecimento ou mesmo consumir” (FRIDMAN, 2000, p. 19).

Uma consequência em uma esfera da sociedade, no entanto, é que pessoas que


não desfrutam do beneficio da globalização são carta fora do baralho ou refugo humano
global, sem função produtiva na atualidade. E este contingente é, segundo o autor,
30

diferente do que Marx chamou de “exercito industrial de reserva”, pois a tecnologia


atual tornou essa mão de obra subalterna obsoleta em muitos casos (FRIDMAN, 2000,
pp. 19-20).

Fridman conclui sua reflexão falando sobre a tendência ao cosmopolitismo, uma


revolução global no modo como pensamos sobre nós mesmos e como formamos laços e
ligações com os outros, como concebido por Giddens (FRIDMAN, 2000). Ele pensa
esta tendência como uma oposta ao fundamentalismo, porém igualmente uma
consequência local da globalização. Sobre o cosmopolitismo, o autor afirma que ele
precisa incluir os marginalizados que não se adequam às exigências da pós-
modernidade, “essa gente à deriva que não segue em frente na nova ordem e não tem
lugar na globalização” (FRIDMAN, 2000, p. 96).

A globalização nos moldes atuais e a informatização, apesar de já terem


provocado exclusão e ainda provocarem, podem ter consequências opostas, se
devidamente apropriadas e direcionadas. Fairclough corrobora esse pensamento, porém
chamando esse movimento de novo capitalismo global ao invés de globalização ou pós-
modernidade. Ele afirma que tal movimento, em seu estágio atual, “abre novas
possibilidades para as pessoas, ao mesmo tempo em que cria novos problemas”8
(FAIRCLOUGH, 1999, p. 78) e que, portanto, uma conscientização crítica do discurso é
necessária pelos dois motivos e para ambos aspectos.

O autor explica que precisamos dessa conscientização crítica do discurso para


aproveitar as oportunidades que o novo capitalismo global nos dá e para refutar e resistir
aos discursos hegemônicos quando não nos beneficiam e, pelo contrário, podem
prejudicar toda uma nação.
Por um lado, para abrir novos conhecimentos em uma economia
baseada em conhecimento e para explorar novas possibilidades de
relações sociais e identidades em comunidades ricas em diversidade e,
por outro lado, para resistir às incursões dos interesses e
racionalidades de sistemas econômicos, governamentais e de outras
organizações na vida cotidiana – como a comodificação da linguagem
cotidiana, as incursões coloniais de representações textualmente
mediadas e a ameaça do capitalismo global à democracia, por
exemplo, da maneira que ele manipula governos nacionais.
(FAIRCLOUGH, 1999, p. 78-79)

8
Todas as traduções dos originais em inglês são livres e de minha autoria.
31

Fairclough afirma, a respeito do caráter reflexivo da modernidade tardia (outro


termo para designar o momento sociohistórico da contemporaneidade), que inclui
reflexividade sobre a linguagem, que:
as pessoas devem estar equipadas tanto para a configuração de
práticas discursivas cada vez mais baseadas em conhecimento dentro
dos sistemas econômicos e governamentais quanto para a crítica e
reconfiguração de tais práticas como trabalhadores, consumidores,
cidadãos, membros de grupos sociais e de estilos de vida como, por
exemplo, mulheres, negros, sindicalistas, ativistas ambientais e por aí
em diante. (FAIRCLOUGH, 1999, p. 79)

Moita Lopes (2006) também aponta para a necessidade de um projeto para a LA


de inclusão, que abra “alternativas sociais com base nas e com as vozes que estão à
margem: os pobres, os favelados, os negros, os indígenas, homens e mulheres
homoeróticos” (MOITA LOPES, 2006, p. 86), por exemplo, na construção de uma
sociedade mais humana: um projeto que envolve uma coligação “que desafia a
hegemonia do mercado da globalização e do pensamento único” (MOITA LOPES,
2006, p. 86). O autor menciona a visão da socióloga argentina Beatriz Sardo sobre a
escola pública em nosso continente como um espaço social no qual a exclusão reina. Ele
também cita as novas tecnologias e os (multi)letramentos como um instrumento para o
projeto de construção da aprendizagem, passando pela participação em redes.

Halliday e Matthiessen (2014) ratificam o caminho para as novas possibilidades


de compartilhamento público de textos multissemióticos promovidas por avanços
tecnológicos. Eles afirmam que:
tecnologias móveis e da web vêm mudando as possibilidades de
‘compartilhamento’ de formas dramáticas com toda uma nova gama
de opções como mensagens de e-mail, mensagens de texto, blogs,
tuítes e outros formatos associados às mídias sociais, que têm como
resultado a distinção entre a esfera privada de ‘compartilhamento’ de
valores e opiniões e a esfera pública que tem se tornado difusa.
(HALLIDAY& MATTHIESSEN, 2014, p. 42)

Estas novas possibilidades trazem uma pequena abertura nas relações de poder
que devem ser estudadas e podem ser de grande valor pedagógico com vista à promoção
de debates, reflexões, agência e empoderamento9. Podemos encontrar na esfera pública,

9
O termo “empoderamento” é utilizado neste trabalho de acordo com a concepção Freiriana, diferente do
significado da palavra já existente no inglês empowerment como dar poder a uma pessoa ou grupo, mas
como um processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social que não pode ser
fornecido nem tampouco realizado para pessoas ou grupos, mas se realiza em processos em que esses se
empoderam a si mesmos (FRIEDMANN, 1996).
32

graças à internet, discursos não-hegemônicos que contestam o pensamento único através


das vozes dos marginalizados desde que tenham acesso a um computador em rede.
Portanto, seria ideal levar esta realidade do mundo para a sala de aula nas aulas de
línguas e, possivelmente, via material didático.

Nos dias de hoje, há grandes debates em torno do que é ensinado na escola.


Além das formas de ensinar e aprender, a questão do conteúdo gera um debate em torno
de que tipo de conhecimento deveria ser valorizado na escola e porque alguns saberes
são mais valorizados que outros (ROCHA & MACIEL, 2013). Muitos pesquisadores,
como Pennycook (2006), com sua Linguística Aplicada transgressiva, têm buscado a
inclusão de conhecimentos marginalizados e questionado o motivo de legitimação de
certos conhecimentos como canônicos em detrimento de outros. De acordo com
Foucault (1999 [1971]), tal legitimação pode ser dar por meio de práticas que reforçam
e valorizam um determinado saber para a formação da sociedade através da pedagogia
(entre outros meios, como a mídia, por exemplo).

No ensino de línguas estrangeiras, no entanto, as discussões normalmente


recaem sobre habilidades, métodos e abordagens, o que pode acabar limitando as
pesquisas na área e o ensino a manuais prescritivos e autoritários. O que creio que
deveria ser feito de uma perspectiva crítica, como apontam Rocha e Maciel (2013, p.
15) é questionar práticas normativas de políticas linguísticas e educacionais fossilizadas
que “(re)produzem relações de poder assimétricas, mantendo, portanto, as mais diversas
formas de desigualdade e exclusão social”. Apesar de constarem nas pesquisas sobre
linguagem questões relativas à criticidade e poder, essas “têm sido ainda muito pouco
contempladas na literatura do ensino de línguas” (ROCHA & MACIEL, 2013, p. 15).

O ensino de línguas deve ser voltar para a uma “conscientização cidadã e


democrática”, na qual democracia é entendida como um processo político, econômico,
cultural, discursivo e educacional, “com vistas à reconfiguração das múltiplas relações
humanas e a discursos menos opressores” (ROCHA & MACIEL, 2013, pp. 22-23).
Dessa forma, o ensino de línguas para tal conscientização deve estar voltado para o
discurso, assumindo uma postura crítica e transgressora, questionando sempre os
interesses aos quais os discursos ao redor servem. Outra questão que os autores colocam
é a de se repensar a inclusão social, não mais na dualidade com a exclusão, mas como
“participação social dentro e fora da escola, como um processo mais humanizador,
colaborativo e não-hierarquizado” (ROCHA & MACIEL, 2013, p. 23).
33

Esta visão de ensino enxergando a linguagem para além da comunicação, como


discurso e, portanto, forma de representação e ação (social) está em plena consonância
com a teoria sociointeracional de ensino e aprendizagem, com uma teoria social do
discurso e com a ACD, assim como com as teorias críticas pós-estruturais e pós-
coloniais. Como define Kumaravadivelu (1999), as perspectivas pós-estruturais e pós-
coloniais, influenciadas por Foucault, apresentam uma perspectiva tridimensional do
discurso constituída de uma dimensão (sócio)linguística, que se relaciona a todo
enunciado ou texto; uma dimensão sociocultural, relacionada a formações discursivas
ou campos, como o discurso feminista ou racista, por exemplo; e uma dimensão
sociopolítica, relacionada a estruturas sociopolíticas que criam condições para certos
tipos de enunciados ou textos.
Discurso então designa todo o território conceitual no qual o
conhecimento é produzido e reproduzido. Ele inclui não só o que é
pensado e articulado, mas também determina o que pode ser dito e
ouvido e silenciado, o que é aceitável e o que é tabu. Discurso nesse
sentido é todo o campo ou domínio no qual a linguagem é usada de
formas distintas. Esse campo ou domínio é produzido em e através de
práticas sociais, instituições e ações. (KUMARAVADIVELU, 1999,
p. 460)

Kumaravadivelu (1999) lembra que, de acordo com tal perspectiva, uma


mudança discursiva, seja social, política ou cultural, só pode ser efetuada quando uma
comunidade inteira e não apenas um indivíduo muda seu modo de pensar e saber, falar e
fazer. O discurso pós-estruturalista Foucaultiano e suas variações mostram uma grande
“preocupação com noções de poder/conhecimento e de dominância e resistência”
(KUMARAVADIVELU, 1999, p. 462), porém “são consideradas Eurocêntricas no seu
foco e de uso limitado no entendimento do discurso colonial”. Ainda assim, servem de
“ponto de partida para análises de discurso pós-colonial” (KUMARAVADIVELU,
1999, p. 463).

Essa visão de discurso influenciou enormemente, de acordo com


Kumaravadivelu (1999), três círculos que tem bastante relevância para a LA e o Ensino
de Inglês: a linguística crítica, a pedagogia crítica e a pedagogia feminista. O autor
afirma que linguistas críticos, termo que ele utiliza como sinônimo de analistas críticos
do discurso (KUMARAVADIVELU, 1999), aproveitam noções da micropolítica de
Foucault e levam para uma dimensão global de como o discurso contribui para a
reprodução de macroestruturas (FAIRCLOUGH, 2010[1995]) e que aprendizes de
34

línguas podem aprender a contestar práticas de dominação apenas se as relações entre


linguagem e poder forem explicitadas para eles (FAIRCLOUGH, 2010[1995]) – um
posicionamento compartilhado pela pedagogia crítica. Kumaravadivelu (1999) afirma
que, combinando as teorias sociológicas de Foucault e as filosóficas do educador Paulo
Freire, a pedagogia crítica “tem como objetivo empoderar os participantes em sala de
aula para se apropriarem criticamente de conhecimento fora de sua experiência
imediata” (KUMARAVADIVELU, 1999, p. 466). Ele destaca o caráter inquisidor da
pedagogia crítica e seu estímulo à curiosidade crítica com relação a questões como:
sociedade, poder, desigualdade e mudança; e a busca por levar os aprendizes a
relacionarem crescimento pessoal à vida pública, desenvolverem habilidades e
conhecimento acadêmico.

Sobre o pós-colonialismo, Kumaravadivelu (1999) lembra que educação,


linguagem e a língua inglesa em particular têm historicamente uma grande relação com
formas de dominação colonial e que devemos empreender esforços para descolonizar o
ensino de inglês, buscando alternativas para representações em sala de aula. Ele afirma
que o papel da cultura no ensino e aprendizagem de língua adicional é o de ir além de
fatos e números para entender como significados compartilhados são coconstruídos em
sala de aula. Kumaravadivelu (1999, p. 470) defende que “entender a luta do aprendiz
para criar significado envolve um entendimento de como significados socioculturais são
conectados de formas complicadas a identidades sociais – questões negligenciadas até
recentemente”.

Desta forma, um fator importante para o ensino e aprendizagem é a questão das


identidades culturais na pós-modernidade (HALL, 1996) e a representação
dessasidentidades no material didático. Hall afirma que “as velhas identidades estão
em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno,
até aqui visto como um sujeito unificado” (HALL, 1996, p. 7). Hall atribui estas
mudanças nas identidades pessoais nos dias de hoje a mudanças estruturais nas
sociedades desde o final do século passado.
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as
sociedades modernas no final do século XX: fragmentando as
paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais. Essas transformações também
estão mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia de nós
próprios como sujeitos integrados. (HALL, 1996, p. 7)
35

Hall (1996) relaciona essa tendência de as identidades modernas estarem sendo


descentradas, isto é, deslocadas, fragmentadas ou pluralizadas, à globalização e aponta
para evidências de que as sociedades contemporâneas são caracterizadas pela diferença.
Hall afirma que “como nosso mundo pós-moderno, nós somos também ‘pós’
relativamente a qualquer concepção essencialista ou fixa de identidade” (HALL, 1996,
p. 10). Também como resultado de mudanças estruturais e institucionais dos nossos
tempos, o “próprio processo de identificação através do qual nos projetamos em nossas
identidades se tornou mais provisório, variável e problemático” (HALL, 1996, p. 12).
Ele explica que, por tais razões, o sujeito pós-moderno não tem uma identidade fixa,
essencial ou permanente. A identidade cultural é “definida historicamente e não
biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu coerente’” (HALL, 1996, p. 13).

Luke (1997) se alinha a Hall ao afirmar que o sujeito pós-moderno “é visto


como situado em um corpo social coletivo constituído através de e na diferença (de
identidade e localização)” (LUKE, 1997, p. 22). Ela realça que, antes, na pesquisa
moderna iluminista, imperava a supremacia do sujeito masculino branco burguês
heterossexual Europeu; porém, graças ao escrutínio de acadêmicos e acadêmicas
feministas e pós-modernos em geral, temos noção da injustiça que seria ter como foco
de pesquisas um sujeito descontextualizado, sem história, sem identidade, sem raça, sem
sexo ou com uma identidade legitimada pela ciência como o padrão. Como ela afirma,
os pesquisadores pós-modernos “mostraram a natureza excludente do discurso
modernista” (LUKE, 1997, p. 22).

A autora chama atenção para a necessidade de incorporar o letramento midiático


ao letramento crítico na escola, por fazer parte do cotidiano dos alunos hoje em dia e ser
parte da sua formação cultural. Portanto, deveria ser levado à reflexão em sala de aula,
especialmente para a eliminação da distinção entre alta cultura e baixa cultura no
ensino. A autora também argumenta que, no capitalismo moderno, a lógica era de
centralização de recursos humanos e industriais, ao passo que o capitalismo pós-
moderno é baseado nos investimentos descentralizados em humanos e recursos. Na era
pós-moderna, a informação é a moeda privilegiada de troca (LUKE, 1997, p. 23).

Todos esses conhecimentos construídos em termos de identidades pós-modernas,


a noção pós-moderna de cultura, a onipresença da mídia no cotidiano urbano e o valor
36

da informação na contemporaneidade devem ser contemplados na elaboração de


materiais didáticos atuais includentes e em sintonia com os novos tempos. Como afirma
Tílio (2008), “muitos professores não se dão conta da força do seu discurso, que pode
interferir não apenas no processo de ensino e aprendizagem, mas também na construção
de identidades dos alunos” (TÍLIO, 2008, p. 117). De acordo com o autor:
um livro didático pode manter o controle, o poder, por meio da
estrutura do texto – por exemplo, o controle sobre as atividades
propostas, o espaço para atividades personalizadas (em que o aluno
tem oportunidades de construir suas identidades sociais) [...]. (TÍLIO,
2010, p. 185)

Devemos levar em conta teorizações recentes sobre os nossos tempos e dentro


do novo paradigma para a LA contemporânea, teorizações sobre ensino e aprendizagem,
sobre aquisição de língua, sobre elaboração de materiais didáticos, e incorporá-las às
nossas práticas pedagógicas, assim como ao MD contemporâneo. Ou seja, repensar a
finalidade do ensino e aprendizagem do inglês (como língua estrangeira, franca ou
adicional no Brasil) nos dias de hoje, antes de repetir propostas de práticas tradicionais
que não atendem às necessidades do sujeito e da sociedade em que vivemos atualmente.
Como afirma Rajagopalan (2013),
é preciso (...) levar em consideração por que motivos os cidadãos
brasileiros precisam aprender a língua inglesa nos dias de hoje. E mais
importante ainda, em que situações seu conhecimento de língua vai
ser posto à prova. (RAJAGOPALAN, 2013, p. 159)
É claro que vivemos num outro mundo, com outras prioridades e
exigências. (...) Por conseguinte, urge pensar em novas formas de
formular a política linguística no Brasil com vistas à nova ordem
mundial que está aí e ao importante papel reservado ao nosso país
nessa nova ordem. (RAJAGOPALAN, 2013, p. 161)

Portanto, uma visão sociointeracional de linguagem e de aprendizagem –


complementada e ratificada por teorias de discurso influenciadas por Foucault, como a
tridimensional de Kumaradavidelu (1999), a ACD e a Teoria Social do Discurso de
Fairclough (2001 [1992]), as teorias pós-coloniais, feministas, queer, culturais sobre
identidade e contemporaneidade, e a teoria de (multi)letramentos – podem servir para
informar escolhas na elaboração de temas, textos e tarefas para materiais didáticos
comprometidos com um discurso e práxis de inclusão social e digital.

Utilizo então a teoria dos multiletramentos em diálogo com as outras citadas


acima como um recorte neste estudo para fundamentar a produção de uma unidade
37

didática e teorizar sobre a elaboração de materiais didáticos que abram alternativas


sociais, com base nas e com as vozes que estão à margem na construção de uma
sociedade mais humana em um projeto que envolva uma coligação anti-hegemônica e
que desafie o pensamento único, como propõe Moita Lopes (2006).

2.2 As pedagogias de letramento como políticas linguísticas e a teoria dos


(multi)letramentos

Os documentos oficiais que orientavam as práticas pedagógicas nacionais para o


Ensino Médio até relativamente há pouco tempo – os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(OCNEM) e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que ainda está em vigor
no território nacional – são influenciados por pesquisas e estudos contemporâneos que
levam em consideração o desenvolvimento das psicologias de aprendizagem e das
teorias linguísticas sociointeracionais e de (multi)letramentos próprias para o momento
sócio-histórico atual. O objetivo da educação e da aprendizagem, de acordo com tais
documentos, não seria apenas o acesso ao mercado de trabalho, mas também às
diferentes áreas de conhecimento, visando um maior entendimento sobre o mundo em
que vivemos para uma maior atuação através de práticas sociodiscursivas. São levados
em conta como fator primordial neste contexto os letramentos necessários para inserção
social das novas gerações.

As práticas pedagógicas preconizadas em um dado momento histórico


naturalmente se alinham ao pensamento de seu tempo, mesmo que às vezes isso ocorra
apenas em tese. Sabemos que, ainda hoje, há muitas escolas tradicionais com práticas se
não idênticas semelhantes às dos tempos de nossos pais, com ênfase em memorização e
subserviência às regras, foco na interpretação única correta, reprodução sem reflexão,
valorização da forma acima da função e marginalização da literatura não canônica, por
exemplo. No entanto, existem teorias pedagógicas progressistas que surgiram ao longo
do tempo com base em estudos se adequando aos novos tempos.

De acordo com Kalantzis e Cope, paralelamente à pedagogia funcional surge a


pedagogia crítica de letramento10 por volta de 1975 (KALANTZIS & COPE, 2012, p.

10
Por pedagogia crítica (de letramentos) ou (pedagogia de) letramento crítico me refiro às práticas
pedagógicas inicialmente influenciadas pelo pensamento de Paulo Freire e hoje em dia pelas teorias de
letramento crítico, tais como concebidas por Luke e Freebody: “uma coalisão de interesses educacionais
comprometidos com o engajamento que as possibilidades que as tecnologias de escrita e outros modos
de inscrição oferecem para mudança social, diversidade cultural, equidade econômica, emancipação
38

64). Seus maiores expoentes foram Paulo Freire no Brasil, com reconhecimento e
influência internacional, e o americano Michael Apple. Os autores descrevem as
abordagens críticas de letramento da seguinte forma:
Abordagens críticas geralmente reconhecem que letramentos são
plurais. Reconhecem as muitas vozes que os alunos trazem para a sala
de aula, os muitos locais de cultura popular e as novas mídias11, e as
perspectivas divergentes que existem em textos do mundo real. Estas
abordagens apoiam os alunos como criadores de significado, como
agentes, como participantes e como cidadãos ativos. Usam a
aprendizagem de letramentos como instrumento para habilitar os
alunos a ter maior controle dos modos que significados são criados em
suas vidas, ao invés de serem alienados, inundados ou excluídos por
textos não familiares – ou simplesmente ficarem confusos ou
submissos. Mais recentemente, letramentos têm se tornado arenas de
interrogação e criação de mídia e de textos em novas mídias.
(KALANTZIZ & COPE, 2012, p. 145)

Letramento é “o processo de ler e escrever sobre o mundo no qual os cidadãos


letrados se tornam ‘sujeitos’ ou agentes ao invés de ‘objeto’ passivos de textos”
(KALANTIZ & COPE, 2012, p. 148), em que não apenas adquirem habilidades
comunicativas técnicas. O processo de letramento, nesta perspectiva da pedagogia
crítica iniciada com Paulo Freire, é “um processo de aprendizagem sobre como
significar, que posiciona indivíduos no mundo, que muda o mundo” (KALANTIZ &
COPE, 2012, p. 148). Esse é o primeiro aspecto da pedagogia crítica, que envolve
transformação pessoal e social através de uma orientação para o texto que requer
pensamento crítico.

