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Judith Butler e a teoria queer – Sarah Salih

Por que Butler?

Professora de retórica e literatura comparada da Universidade da Califórnia, embora ela


não escreva explicitamente nem sobre retórica nem sobre literatura comparada;

Estudou filosofia nos anos 1980 e seu primeiro livro teve como foco o impacto da obra
de Hegel sobre os filósofos franceses do século XX.

Sua obra não se presta à categorização fácil. Em maior ou menor grau, todos os seus
livros levantam questões sobre a formação da identidade e da subjetividade,
descrevendo os processos pelos quais nos tornamos sujeitos ao assumir as identidades
sexuadas/“generificadas”/racializadas que são construídas para nós (e, em certa
medida, por nós) no interior das estruturas de poder existentes.

Está empenhada em questionar continuamente o “sujeito”, indagando através de que


processos os sujeitos vêm a existir, através de que processos os sujeitos vêm a existir,
através de que meios são construídos e como essas construções são bem-sucedidas
(ou não).

O “sujeito” de Butler não é um indivíduo, mas uma estrutura linguística em formação.

A “sujeitidade” (subjecthood) não é um dado, e, uma vez que o sujeito está sempre
envolvido num processo de devir sem fim, é possível reassumir ou repetir a
sujeitidade de diferentes maneiras.

Dialética

A ideia de processo ou de devir é crucial para compreender as teorias de Butler, as quais


têm sua base na noção hegeliana de dialética;

Na dialética, método de investigação filosófica geralmente associado a Hegel (embora ele


não tenha sido o primeiro a formulá-lo), propõe-se uma tese que é depois negada por sua
antítese e resolvida numa síntese. Essa síntese ou resolução não é, entretanto, final, mas
serve de base para a próxima tese, a qual mais uma vez leva à antítese e à síntese até que
todo processo inicie novamente.
No modelo dialético de Butler, o conhecimento avança através da oposição e da
negação, nunca alcançando uma certeza “absoluta” ou final, mas simplesmente
propondo ideias que não podem ser fixadas como “verdades”.

Embora alguns filósofos e pensadores possam alegar que descobriram “a verdade”,


surgem outros filósofos e pensadores que propõem asserções* alternativas de verdade, as
quais, a seguir, são novamente refutadas por outros.

*Asserção: afirmação categórica.

Butler não é uma pensadora que pretende resolver os problemas e as questões que
levanta em suas análises, e, para ela, a dialética é um processo em aberto.

Ela vê a resolução como perigosamente antidemocrática, pois ideias e teorias que se


apresentam como “verdades” autoevidentes são, com frequência, veículos para
pressupostos ideológicos que oprimem certos grupos sociais, particularmente as
minorias ou grupos marginalizados. Ex.: as noções conservadoras que consideram a
homossexualidade como “imprópria”, “contra a natureza”, “anormal” e como algo a ser
proibido e punido.

Tais atitudes podem ter a pretensão de ser verdadeiras ou naturalmente “corretas”


em algum sentido (religioso, moral, ideológico), mas parte do projeto de Butler
consiste em deixar esses termos à mostra, em contextualizar e analisar suas
pretensões à verdade, sujeitando-os, assim, à interpretação e à contestação.

O trabalho de Butler se envolve numa discussão dialética com as categorias pelas quais
o sujeito é descrito e constituído, investigando por que o sujeito é hoje configurado do
modo como é, e sugerindo que é possível fazer com que modos alternativos de
descrição estejam disponíveis dentro das estruturas existentes de poder.

Em acordo com o espírito dialético, Butler se mostra disposta a voltar atrás e revisar suas
posições, admitindo o erro ou a falta de clareza, quando é o caso, e tirando proveito das
lacunas de sua escrita, transformando-as em pontos de partida para futuras orientações
críticas e teóricas.

Influências

As análises teóricas de Butler sobre o sujeito e seus processos de formação se constituem


em intervenções críticas e teóricas muito importantes em mais de um campo
acadêmico, mas isso não é algo que ela tenha realizado sozinha nem Hegel é sua única
influência.
Em seu primeiro livro, Subjects of Desire (1987), Butler analisa a recepção da
Fenomenologia do espírito por duas gerações de filósofos franceses do século XX.
Dois desses filósofos irão se revelar como importantes influências em seu pensamento
futuro: as análises históricas que Michel Foucault fez das cambiantes* construções do
sexo e da sexualidade, consideradas não como entidades fixas, mas construídas,
formulações sobre o sujeito que são complementadas pelas teorias linguísticas de
Jacques Derrida.
*Cambiante: que passa por mudanças/transformações.
Se Butler e Foucault descrevem a formação do sujeito como um processo que, para ser
compreendido, deve ser analisado em contextos históricos e discursivos específicos,
Derrida, por outro lado, descreve o significado como um “evento” que ocorre numa
cadeia citacional sem origem ou fim, uma teoria que, na verdade, priva os falantes
individuais do controle sobre suas enunciações.

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