A pedagogia crítica de letramentos “envolve os alunos como atores sociais,


levantando questões de interesse local ou pessoal e humano” (KALANTIZ & COPE,

política” (1997, p. 1). Como afirmam Kalantzis e Cope, “há duas principais vertentes deste letramento
crítico e não são tão identificáveis como escolas separadas de pensamento, porque ambas estão
frequentemente interligadas” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 163). Uma é a orientação generalizada
na qual pedagogia crítica, nos termos de Paulo Freire, consiste em processos de pensamento, atividades
de reflexão sobre a realidade social. Outra é a que podemos chamar de pós-moderna. Segundo os
autores, a partir da primeira década do século XXI, a pedagogia crítica se posicionou na direção da
segunda vertente, rumo a uma teoria de diferença cultural e linguística. Central a essa visão de
letramentos no plural está o conceito da ‘voz’ do aluno – que na prática, em qualquer sala de aula,
significa ‘muitas vozes diferentes’. O professor é, então, apenas “um facilitador que dá aos alunos
espaço para expressarem seus próprios interesses e em seus próprios discursos” (KALANTZIS &
COPE, 2012, p. 163).
11
“Novas mídias” é um termo de abrangência ampla e controversa, usado aqui para designar diferentes
mídias sociais e digitais em diversas formas e veículos de informação e comunicação eletrônica, usando
novas tecnologias, como websites, blogs, streaming de vídeo no YouTube ou áudio (podcast),
aplicativos de celular, email, redes sociais. É usado em contraste com a velha mídia de jornais, revistas,
rádio e TV. (Ver: http://www.newmedia.org/what-is-new-media.html. Acesso em 09/08/2015.)
39

2012, p. 148). Ela “aborda questões difíceis para as quais pode não haver respostas
fáceis, que podem ser controversas e políticas” (KALANTIZ & COPE, 2012, p. 148).
Segundo os autores,
o objetivo é exercitar e cultivar hábitos reflexivos da mente e ação. O
objetivo dos letramentos críticos é ajudar os alunos a entenderem as
maneiras como tudo é construído no mundo pelos valores e ações das
pessoas. Uma pessoa criticamente letrada identifica tópicos relevantes
e poderosos, analisa e documenta evidencias, considera pontos de
vista alternativos, formula possíveis soluções para problemas e talvez
teste essas soluções, chega a suas próprias conclusões e usa
argumentos bem fundamentados para embasar seus pontos de vista.
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 149)

Outro tipo de pedagogia crítica de letramentos, que às vezes é chamada de


educação pós-moderna, de acordo com Kalantzis e Cope (2012), se relaciona ao
reconhecimento de diferentes identidades socioculturais dos aprendizes envolvidas na
comunicação e representação. De acordo com os autores, letramentos críticos criam
espaços para formas de expressão historicamente marginalizadas, oprimidas e
deslegitimadas pela sociedade e pela escola tradicional (KALANTZIS & COPE, 2012,
p. 149). Eles afirmam que se deve atuar nesse front tanto de forma mais geral como
especificamente com relação aos indivíduos presentes nas aulas:
Esse tipo de letramento crítico também exige, em alguns momentos,
uma introspecção sobre as atitudes que se tem para com o “outro” que
é diferente, seja ele o aluno deficiente, com uma orientação sexual ou
identidade de gênero diferente ou de outro grupo étnico ou racial.
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 149)

No quadro abaixo (cf. Quadro 1), podemos ver um resumo sistemático dos
principais valores dessa pedagogia e política linguística para o ensino de inglês no
século XXI, à qual me afilio por convicção, que reflete objetivos éticos para a
contemporaneidade de acordo com os estudos e teorias sociais mencionadas
previamente neste capítulo.

Valores pedagógicos dos letramentos críticos:


Valores democráticos – agir sobre questões reais e problemas no mundo
Papel ativo e participativo dos aprendizes
Ensino e aprendizagem como educação (ao invés de um treinamento)
Transformação pessoal e social (ao invés de reprodução)
Quadro 1: Valores pedagógicos dos letramentos críticos. Adaptado de Kalantzis & Cope (2012, p.
149)
40

Outro foco da pedagogia crítica de letramentos, além destes citados, é voltado à


inclusão de novas mídias (digitais, multimodais), mídias de cultura popular e de massa,
isto é, textos (em diferentes linguagens ou multissemióticos) e veículos distintos de
livros de literatura consagrada. Um entre muitos motivos para trazer a cultura e a mídia
popular (o hip hop, quadrinhos, vídeos do YouTube, por exemplo) para a sala de aula é
conectá-la com as identidades dos aprendizes; começar com os que lhes é familiar e de
onde eles se encontram inicialmente antes de apresentar algo novo; e porque abrangem
textos de nossos tempos que carregam afeto emocional e efeito social. No caso da mídia
digital, como afirmam os autores, podemos introduzir os alunos a possibilidades como
um “projeto de empoderá-los a acessar recursos culturais e de conhecimento e a cruzar a
fronteira digital” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 151).

Jenkins et al. (2009) defendem uma mudança de foco do discurso da divisa


digital e mero acesso à tecnologia, para ir além: promover a oportunidade de
participação e desenvolvimento de competências culturais usando novas tecnologias.
Eles afirmam que as escolas têm sido lentas a reagir à emergência de uma nova cultura
participativa da qual muitos jovens já fazem parte ao realizarem “atividades que contêm
oportunidades para aprendizagem, expressão criativa, engajamento cívico,
empoderamento político e avanço econômico” (JENKINS et al., 2009, p. 9). Jenkins et
al. (2009) adotam “participação” como “um termo que cruza práticas educacionais,
processos criativos, vida comunitária e cidadania democrática” (JENKINS et al., 2009,
p. 9). Os autores afirmam que nossos objetivos devem ser encorajar jovens a
desenvolver habilidades, conhecimento, ética e auto-confiança para serem participantes
completos na cultura contemporânea e definem cultura participativa como uma forma
de cultura com:
1) barreiras relativamente baixas para a expressão artística e
engajamento cívico;
2) forte apoio à criação e compartilhamento de criações com outros;
3) algum tipo de mentoria informal através da qual o que é conhecido
para o mais experiente é compartilhado com os novatos;
4) membros que acreditam que suas contribuições importam; e
5) membros que sentem certo grau de conexão social com os outros
[...] (JENKINS et al., 2009, pp.5-6)
41

De acordo com Jenkins et al. (2009), as escolas devem dedicar mais atenção ao
que ele chama de novos letramentos de mídia: um conjunto de competências culturais e
habilidades sociais que os jovens precisam dominar no novo cenário midiático. A
cultura participativa muda o foco de letramento como expressão individual para
envolvimento colaborativo através de trabalho em rede. O autor afirma que, no entanto,
em atividades participativas, nem todos os membros são obrigados a contribuir, mas
devem crer que são livres para fazê-lo e que, se o fizerem, sua contribuição será
valorizada.

Jenkins et al. listam algumas formas nas quais muitos jovens já fazem parte de
uma cultura participativa, conceituando tais formas de participação como: afiliação;
expressão; solução colaborativa de problemas; e circulações (JENKINS et al., 2009, p.
9).
Afiliação: sendo membros de comunidades centradas em torno de
várias formas de mídia, como o Facebook, entre outros;
Expressão: produção de novas formas criativas, como
sampleamentodigital, escrevendo fanfiction12, produzindo
13
mashups de músicas.
Solução colaborativa de problemas: trabalhando em colaboração
para completar tarefas e desenvolver novos conhecimentos, como
através da Wikipedia, ou de jogos de realidade alternativa.
Circulações: formando o fluxo de mídia, como por blogs ou
podcasting. (JENKINS et al., 2009, p. 9)

Em concordância com a teoria sociointeracional que entende que a linguagem e


a aprendizagem são construídas na interação social, Jenkins et al. (2009) afirmam que
um crescente corpo de estudos sugere benefícios potenciais para essas formas de cultura
participativa,
incluindo oportunidades para aprendizagem peer-to-peer14, uma mudança de
atitude com relação à propriedade intelectual, a diversificação de expressão
cultural, o desenvolvimento de habilidades valorizadas no trabalho e uma
concepção de cidadania mais empoderada. (JENKINS et al., 2009, p. xii)

Jenkins et al. defendem a importância de letramentos em novas mídias na escola.


Os autores entendem “letramentos em novas mídias” como letramentos que incluem

12
Fanfiction é uma "ficção criada por fãs". Trata-se de adaptações de contos ou romances por terceiros
para uma história inventada por fãs.
13
Mashup é um termo usado na indústria musical para definir uma canção ou composição criada a partir
da mistura (remix) de duas ou mais canções pré-existentes, normalmente pela transposição do vocal de
uma canção em cima do instrumental de outra, de forma a se combinarem.
14
Peer-to-peer, ou P2P, é uma arquitetura de redes de computadores em que cada um dos pontos ou nós
da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhamentos de serviços e
dados, sem a necessidade de um servidor central.
42

letramentos de leitura e escrita na mídia impressa, acrescidos de letramentos nas mídias


de massa e nas mídias digitais (JENKINS et al., 2009). Eles percebem esses letramentos
como uma habilidade social e afirmam que os alunos precisam aprender a integrar
conhecimento de múltiplas fontes, pensar criticamente e “participar em novas formas de
colaboração que as novas tecnologias de informação e comunicação permitem e, cada
vez mais, exigem” (JENKINS et al., 2009, p. 28). Segundo Jenkins et al. (2009, p. 33),
“os alunos devem descobrir como é contribuir com suas próprias especialidades em um
processo que envolve muitas inteligências” e que “o elemento mais radical dos novos
letramentos é possibilitar colaboração e compartilhamento de conhecimento com
comunidades em larga-escala” que podem nunca interagir pessoalmente ao vivo.

Habilidades em letramentos midiáticos podem ser estimuladas e desenvolvidas


de várias maneiras. Uma delas, destacada por Jenkins et al., é a simulação. Simulações
lidam com a “habilidade de interpretar e construir modelos dinâmicos de processos do
mundo real” (JENKINS et al., 2009, p. 41) e “expandem os tipos de experiências” que
podemos ter (JENKINS et al., 2009, p. 42). Outra sugestão semelhante dos autores é a
performance como “habilidade de adotar identidades alternativas para fins de
improvisação e descoberta” (JENKINS et al., 2009, p. 47). Uma forma de praticar isto
seria através da interpretação de papéis (role-play). Os autores destacam também a
apropriação, como “habilidade de samplear e remixar significativamente conteúdo
midiático” (JENKINS et al., 2009, p. 55) e dão o exemplo de Homero, que remixou
mitos gregos para construir A Ilíada e do teto da Capela Sistina, que seria como um
mashup de histórias e imagens de tradições bíblicas (JENKINS et al., 2009).

Segundo Jenkins et al., “samplear inteligentemente do reservatório cultural


existente requer uma análise das estruturas existentes e dos usos desse material; remixar
requer uma apreciação das estruturas emergentes e significados potenciais latentes”
(JENKINS et al., 2009, pp. 57-58). Ele destaca também que o meio digital possibilita
uma troca importante para o desenvolvimento dos alunos. O autor afirma que “as
escolas têm uma obrigação de ajudar as crianças a entenderem o valor de networking
como um meio para aquisição de conhecimento e distribuição de informação”
(JENKINS et al., 2009, p. 96). Jenkins et al. argumentam que esse tipo de letramento
pode não apenas auxiliar os alunos a desenvolverem habilidades socioculturais
desejáveis, mas a pensarem as mídias de forma crítica. Eles indicam a negociação, como
“habilidade de viajar por comunidades diversas, discernindo e respeitando múltiplas
43

perspectivas, compreendendo e seguindo normas alternativas” (JENKINS et al., 2009,


p. 97).
Torna-se cada vez mais necessário ajudar os alunos a desenvolverem
habilidades para entender uma série de normas sociais e negociarem
entre opiniões conflitantes. Tradicionalmente, o letramento midiático
tem abordados essas preocupações, ensinando crianças a ler em
estereótipos construídos pela mídia sobre raça, classe, sexo [sic],
etnia, religião e outras formas de diferenças culturais. Tal trabalho
permanece valioso, pois ajuda os alunos a entenderem preconceitos
que moldam suas interações, mas agrega mais importância quando
jovens criam eles mesmos conteúdos midiáticos que podem perpetuar
estereótipos ou contribuir para concepções equivocadas. (JENKINS et
al., 2009, p. 99)

Segundo Jenkins et al.(2009), as práticas tradicionais de letramento midiático


nos ajudam a pensar sobre questões de representação, sobre como a mídia enquadra
percepções de mundo e reforma experiências. Porém, esses conceitos devem ser
repensados para uma era da cultura participativa. Ele afirma que as perguntas
tipicamente feitas no letramento midiático (Quem criou a mensagem?; Quais técnicas
criativas são usadas para atrair minha atenção?; Como diferentes pessoas entendem essa
mensagem diferentemente de mim?; Quais estilos de vida, valores e pontos de vista são
representados na – ou omitidos da – mensagem?; Por que essa mensagem está sendo
enviada?) são muito válidas. No entanto, podemos dar nova complexidade e
profundidade a essas questões, se as reformularmos para enfatizar a própria participação
ativa dos alunos em “selecionar, criar, refazer, criticar e circular conteúdo midiático”
(JENKINS et al., 2009, p. 112).

A mídia digital é uma ferramenta dos nossos tempos que oferece oportunidades
pedagógicas para que os alunos criem conteúdo e conhecimento, publiquem seus textos
multimodais imbuídos de suas ideias e rejeitando outras. Ela provê um espaço autêntico
para a prática social da escrita e leitura no mundo, ao invés do faz-de-conta limitado ao
interior dos muros da escola (KALANTZIS & COPE, 2012).
As novas mídias acrescentam outra camada de oportunidade aos
professores, criando um espaço contemporâneo onde as vozes dos
alunos podem ser expressas. Novas tecnologias oferecem espaços para
os alunos se expressarem em forma de vídeo, ou podcast, ou blogs, ou
wikis [...]. (KALANTZIS & COPE, 2012, p.155)

Segundo os autores, um objetivo do letramento crítico é que:


os alunos possam adquirir coragem e responsabilidade para
participarem ativamente na vida democrática, como agentes sociais
44

críticos, transformando-se em autores de suas próprias histórias, ao


invés de serem apagados como vítimas passivas da história.
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 154)

Kalantzis e Cope mencionam as crescentes possibilidades de participação na


mídia digital e que essa pode ser a base para uma cultura participativa, já que as
barreiras são menores e é onde pode-se aprender fazendo; por mentoria informal – uma
forma de interação com um par mais experiente que possibilita o aluno a ir além da sua
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD), termo cunhado por Vygotsky para designar
o que uma pessoa já consegue fazer com autonomia, sem auxilio de um par mais
competente; onde os meios para expressão criativa estão prontamente disponíveis; onde
as pessoas sentem que suas contribuições importam; e onde conexões e laços são
formados (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 160).

Aprender fazendo em colaboração e na interação, coconstruindo conhecimento é


um dos pilares da teoria sociointeracional, assim como da pedagogia de
(multi)letramentos críticos. “Participação significativa é uma marca do letramento
crítico e as novas mídias podem criar as condições culturais, sem mencionar
tecnológicas, para aprendizagem do que é mais poderosamente participativo”
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 161). Conforme declaram Kalantzis e Cope,
por trás do letramento crítico, está uma “economia moral” de
aprendizagem, na qual o equilíbrio de turnos de agência passa do
modelo vertical de transmissão de conhecimento professor-para-aluno,
na pedagogia didática, para um modelo horizontal de colaboração de
aluno-para-aluno, em que o conhecimento é coconstruído em uma
comunidade de aprendizes. Essas são as condições nas quais os alunos
serão capazes de usar letramentos para tomar um maior controle de
suas próprias vidas. (KALANTZIS & COPE, 2012, p.162)

Esta é, afinal, uma pedagogia de letramentos organizada em torno das vozes e


agência dos aprendizes. Ela também é “fundamentada nos princípios da democracia:
que as pessoas são livres para opinar nos processos de governança que afetam suas
vidas” (KALANTZIZ & COPE, 2012, p. 154). Nesta perspectiva, letramento é
entendido como “uma ação social através do uso da língua que nos desenvolve como
agentes dentro de uma cultura maior” (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 155). A
pedagogia de letramento crítica, como afirmam os autores, “foi altamente influenciada
pelo que é chamado de um interesse pós-moderno por diferentes identidades”
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 155). Este foco no aluno tem raízes na pedagogia
autêntica, porém, diferentemente da perspectiva adotada por Dewey, que enfocava a
45

cultura singular da modernidade industrial, a pedagogia de letramento crítico enfatiza a


“descontinuidade e irreversibilidade da fragmentação cultural e linguística”
(KALANZTIS E COPE, 2012, p. 155).

Essa nova pedagogia para os novos tempos, segundo os autores,


é frequentemente relacionada a movimentos intelectuais mais amplos
como o feminismo, o ativismo pelos direitos dos gays e da
comunidade LGBT e o movimento antirracista, que atraíram atenção
para suas causas no final do século vinte, focando no reconhecimento
e respeito a diferenças e identidades socioculturais. (KALANTZIS &
COPE, 2012, pp. 155-156)

Outra característica política importante da pedagogia crítica (de letramentos) é a


rejeição a uma visão absolutista do mundo, a visão modernista de progresso como
desenvolvimento econômico capitalista, sabidamente insustentável, como sendo o único
caminho possível para o futuro, pois está fundamentada na perspectiva pós-modernista
que enxerga os problemas sociais e ambientais que o capitalismo de empreendimento
privado ocidental tem gerado (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 156). Os autores
afirmam o seguinte:
A cultura ocidental, que está no coração da ideia de progresso e do
sistema econômico do capitalismo, não merece ser creditada como a
liberadora democrática de todas as sociedades. Nem o cânone
ocidental deveria ser tudo o que aprendemos na escola. Nós
deveríamos aprender também com outras tradições culturais e seus
textos. Não existe uma maneira correta de ser ou falar, ou uma
interpretação correta de um texto – é tudo uma questão de perspectiva.
Não existe uma verdade, apenas pontos de vista. E nós deveríamos
nos regozijar em nossas diferenças, ao invés de querer que todos
sejam iguais. (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 156)

Ao afirmar que a pedagogia crítica (de letramentos) não aceita um sistema


ideológico como a única possibilidade para todas as sociedades ou para o futuro do
planeta e que enxerga os impactos negativos sócio-ambientais desta nova ordem
mundial, não significa que esta pedagogia advoga em favor de outro modelo econômico
específico, como foi sugerido por conservadores a quem é dado espaço na mídia
impressa e digital brasileira (que se identificam como “liberais”), afirmando que é uma
forma de ensino doutrinária marxista.

Como descrevem Luke e Freebody (1997, p. 1),


o letramento crítico não é uma abordagem unitária, mas uma coalisão
de interesses educacionais comprometidos a se engajar com as
possibilidades que as tecnologias da escrita e outros modos de
46

inscrição oferecem para mudança social, diversidade cultural,


equidade econômica e emancipação política.
Os autores afirmam ainda que o termo tem atendido a motivações educacionais
diversas, dando exemplos de quão distintas são as agendas pedagógicas que têm
utilizado a teoria:
Diferentes interesses têm se apropriado de e assimilado o conceito de
letramento crítico, colocando-o a serviço de diferentes agendas
pedagógicas, variando de projetos liberais para a promoção de acesso
individual e desenvolvimento dentro do capitalismo, chamadas pós-
modernas, à análise e crítica às relações de poder, intervenções
neomarxistas para uma redistribuição de riqueza e poder mais
igualitária, a projetos conservadores para ao aumento da produção de
capital. (LUKE & FREEBODY, 1997, p. 15)

A intenção da pedagogia crítica de letramentos (LUKE & FREEBODY, 1997;


KALANTZIS & COPE, 2012), totalmente compatível com os objetivos da linguística
aplicada contemporânea (MOITA LOPES, 2006), é dar voz a e legitimar discursos
subalternos, reconhecendo que a linguagem posiciona o autor e o leitor de acordo com
raça, classe e gênero sexual, por exemplo. É necessário reconhecer como legítima a
cultura e a variedade linguística dos alunos, assim como suas identidades socioculturais.
O objetivo da educação não é mais a aquisição de um repertório literário, cultural ou
gramatical da norma culta como superior sem que se questione nada, pois assim nada se
aprende. O conceito singular de letramento leva meramente ao elitismo na educação
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 157), à reprodução de um sistema que nega o valor da
cultura das periferias e dos marginalizados e os mantém à margem da sociedade.

De acordo com Kalantzis e Cope (2012), da perspectiva do letramento crítico,


nenhum processo de significação de textos ou do mundo, assim como nenhuma
produção cultural, linguística ou textual é vista como superior pelo seu status social ou
pela sua tradição. Todas as maneiras de pensar e falar são tão boas quanto as outras,
sendo cada uma mais própria para determinados gêneros, de acordos com as suas
práticas sociais, contextos ou mídias correspondentes. Assim sendo, dentro dessa
pedagogia, devemos reconhecer, respeitar (e aprender com) outras culturas diferentes
das nossas e celebrar as diferenças, ao invés de tentar normatizar e padronizar os alunos
(KALANTZIS & COPE, 2012, pp.155-158). Os autores defendem que
no modelo de referência do letramento crítico pós-moderno, as escolas
têm que assumir que não existem verdades literárias ou universais,
fatos estáveis de linguagem. Há apenas variação linguística, com
47

funções apropriadas e relativas à experiência cultural. (KALANTZIS


& COPE, 2012, p. 158)

Uma pedagogia para os novos tempos deve focar nos processos de letramentos,
ao invés dos produtos; reconhece e valoriza todas as variantes linguísticas e todas as
manifestações culturais. Conforme mencionado anteriormente, a pedagogia de
letramento crítico não aceita uma narrativa única para explicar nosso mundo ou
apresentar conhecimentos universais que servirão a todos, não privilegia a cultura
ocidental ou a do hemisfério norte acima de outras. Ela rejeita a imposição de um
discurso eurocêntrico e da primazia do homem branco heteronormativista.

Isso se aplica diretamente a materiais didáticos também, afinal, estudos apontam


para o fato de que, por muito tempo, submetemo-nos a tais discursos expressos em
escolhas linguísticas, textuais e imagéticas no livro didático. “Em qualquer prática
social, certos discursos são mais influentes que outros, tornando-se discursos
dominantes que marginalizam outros discursos” (TÍLIO, 2010, p. 185).

Proponho que nos façamos a mesma pergunta que Kalantzis e Cope:


Esse é um mundo de diversidade cultural, de múltiplas identidades de
gênero, de muitos tipos diferentes de famílias, de subculturas e estilos
e modismos e fetiches. É um mundo em que há milhares e milhares de
blogs falando em linguagem especializada e em que canais de
televisão e de downloads do YouTube são intermináveis, alcançando
as almas de aficionados de todos os tipos de discursos peculiares, do
pentecostalismo à pornografia. É um mundo em que uma dúzia ou
mais línguas podem ser faladas em um quarteirão de uma cidade, em
que a televisão traz cobertura ao vivo para este mesmo quarteirão do
que está acontecendo nos confins da terra. Então, o que mais podemos
fazer senão criar uma pedagogia que dê voz à propensão cultural de
cada criança e ao caleidoscópio de dialetos e discursos?
(KALANTZIS & COPE, 2012, p. 164)

Para encerrar este aprofundamento na pedagogia crítica de letramentos, o quadro


abaixo (Quadro 2) apresenta três dimensões cruciais nesta visão, que mais tarde
relacionarei a escolhas de temas, textos e tarefas para o material didático de inglês na
atualidade.

Quadro 2: Dimensões dos letramentos críticos (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 161)
Dimensões dos letramentos críticos:
Conectar com experiências vividas Introduzir textos da própria vida dos alunos.
Ver de múltiplas perspectivas e abrir múltiplas
48

camadas de significado.
Pensar criticamente Identificar problemas, expressar consternações,
juntar evidências de uma variedade de recursos,
formular uma teoria.
Agir Oferecer soluções, conscientizar, participar.

Após esta incursão pelas pedagogias de letramentos, com destaque para as


dimensões dos letramentos críticos (cf. Quadro 2) que situam o tipo de pedagogia
pretendido para formar cidadãos para os desafios dos novos tempos, abordemos a
questão da necessidade de um novo aprendizado para a nova geração, que envolva
construção identitária no mundo contemporâneo. Torna-se evidente a urgência de uma
educação que vise mais do que a habilitação para a ação funcional do trabalho, voltada
também para a ação política cívica e econômica como exercício de cidadania, como
proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e nas Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (OCNEM). Neste paradigma, os alunos também não
devem ser meros consumidores, mas produtores de conhecimento.

Podemos destacar o seguinte trecho sobre critérios para a proposta pedagógica


de ensino de língua e letramentos, com relação a Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias:
Para orientar o trabalho de elaboração da proposta pedagógica, uma
compreensão teórica sobre a linguagem é necessária. (...) Entender a
linguagem como um modo de ação social por meio da qual as pessoas
estão agindo no mundo. (...)
Essas dimensões da natureza construcionista, sócio-interacional e
situada da linguagem são importantes, por que trazem à tona o fato de
que a linguagem não ocorre em um vácuo social (...). Essa
compreensão é extremamente importante no mundo altamente
semiotizado da globalização, uma vez que possibilita situar os
discursos a que somos expostos e recuperar sua situacionalidade
social.
(...) Esse tipo de conhecimento tem sido apontado como extremamente
importante para dar conta de letramentos multissemióticos que têm
transformado o letramento tradicional (da letra) em um tipo de
letramento insuficiente para dar conta daqueles necessários para agir
na vida contemporânea. Além disso, tem sido enfatizado o modo
híbrido ou multimodal como esses meios multissemióticos estão
combinados e organizados em textos e hipertextos. Tais letramentos
estão intimamente relacionados, portanto, com os requisitos do mundo
do trabalho e da cidadania. (BRASIL, 2006, pp. 36-38)
49

As orientações do documento sobre Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,


deixa claro que um projeto de ensino meramente tecnocrata e conteudista, aos moldes
do modelo fordista da pedagogia de letramento didático, não se aplica aos dias de hoje e
às necessidades dos alunos da rede pública na contemporaneidade.
A nova escola de ensino médio não há de ser mais um prédio, mas um
projeto de realização humana, recíproca e dinâmica, de alunos e
professores ativos e comprometidos, em que o aprendizado esteja
próximo das questões reais, apresentadas pela vida comunitária ou
pelas circunstâncias econômicas, sociais e ambientais. Mais do que
tudo, quando fundada numa prática mais solidária, essa nova escola
estará atenta às perspectivas de vida de seus partícipes, ao
desenvolvimento de suas competências gerais, de suas habilidades
pessoais, de suas preferências culturais.
(...)
Os objetivos da nova educação pretendida são certamente mais
amplos do que os do velho projeto pedagógico. Antes se desejava
transmitir conhecimentos disciplinares padronizados, na forma de
informações e procedimentos estanques; agora se deseja promover
competências gerais, que articulem conhecimentos, sejam estes
disciplinares ou não. Essas competências dependem da compreensão
de processos e do desenvolvimento de linguagens, a cargo das
disciplinas que, por sua vez, devem ser tratadas como campos
dinâmicos de conhecimento e de interesses, e não como listas de
saberes oficiais.
(...)
Ainda que as disciplinas não sejam sacrários imutáveis do saber, não
haveria qualquer interesse em redefini-las ou fundi-las, para objetivos
educacionais. É preciso reconhecer o caráter disciplinar do
conhecimento e, ao mesmo tempo, orientar e organizar o aprendizado,
de forma que cada disciplina, na especificidade de seu ensino, possa
desenvolver competências gerais. Há nisso uma contradição aparente,
que é preciso discutir, pois específico e geral são adjetivos que se
contrapõem, dando a impressão de que o ensino de cada disciplina não
possa servir aos objetivos gerais da educação pretendida.
Em determinados aspectos, a superação dessa contradição se dá em
termos de temas, designados como transversais, cujo tratamento
transita por múltiplas disciplinas. No entanto, nem todos os objetivos
formativos podem ser traduzidos em temas. A forma mais direta e
natural de se convocar temáticas interdisciplinares é simplesmente
examinar o objeto de estudo disciplinar em seu contexto real, não fora
dele. Por exemplo, sucata industrial ou detrito orgânico doméstico,
acumulados junto de um manancial, não constituem apenas uma
questão biológica, física, química, nem só sociológica, ambiental,
cultural, nem tampouco só ética e estética, pois abarcam tudo isso e
mais que isso. (BRASIL, 2002, p. 11)

A comunicação linguística “não se dá em unidades isoladas, mas por textos”


(MARCUSCHI, 2013[2008, p.71]). Portanto, não faz sentido apresentar a língua no
material em frases isoladas ou listas de palavras. Como afirma Marcuschi (2013[2008]),
50

devido ao PNLD, já se nota uma grande melhora em relação às últimas gerações de


manuais didáticos, mas que é evidente que “nem tudo é ainda como se gostaria que
fosse” (MARCUSCHI, 2013[2008, p. 53]). Ele afirma que o núcleo do trabalho de
línguas na escola deve ser “no contexto da compreensão, produção e análise textual” e
que é necessária uma mudança de foco do significante à significação, do enunciado à
enunciação, “da palavra ao texto e deste para toda análise e produção de gêneros
textuais” (MARCUSCHI, 2013[2008, p. 55-56]). Como aponta o autor,
todo o uso e funcionamento significativo da linguagem se dá em
textos e discursos produzidos e recebidos em situações enunciativas
ligadas a domínios discursivos da vida cotidiana e realizados em
gêneros que circulam na sociedade.(MARCUSCHI, 2013[2008, p.
22]).

Uma maneira que o PNLD/2013 aponta como ponto de partida ideal para o
ensino de inglês dentro de uma perspectiva sócio-interacional através de textos é a
abordagem de temas relevantes e includentes (TÍLIO, 2006); afinal, todo texto se refere
a alguma coisa (VOLOSHINOV/BAKTHIN, 2006[1929]). No caso particular do ensino
de inglês, é simples a viabilidade de se trabalhar temas em aula e no MD, pois sendo a
língua oficial da pós-modernidade e da globalização (TÍLIO, 2010, p. 169), há uma
disponibilidade vasta e rica de textos dos mais diversos tipos na internet, bastando nos
valermos de uma seleção criteriosa e elaborar atividades para explorá-los ao máximo.

Devemos aproveitar, então, para usar textos diversos relacionados a temas


relevantes e includentes (TÍLIO, 2010), que abordem questões contemporâneas além
das tradicionais; temas globalizados, além dos locais; contextualizados; multiculturais;
diferenciadores (“que tratam de diferenças que co-existem, sem se preocupar com a
atribuição de identidades uniformes”); conscientizadores (“com o intuito de educar o
aluno e o cidadão, muitas vezes com foco nos temas transversais apontados pelos
PCN”), que permitam a construção de identidades de projeto, (“através da resistência e
sugestão de alternativas às identidades legitimadoras”), que possibilitem a participação
ativa dos alunos nos debates pertinentes a suas vidas (TÍLIO, 2006, pp.141-142). A
questão dos temas também se presta a honrar uma questão ética bem expressa nos PCN
sobre os temas transversais: “O compromisso com a construção da cidadania pede
necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade
social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva e a
afirmação do princípio da participação política” (BRASIL, 1997, p. 15).
51

A única maneira de apresentar os temas é através de textos em seus gêneros (não


se limitando à linguagem escrita na forma impressa ou digital, mas também oral, visual,
em semioses multimodais e, de preferência, refletindo diversidade cultural e
linguística). Utilizo o termo gênero discursivo intercambiavelmente com gênero do
discurso, a partir da concepção de Bakhtin: como “tipos relativamente estáveis de
enunciados” (BAKHTIN, 1997[1979], p. 262).

Uma característica dos gêneros discursivos disponíveis a serem explorados no


material didático é a sua riqueza e pluralidade e, apesar de limitarem nossa ação na
escrita impondo padronizações, os gêneros devem ser vistos como entidades dinâmicas
(MARCUSCHI, 2013[2008], p. 161). Ademais, “são nossa forma de inserção, ação e
controle social no dia-a-dia” (MARCUSCHI, 2013[2008], p. 161). Bakhtin fala da
riqueza e da pluralidade dos gêneros como passível de possibilidades infinitas:
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a
variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera
dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que
vai diferenciando-se e fica mais complexa. (BAKTHIN, 2003
[1979/1952-53], p. 279)

Deste modo, para apresentar temas relevantes para a formação do aluno na


língua inglesa através do MD, este deve promover a leitura, compreensão, análise e
produção de textos autênticos (não apenas escritos, mas multimodais ou
multissemióticos) e abordá-los em seus gêneros. A autenticidade é conferida a um texto
de acordo com a resposta do receptor do texto, das condições dialógicas e da
incorporação da intenção do autor e receptor (WIDDOWSON, 1976).

A autenticidade de um texto depende da congruência entre a intenção do autor e


a interpretação do receptor. Se alguém lê um romance genuíno como um manifesto
político, não haverá autenticidade (WIDDOWSON, 1976). Widdowson defende ainda
que se uma turma de física quer aprender inglês para ler livros da área e selecionamos
um texto genuíno sobre física com um discurso temático relevante para aqueles alunos,
no entanto utilizo o texto para explorar trechos para questões de interpretação de texto e
exercícios estruturais tradicionais o potencial de autenticidade permanece não realizado
e poder-se-ia ter escolhido um trecho de O Ursinho Pooh (WIDDOWSON, 1976, p.
162) que teria o mesmo efeito.

A autenticidade à qual me refiro, portanto, quando afirmo ser uma característica


importante no material didático, consiste nesta concepção crítica de autenticidade de
52

Widdowson (1976). Isto é, textos autênticos são aqueles semelhantes a textos em


circulação fora do contexto pedagógico, mas não necessariamente genuínos.

Com o advento da internet e ultimamente com suas características cada vez mais
colaborativas e interativas da Web 2.015, o acesso a textos genuínos aumentou
drasticamente e surgiram novos gêneros, gêneros pré-existentes foram adaptados para
novas mídias e semioses. A escola parece não ter acompanhado plenamente essas
mudanças nas práticas sociodiscursivas do mundo externo. Novas tecnologias exigem
novos letramentos (COPE & KALANTZIS, 2000), pois novas ferramentas de acesso à
comunicação e à informação e de agência social acarretam textos de caráter multimodal
ou multissemiótico, “ou hoje em dia, mais de dez anos após a teorização inicial do
Grupo de Nova Londres, talvez possamos considerar também hipermidiáticos” (ROJO,
2012, p. 13).

O conceito de (multi)letramentos, conforme explicitado na introdução desta


pesquisa, refere-se à “multiplicidade cultural das populações e multiplicidade semióticas
por meio de textos, principalmente urbanas, na contemporaneidade” (ROJO, 2012, p.
13).De acordo com Kalantzis e Cope (2012), o termo foi cunhado com o prefixo multi-
por dois motivos, em referência a dois aspectos da construção de significados hoje. O
primeiro é relativo à diversidade social, a como textos variam enormemente dependendo
do contexto social. Para ilustrar esse ponto, os autores dão o exemplo da diferença da
interação entre dois amigos de escola no Facebook e uma redação que eles escrevam
para a escola. O segundo aspecto é relativo à multimodalidade, que, até certo ponto,
resulta das novas mídias de informação e comunicação. Significados são construídos de
forma cada vez mais multimodal. Os autores afirmam que devemos ir além do

15
Web 2.0 é o termo usado para referirmo-nos a uma mudança que foge ao modelo mais físico-industrial
(aos moldes do livro, do texto e da publicação) que orientavam a primeira geração de programas da
internet (e negócios também) para um modelo de abordagem do mundo contemporâneo por uma lente e
uma mentalidade mais ciberespacial e pós-industrial de participação em rede. A Web 1.0 trazia
produtos, artefatos ou mercadorias prontos produzidos por uma fonte com “autoridade”, “conhecimento
especializado” e “experiência” e disponibilizados para os usuários da internet, que não eram
posicionados como controladores de seus próprios dados. A lógica da Web 1.0 era de uso, recepção e
consumo ao invés de interatividade e “agência”. Na Web 2.0 a visão pós-industrial é mais focada em
“serviços” e “capacitação” do que em produção e venda de artefatos materiais para consumo individual.
A produção é baseada em “alavancagem”, participação coletiva e colaboração, contando com
conhecimento especializado aberto, fluido e híbrido, assim como a “inteligência distribuída”. A
descentralização da autoria e a inclusão são valores e prioridades da Web 2.0. É uma tendência histórica
de mudança do paradigma da “hegemonia do livro” para o do espaço cibernético. O paradigma deixa de
ser o de autoridade centralizada para colaboração em massa. O termo foi cunhado por Tim O’Reilly em
2005. (Lankshear & Knobles, 2007)
53

letramento da letra para incorporar práticas pedagógicas de (multi)letramentos,


especialmente novos letramentos típicos das novas mídias digitais.
A abordagem de (multi)letramentos tenta explicar o que ainda importa
nas abordagens tradicionais de leitura e escrita e suplementar isto com
conhecimento do que é novo e distintivo sobre as formas nas quais as
pessoas constróem/criam significados no ambiente de comunicação
contemporâneo. (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 2)

Características importantes dos novos letramentos:


1) são, além de interativos, colaborativos;
2) “fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em
especial as relações de propriedade (das máquinas, das
ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não])”;
3) são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias
e culturas). (ROJO, 2012, p. 22, 23)

A interatividade e colaboração em massa são características própria das


possibilidades oferecidas pela mídia digital, pelas NTICs e pela Web 2.0.
Diferentemente das mídias anteriores (impressas e analógicas) que controlavam a
distribuição da informação e da comunicação. A mídia digital permite que o usuário da
Web, além de consumir, passe a produzir em colaboração, a efetivamente ter uma voz
na interação com outros usuários, textos/discursos em uma esfera pública. Desta forma,
a mídia digital por depender de nossas ações enquanto humanos usuários (e não
receptores ou espectadores) nos permite um nível de agência muito maior.

Apesar de muitos ainda utilizarem o computador como uma máquina de escrever


(ROJO, 2012), a mídia digital, a Web 2.0 e as NTICs são ferramentas e meios próprios
para irmos além do consumo e reprodução cultural, para a criação e produção cultural
colaborativa (ROJO, 2012). Como afirma a autora, a lógica interativo-colaborativa das
novas ferramentas dos (multi)letramentos “no mínimo dilui e no máximo permite
fraturar ou subverter/transgredir as relações de poder pré-estabelecidas, em especial as
relações de controle unidirecional da comunicação e da informação (da produção
cultural, portanto) e da propriedade dos ‘bens culturais imateriais’ (ideias, textos,
discursos, imagens, sonoridades)” (ROJO, 2012, p. 24).

A teoria e pedagogia de (multi)letramentos que abrange a de letramentos


críticos, parece, por tudo que foi explicitado neste capítulo, contemplar uma mudança
drástica para um paradigma de aprendizagem próprio para o século vinte e um.
54

O principal foco desta pesquisa é o de utilizar letramentos como o digital, além


do linguístico, visual e multicultural, para a inclusão social, através da reflexão crítica,
criação de sentidos, análise crítica de textos multimodais (e seus discursos) e a
transformação da aprendizagem para a produção de textos/discursos diversos. Para tal,
faz-se necessário que se desenvolvam letramentos críticos através do material didático e
da ação docente e que a escola não veja mais o aluno como um consumidor de
conteúdos, mas como um analista crítico e um coconstrutor de conhecimentos de seu
interesse e que ele possa direcionar esses conhecimentos de forma autônoma, para
exercitar sua cidadania tão plenamente quanto seja possível.

No ensino de inglês, e por consequência no MD destinado a este fim, isso pode


ser aplicado superando a abordagem comunicativa que se interessa por ensinar as quatro
habilidades (ler, escrever, ouvir e falar) por uma abordagem pós-método, baseada na
teoria de (multi)letramentos. Afinal, estamos numa era pós-método, pois sabe-se que
não há o melhor método único para uma gama tão diversa de aprendizes, objetivos
pedagógicos e projetos de política linguística e educacional (PRABHU, 1990;
KUMARAVADIVELU, 1994; KALANTZIS & COPE, 2012).
55

3. Material didático

O material didático tem sido alvo de muito debate dentro e fora da comunidade
científica. A abertura dada ao mercado editorial de livros de ensino de inglês para
competir pela aprovação do Programa Nacional do Livro Didático através de seus
editais tem levado muitas editoras a tentar a aprovação de forma democrática. O PNLD
vem se aprimorando e com seus critérios elevados tem levado as editoras a buscar
excelência, o que tem trazido uma melhoria nos materiais, que acredito ter impacto no
professor e no ensino.

Na primeira seção, abordo o que entendo por material didático, o que creio que
ele pode fazer pelo professor, pelo aluno e pelo processo de ensino e aprendizagem,
assim como o que podemos fazer por ele enquanto professores, pesquisadores, autores,
analistas do discurso e pesquisadores da área de Linguística Aplicada. Na segunda
seção, levanto a questão da conscientização cultural e crítica no MD, o que defino como
tal, e a importância de tais aspectos no ensino de língua inglesa. Por fim, na terceira e
última seção deste capítulo, refiro-me a atividades didáticas e tarefas propriamente ditas
também essenciais no material didático e a como distinguir um exercício de uma tarefa,
além de destacar o potencial das tarefas autênticas.

3.1 Definição e escopo de materiais didáticos e de seus temas, textos e discursos.

Tomlinson afirma que “dado o quão importante os materiais didáticos são, é


surpreendente a pouca atenção que eles têm recebido até recentemente na Linguística
Aplicada” (TOMLINSON, 2012, p. 144). Por material didático, assim como Tomlinson,
refiro-me a tudo que possa ser utilizado para facilitar a aprendizagem de língua e
aumentar o conhecimento e/ou experiência da/com a língua, incluindo livros didáticos,
vídeos, websites, artigos, dicionários, postagens em rede social, imagens, interações por
telefone celular, “embora grande parte da literatura foque em materiais impressos”
(TOMLINSON, 2010, p. 2; 2012, p. 143).

O desenvolvimento de MD é definido por Tomlinson como “um campo tanto de


estudo hoje em dia, como de empreendimento prático” (2010, p. 2-3, 2012, p. 144). Ele
afirma que, enquanto campo de estudo, privilegia-se princípios de elaboração,
implementação e avaliação dos materiais e que, como tarefa prática, foca-se em
qualquer coisa que autores, professores, ou alunos façam para fornecer insumo, para
56

explorar fontes de forma a maximizar a probabilidade de internalização e estimular


produção com propósito, ou seja, “o suprimento de informação sobre/ou experiência na
língua de forma elaborada a promover aprendizagem”. Idealmente, para o autor, os dois
aspectos (campo de estudo acadêmico e empreendimento prático) são interativos e se
informam numa via de mão dupla.
Nos últimos quarenta anos, a elaboração de materiais tem progredido
drasticamente, tanto como um campo acadêmico quanto como um
empreendimento prático. Nós estamos agora muito mais cientes dos
princípios e procedimentos que são mais propícios a facilitar a
aquisição e desenvolvimento da linguagem e estamos muito melhores
em de fato desenvolver materiais eficientes. Professores também
parecem estar mais construtivamente críticos de seus livros texto e
mais dispostos, confiantes e capazes de localizar e personalizar seus
livros texto para seus alunos. Isto é especialmente verdadeiro em
regiões onde professores tem sido treinados [sic] como elaboradores
de materiais, seja em cursos de desenvolvimento de professores ou em
projetos institucionais ou nacionais de desenvolvimento de materiais.
(TOMLINSON, 2012, pp. 159-160)

Ao me propor a produzir uma unidade didática e a discutir seu processo de


produção, torno a lembrar que o material didático está inserido no momento sócio-
histórico da contemporaneidade (FRIDMAN, 2000) e que, por se tratar aqui de material
de língua estrangeira, retrata uma cultura de alteridade. Acima de tudo, tratando-se de
material didático de inglês, a língua oficial da contemporaneidade e da globalização
(TÍLIO, 2010, p. 169), ele tem uma importância crucial para a educação cultural e
cidadã dos alunos do Ensino Médio.
Entender a natureza do livro didático requer entendê-lo sob três
ângulos distintos: através de suas especificidades próprias, como um
produto de uma indústria cultural que veicula ideologias, e como um
produto de consumo no mercado editorial de uma sociedade
capitalista. (TÍLIO, 2006, p. 106)

O papel do livro didático na sala de aula tem sido alvo de muita polêmica
(TÍLIO, 2008). O livro didático também é muito criticado por sua homogeneidade que
dificulta contemplar a diversidade e pluralidade das turmas e alunos em diferentes
contextos sociais. Além disso, como muitas vezes é elaborado para o mercado global,
pode ser inadequado e/ou irrelevante para certas culturas, além de suas limitações
decorrentes da mídia impressa ou dos tabus e censuras impostas pelas editoras
(HARWOOD, 2010; KULLMAN, 2012).
57

Ao considerar, como Tílio (2006), que o autor e os usuários dos livros constroem
juntos os significados do texto (neste caso, do livro didático), adoto, assim como ele,
uma teoria social do discurso (FAIRCLOUGH, 2001[1992]) para complementar a teoria
sociointeracional e a de (multi)letramentos que embasam esta pesquisa. Segundo
Fairclough (2001[1992], p. 90-91) o discurso é “o uso da linguagem como forma de
prática social [...], um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o
mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação”.

O livro didático não deveria levar a uma acomodação pela facilidade de segui-lo,
apesar de certamente ter como vantagem a conveniência e economia de já trazer consigo
textos e tarefas prontos. Porém pode ser visto como um recurso e fonte de informação
tanto para os alunos quanto para os professores que não deve ser menosprezado. A
questão é adaptar criticamente, isto é, implementar, avaliar, aproveitar o que ele tem que
pode servir e complementá-lo com autonomia.

Uma observação importante a respeito da produção de materiais didáticos na era


pós-método, citada ao fim do capítulo anterior, consistem reconhecer que a contribuição
da teoria comunicativa é limitada, portanto acrescentando ao desenvolvimento das
quatro habilidades o fator queer e crítico, no sentido problematizador de extrapolar as
identidades e rótulos (KUMARAVADIVELU, 1994; MOITA LOPES, 2006). O
material deve se adequar aos novos tempos, promovendo novos letramentos
multiculturais, multimodais, em que o aluno é levado a ver, descrever, explicar,
entender, pensar. Devem constar no material os (multi)letramentos, isto, é, o
desenvolvimento da linguagem não só textual, mas visual, digital, multicultural e crítica
(MOITA LOPES, 2006; KALANTZIS & COPE, 2012; NICOLAIDES & TÍLIO, 2013).

A pedagogia de letramentos críticos contemporânea deve abordar relações de


cultura, poder e conhecimento. Os alunos devem ser ativos em uma aprendizagem co-
construída, diferente da transmissão de informação ou busca de informação no texto.
Devem ler criticamente e autorar textos, ter voz própria, construir suas identidades, ter
base para criticar a cultura dominante em um projeto de democracia radical em que
possam aprofundar e expandir a esfera de relações e práticas sócio-discursivas,
especialmente de indivíduos ou grupos excluídos. O material didático pós-colonial deve
desenvolver pedagogicamente políticas de diferença que se articulem com questões de
raça, classe, gênero, etnia, sexualidade da posição de empoderamento. O aluno deve ter
acesso à noção de conhecimento, linguagem e práticas sócio-discursivas como arenas de
58

luta e contestação de relações de poder e da hegemonia das tradições eurocêntricas


dominantes.

O objetivo da pedagogia crítica de letramentos contemporânea não deve ser


confundido, no entanto, com um ataque ao capital, mas entendida como uma nova visão
de aprendizagem de língua com uma ideologia alternativa à neoliberal por uma
abordagem diferente de desenvolvimento, como propõe Canagarajah (2013). No 10º
Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada, realizado na Universidade Federal do Rio
de Janeiro em 2013, ele afirma que não é contra o lucro, afinal seu país precisa de
recursos, mas que devemos buscar uma forma melhor de desenvolvimento, pois no
modelo atual o inglês não está servindo como uma Língua Franca, mas uma forma de
‘Língua Franchise’ (CANAGARAJAH, 2013), vendido como uma forma de capital
linguístico de forma padronizada, apagando a diversidade linguística global. Segundo
Tílio (2013), línguas adicionais no mundo contemporâneo deveriam servir para uma
nova globalização, acesso ao conhecimento, inclusão social, como língua franca e para
contestar hegemonias. Afinal o que é se comunicar, senão agir no mundo globalizado?

A Linguística Aplicada dos anos 90 em diante, em sintonia com a teoria de


(multi)letramentos e com a pedagogia crítica (de letramentos), incumbiu-se de questões
práticas e de problemas sociais que envolvessem a língua/linguagem. Desde então, a LA
vem se dedicando a perspectivas das minorias e ideologias alternativas, transgressivas,
feministas, queer. Pennycook (2006) defende que a Linguística Aplicada Crítica (LAC)
ou Linguística Aplicada transgressiva, como ele a denomina, deve focar na relevância
social, na tradição neomarxista e na prática pós-moderna problematizadora, que
possibilitam todo um novo conjunto de interesses, como a ética, organizando uma
agenda política crítica. Ele afirma que a LAC deve exercer uma exigência ética de
imaginar de forma diferente. Rojo (2006) define como desafios da LA contemporânea e
como características de um linguista aplicado nos dias de hoje: 1) fazer pesquisa
cientifica baseada em privações sofridas com leveza de pensamento; e 2) fazer pesquisa
crítica e transgressiva baseada em teorias da complexidade focada nas vozes do sul.

Os livros didáticos, como “artefatos culturais que refletem e constroem certos


entendimentos de mundo e o lugar de indivíduos no mundo” (KULLMAN, 2012, p. 93),
podem desempenhar um papel importante na propagação de uma (ou mais) determinada
concepção de mundo e de linguagem. Isto é, assim como qualquer texto, o material
didático é imbuído de discurso e posiciona tanto o autor quanto o leitor, mostrando uma
59

visão de mundo informada por alguma ideologia (uma ideia de mundo que o autor
carrega) e os situando em alguma posição ou papel, que o leitor pode aceitar ou rejeitar.
O livro didático de inglês em compasso com a pedagogia crítica (de letramentos), a
teoria de (multi)letramentos, a LA contemporânea (MOITA LOPES, 2006) e uma visão
socio-interacional de linguagem “não pode ser divorciado do contexto cultural no qual é
produzido, circulado e dos entendimentos e discursos que estão circulando em tais
contextos culturais” (KULLMAN, 2012, p. 93) e deve apresentar múltiplas perspectivas
e abrir múltiplas camadas de significado (KALANTZIS & COPE, 2012).

Kullman afirma que “poucos livros didáticos (de inglês para o mercado global)
hoje em dia trazem ‘tópicos’16 como espinha dorsal em torno da qual a nova
língua/linguagem é apresentada e praticada” (KULLMAN, 2012, p. 96). O autor ainda
afirma que a escolha – e o enquadramento – dos tópicos no livro didático vai incluir ou
excluir perspectivas de acordo com contextos, textos e o léxico especifico desses textos.
Ele dá o exemplo do tema “comida e alimentação” [sic] em dois livros diferentes. Em
um, o recorte é de consumo, como uma questão de escolha pessoal, enquanto que, no
outro, o tema é abordado como uma questão social e de responsabilidade coletiva. Da
mesma forma que o tema e os textos seguem uma perspectiva particular, assim será a
abordagem com relação às atividades, como ele afirma. No primeiro caso, as atividades
pedem que o aluno expresse preferências individuais, enquanto que, no segundo, os
alunos vão para além do gosto pessoal para como este pode ser saciado através de
articulações com suas próprias ações de assistência à comunidade e também de como a
questão da fome pode ser resolvida (KULLMAN, 2013, p. 96-100).

A questão social no livro didático é defendida pelo autor como necessária por
aqueles que abraçam a teoria sociocultural e aplicam as ideias de Vygotsky e outros
“para destacar a relação entre linguagem, pensamento e a ideia de si na aprendizagem
de língua, para ajudar os alunos a encontrarem suas próprias novas vozes na nova
língua” (KULLMAN, 2013, p. 106). Ele afirma que nós, professores e alunos,
precisamos contestar o livro didático se acreditarmos que eles estão nos impondo uma
visão que não condiz com a nossa e que, para isso, podemos contar com a pedagogia
crítica. Ele cita Cope e Kalantziz (2000, p. 34), sugerindo usar uma abordagem crítica
para auxiliar os alunos a “desnaturalizar e tornar estranho o que eles aprenderam e
dominam”. Para Kullman, nossa maior tarefa como educadores é “capacitar nossos

16
O autor chama de ‘tópicos’ o que eu denomino como temas no resto do trabalho.
60

aprendizes a enxergar além de seus próprios entendimentos subjetivos deles mesmos e


do mundo” (KULLMAN, 2013, p. 108).

Tomlinson e Masuhara (2013) atentam para a questão da conscientização


cultural e da conscientização crítica que creem carecer de princípios claros para a
avaliação, adaptação e elaboração de materiais didáticos. Os autores definem
conscientização cultural como “percepções de nossa própria cultura e da cultura do
outro” e utilizam o conceito de cultura usado na sociologia, como “a totalidade de um
estilo de vida compartilhado por um grupo de pessoas conectadas por características,
valores, atitudes, atividades e circunstâncias comuns e distintivas.” Eles ressaltam que
culturas são realidades construídas socialmente e que são “complexas, sobrepostas,
interativas e variáveis” (TOMLINSON & MASUHARA, 2013, p. 30-31).

Como hoje em dia há mais falantes de inglês não nativos do que nativos
(CRYSTAL, 2003[1997, p. 69]), a cultura do falante de inglês não pertence mais a
nenhum grupo particular, pois é mais provável que um falante não nativo use a língua
em uma interação social com outro não nativo do que com um nativo. Portanto, seria
difícil argumentar que o aluno deve ser exposto ao inglês do nativo como língua
autêntica enquanto outras variações são mais usadas no mundo (HARWOOD, 2010, p.
6). Em cada interação, os usuários de inglês como língua franca devem ter sensibilidade
e flexibilidade e a “conscientização cultural” cultiva essas competências e auxilia nessa
“jornada para dentro de um labirinto cultural” (TOMLINSON & MATSUHARA, 2013,
p. 32).

Os autores citam os efeitos da globalização no conteúdo multissemiótico (não só


dos textos escritos, mas visuais e auditivos), na metodologia dos materiais didáticos de
ensino de inglês e possíveis conflitos culturais entre métodos importados e contextos
locais. Uma questão importante é a de estereótipos, que eles afirmam ser uma função
natural do cérebro e uma forma de lidar com uma realidade complexa tendo uma
capacidade limitada de processá-la.

3.2 Conscientização cultural e crítica no material didático

A conscientização cultural pode ajudar a enxergar diferentes culturas como


igualmente válidas, suscitar curiosidade, interesse pelas semelhanças e diferenças, e
principalmente reconhecimento e respeito pela diversidade. Isso deve, além de formar
61

cidadãos melhor preparados para a vida em sociedade, “facilitar a comunicação


internacional” (TOMLINSON, 2001, p. 5). Tomlinson e Matsuhara (2013, p. 37) citam
o esforço de Mason (2010) em desenvolver materiais para aprimorar a “competência
intercultural” de alunos da Universidade Tunisiana que focou em três dessas
competências: inquisição/problematização, mente-aberta/respeito e
diplomacia/funcionamento em outra cultura.

Sobre a conscientização crítica, Tomlinson e Matsuhara (2013) afirmam que


“desenvolvedores de materiais deveriam ser encorajados a usar tópicos controversos e
textos que sejam aceitáveis nas culturas de seus aprendizes, pois isto aumentaria o
potencial de estimular engajamento afetivo para empoderar os alunos [sic] no mundo
real em que vivem e para ajudar os alunos a pensar criticamente” (TOMLINSON &
MATSUHARA, 2013, p. 41). Os autores defendem que editores de livros didáticos
globais têm uma cautela mercadológica com “temas tabu” e acabam por produzir
materiais insossos, higienizados.

Com relação à representação de valores, muitos teóricos socioculturais criticam


o papel do ensino de inglês no processo de globalização como uma campanha de
propaganda para valores materialistas e capitalistas ocidentais, um empreendimento
imperialista, colonialista e mercantilista. Tomlinson e Matsuhara (2013) mencionam um
estudo que aponta para a tendência dos materiais didáticos globais para o ensino de
inglês produzidos na Grã Bretanha mais vendidos celebrarem valores como sucesso
profissional e individual, individualismo, prazer, mobilidade, igualitarismo e
materialismo. O mesmo estudo mostra como o livro didático produzido para o mercado
global se tornou uma mercadoria, uma commodity que promove homogeneização,
padronização e reducionismo na visão de mundo, língua e cultura de uma forma
neocolonial.

O problema de o livro comunicar a visão de mundo de seus produtores é que isso


pode ser prejudicial, uma vez que os livros didáticos assumem um papel de “reverência
excessiva” na sala de aula como “autoridade máxima” (TOMLINSON &
MATSUHARA, 2013, p. 43) e seus usuários podem aceitar suas visões e valores
acriticamente. No entanto, os autores afirmam que professores e alunos são – em muitos
países, na experiência deles como observadores e pesquisadores – capazes de serem
mais críticos do que se acredita. Não obstante, os autores defendem que os materiais
sejam elaborados de forma que os aprendizes sejam encorajados a serem críticos e que
62

suas visões sejam valorizadas. Eles afirmam que autores de materiais devem se
certificar de que estão usando textos que vão estimular os alunos a pensar e sentir e que
estimulem controvérsia. Afirmam ainda a importância de tarefas sem resposta certa
prevista, em que os alunos possam compartilhar seus pensamentos sem medo de serem
corrigidos.

A principal questão com relação à conscientização crítica é que a maioria dos


Ministérios de Educação, segundo Tomlinson e Matsuhara (TOMLINSON &
MATSUHARA, 2013, p. 44), fazem menção proeminente ao pensamento crítico no
currículo (como nossos documentos oficiais no Brasil), porém, na experiência dos
autores, os materiais usados para implementar tal currículo geralmente dão pouca
oportunidade do aluno pensar por si próprio. “Eles com frequência dizem aos
aprendizes o que pensar, o que dizer e como dizê-lo” (TOMLINSON &
MATSUHARA, 2013, p. 44). Outro ponto é que os materiais que encorajam o
pensamento crítico só o fazem nos níveis mais avançados. Os autores afirmam que
“infelizmente há uma presunção de que alunos que estão num nível baixo
linguisticamente também estão num nível baixo intelectualmente” (TOMLINSON &
MATSUHARA, 2013, p. 45). A crença dos autores é que os materiais devem
desenvolver conscientização cultural e crítica, pois isto além de contribuir para a
educação dos aprendizes de inglês, irá empoderá-los como usuários independentes da
língua.

3.3 Temas e Textos

Conforme mencionado anteriormente, é primordial a utilização de textos


autênticos (verbais e não verbais, isto é, incluindo textos multimodais, como vídeos ou
semioses visuais compostas de imagens e palavras escritas, por exemplo, ou um ícone)
constituindo diferentes discursos, termo adotado aqui na concepção de Fairclough como
texto e interação (FAIRCLOUGH, 2001[1992]) e abordá-los dentro de seus gêneros
discursivos e, especialmente, de seus temas (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2006[1929]).

Como afirma Voloshinov/Bahktin (2006[1929], p. 16), “o signo e a situação


social estão indissoluvelmente ligados” e “todo signo é ideológico”, portanto os textos
em materiais didáticos devem ser considerados em seu contexto sociodiscursivo, isto é,
em que situação social são concretizados e quais os discursos que promovem. Todo
63

texto se concretiza em um gênero discursivo, que são formatos relativamente estáveis


em seu estilo (BAKHTIN, 1997 [1979, p. 279]).
Um trabalho de pesquisa acerca de um material linguístico concreto -
a história da língua, a gramática normativa, a elaboração de um tipo de
dicionário, a estilística da língua, etc. - lida inevitavelmente com
enunciados concretos (escritos e orais), que se relacionam com as
diferentes esferas da atividade e da comunicação: crônicas, contratos,
textos legislativos, documentos oficiais e outros, escritos literários,
científicos e ideológicos, cartas oficiais ou pessoais, réplicas do
diálogo cotidiano em toda a sua diversidade formal, etc. É deles que
os pesquisadores extraem os fatos linguísticos de que necessitam.
(BAKHTIN, 1997[1979, p. 283])

Bakhtin (1997[1979]) afirma que o tema é um dos elementos constitutivos do


gênero (além da forma composicional e do estilo). Ele define “tema” como o contexto
real e específico de um enunciado completo, “uma propriedade que pertence a cada
enunciação como um todo” (VOLOSHINOV/BAKHTIN 2006[1929], p.131),
“significação contextual de uma dada palavra nas condições de uma enunciação
concreta” (VOLOSHINOV/BAKHTIN 2006[1929], p.134). O tema engloba a
significação na realidade da experiência humana, no momento sócio-histórico que a
linguagem é realizada (VOLOSHINOV/BAKHTIN 2006[1929], p. 132)
Não há tema sem significação, e vice-versa. Além disso, é impossível
designar a significação de uma palavra isolada (por exemplo, no
processo de ensinar uma língua estrangeira) sem fazer dela o elemento
de um tema, isto é, sem construir uma enunciação, um “exemplo”
(VOLOSHINOV/BAKHTIN 2006[1929], p. 132)
Portanto, os textos no material didático devem ser explorados em seus gêneros e
interligados por um eixo temático como fio condutor. Faz-se necessário que os
aprendizes construam entendimentos sobre os gêneros, pois as palavras adquirem
significados no contexto social em que estão inseridos. Um texto não pode ser abordado
no material didático sem que se considere seu contexto situacional e cultural em que
está inserido ao ser produzido, o meio em que é distribuído e por quem, onde e como é
recebido. Como afirma Fairclough (2001[1992], p. 99), “a análise de um discurso
particular como exemplo de prática discursiva focaliza os processos de produção,
distribuição e consumo textual”.

A análise proposta por Fairclough se caracteriza por levar em conta as


dimensões linguística, social, funcional e histórica de textos, entendidos enquanto
discursos que constroem e desconstroem ideologias, no sentido de sistemas conscientes
ou não de ideias, pontos de vista, que regem ações. Também compartilho o
64

entendimento que a linguagem é o espaço de luta hegemônica, isto é, de luta pelo poder
e que o discurso hegemônico pode e deve, em muitos casos, ser questionado e talvez
combatido em todas as esferas da sociedade, inclusive e especialmente no MD da rede
pública de ensino.

3.4 Atividades e tarefas

Com relação a atividades didáticas no material, Tomlinson (2010, pp. 88-93)


afirma a necessidade dos alunos terem experiências com a língua (preferencialmente em
colaboração) permitindo que eles façam descobertas sobre o uso por conta própria –
com o auxílio do material (e do professor) – ao invés de serem consumidores passivos
de informações explícitas quanto ao uso da língua. Por fim, ele sugere replicar
atividades da vida real, para facilitar a transferência da aprendizagem para fora da sala
de aula. Da mesma forma, Ellis (2010) contrasta os conceitos de atividades propostas
que ele denomina como tarefas e exercícios – este segundo tipo sendo comumente
referido como atividades contextualizadas de gramática (ELLIS, 2010, p. 35). De
acordo com sua definição, em exercícios (mesmo quando situados/contextualizados), os
alunos não escolhem seus recursos linguísticos e é pouco provável que haja qualquer
negociação de significado, por exemplo, não tendo nenhuma lacuna na informação ou
opinião envolvida, ou seja, não há produção comunicativa resultante da atividade
proposta.

Atividades pedagógicas podem ser consideradas tarefas, segundo Ellis, se


atenderem a quatro critérios:
1) Ter foco primário no significado;
2) Os alunos escolhem os recursos linguísticos e não linguísticos
necessários para completar a tarefa;
3) A tarefa deve levar a processos de uso da língua no mundo real;
4) Uma performance bem sucedida da tarefa é determinada por
examinar se os alunos alcançaram o resultado comunicativo
pretendido. (ELLIS, 2010, p. 35)
Ellis apresenta duas razões pelas quais tarefas são tão essenciais.
1) os alunos vão obter sucesso em desenvolver controle completo de
seu conhecimento linguístico se eles experimentarem usá-lo em
condições de operação reais; e
2) o verdadeiro desenvolvimento de interlíngua (isto é, o processo de
aquisição de novo conhecimento linguístico e reestruturação do
65

conhecimento existente) só pode ocorrer quando a aquisição se dá


incidentalmente, como produto do esforço em se comunicar. (ELLIS,
2010, pp. 38-39)

Ellis explica que a ideia não é deixar de ensinar gramática, mas fazer com que os
alunos percebam a estrutura gramatical ao desempenhar tarefas elaboradas para destacar
a estrutura gramatical, de forma que seja essencial depreender seu significado e o torne
necessário para a comunicação (ELLIS, 2010). Ele concede que atividades de gramática
tradicionais que pedem um aprendizado intencional são possivelmente mais efetivas em
promover aquisição, porém podem resultar apenas em conhecimento explícito ao invés
do conhecimento implícito necessário para usar a língua com facilidade e naturalmente
na comunicação.

As teses defendidas por Ellis se alinham ao quadro oferecido pelo Grupo de


Nova Londres para promover (multi)letramentos no ensino de inglês com foco na
colaboração e interação para ação no mundo real. Cope e Kalantzis (2000), sugeriam em
um primeiro momento da elaboração da teoria os seguintes movimentos pedagógicos
(cf. Quadro 3), que seriam fluidos:
Quadro 3: Movimentos pedagógicos sugeridos pelo grupo. Adaptado de Cope & Kalantzis (2000).
Prática situada: Os alunos entram em imersão em práticas culturais,
sociodiscursivas e temas ou gêneros familiares a suas
experiências de vida e outros novos de interesse deles.

Instrução aberta: Uma análise sistemática e consciente dessas práticas e


gêneros, seus processos de produção, distribuição e
recepção com a intenção de partir para uma análise crítica
da prática e do discurso utilizado em tal prática cultural.
Uma forma de auxiliar o aluno por mediação usando
metalinguagem, conceitos e teorias explícitas que
expliquem os processos de construção de significados.

Enquadramento crítico: Localização de conhecimento em seu contexto relevante e


reflexão sobre seus objetivos através de questionamentos
e problematizações, como: Quais alternativas culturais
podem existir para abordar este ou aquele desafio da
experiência cotidiana? Qual abordagem é usada em qual
contexto? Por quê? Aos objetivos e interesses de quem
66

essa abordagem serve?

Prática transformada: Prática também situada em experiências da vida real,


porém representa duas possibilidades: transferência de
conhecimento e experiência adquiridos a contextos
culturais não-familiares; ou retorno à experiência original
com perspectivas renovadas e novo conhecimento sobre
os processos de construção de significados.

Mais tarde, os autores recontextualizaram os quatro movimentos pedagógicos


citados acima utilizando nomes simplificados para cada momento: experimentar (o
conhecido e o novo); conceituar (teorizar); analisar (funcionalmente e criticamente); e
aplicar (apropriadamente, criativamente) (KALANTZIS & COPE, 2012).

Eles equiparam os dois quadros de processos de conhecimento, formulados


originalmente e adaptados mais tarde da seguinte maneira:

Quadro 4: Processos de conhecimento (KALANTZIS & COPE, 2012, p. 358)


Formulação de aprendizagem por design Formulação original
Experimentar Prática situada
Conceituar Instrução aberta
Analisar Enquadramento crítico
Aplicar Prática transformada

A figura abaixo (cf. Figura1) ilustra o novo quadro conceitual da aprendizagem


por design na pedagogia dos (multi)letramentos:
67

Figura 1 Processos de conhecimento de aprendizagem por design. Learning by Design Knowledge


Processes17 (KALANZIS & COPE, 2012, p. 357)

De acordo com este novo quadro, ao experimentarem o conhecido, os alunos


refletem sobre suas próprias experiências, interesses e perspectivas familiares e, ao
experimentarem o novo, eles observam ou participam de algo que não lhes é familiar,
são imersos em novas situações ou conteúdos. Conceituando por nomeação, alunos
agrupam coisas em categorias, aplicam termos classificatórios e definem tais termos,
enquanto que conceituando por teorizações, eles fazem generalizações usando conceitos
e conectam termos em mapas conceituais ou teorias. Ao analisar funcionalmente, alunos
analisam conexões lógicas, causa e efeito, estrutura e função, e ao analisar criticamente,
os alunos avaliam suas próprias perspectivas, interesses e motivações assim como as
dos outros. Por fim, ao aplicar apropriadamente, os alunos aplicam novas aprendizagens
a situações do mundo real e testam sua validade. Aplicando criativamente, os alunos
fazem, enfim, uma intervenção no mundo que é inovadora e criativa, ou transferem sua
aprendizagem para um contexto diferente (KALANZIS & COPE, 2012).

17
Disponível em: http://newlearningonline.com/literacies/chapter-13/kalantzis-and-cope-
on-the-learning-by-design-knowledge-processes
68

No caso da pedagogia de (multi)letramentos, o movimento de analisar (funcional


e criticamente), envolve analisar funções textuais e interrogar criticamente os interesses
dos participantes no processo de comunicação, assim como o movimento de aplicar
(apropriada e criativamente) se relaciona a criar textos e usá-los em ação comunicativa
(KALANZIS & COPE, 2012). Outro fator importante a ser mencionado é o de que o
quadro e seus processos não devem ser interpretados como uma sequência nem
requerem equilíbrio; afinal, alguns conteúdos e situações de aprendizagem podem
requerer mais conceituação ou mais experimentação (KALANZIS & COPE, 2012).
Como afirmam os autores,
os processos de aprendizagem mencionados requerem apenas que os
professores reflitam sobre a mistura e ordem dos movimentos
epistêmicos que eles fazem em suas salas de aula e sejam capazes de
justificar suas escolhas pedagógicas com base nos objetivos de
aprendizagem e resultados para indivíduos ou grupos (KALANZIS &
COPE, 2012, p. 358)

Dessa forma, a recontextualização do quadro para utilizar os quatro verbos que


representam as tradições pedagógicas descreve os processos de aprendizagem como
“um repertório de ‘movimentos epistêmicos’” (KALANZIS & COPE, 2012, p. 359). Os
autores afirmam que evidências de suas pesquisas indicam que, quando professores
abriram mão do controle e auxiliaram a agência dos alunos por processos de
aprendizagem, eles aproveitaram a oportunidade de desenvolver autonomia e a
aprendizagem foi transformada para além de assimilação e daquilo que o professor
queria que eles aprendessem (KALANZIS & COPE, 2012).

Nesta pesquisa, elaboro uma unidade de material didático na esperança de


contribuir para uma aprendizagem transformada através de textos multissemióticos e
tarefas que promovam reflexão crítica e uso da língua em ação comunicativa. A
intenção é que as tarefas da unidade apontem para uma educação com fins
emancipatórios, dando voz aos alunos para que possam atuar no mundo através do uso
da linguagem enquanto cidadãos críticos. O material didático que não assume uma
posição política de inclusão e de ação social, automaticamente está colaborando para o
oposto, para a situação de exclusão e alienação que observamos nas práticas
pedagógicas e materiais didáticos tradicionais. Um princípio orientador,
consequentemente, é trabalhar textos, discursos e vozes que não têm espaço na grande
mídia nem nos materiais didáticos tradicionais, além de promover atividades de reflexão
crítica que não tenham uma só resposta correta e propor tarefas autênticas que
69

promovam conhecimento de fato prático, relevante e útil para os aprendizes no presente.


Porém a ideia não é apenas apresentar discursos contra-hegemônicos, mas contrastar
discursos divergentes e problematizá-los através de letramentos da língua/da letra,
multimodais, digitais, multiculturais e críticos, principalmente.

O material didático pode auxiliar os alunos a usarem a língua inglesa para


acessarem discursos diversos disponíveis para todos, através de conexão com a internet
ou materiais disponíveis na internet que possam ser trazidos para a sala de aula através
do MD multimodal. Os letramentos crítico e digital podem contribuir para a inclusão
digital e social, emancipando aprendizes para se apropriarem de práticas discursivas
reais e que podem transformar sua realidade. Um exemplo disso é como as redes sociais
têm desempenhado um papel importante na divulgação de discursos ignorados e
abafados pela mídia hegemônica. Mudanças que estão ocorrendo no Brasil este ano
estão diretamente ligadas a movimentos sociais iniciados e divulgados no Facebook.
Este é um ótimo exemplo de uma mídia criada com um propósito social que vem sendo
utilizada para ações altamente políticas e contra-hegemônicas por sua relativa abertura
democrática para a livre expressão do pensamento. Textos multimodais que são
compartilhados fazendo também avaliações positivas dos movimentos sociais em
questão que são veiculados nessas mídias ainda não chegaram na grande mídia
conservadora, mas podem chegar aos marginalizados se forem trabalhados no material
didático.
70

4. Metodologia

Na seção anterior, menciono a importância da historicidade e da interação social


para entendermos nossas práticas e modificá-las. Abordo a questão da
contemporaneidade, da globalização, da nova ordem mundial global, do papel da língua
como discurso nas relações de poder e, por consequência, do ensino de inglês através de
materiais didáticos. Explicito correntes teóricas que vêm nos novos letramentos formas
de promover equidade ou igualdade, novas formas de comunicação e representação
numa era de conhecimento e de uma economia de conhecimento, oposta a anterior que
era industrial. Faço referência à questão da cidadania, da conscientização cultural e
crítica, de pedagogias de (multi)letramentos, em especial o crítico e o digital, para o
novo mundo e para os novos tempos na escola e nos materiais didáticos.

Nesta seção, descrevo o caráter e a natureza desta pesquisa, os paradigmas e


correntes teórico-metodológicas às quais me afilio por convicção ideológica e com base
na leitura e revisão da literatura citada nos capítulos anteriores. Depois, descrevo o
momento em que a pesquisa se desenhou, de onde emergiu e as categorias utilizadas
para possibilitar a elaboração de uma unidade didática. Por fim, relato como a unidade
foi idealizada e produzida e faço uma reflexão sobre a produção da unidade didática
relacionando cada escolha ao arcabouço teórico. A unidade não foi testada ou aplicada
até a defesa desta pesquisa de mestrado, porém após ser apresentada no XI Congresso
Brasileiro de Linguística Aplicada foi solicitada por professores do Rio Grande do Sul
para ser testado no programa Idioma sem Fronteiras 2015 do MEC.

4.1 Caráter e natureza da pesquisa

Esta pesquisa adota pressupostos teórico-metodológicos sociointeracionais


citados na seção anterior, na esperança de colaborar para o aumento da qualidade do
material didático de inglês produzido para a rede pública. Por consequência, procura
colaborar também para uma experiência mais empoderadora no processo de ensino e
aprendizagem de inglês. Este não é um trabalho de análise, mas de reflexão sobre a
produção de uma unidade didática.
71

Em um estudo com base sociointeracional, a perspectiva adotada deve


necessariamente ser discursiva, ou seja, de conhecimento produzido na interação social
através do discurso; dialógica, isto é, em que textos e discursos inevitavelmente
dialogam entre si trazendo traços de um no outro, influenciando e sendo influenciados
uns pelos outros e em que o subjetivo e o individual são construtos sociais; e sócio-
histórica, na tentativa de superar os reducionismos das concepções empiristas e
positivistas. Nesse tipo de proposta, o pesquisador, sua ação e também os efeitos que ela
propicia constituem elementos de análise. Em uma pesquisa sócio-histórica, o que se
busca “não é a precisão do conhecimento, mas a profundidade da penetração e a
participação ativa tanto do investigador quanto do investigado. Disso também resulta
que o pesquisador, durante o processo de pesquisa, é alguém que está em processo de
aprendizagem, de transformações” (FREITAS, 2002, p. 25). Na pesquisa sócio-histórica
é preciso entender o objeto em sua totalidade e contexto, articulando dialeticamente os
aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito com o social e a
linguagem com a sociedade.

Freitas afirma ainda o seguinte sobre o pesquisador nesta concepção:


ele não é um ser humano genérico, mas um ser social, faz parte da
investigação e leva para ela tudo aquilo que o constitui como um ser
concreto em diálogo com o mundo em que vive. Suas análises
interpretativas são feitas a partir do lugar sócio-histórico no qual se
situa e dependem das relações intersubjetivas que estabelece com os
seus sujeitos. É nesse sentido que se pode dizer que o pesquisador é
um dos principais instrumentos da pesquisa, porque se insere nela e a
análise que faz depende de sua situação pessoal-social. (FREITAS,
2002, p. 29)

A escolha do paradigma qualitativo em detrimento à pesquisa mista ou


quantitativa se deve também, é claro, à natureza social das questões que são subjetivas e
ao objetivo de buscar entendimentos. Este estudo não busca testar uma hipótese, não
pretende afirmar através de estatísticas uma verdade universal e neutra, ou objetiva, que
a perspectiva a qual me afilio não reconhece existir nas ciências sociais. Porém, além de
buscar construir entendimentos, o maior objetivo é de ação social, de transformação, por
isso é uma pesquisa intervencionista, que busca não apenas entender, mas modificar os
materiais didáticos de inglês para o ensino médio através da geração de dados e de uma
reflexão sistematizada. Bakhtin e Vygotsky advogavam por uma psicologia, uma
ciência, uma filosofia da ciência e da linguagem de cunho social e situadas
historicamente. Os dois eram influenciados por ideias de Marx, como a contida na
72

expressão “ascender ao concreto” e a ideia expressa na célebre e emblemática citação


(da 11ª tese sobre/contra Feuerbach) para uma pesquisa intervencionista de que “os
filósofos têm apenas interpretado o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é
transformá-lo” (MARX, 1978[1845], p. 53).

O entender é relativo à situacionalidade e significado de um fenômeno, é


relacionado à historicidade. Isto muito difere da intenção de explicar a causalidade de
um evento, como nas ciências naturais quando surgiram. O entender da pesquisa
interpretativista permite muitas e simultâneas formas de compreender um evento
(SCHWANDT, 2006, p. 194), descreve o papel da “investigação qualitativa como um
terreno ou uma arena para a crítica científica social” em que se privilegia: 1) fidelidade
em relação aos fenômenos; 2) respeito pela experiência de vida; e 3) atenção aos
detalhes do cotidiano requeridos pela pesquisa social. No interpretativismo, as ações
humanas se dão dento de um sistema simbólico e, portanto, possuem um significado
passível de interpretação. Neste paradigma, as pesquisas se configuram como processo
contínuo de reflexão, crítica e transformação.

Este estudo segue, portanto, a epistemologia anti-positivista proposta por Souza


Santos, que afirma que “todo conhecimento científico é socialmente construído, que o
seu rigor tem limites inultrapassáveis e que a sua objetividade não implica a sua
neutralidade” (SOUZA SANTOS, 2008[1987], p. 9). Também me afilio à sua posição
de que “a ciência depois de ter rompido com o senso comum, deve transformar-se num
novo e mais esclarecido senso comum” e que as ciências devem gerar “um
conhecimento prudente para uma vida decente”. Afinal, para que serve o saber? A quem
deve servir? Como afirma Moita Lopes, “não há lugar fora da ideologia e não há
conhecimento desinteressado” (MOITA LOPES, 2006, p. 103) e devemos rejeitar o
relativismo ético que pode acarretar práticas que causam sofrimento humano.

Souza Santos advoga em favor de tal nova epistemologia e de um novo


paradigma para toda a ciência como conhecimento total e local. Um paradigma
emergente, em que todo conhecimento científico-natural é científico-social, pois
superaria a visão dualista da ciência moderna. Esta nova maneira de fazer ciência fala
de “um conhecimento que se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias
que até há pouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura,
natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado,
73

subjectivo/objectivo, colectivo/individual, animal/pessoa” (SOUZA SANTOS,


2008[1987], p. 64).

Ele fala também sobre a tendência à especialização nos tornar especialistas sem
comunicação com outras áreas e sem mesmo uma visão geral da nossa própria área de
saber e sobre como isso é prejudicial, quando afirma: “É hoje reconhecido que a
excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um
ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos” (SOUZA SANTOS,
2008[1987], p. 74). Souza Santos dá o exemplo de Foucault como um cientista do novo
paradigma, pois podemos nos perguntar se ele é historiador, filósofo, sociólogo, ou
cientista político, uma vez que ele investiga questões inter/transdisciplinares.

Quanto à metodologia científica, ele advoga pela pluralidade de métodos que


afirma só ser possível mediante “transgressão metodológica”, que define como
aplicação de métodos fora de seu “habitat natural” e afirma que isto repercute na escrita
científica pelo estilo e gênero. Souza Santos afirma que a “ciência pós-moderna não
segue um estilo unidimensional (...), é uma configuração de estilos construída segundo
o critério e a imaginação pessoal do cientista” (SOUZA SANTOS, 2008[1987], pp. 78-
79).

Souza Santos (2008[1987]) descreve este novo paradigma de conhecimento,


suas características de universalidade, localidade, exemplaridade, sua faceta temática,
diversificada, transdisciplinar, sobre possibilidades e pautada na pluralidade.
No paradigma emergente o conhecimento é total, tem como horizonte
a totalidade universal (...). Mas sendo total, é também local. Constitui-
se em redor de temas que em dado momento são adoptados por grupos
sociais concretos como projectos de vida locais, sejam eles
reconstituir a história de um lugar, manter um espaço verde, construir
um computador adequado às necessidades locais, fazer baixar a taxa
de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical,
erradicar uma doença, etc., etc. A fragmentação pós-moderna não é
disciplinar e sim temática. Os temas são galerias por onde os
conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros. Ao contrário do
que sucede no paradigma actual, o conhecimento avança à medida que
o seu objecto se amplia, ampliação que, como a da árvore, procede
pela diferenciação e pelo alastramento das raízes em busca de novas e
mais variadas interfaces.
Mas sendo local, o conhecimento pós-moderno é também total
porque reconstitui os projectos cognitivos locais, salientando-lhes a
sua exemplaridade, e por essa via transforma-os em pensamento total
ilustrado. A ciência do paradigma emergente (...) incentiva os
conceitos e as teorias desenvolvidos localmente a emigrarem para
outros lugares cognitivos, de modo a poderem ser utilizados fora do
seu contexto de origem. Este procedimento, que é reprimido por uma
74

forma de conhecimento que concebe através da operacionalização e


generaliza através da quantidade e da uniformização, será normal
numa forma de conhecimento que concebe através da imaginação e
generaliza através da qualidade e da exemplaridade.
O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico,
sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as
condições de possibilidade. As condições de possibilidade da acção
humana projectada no mundo a partir de um espaço-tempo local. Um
conhecimento deste tipo é relativamente imetódico, constitui-se a
partir de uma pluralidade metodológica. (SOUZA SANTOS,
2008[1987], pp. 76-77)

Conforme Souza Santos aponta, a ciência moderna nos deixou como legado um
conhecimento funcional que aumentou extraordinariamente nossa perspectiva de
sobrevivência. Porém, e graças aos avanços anteriores, hoje em dia, interessa-nos mais
saber viver do que sobreviver. Para tanto, ele afirma que precisamos de
uma nova forma de conhecimento compreensivo e íntimo que não nos
separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos. A incerteza do
conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como limitação
técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave do
entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser
contemplado. (SOUZA SANTOS, 2008[1987], pp. 85-86)

O autor conclui, sobre a subjetividade na ciência, afirmando que “assim


ressubjectivado, o conhecimento científico ensina a viver e traduz-se num saber prático”
(SOUZA SANTOS, 2008[1987], pp. 87).

Dessa forma, esta pesquisa não se dispõe a generalizações, mas pode servir
como exemplo para aqueles que se encontram em um contexto semelhante e tiverem as
mesmas inquietações e em torno das questões estudadas. Entendo como Rajagopalan
(2006, p. 159), que “uma teoria concebida à revelia das preocupações práticas,
elaborada apenas pra satisfazer a criatividade de um gênio solitário, não tem valia
alguma no campo da prática”. O autor afirma ainda que é preciso teorizar a linguagem
considerando a atividade linguística uma prática social e que “a tentativa de analisar a
língua de forma isolada, desvinculada das condições sociais dentro das quais ela é usada
[...] se revela um gesto de conotações ideológicas” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 163).
Está se formando um consenso entre os pesquisadores em LA, segundo ele, de que cabe
a ela “intervir de forma consequente nos problemas linguísticos constatados”
(RAJAGOPALAN, 2006, p. 165), teorizando a linguagem de forma mais adequada a
problemas mundanos.
75

Esta é uma pesquisa social, na medida em que tem como foco questões da
prática sociodiscursiva do ensino de língua inglesa através de materiais didáticos. As
questões são abordadas de forma situada em seu contexto sócio-histórico, e com base
em teorias sociais do discurso e de aprendizagem. Diferentemente das pesquisas
tradicionais quantitativas ou experimentais, este estudo crítico traz valores inexoráveis à
pesquisa e a ética tem um papel intrínseco no propósito de crítica e transformação das
estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais através do engajamento com o
contexto e o objeto de estudo. Na perspectiva da teoria crítica valores fazem parte e são
formativos da pesquisa e a voz do pesquisador é de um “intelectual transformador” e
ativista, diferente do “pesquisador desinteressado” do positivismo (GUBA &
LINCOLN, 1994, pp. 108-112). Não menos importantes nesse tipo de pesquisa é a
promoção de reflexão crítica que questione relações de poder e opressão.

Esta pesquisa se alinha às perspectivas contemporâneas da Linguística Aplicada


que enxergam como objetivo fundamental da área “a problematização da vida social, na
intenção de compreender as práticas sociais nas quais a linguagem tem papel crucial”
(MOITA LOPES, 2006, p. 102) e “reinventar a vida social” (MOITA LOPES, 2006, p.
104). Moita Lopes, dentro dessa vertente INdisciplinar, como o autor a denomina, ou
transgressiva (PENNYCOOK, 2006), pauta a Linguística Aplicada contemporânea nos
seguintes pontos:

1. que seja híbrida e mestiça, promovendo pesquisas transdisciplinares (termo


utilizado por Chouliaraki e Fairclough, que Moita Lopes chama de
interdisciplinar), que nada mais são que ‘conversas’ entre pesquisadores pós-
modernistas de áreas distintas;
2. que exploda a relação entre teoria e prática, que o pesquisador não mantenha
uma ‘distância crítica’ do objeto de estudo, mas uma ‘proximidade crítica’;
3. que tenha um novo sujeito: as vozes do sul (aqueles à margem), diferente do
sujeito homogeneizado da ciência moderna (o homem branco heterossexual de
classe média), um sujeito de natureza fragmentada, heterogênea, contraditória e
fluida sempre aberto a revisões identitárias;
4. que os novos pilares sejam ética e poder, de forma que a LA colabore para “um
novo paradigma social e político” e “epistemológico” reinventando a forma de
compreender a vida social e podendo imaginar novas ações políticas.
(lista adaptada de MOITA LOPES, 2006, p. 31 e p. 96)
76

Dentro da mesma vertente, Kumaravadivelu (2006) apela para uma quebra com
a visão de linguagem como um sistema, a pesquisa positivista e prescritiva e a
investigação da linguagem de modo descontextualizado e descorporificado. Segundo
ele, evitando a questão da ideologia a LA modernista preserva as macroestruturas da
dominação linguística e cultural e se esforça para tal. Já a pós-modernista, “celebra a
diferença, desafia as hegemonias e busca formas alternativas de expressão e
interpretação” (KUMARAVADIVELU, 2006, p.139). Kumaravadivelu afirma que para
transpor-nos ao pós-moderno, “os linguistas aplicados têm de se mover para além do
tratamento da linguagem como sistema e começar a tratá-la como discurso”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p.140). Discurso no sentido Foucaultiano de que
nenhum texto é inocente e todo texto reflete um fragmento do mundo em que vivemos,
ou seja, todo texto é político.

A Análise Crítica do Discurso (ACD) é mais um instrumental teórico-


metodológico desta pesquisa que informa as escolhas e abordagem de textos no MD e
como relacioná-los a contextos sociais e interacionais mais amplos, com o objetivo de
mostrar “como a língua participa de processos sociais” (FAIRCLOUGH, 1992 [2001],
p. 229). Outra característica que a torna apropriada para esta proposta se encontra no
fato de se constituir de um método multidimensional, um método multifuncional, um
método de análise histórica (FAIRCLOUGH, 1992 [2001, p. 27]). Desta forma, o
quadro teórico fornecido pela Teoria Social do Discurso de Fairclough
(FAIRCLOUGH, 1992 [2001]) oferece o instrumental ideal para fundamentar a visão de
discurso neste estudo que busca investigar práticas discursivas e sociais desejáveis
impulsionadas pelo material didático.

O interesse da proposta está na promoção de uma discussão produtiva entre os


profissionais da área que possam compartilhar dos mesmos dilemas ao procurar
compreender melhor e incorporar os critérios propostos pelos documentos oficiais para
o ensino de inglês e para a elaboração de materiais didáticos para o ensino médio no
Brasil, assim como dialogar com as teorias que os embasam. Espero colaborar para
produção de teorizações científicas críticas e pós-coloniais na área da educação e ensino
de língua, através da reflexão sobre a elaboração de uma unidade didática em compasso
com as necessidades dos alunos na pós-modernidade e com um compromisso
pedagógico ético e político.
77

O objetivo último é a inclusão social das novas gerações para se libertarem de


toda forma de opressão para que possam atuar no mundo através da linguagem se
apropriando de gêneros usados em práticas sociais necessárias para além daquelas
meramente pedagógicas e tecnocratas. O estudo se propõe a trazer alguma contribuição
a um novo paradigma que já se desenha em outros materiais disponíveis e graças ao
PNLD na maneira de elaborar materiais de ensino e aprendizagem de inglês com vistas
a uma transformação sociodiscursiva do próprio gênero (livro/material didático para
ensino de língua inglesa na escola brasileira).

As questões específicas a serem analisadas foram resumidas às seguintes


perguntas que orientam esta pesquisa:

 Como fomentar (multi)letramentos em atividades pedagógicas no material


didático do século XXI?
 Como promover letramento digital através de material didático impresso?
 Como propiciar a coconstrução de aprendizagem através da participação em rede
utilizando letramentos multissemióticos ou (multi)letramentos para estimular
uma inclusão social que abra alternativas sociais com base nas e com as vozes
que estão à margem na construção de uma sociedade mais humana em projeto
que envolva uma coligação anti-hegemônica e que desafie o pensamento único
no material didático de ensino de língua?

Para buscar respostas este estudo conta com a elaboração de uma unidade
didática para material didático impresso que se propõe a oportunizar (multi)letramentos
e estimular inclusão social além de reflexão crítica através da interação, participação e
produção de conhecimento inclusive na mídia digital. Entendo, da mesma forma que
Fairclough (1999, p. 71), que como a forma da nova ordem social global capitalista se
torna mais clara, se faz necessária uma consciência crítica da linguagem como parte da
educação linguística.

Como ocorre tipicamente nas pesquisas qualitativas, os dados emergem


concomitantemente ao processo de reflexão sobre eles. A geração de dados e a reflexão
se dão em um processo circular e se sobrepondo um ao outro. O design da geração de
dados é fluido e aberto, não se fez necessário planejar todos os elementos do projeto a
priori, em sintonia com o caráter orientado para a descoberta da pesquisa qualitativa.

As categorias utilizadas têm como base os princípios teóricos que dão suporte à
pesquisa para a produção do material:
78

 Tema(s) relevante(s) explorados numa abordagem social.


 Texto(s) autênticos que fomentem reflexão, negociação de sentidos e
problematização/análise crítica de seus discursos.
 Tarefas autênticas que promovam conhecimento prático, relevante e útil para os
aprendizes.

4.2 Como a unidade didática foi produzida?

Para a elaboração da uma unidade didática, foram definidas as três categorias


mencionadas que foram desenvolvidas da seguinte maneira para guiar a produção e a
reflexão sobre ela:

Tema(s) relevante(s) explorado(s) numa abordagem social deve(m) ser, de acordo com
TÍLIO (2006):
 familiar(es) para alunos da faixa etária, oportunizando seu engajamento e
participação;
 includente(s), de cunho social para formação cidadã e inserção social do aluno;
 sobre questões pós-modernas além das tradicionais;
 globalizados além dos locais;
 contextualizados;
 multiculturais;
 diferenciadores;
 conscientizadores;
 compatíveis com a construção de identidades de projeto (através da resistência e
de alternativas às identidades legitimadoras); e
 do tipo que possibilita a participação ativa dos alunos nos debates pertinentes a
suas vidas.

Texto(s) autêntico(s) que fomente(m) reflexão, negociação de sentidos, e


problematização/análise crítica de seus discursos deve(m), de acordo com TÍLIO
(2006):
 ser abordado(s) de forma autêntica;
 ser apresentado(s) dentro de gêneros, como na vida real;
 ser explorado(s) com relação ao conteúdo e à forma, no sentido de tornar claro
como funciona o gênero;
79

 incluir outras semioses além da escrita (textos, visuais, sonoros/orais,


multimodais);
 relacionar-se à diversidade linguística/cultural e da conectividade global; e
 ser abordado(s) de forma sistêmica (língua como um sistema passível de
escolhas ideológicas e funcionais) com enfoque sociocultural.

Tarefas autênticas devem, de acordo com TÍLIO (2006):

 ter um objetivo de produção linguística;


 promover interação e colaboração;
 promover conscientização cultural e crítica;
 oportunizar transformação da aprendizagem na recepção e/ou na produção de
textos/discursos;
 explorar as diferentes semioses;
 estimular o aluno a ir além do entendimento da representação textual,
posicionando-se ideologicamente em relação a valores, discursos e visões de
mundo;
 integrar diferentes modos de significação;
 deixar claro para o aluno o que ele está aprendendo, como e para quê; e
 desenvolver responsabilidade, autonomia individual e sociocultural18 ou tomada
de decisão (linguística, comunicativa, política ou ética).

Estes desdobramentos das categorias foram adaptados de um trabalho anterior,


apresentado no IV Simpósio sobre o Livro Didático de Língua Materna e Língua
Estrangeira (IV SILID) e do III Simpósio sobre Materiais e Recursos Didáticos (III
SIMAR) na PUC-RJ, em que analisei lições disponíveis na internet para os anos finais
do Ensino Fundamental (RODRIGUES, 2014). Originalmente, uma lista havia sido
elaborada com base na leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais, além dos editais e
guias do Programa Nacional do Livro Didático, ambos embasados por teorias
sociointeracionais de linguagem e aprendizagem que promovem a visão crítica de que o
material didático de língua estrangeira deve ser relevante para a vida cotidiana do aluno,
deve auxiliá-lo a empoderar-se de forma a poder se engajar e interagir em práticas

18
“Autonomia sociocultural” se refere a saber atuar no mundo usando a língua (HARWOOD, 2010;
TILIO, 2013) e ao pressuposto de que “o indivíduo faz parte de um contexto sócio-histórico e, como tal,
é responsável por seus atos e pelas consequências daí originadas, além de exercer um papel modificador
no e do meio social no qual está inserido.” O que não exclui a autonomia individual. (NICOLAIDES &
TILIO, 2011, p. 179)
80

sociais e discursivas usando a língua, ou seja, que tratam o ensino como uma prática
sociocultural, através da oportunização de situações de interação com o outro e com o
meio (VYGOTSKY, 1998[1978]). Os documentos oficiais, conforme mencionado no
capítulo anterior, propõem a adoção de práticas pedagógicas que sejam significativas
para o desenvolvimento de cidadania crítica e para combater a exclusão social e digital.
É destacada também nos documentos a vantagem de poder trabalhar a aprendizagem de
língua estrangeira em torno de temas relevantes e includentes (BRASIL, 1997).

Outras questões representadas pelos desdobramentos das categorias se articulam


com a teoria de gêneros discursivos de Bakhtin e teorizações sociodiscursivas da
Linguística Aplicada contemporânea em questões a respeito de como a língua deveria
ser ensinada e pesquisada de forma contextualizada, dentro de uma perspectiva sócio-
histórica, como apontam Moita Lopes (2006) e Rajagopalan (2006). Há questões para
checar se a língua é apresentada em textos, isto é, em instâncias autênticas da língua
(BRASIL, 1997) e explorando seus gêneros, em sua concepção de formas estilísticas
relativamente padronizadas, porém abertas a mudanças e a ao surgimento novos
modelos usados em novas práticas sociodiscursivas (BAKHTIN, 2003[1952-53/1979]).
Soma-se a isto o fator de vivermos numa sociedade pós-moderna multissemiotisada
(FRIDMAN, 2000), com textos multimodais em que ecoa a necessidade de
(multi)letramentos, inclusive letramento crítico e letramento digital para atuar no mundo
sociodiscursivamente. Portanto, algumas questões se referem ao fato de que materiais
didáticos de língua estrangeira têm o potencial e o dever ético de elaborar atividades que
possam contribuir para a formação de cidadãos críticos que possam identificar lutas de
poder e ideologias construídas em e por discursos e optar por aceitar e reproduzir ou
combater discursos hegemônicos em suas práticas sociodiscursivas. (COPE &
KALANTZIS, 2000; FAIRCLOUGH, 2001[1992]; MOITA LOPES, 2006).

A produção da unidade didática e a reflexão acerca dela se deram em um


processo simultâneo e cíclico. Enquanto desenhava a unidade refletia sobre as
teorizações, as perguntas da pesquisa e as categorias. Depois de terminar a produção da
unidade, voltei a ela para descrever cada escolha e relatar as reflexões que levaram
àquelas escolhas realizando nesse momento de descrição uma nova reflexão. Isto fez
emergir mudanças na unidade didática durante o processo de descrição e reflexão, tendo
se tornado um ciclo refletir, produzir, refletir sobre a produção, refazer a produção,
refletir de novo.
81

O primeiro passo para a produção da unidade didática foi pensar em um eixo


temático. Uma grande preocupação era a questão da inclusão social que abra
alternativas sociais com base nas e com as vozes que estão à margem na construção de
uma sociedade mais humana em projeto que envolva uma coligação anti-hegemônica e
que desafie o pensamento único no material didático de ensino de língua. Os primeiros
temas que vieram à mente foram de conscientização de problemas de discriminação
(racial, social, de gênero) e a questão da falta de representação de identidades não
hegemônicas em propagandas e marketing.

Porém, em um brainstorming, havia pensado em abordar alguma questão


relacionada aos problemas de direitos humanos não respeitados, como mortes e
encarceramentos muitas vezes injustos de negros pela polícia, tanto no Brasil quanto
nos Estados Unidos, em casos recentemente reportados aos quatro cantos do mundo em
mídia de massa e alternativa. Outra ideia seria falar do capitalismo em sua forma atual,
abordando seus benefícios e danos, como os problemas ambientais e sociais por ele
gerados, especialmente a má distribuição de renda e recursos. Também foi cogitado
mostrar discursos de resistência, como o documentário The Coconut Revolution19 sobre
uma população que expulsou uma mineradora poderosa de sua ilha e lutou por sua
independência nos anos 90, passando a produzir toda estrutura local com recursos
naturais, especialmente o côco; outro vídeo disponível online ainda me veio à mente
mais tarde, um sobre como os ricos mantem os pobres em tais condições20, que faz
alusão ao tipo de exploração que gerou a revolução do côco exibida no documentário
mencionado e, por fim, uma palestra da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie
sobre os perigos de uma história única21 (uma única perspectiva e discurso
homogeneizante e estereotipante sobre pessoas e culturas) no TED Talks.22

Por sorte deparei-me com um artigo sobre um casal de homens negros (Kordale
e Kaleb) que ficaram famosos após publicarem uma foto no Instagram preparando suas
filhas para irem para a escola. Eu já tinha conhecimento do casal e da foto, porém agora
lia a notícia de que eles tinham sido escolhidos como garotos-propaganda da nova

19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LDpvxQe_Jhg. Acesso em: 09/082015.
20
Disponível em: https://youtu.be/k_BH5jBgbUY. Acesso em: 09/08/2015.
21
Disponível em: https://youtu.be/D9Ihs241zeg. Acesso em: 09/08/2015.
22
Palestras organizadas e divulgadas pela organização sem fins lucrativos chamada TED, cujo objetivo é
difundir ideias sobre temas diversos, tendo sido dedicada originalmente (à época de sua criação em
1983) apenas a uma convergência entre tecnologia, entretenimento e design.
82

campanha publicitária da marca de máquinas fotográficas Nikon. O slogan da campanha


também atraia, I am generation image, afinal o maior desafio seria promover
(multi)letramentos na unidade, a começar pelo visual e sempre permeado pelo crítico.
Agora eu tinha uma imagem muito rica para ser explorada de um casal gay negro numa
peça publicitária com esse slogan, além do artigo contando como eles haviam
conquistado um espaço na mídia para se expressar e dando voz ao casal (através de uma
declaração escrita e audiovisual em um vídeo online divulgado junto ao artigo) que
declara ser uma família como outra qualquer para dizer em suas próprias palavras como
se sentiam e como gostariam de aproveitar aquela experiência, o que pretendiam fazer
com aquilo.

Agora, entrava em jogo a questão do letramento digital em mídia impressa.


Lendo diferentes artigos sobre a mesma notícia, fui levada a um hiperlink de um vídeo.
Lembrei-me do recurso chamado QR code, que permite ao usuário de um smartphone
ou computador com câmera fotografar o código no papel para visualizar o vídeo na tela
de seu celular ou computador. A questão agora era pensar os letramentos linguísticos,
isto é, o foco linguístico (léxico-gramatical) da unidade. Ainda faltava muito a ser feito
com relação às tarefas, que apresentavam um grande desafio, pois deveria haver
produção e transformação de conhecimento para elaboração de textos por parte dos
alunos para publicação em rede, mas o trabalho de letramentos linguísticos ainda não
estava nem esboçado.

Lendo o artigo sobre Kordale e Kaleb e prestando atenção ao tema escolhido,


percebi que, coerentemente, havia uma recorrência de vocabulário em dois campos
semânticos: família e propaganda. Porém faltava ainda um foco gramatical, que não
poderia ser deixado de lado. O texto escrito trazia vocabulário e estruturas básicas, na
maioria no presente, pois fala sobre o que está acontecendo com Kordale e Kaleb no
momento, como eles se sentem e o que pretendem fazer com seus quinze minutos de
fama. Por fim, ficou decidido trabalhar as duas formas de falar sobre o presente,
levando os alunos a perceberem quais tempos verbais são mais recorrentes no texto, por
que e qual a função dessa escolha.

A partir do texto escrito, foram desenvolvidas atividades de leitura começando


por atividades de compreensão e chegando a uma atividade de letramento crítico.
Depois, por acaso, ao ver uma campanha publicitária sobre amor e discriminação
realizada no dia dos namorados chamada Love has no Labels, compartilhada pelas redes
83

sociais, o vídeo foi incorporado à unidade em uma atividade de (multi)letramentos


explorando as múltiplas semioses e a mensagem do vídeo, além de vocabulário. Desta
forma o vídeo com Kordale e Kaleb ficou sendo extra para os alunos assistirem em casa,
caso se interesseassem. Para a atividade de áudio, foi selecionada uma entrevista com
perguntas em inglês e respostas em português entre o ator inglês e ativista de direitos
gays Stephen Fry e o político conservador da bancada evangélica brasileira no
congresso, Jair Bolsonaro. Nas atividades orais, foi pensado como realizar tarefas
autênticas e, com base nas ideias de Jenkins (2009), foi feita a escolha por simulações,
interpretando papéis e também por negociação.

A primeira tarefa de letramento digital, crítico e linguístico de produção escrita


consiste em escrever um comentário para o vídeo que pode ser postado na própria rede
social onde o vídeo circula, após a leitura de alguns outros comentários e debate sobre
estes. As anotações para o professor orientam o profissional a explorar a questão da
liberdade de expressão em contraste com discurso de ódio. Porém, com relação à
produção transformada, desde o princípio foi idealizado trabalhar memes23 de internet,
como gênero em circulação nas redes sociais típico da contemporaneidade e da cultura
participativa com o qual os alunos devem ter familiaridade. A ideia também parecia
responder à questão sobre encontrar formas de aprendizagem por participação em rede,
atuando através de memes como forma de resistência a discursos hegemônicos,
problematizando questões sociais, como a de discriminação, com humor.

O meme engloba alguns dos aspectos mais fundamentais da cultura digital


contemporânea (SHIFMAN, 2014). Por mais que sejam propagados em uma base
micro, seus impactos são em nível macro: memes moldam e refletem mentalidades,
comportamento e ações de grupos sociais, eles são discursos públicos socialmente
construídos representando diversas vozes e perspectivas (SHIFMAN, 2014). Memes são
a epítome da Web 2.0 e da cultura participativa, pois são pedaços de informação cultural
passados de pessoa para pessoa, mas que formam um fenômeno social marcado por
remixagem, mashups e troca de conteúdos gerados por usuários através de

23
O termo meme foi cunhado em 1976 por Richard Dawkins, para descrever pequenas unidades de
cultura que se espalham de pessoa pra pessoa por cópia ou imitação e desde então o conceito tem sido
alvo de debates acadêmicos constantes. Usuários de internet usam o termo internet meme para designar
a propagação de itens como vídeos ou piadas, por exemplo, de pessoa para pessoa pela internet
(SHIFMAN, 2014). Utilizo o termo “meme” aqui para me referir a memes de internet com a concepção
de Shifman (2014): um grupo de itens digitais compartilhando características comuns de contudo, forma
e/ou posicionamento que são criados com consciência uns dos outros e foram circulados, imitados e/ou
transformados via internet por muitos usuários.
84

compartilhamento na rede (SHIFMAN, 2014). Vivemos numa era hipermemética, em


que todo evento público notório gera uma série de memes e a prática memética do dia a
dia se tornou um fenômeno visível na esfera pública, sendo utilizado até mesmo em
campanhas eleitorais para presidência, especialmente desde a primeira campanha para
presidência de Obama nos EUA (SHIFMAN, 2014). Memes podem parecer mundanos e
triviais, porém refletem (e refratam, eu diria, inspirada em Bakhtin) estruturas sociais e
culturais profundas e podem ser enxergados como uma forma de globalização gerada
por usuários, como afirma Shifman (2014).

Os memes apresentavam também uma característica vantajosa de serem


relativamente simples de produzir, não exigindo uma produção escrita muito extensa e
ao mesmo tempo oferecendo um potencial de efeito criativo e eficiente, podendo até
mesmo viralizar24 e alcançar uma grande audiência real. De acordo com Shifman
(2014), compartilhar conteúdo – ou espalhar memes – é uma parte fundamental da
participação e experiência na esfera digital. A autora afirma que imitar, remixar,
compartilhar (entre outras atividades) se tornaram pilares valiosos da cultura
participativa descrita por Jenkins (2009) e o que é esperado de um cidadão usuário da
internet “digitalmente letrado”.

Portanto, a segunda tarefa de (multi)letramentos incluindo digital e crítico na


produção escrita é a última da unidade, a culminância de tudo que foi trabalhado
converge para a produção transformada e transformadora através de memes. Esta
consiste em, após uma atividade em que são explorados alguns memes, produzir um
texto nesse (macro) gênero, especificamente o que são chamados de “remix memes” por
Shifman (2014) com o tema de homofobia ou outra(s) formas de discriminação.

No próximo capítulo, exponho cada atividade da unidade refletindo sobre as


escolhas pedagógicas, ideológicas, éticas e políticas. Faço referência à fundamentação
teórica e ao procedimento metodológico, mencionando também as limitações e
dificuldades enfrentadas na elaboração da unidade.

24
Processo de difusão em que uma mensagem (podendo ser imagem, vídeo, frase de efeito) se espalha de
pessoa para pessoa via plataformas digitais e sociais em curto tempo e vasto alcance em visualizações
(SHIFMAN, 2014)
85

5. A unidade didática em escrutínio

Este capítulo traz uma reflexão sobre o processo de elaboração da unidade


didática (cf. Apêndice), com base nas teorizações sobre ensino e aprendizagem
explicitadas no capítulo 2 e aquelas sobre materiais didáticos descritas no capítulo 3. As
questões que levaram às perguntas de pesquisa orientam a elaboração da unidade e a
reflexão abaixo sobre as escolhas feitas na produção da unidade destinada ao primeiro
ano do ensino médio.

5.1 Introduzindo a unidade didática

A introdução da unidade se dá pela apresentação do tema através de duas


semioses iniciais: uma imagem e um slogan. Estas semioses são exploradas em uma
atividade que integra diferentes modos de significação, promovendo (multi)letramentos
(visual, linguístico e crítico) em que os alunos devem refletir e falar sobre o texto
multimodal. É chamada a atenção para as características do gênero discursivo (anúncio
publicitário) e em que mídia costuma se veicular a distribuição deste gênero, ativando o
conhecimento prévio pela experiência e familiaridade com o gênero na nossa língua. A
atividade 1 (cf. Figura 2) constitui uma forma de prática situada em que se experimenta,
na interação e reflexão, o conhecido e ao mesmo tempo o novo – ao apresentar uma
campanha publicitária e slogan pouco divulgados na mídia de massa no Brasil.
86

Figura 2: Primeira página da unidade, primeiro texto multimodal e primeira atividade didática.

5.1.1 O tema em contexto

O eixo temático da unidade é o amor e a diversidade em família e na sociedade,


abordando luta por direitos e respeito às diferenças, isto é, pelo fim da discriminação
contra identidades não-hegemônicas. A introdução da unidade começa a tocar na
questão da discriminação problematizando a escassa representatividade de identidades
não-hegemônicas na publicidade. A primeira atividade (cf. Figura 2) mostra uma
família composta por um casal gay de homens negros e seus filhos em uma campanha
de marketing. A atividade solicita que os alunos reflitam e questionem a frequência com
a qual essa demografia é representada como algo positivo publicamente. Espera-se que
os alunos do Ensino Médio estejam familiarizados com propagandas, pois eles estão
expostos a peças publicitárias em jornais, revistas, TV, vídeos online no cotidiano.
Portanto, o tema é familiar para alunos para alunos da faixa etária, oportunizando
engajamento e participação ativa dos alunos nos debates pertinentes a suas vidas.
87

A união civil entre pessoas do mesmo sexto, especificamente, está sendo


bastante debatida no momento por alguns motivos notórios. Por exemplo, no ano
passado, o conceito de família esteve em intenso debate público por ter sido aberta uma
enquete no site da câmara dos deputados25 com a pergunta: Você concorda com a
definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher,
prevista no projeto que cria o Estatuto da Família? A enquete encontrava-se ainda ativa
contando com 8.397.286 votos no dia 6 de julho de 2015. O objetivo do questionamento
era avaliar se os cidadãos são favoráveis ou contrários ao conceito incluído no Projeto
de Lei 6583/13, do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), para a criação do Estatuto da
Família. O Projeto de Lei e sua concepção de família causaram polêmica nas redes
sociais e o resultado é que esta foi a enquete mais votada no site até a presente data,
contando com mais de oito milhões de votos.

Este ano, a Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal negou recurso
do Ministério Público do Paraná e manteve decisão que autorizou a adoção de crianças
por um casal homoafetivo (termo utilizado no processo jurídico) 26. Na mesma semana
em que essa notícia foi publicada, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso
Nacional lançou uma nota de repúdio a um beijo protagonizado por duas atrizes
octogenárias em uma novela de horário nobre da emissora de maior audiência do país
através do mural do Facebook do deputado federal João Campos (PSDB/GO) 27.

O tema apresenta ainda as seguintes características desejáveis, conforme Tilio


(2006):

 é includente, de cunho social para formação cidadã e inserção social do aluno,


pois dá voz a identidades não-hegemônicas (não são brancos europeus
heterossexuais) com um discurso de resistência e luta por aceitação e respeito,
acolhendo a diversidade.

25
Enquete sobre o conceito de família:
http://www2.camara.leg.br/enquetes/resultadoEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-
457EBC94DF4E (acesso em: 09/08/2015) e texto sobre a enquete no site da câmara:
http://www2.camara.leg.br/enquetes/votarEnquete/enquete/101CE64E-8EC3-436C-BB4A-
457EBC94DF4E, http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/461923-
ENQUETE-DA-CAMARA-SOBRE-CONCEITO-DE-FAMILIA-TEM-MAIS-DE-20-MIL-VOTOS-
EM-24-HORAS.html (acesso em: 09/08/2015).
26
Notícia disponível em: https://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/ministra-do-stf-
reconhece-adocao-de-crianca-por-casal-homoafetivo. Acesso em 09/08/2015.
27
Nota de repúdio ao beijo “gay” em novela
https://www.facebook.com/deputadojoaocampos/photos/a.587240587984363.1073741827.5867765946
97429/870678006307285/?type=1&theater Acesso em 09/08/2015.
88

 trata de questões pós-modernas, uma família não tradicional de dois pais e uma
mãe e globalizado, eles moram em uma cidade americana, porém ganharam
exposição internacional através da internet.
 contextualizado, pois é apresentado em uma propaganda que situa os sujeitos no
tempo e espaço; é multicultural, pois reconhece a pluralidade cultural e suas
diferenças inerentes;
 diferenciador, pois trata de diferenças que co-existem, sem se preocupar com a
atribuição de identidades uniformes;
 conscientizador, pois aborda problemas sociais como discriminação e falta de
representação de certas identidades socioculturais na publicidade, com o intuito
de educar o aluno e o cidadão para pensar sobre os questões do cotidiano de
forma crítica e participar ativamente de lutas e contestações com ferramentas e
argumentos fundamentados em informação e reflexão, caso queira;
 compatível com a construção de identidades de projeto através da resistência e
da abertura de espaço para a construção de identidades alternativas às
legitimadoras (ex.: histórias de vida e experiências pessoais).

5.2 Atividades de leitura e (multi)letramentos

As atividades que abordam o texto escrito (um artigo ilustrado por duas fotos)
foram elaboradas para além de desenvolver as habilidades de leitura, abordar o gênero,
promover (multi)letramentos com foco nos letramentos crítico (incluindo
conscientização cultural) e digital. Desde a contextualização os alunos estão envolvidos
numa prática situada de experimentar o conhecido e o novo, porém caminhando em um
contínuo para conceituar nomeando e teorizando, analisar funcional e criticamente e, em
uma próxima etapa, aplicar apropriadamente de forma criativa em uma prática
transformada (KALANTZIS & COPE, 2012, cf. Figura 1, Quadro. 3).

5.2.1 Explorando o gênero

A primeira atividade de leitura (cf. Figura 3), que antecede o texto escrito, busca
ativar conhecimento prévio sobre o Instagram, ferramenta social digital de
compartilhamento de fotos (rede de mídia) que desempenha um papel importante na
89

notícia. O texto é sobre uma família cujos pais (Kordale e Kaleb) se tornaram garotos-
propaganda de uma campanha publicitária após fazer sucesso e gerar polêmica ao postar
uma foto usando a ferramenta por serem uma família composta por um casal de homens
e três filhos (na foto compartilhada estavam apenas as duas filhas, o filho não aparece).
Na atividade, os alunos devem usar a língua para interagir falando sobre a ferramenta e
fotos postadas em redes sociais, compartilhando suas experiências e conhecimentos
prévios sobre quais tipos de fotos são mais frequentes e quais eles gostam ou gostariam
de ver compartilhadas e quais não gostam/gostariam. Desta forma, o assunto já é
introduzido na interação com a voz dos alunos sendo ouvida, pois não há resposta
correta para as perguntas e algum vocabulário já é apresentado de forma natural e
autêntica nos enunciados, assim como provavelmente na produção linguística (oral) dos
alunos.

Figura 3: Atividades que antecipam o texto escrito a ser lido

A segunda atividade (cf. Figura 3) promove um propósito para a leitura,


buscando instigar a curiosidade dos alunos, e foca em compreensão textual, uma
primeira etapa importante na exploração do texto. Os alunos devem responder perguntas
sobre as informações que o texto traz, checando se eles conseguiram adivinhar a relação
entre os dois homens e o slogan na imagem explorada na atividade de contextualização
90

e dando sentido à leitura de uma reportagem para se informar a respeito da notícia,


portanto imputando autenticidade ao texto e à tarefa.

5.2.2 O texto escrito

O texto escrito (cf. Figura 4) é autêntico, no sentido que é um texto como se


encontra em circulação na internet (editado com uma ligeira alteração do genuíno) e,
conforme mencionado, é abordado de forma autêntica de acordo com seu propósito de
circulação. O texto é apresentado dentro de seu gênero do contexto original, isto é, uma
reportagem é analisada como uma reportagem, trazendo informação para apreciação,
reflexão e debate.

Figura 4: O texto escrito


91

O texto é explorado com relação ao conteúdo e à forma (cf. Figuras 3, 5, 6 e 7),


no sentido de tornar claro como funciona o gênero, inclui outras semioses multimodais
além da escrita (imagens, um link para o artigo original e um código para ver um vídeo
na tela do celular ou computador), relaciona-se à diversidade cultural e à conectividade
global abordando a questão da sexualidade, composições familiares lutando por
aceitação atualmente e como a internet pode ser um canal democrático para expressão,
porém com o problema de propagação de discurso de ódio também. O texto não aborda
a diversidade linguística, o que seria desejável. No entanto, é abordado de forma
sistêmica (língua como um sistema passível de escolhas ideológicas e funcionais) com
enfoque sociocultural fomentando reflexão, negociação de sentidos, e
problematização/análise crítica de seus discursos através das perguntas nas atividades de
leitura.

5.2.3 Atividades de letramento crítico (análise do gênero e reflexão crítica) e digital

Aqui se inicia uma análise funcional e enquadramento crítico através de uma


série de perguntas para interação, produção linguística oral, reflexão e debate. Na
terceira atividade de leitura (cf. Figura 5), as perguntas levam a conceituação e análise
do gênero discursivo. Os alunos são levados a nomear o gênero (uma reportagem) e
perceber suas típicas características e uma peculiaridade desta, uma caraterística
possível no gênero, porém obrigatória, que é dar voz aos sujeitos noticiados através de
um depoimento. Eles devem atentar para a mídia e o website específico, o que pode ser
considerado um passo para um letramento digital ao mostrar para os alunos como
identificar a fonte de uma notícia online dentro de um endereço (URL) divulgado.
92

Figura 5: Análise do gênero

Em seguida (cf. Figura 6) os alunos são levados a debater o assunto do texto. As


perguntas demandam que os alunos reflitam criticamente sobre a frequência de casais e
famílias gays e/ou negras na publicidade; sobre como é ser gay nos dias de hoje em
termos de aceitação e respeito; sobre os valores que o casal quer ensinar aos filhos,
sobre homofobia e racismo. Também há uma pergunta sobre a legitimidade do
casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil que informa que nos EUA varia de
um estado para outro, sendo permitido em alguns, porém em outros não. Portanto, as
atividades promovem conscientização cultural, e estimulando aluno a ir além do
entendimento da representação textual, posicionando-se ideologicamente em relação a
valores, discursos e visões de mundo.
93

Figura 6: Atividade de letramento crítico

5.3 Letramentos linguísticos – escolhas de estilo (lexicais e gramaticais)

5.3.1 Atividades de vocabulário

A primeira atividade de vocabulário (cf. Figura 7) explora os dois campos


semânticos que aparecem com mais frequência na unidade, conceituando em instrução
aberta. Os alunos devem identificar palavras usadas até então na unidade que se
relacionem a família ou publicidade e fazer uma frase sobre os sujeitos da reportagem
usando algumas daquelas palavras, o que pode ser considerado uma prática
transformada em que se aplica apropriadamente o conhecimento construído. A seguir,
os alunos são levados a tentar coconstruir (em colaboração na interação) significados de
outros trechos pelo contexto das frases (atividade 2 cf. Figura 7) no texto e, por fim,
refletir sobre como a escolha daquele vocabulário tem um impacto ideológico-
discursivo de entender o dia-a-dia daquela família como semelhante a qualquer outra,
desmistificando uma possível visão cultural de estranheza perante a alteridade ou
estereotipagem do casal por ser composto de gays ou de negros.
94

Figura 7: Atividades de letramento léxico-textual

5.3.2 Atividades de gramática

As atividades de gramática também começam pela conceituação em instrução


aberta, fazendo os alunos perceberem a relação entre a função e a forma gramatical
como uma escolha para comunicar o que se pretende. Na primeira atividade (cf. Figura
8) os alunos devem estabelecer a referencia temporal predominante no depoimento
contido na reportagem, depois encontrar orações com funções comunicativas específicas
e, por fim, relacionar as formas às funções. Em seguida, os alunos devem comparar as
estruturas selecionadas ao seu uso em sua língua materna, para que percebam que é
extremamente semelhante, tornando a aprendizagem menos desafiadora. As três
primeiras atividades são, portanto de conceituação por teorização e de análise funcional.
95

Figura 8: Atividades de letramento gramatical/estrutural

As últimas atividades de gramática (cf. Figura 9) são de produção linguística


oral, são atividades de prática transformada em que os alunos devem aplicar apropriada
e criticamente o conhecimento coconstruído e interagir compartilhando informações
pessoais, mas também uma sugestão para melhoria social de suas comunidades, além de
avaliar as sugestões dos colegas. São atividades do tipo que possibilitam a participação
ativa dos alunos nos debates pertinentes a suas vidas, oportunizam transformação da
aprendizagem na produção de textos/discursos, e desenvolvem responsabilidade,
autonomia individual e sociocultural, assim como tomada de decisão (linguística,
comunicativa, política e ética).
96

Figura 9: Tarefas de letramento gramatical/estrutural

5.4 (Multi)letramentos

Após a contextualização do tema e as atividades de leitura que também


compreendem atividades de (multi)letramentos, porém com foco maior nos linguísticos
e textuais de gêneros da escrita acompanhados de forte auxilio visual, iniciam-se
atividades de letramentos mais diversos e mais integrados em uma mídia multimodal
(audiovisual – em vídeo – com escrita).

5.4.1 Atividades de vídeo e (multi)letramentos

As atividades de (multi)letramentos com base na visualização de uma campanha


publicitária em prol do respeito à diversidade cultural em um vídeo se iniciam pela
antecipação do contexto do vídeo e de vocabulário importante para a sua compreensão e
para situá-lo no contexto sociocultural. O vídeo foi filmado no dia 14 de fevereiro de
2015, dia de São Valentim, celebrado em vários países como um dia para declarar seu
amor às pessoas mais queridas. A primeira atividade (cf. Figura 10) explora a
conscientização cultural ao inquirir a respeito do conhecimento prévio dos alunos sobre
a data e a celebração, comparando com o dia dos namorados, comemorado no Brasil em
outra data. A última pergunta é aberta para os alunos pensarem em formas de
discriminação que eles conhecem de forma que eles podem prever o que vai aparecer no
vídeo facilitando a contextualização e a compreensão do que está por vir.
97

Figura 10: Atividades para ativar conhecimento prévio antes de assistir ao vídeo

As atividades que seguem (cf. Figura 11) chamam atenção para o conteúdo do
vídeo e itens de vocabulário, checando se os alunos conseguiram prever o que
apareceria no vídeo e inquirindo sobre o que aparece.

Figura 11: Atividades para checar previsões a respeito de conteúdo e vocabulário do vídeo
98

Posteriormente, as perguntas (cf. Figura 12) se voltam para a coconstrução de


conhecimento, estimulando o aluno a ir além do entendimento da representação textual,
e a posicionar-se ideologicamente em relação a valores, discursos e visões de mundo e,
por fim, estimular o letramento digital crítico ao questionar como saber quem está
veiculando o discurso propagado no vídeo.

Figura 12: Atividade de co-construção de conhecimento através de (multi)letramentos

5.5 Atividades de produção escrita e letramento digital crítico

No estágio de pré-produção escrita, são realizadas duas atividades de


vocabulário (cf. Figura 13), para contextualizar a produção escrita e para preparar os
alunos com insumo para auxiliá-los a expressarem suas ideias. Na primeira atividade,
eles devem ler a descrição do vídeo assistido e completá-la com as palavras dadas – três
cognatas e duas palavras que já devem fazer parte de seu repertório (stop e open).
99

Figura 13: Atividade de vocabulário pré-produção escrita online

Na atividade seguinte (cf. Figura 14), eles devem organizar um glossário com
palavras mais sofisticadas que aparecem na descrição do vídeo, relacionando-as a suas
definições por inferência com base no contexto, olhando para elas no texto.

Figura 14: Atividade de vocabulário pré-produção escrita online – parte 2


100

A seguir (cf. Figura 15), os alunos os alunos devem ler amostras do gênero
(comentários sobre o vídeo) e opinar sobre elas em o que pode ser tido como uma
atividade de transformação da aprendizagem na recepção de textos/discursos. Os alunos
devem ter instrumental para análise critica dos comentários após debater o tema nas
atividades anteriores de enquadramento crítico em que se posicionam ideologicamente
em relação a valores, discursos e visões de mundo. O professor deverá mostrar para os
alunos que a liberdade de expressão se sobrepõe a crimes, como discurso de ódio
incitando qualquer forma de violência ou difamação, conforme explicitado em
anotações para o professor no manual.

Figura 15: Primeira tarefa de produção escrita online

Por fim, eles são convidados a publicar na rede seus próprios comentários (cf.
Figura 15), usando suas vozes em uma tarefa autêntica de produção linguística (escrita)
promovendo interação real em mídia digital e desenvolvendo responsabilidade,
autonomia e tomada de decisão (linguística, comunicativa, política e ética) e
conscientização crítica do uso da linguagem.

5.6 Atividades de compreensão oral e de (multi)letramentos

Antes de ouvir a passagem selecionada de um texto oral veiculado em vídeo do


YouTube, os alunos devem ler um trecho transcrito e tentar inferir o significado de
101

palavras selecionadas para a compreensão (cf. Figura 15). Depois para checar devem
assistir aos seis minutos iniciais do vídeo para checar com a legenda a tradução daquelas
palavras.

A partir dessa contextualização e antecipação de problemas de letramento


linguístico, os alunos devem tentar prever perguntas e respostas feitas na entrevista que
irão ouvir com base no conhecimento prévio de que o entrevistador é um ativista gay e o
entrevistado é um político religioso conservador (cf. Figura 16). Os alunos devem
simular uma entrevista interpretando o papel dos dois sujeitos antes de ouvir o vídeo. A
tarefa de simulação é importante para desenvolver competências sociodiscursivas
necessárias para a participação nos debates a respeito da vida pública na
contemporaneidade (JENKINS, 2009).
102

Figura 16: Atividades pré-audição (leitura, vocabulário e tarefa de produção oral)

Na atividade de audição (cf. Figura 17), os alunos devem primeiro tentar prever
como completar as frases com uma ou duas palavras. As frases são extraídas da fala do
entrevistador e as lacunas estão no lugar de verbos usados no present simple ou present
continuous (na afirmativa), pois estes são o foco gramatical da unidade. A intenção é
que eles reconheçam a estrutura em textos orais também e ao tentar prever haja um
103

esforço maior para focar e, portanto, facilitar o reconhecimento dos itens linguísticos
específicos.

Figura 17: Atividade de compreensão oral

Após ouvir e completar os trechos, os alunos comparam suas respostas e


assistem à entrevista para checar. A entrevista se dá em língua inglesa e portuguesa
simultaneamente com legendas em português para o que é falado em inglês, e inglês
para o que é dito em português. As perguntas e comentários do entrevistador são em
inglês, sua língua materna e as respostas do entrevistado em português, língua materna
deste. Esta escolha se deu por acreditar que os alunos se beneficiariam do texto, assim
como do plurilinguismo, tendência para a qual Canagarajah (2013) aponta como a
104

possível tendência do século XXI em uma orientação translingue ao invés de


monolíngue, numa socialização de línguas, ou ecologia de multilinguismo.

Na atividade seguinte (cf. Figura 18), os alunos comparam suas respostas, e


assistem ao vídeo para checá-las com o áudio e a legenda, ao que se segue um debate
em duplas. Após ouvir (e assistir à entrevista), os alunos devem responder oralmente em
interação e colaboração perguntas de compreensão do texto oral reproduzindo em inglês
o que entenderam dos argumentos de Jair Bolsonaro contra as leis de criminalização da
homofobia e o programa Escola sem Homofobia, assim como o que o ator e ativista de
direitos gays Stephen Fry pensa sobre a teoria de Bolsonaro. Por fim os alunos devem
debater a questão, estimulando o aluno a ir além do entendimento da representação
textual, posicionando-se ideologicamente em relação a valores, discursos e visões de
mundo e desenvolvendo responsabilidade, autonomia individual e sociocultural além de
tomada de decisão (linguística, comunicativa, política e ética) informada.

Figura 18: Atividades pós-compreensão oral para checagem e debate sobre as ideias no texto
105

O professor tem o papel crucial descrito no manual de monitorar os alunos


advertindo para o bom senso no uso da linguagem de forma diplomática sem apelar para
nenhuma forma de agressão, assim como de alertá-los para controlar a linguagem
corporal, pois o letramento gestual também é importante em debates e não pode ser
usado para ofender. Nesta atividade, os alunos são convidados a refletir criticamente
sobre dois pontos de vista ideologicamente opostos num espectro sobre a criminalização
da homofobia e uma campanha de conscientização em um programa a ser aplicado na
escola para alunos desde pequenos que foi vetada pela bancada evangélica do congresso
brasileiro. Trata-se de uma questão social extremamente relevante e ainda recente no
debate público e os alunos devem expressar suas vozes e discursos livremente sem que
haja uma resposta correta desde que mantenham o respeito pela opinião alheia e por
convenções sociais, não se agridam e não pratiquem nenhum crime como o de discurso
de ódio. Na interação social, devem coconstruir significados sobre o tema e fazer suas
escolhas discursivas com autonomia.

5.7 Atividades de produção oral e de (multi)letramentos

Na primeira atividade de produção oral (cf. Figura 19), os alunos devem


preparar, em grupos, três perguntas sobre a criminalização da homofobia e um programa
de combate à homofobia para crianças na escola para uma entrevista com um colega de
turma. Elaborar perguntas é uma tarefa autêntica no contexto de preparar uma entrevista
e permite ao aluno tomar decisões linguísticas, assim como ideológicas, de discurso,
pois ele escolhe o que abordar e o que omitir.

A seguir, eles devem realizar a entrevista simulando uma gravação ou de


preferência, se possível, usando um celular para gravar de fato a entrevista. A simulação
é uma forma de preparar os alunos para a participação social em uma cultura
participativa, segundo Jenkins (2009).
106

Figura 19: Atividades produção oral e de (multi)letramentos

Por fim, os alunos devem usar tudo que aprenderam para negociar escolhas
linguísticas, imagéticas e ideológicas co-construindo significados em uma tarefa
autêntica, pois simula uma prática sociodiscursiva do mundo real na área de criação de
campanhas publicitárias (cf. Figura 20). É uma tarefa de prática transformada em que
devem aplicar o que aprenderam de forma apropriada e criativa. Há ainda reflexão
crítica e promoção de (multi)letramentos na escolha do tema e textos multissemióticos a
serem produzidos em colaboração usando a criatividade.
107

Figura 20: Tarefa de produção oral e de (multi)letramentos

O trabalho de produção multimodal (cf. Figura 20) é realizado dentro do gênero


anúncio publicitário como o primeiro texto multimodal explorado no início da unidade
(Kordale e Kaleb com o slogan na frente cf. Figura 2) e pode ser feito no padlet.com,
uma plataforma digital da Web 2.0 na qual os alunos podem usar diferentes semioses
para construir quadros com textos multimodais e compartilhá-los em outras mídias
sociais digitais. No padlet, o usuário cria um mural virtual onde ele pode, por exemplo,
colocar perguntas em formas de post-its com texto foto, gif animado ou vídeo, propostas
para decisões de turma, ou mesmo pôsteres com textos multimodais, como memes.
Qualquer um em posse do link pode acrescentar algo ao mural e os alunos podem
divulgar o link para uma interação social real no mundo virtual.

5.8 Atividades de produção escrita e (multi)letramentos

A primeira atividade que antecipa a produção escrita (cf. Figura 21) menciona os
gêneros textuais trabalhados até então na unidade, evoca dos alunos outros tipos de
texto comuns na internet e pergunta o que eles sabem sobre memes. A ideia é que os
alunos sejam expostos a uma diversidade de textos, semioses e gêneros e só precisem
produzir um que seja passível de uso por parte da maioria no presente ou em um futuro
não muito distante, aprendendo, desta forma, algo relevante para a vida real fora da
escola. Talvez algum aluno venha a trabalhar com publicidade ou jornalismo, porém
não há motivo para preparar todos para escrever uma reportagem.
108

Figura 21: Atividade de conscientização cultural e de gênero

Em seguida, os alunos devem explorar quatro memes (cf. Figura 22). A


aprendizagem consiste em elaborar teorias na interação e colaboração oralmente para
dar significado a alguns textos multimodais que misturam imagem e escrita veiculados
por mídias digitais. O professor deve auxiliar os alunos a expressarem possibilidades e
auxiliá-los com vocabulário e sugestões de interpretações possíveis em um exercício de
reflexão e troca de ideias em uma atividade que oportuniza transformação da
aprendizagem na recepção de textos/discursos e promove conscientização cultural (de
cultura popular) e crítica.
109

Figura 22: Atividade de produção oral e de (multi)letramentos

A unidade culmina em uma tarefa em que os alunos devem produzir um meme


expressando suas visões sobre homofobia ou outros tipos de preconceito (cf. Figura 23).
Eis mais uma tarefa autêntica em mídia digital imbuída em um gênero como utilizado
como na vida real, explorado com relação ao conteúdo e à forma no sentido de tornar
claro como funciona o gênero. A tarefa oportuniza transformação da aprendizagem na
produção de textos/discursos, integrar diferentes modos de significação e desenvolve
110

responsabilidade, autonomia individual e sociocultural e tomada de decisão (linguística


e comunicativa), aplicando conhecimento de forma apropriada e criativa em uma prática
transformada.

Figura 23: Tarefa de produção escrita e de (multi)letramentos

Após a tarefa de produção em que aplicam criativa e apropriadamente o


conhecimento sobre o gênero textual digital, é sugerido aos alunos compartilharem seus
111

textos multimodais (os memes criados ou remixados/mashups do meme Keep Calm...)


no mundo virtual (cf. Figura 24). A tarefa deixa claro para o aluno o que ele está
aprendendo, como e para que fins.

Figura 24: Tarefa de letramento digital


112

Esta foi uma forma encontrada de propiciar a coconstrução da aprendizagem


através da participação em rede utilizando letramentos multissemióticos ou
(multi)letramentos para estimular uma inclusão social que abra alternativas sociais com
base nas e com as vozes que estão à margem na construção de uma sociedade mais
humana em projeto que envolva uma coligação anti-hegemônica

5.9 Atividades de estímulo à autonomia e de auto-avaliação da aprendizagem

Para um maior estímulo à responsabilidade e autonomia individual, ao final da


unidade, há uma seção sobre como aprender (cf. Figura 25), inquirindo sobre o uso da
internet e como ela pode auxiliar na aprendizagem, na prática de leitura na língua, na
aquisição de vocabulário; assim como o uso da simples técnica de inferir significados
pelo contexto.
113

Figura 25: Atividades e tarefas de estímulo à autonomia e auto-avaliação

A última seção da unidade (cf. Figura 26) leva os alunos a refletirem sobre e
expressarem o que sentem estar aprendendo na unidade, qual a prioridade deles no
momento, para que aprender inglês e como eles gostam de aprender. A intenção é deixar
114

claro para o aluno o que ele está aprendendo, como e para quê, assim como desenvolver
responsabilidade, autonomia individual e tomada de decisão.

Figura 26: Atividades de reflexão sobre a aprendizagem

Neste capítulo a reflexão acerca da unidade didática elaborada mostra como o


embasamento teórico sociointeracional e a pedagogia de (multi)letramentos podem ser
utilizados na escolha de textos e criação de tarefas significativas para uma
115

aprendizagem útil que visa a formação de cidadãos reflexivos, críticos, ativos


estimulando a autonomia individual e social. No próximo capítulo veremos como as
perguntas de pesquisa foram respondidas na elaboração e reflexão em torno da produção
desta unidade didática.
116

6. Considerações finais

O presente trabalho investigou formas de fomentar (multi)letramentos, com


destaque para os digitais e críticos, em atividades pedagógicas. Outro foco consistia em
buscar formas de propiciar a coconstrução de aprendizagem através da participação em
rede utilizando (multi)letramentos para abrir alternativas sociais de inclusão com base
nas e com as vozes que estão à margem na construção de uma sociedade mais humana
em projeto que envolvesse uma coligação anti-hegemônica de forma a desafiar o
pensamento único no material didático impresso de ensino de língua inglesa no Brasil.

Na investigação para entender como esse projeto poderia se concretizar foi


elaborada uma unidade didática com base nos fundamentos da teoria sociointeracional
de linguagem, assim como de ensino e aprendizagem aliada principalmente à teoria de
(multi)letramentos, com ênfase nos letramentos digitais e críticos. A unidade didática
desenvolvida deveria servir para compor um livro didático de inglês para o primeiro ano
do Ensino Médio, levando em conta os pesquisas e teorizações sobre ensino e
aprendizagem mencionadas no capítulo 2 e acerca de materiais didáticos mencionadas
no capitulo 3, assim como o PNLD. A produção da unidade e a reflexão a respeito dela
mostram as seguintes formas encontradas de responder as perguntas que pautaram a
pesquisa.

Para responder à primeira pergunta de pesquisa, “como fomentar (multi)letramentos


em atividades pedagógicas no material didático do século XXI?”, as maneiras
encontradas de promover (multi)letramentos se relacionam diretamente à escolhas
temáticas e textuais e à elaboração de tarefas. É preciso abordar valores democráticos
através de temas e textos (escritos, visuais, orais e multissemióticos) autênticos e
inclusivos sobre questões reais e problemas no mundo relevantes para os alunos
explorados numa ótica social fomentando reflexão, negociação de sentidos, e
problematização/análise crítica de seus discursos, assim como colocar o aluno em um
papel ativo e participativo. É crucial também que as atividades promovam
conhecimento prático, relevante e útil para os aprendizes no presente através de
interação e colaboração, além de reflexão crítica e ação (oferecer soluções,
conscientizar, participar). Uma das principais maneiras é propondo tarefas em que os
alunos apliquem a aprendizagem e nisso as ferramentas digitais disponíveis a todos
podem exercer um papel muito importante.
117

Outro desafio proposto pela dúvida de “como promover letramento digital através
de material didático impresso?” foi dirigido através da reprodução, nas páginas do
material impresso, textos multissemióticos com escrita e imagens disponíveis online e
elaborando perguntas que levem à conscientização de como encontrá-los e interagir com
eles. Outra forma encontrada de trazer o digital para o impresso foi usar a tecnologia de
QR codes para abrir links em monitores (de celular, tablet ou computador)
possibilitando a visualização e exploração de textos autênticos multimodais, tais como
vídeos. As tarefas propostas devem chamar atenção para a fonte dos textos na internet e
elementos típicos dos gêneros digitais, como (hash)tags utilizados e as formas como
determinadas ferramentas digitais são utilizadas, além de propor interação real com os
textos ou simulações utilizando algum dispositivo (dentro ou fora da sala de aula) para
se conectar, de forma a estimular os alunos a desenvolver competências necessárias para
agir no mundo usando a língua em (e através da) mídia digital.

Todas as atividades da unidade são relativas a textos, pessoas, fenômenos,


campanhas, decisões políticas, vozes e gêneros encontrados na mídia digital e abordam
como interagir com eles. As tarefas propostas incluem escrever um comentário para um
vídeo disponível online, criar uma campanha com pôsteres usando uma ferramenta da
Web 2.0 e a da culminância da unidade na criação e compartilhamento de um texto
multissemiótico amplamente utilizado nas redes sociais, o meme, como forma de
expressão e participação cultural.

Além da questão de como promover (multi)letramentos, incluindo o digital em uma


unidade didática impressa através da escolha de temas, textos e tarefas apropriados, o
maior desafio pareceu ser a proposta de encontrar modos de abrir alternativas sociais de
inclusão com base nas e com as vozes que estão à margem na construção de uma
sociedade mais humana em projeto que envolvesse uma coligação anti-hegemônica.
Para responder a última pergunta, bastante longa devido a especificidade e foco em
particularidades vistas como primordiais, “como propiciar a coconstrução de
aprendizagem através da participação em rede utilizando letramentos multissemióticos
ou (multi)letramentos para estimular uma inclusão social que abra alternativas sociais
com base nas e com as vozes que estão à margem na construção de uma sociedade mais
humana em projeto que envolva uma coligação anti-hegemônica e que desafie o
pensamento único no material didático de ensino de língua?”, a coconstrução de
aprendizagem pela participação em rede utilizando (multi)letramentos parecia ser
118

relativamente simples pelas possibilidades NTICs da Web 2.0 disponíveis hoje, porém
não contemplaria necessariamente a questão da inclusão social.

No entanto, a escolha do primeiro texto a ser abordado sobre um casal de homens


negros e seus filhos terem sido escolhidos para uma peça publicitária após terem uma
foto de família viralizada pelo Instagram, colaboraram muito para a definição do tema e
a questão de como promover inclusão da forma desejada (em participação em rede) e
com o objetivo almejado (usar as vozes dos que estão à margem para abrir alternativas
sociais na construção de uma sociedade mais humana em projeto que envolvesse uma
coligação anti-hegemônica de forma a desafiar o pensamento único).

Para alcançar este objetivo, a partir de experiência com o gênero em redes sociais e
uma leitura sobre memes de uma perspectiva compatível como as ideias deste estudo a
ideia de abordar e produzir memes com o tema selecionado trouxe ainda mais sentido e
uma forma totalmente significativa, participativa e autêntica para a proposta. Afinal
memes trazem uma congruência de fatores importantes para a aprendizagem da
perspectiva sociointeracional: constituem uma arena de disputa de relações de poder,
possibilidade de visibilidade publica de subversão com relação a discursos
hegemônicos, democratização da esfera pública de debate e rumos da globalização
(SHIFMAN, 2014), problematização de questões socioculturais, material para reflexão
crítica e promoção de (multi)letramentos.

Para desafiar o pensamento único, havia a possibilidade de mostrar pelo menos duas
perspectivas sobre um mesmo tema em textos com ideologias opostas em extremos de
um continuo (como foi possível com a entrevista do Stephen Fry a Bolsonaro), ou
mostrar como a abordagem de apenas um texto exprime uma posição e discutir aquela
posição (como nos outros textos abordados). Mostrando que nenhum texto é neutro,
pois no mínimo exclui alguma voz em detrimento da(s) que expressa, já está sendo
promovida uma forma de letramento crítico. Isto foi realizado na unidade através das
tarefas propostas em torno dos textos, nas quais os alunos devem interagir e co-construir
conhecimento debatendo valores expressos ali.

Quando é definido que certos discursos não serão aceitos nas produções dos alunos
por não se tratar de liberdade de expressão, mas por constituírem um crime de discurso
de ódio contra pessoas que fogem ao padrão heteronormativista, está sendo feito um
trabalho de conscientização para uma educação cidadã, democrática e responsável nessa
coligação anti-hegemônica que se pretende fazer parte por um futuro e um mundo
119

melhor. Um tipo de letramento que se destacou como importante na unidade para a


conscientização sociocultural da linguagem como discurso, a participação social no
debate público sobre questões atualmente relevantes através da língua a respeito da
construção de identidades e caminhos para uma sociedade mais humana foi o midiático.
Os alunos precisam entender como funcionam certos gêneros e suas mídias para
participar dessas práticas culturais sociodiscursivas tanto como leitor, como para a
produção textual dentro daqueles gêneros.

Tarefas autênticas podem ser promovidas ao propor que os alunos reflitam e


participem de debates sobre textos multimodais explorando diferentes semioses e
diferentes modos de significação integrados, e principalmente criando oportunidade
para produção de textos multimodais em gêneros autênticos em circulação em rede
como no caso dos memes a serem produzidos ao fim da unidade. As tarefas da unidade
didática têm como objetivo a produção linguística (oral, escrita e/ou multissemiótica).
Elas promovem interação e colaboração através de perguntas para debate, negociação, e
simulação, assim como conscientização cultural e crítica ao expor vozes e discursos a
respeito de temas atuais e inquirindo sobre o que os fundamenta e o que resulta deles.

As tarefas elaboradas desta forma demonstram como oportunizar transformação da


aprendizagem na recepção e/ou na produção de textos/discursos, estimulando os alunos
a irem além do entendimento da representação textual, posicionando-se ideologicamente
em relação a valores, discursos e visões de mundo. Para desenvolver responsabilidade,
autonomia individual e sociocultural, tomada de decisão (linguística, comunicativa,
política ou ética) as tarefas incluem perguntas além daquelas para as quais só há uma
única resposta correta, assim estimulando contribuições dos alunos na co-construção de
significados em perguntas sinceras abertas a múltiplas respostas possíveis. Para deixar
claro para o aluno o que ele está aprendendo, como e para quais fins ao final da unidade
há uma seção dedicada a pensar formas de aprender, refletir sobre prioridades na
aprendizagem e ações e hábitos fora da sala de aula que auxiliem uma aprendizagem
continua ao longo da vida.

Precisamos de materiais didáticos que promovam a participação do aluno em


práticas sociais na qual ele use a linguagem em colaboração e em tarefas concretas do
cotidiano (ou que as simulem). É igualmente importante que ele reflita sobre o uso da
língua na interação social, assim como sobre sua conduta mediante questões sociais, e
que a reflexão traga entendimentos sobre sua história e de como mudá-la, caso queira. A
120

questão da união civil entre casais LGBTQ, por exemplo, está em pauta no mundo todo.
Enquanto reescrevia este capítulo a Suprema Corte norte-americana legalizou o
casamento gay em todos os estados do país, após duas décadas de discussão sobre o
tema.28 O Facebook lançou então uma através da qual mais de 26 milhões de usuários
utilizaram um filtro com as cores do arco-íris (símbolo do orgulho gay) para manifestar
apoio à comunidade LGBTQ na qual. No Brasil está sendo debatida a “emenda da
opressão”, nome popular da proposta de emenda à Lei Orgânica Municipal 145/15, de
autoria do vereador Campos Filho, que proíbe o debate de gênero e orientação sexual
nos currículos das escolas municipais de Limeiras (SP). Há no momento uma
campanha29contra a emenda nas redes sociais organizadas por grupos como o Coletivo
LGBT Cores30 em que as pessoas estão publicando fotos com cartazes onde escreveram
frases machistas ou homofóbicas que já ouviram junto ao slogan da campanha: “Eu
preciso do debate de gênero nas escolas”.

Esta pesquisa poderia ter contado com o suporte da Teoria da Atividade em vários
momentos, assim como com muitas outras contribuições de Gee (2013) sobre o papel da
interação e colaboração em mídia digital no futuro da humanidade. O autor acredita na
teoria de uma inteligência sincronizada como forma de organizar pessoas e ferramentas
digitais para criar soluções para problemas reais, produzir conhecimento e permitir que
as pessoas comuns possam fazer a diferença e contribuir para mudanças sociais. Ele
acredita que provendo a criatividade humana com sofisticação internacional e
tecnológica poderemos superar limitações de sistemas educacionais problemáticos e
resolver problemas no nosso mundo global em alto risco (GEE, 2013). No entanto, creio
que a fundamentação teórica neste recorte já trazia embasamento suficiente e o tempo
acabou por ser um fator de exclusão na seleção do que incluir e ter que deixar de lado
para talvez embasar uma próxima investigação.

Uma das limitações do material impresso é não poder ser editado e atualizado com a
mesma facilidade e rapidez que o digital, porém toda vez que houvesse mudanças ou
notícias relacionadas ao tema da unidade, elas deveriam seriam trazidas pelo professor e
provavelmente seriam trazidas espontaneamente pelos alunos para dialogar na sala de

28
Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/26/internacional/1435327649_177772.html.
Acesso em :09/08/2015.
29
Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/2015/07/07/debate-genero-
limeira_n_7744212.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004. Acesso em: 09/08/2015.
30
Disponível em: https://www.facebook.com/coletivolgbtcores. Acesso em: 09/08/2015.
121

aula com o material em adaptações de seus debates e tarefas propostos. Entendo que
outra limitação em questão para a circulação de um material com uma unidade como a
produzida para este estudo seria uma possível recusa de editoras por temer a rejeição do
mercado representado pelo consumidor conservador. Uma editora poderia se interessar,
o livro com uma unidade como este protótipo poderia ser aprimorado, aprovado pelo
PNLD, promover (multi)letramentos, porém os temas, textos e abordagem ainda são
considerados tabu e difíceis de lidar em sala de aula, por oposição pública a trazer esse
tipo de assunto para a escola, especialmente quando motivados pela manutenção do
status quo ou por medo do novo, do subversivo, da mudança, da transgressão, ou apenas
da repercussão de um ensino que problematiza questões delicadas na sociedade.

Por fim, o material também não seria aprovado no Programa Nacional do Livro
Didático, pois as tarefas extrapolam o impresso aludindo ao uso de ferramentas digitais
em ambiente virtual. No entanto, a intenção é a de colaborar para uma mudança na
produção de materiais didáticos no sentido de extrapolar as barreiras entre o impresso e
o digital, a sala de aula e o mundo da vida do aluno fora da escola, portanto a intenção é
de disponibilizar este material na internet para apropriação, remixagem e mashups por
parte de professores interessados em transgredir e todo retorno pós-uso em sala de aula
seria extremamente benéfico ao material e às futuras pesquisas da autora.
122

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APÊNDICE – A UNIDADE DIDÁTICA

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