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ABORDAGENS

METODOLÓGICAS PARA A
EDUCAÇÃO DE SURDOS
ELIZIANE MANOSSO STREIECHEN
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Sumário

APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO I - RESGATE HISTÓRICO DA VIDA E DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

CAPÍTULO II - O CONGRESSO DE MILÃO

CAPÍTULO III - A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL E AS PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES

CAPÍTULO IV - ABORDAGENS METODOLÓGICAS PARA A EDUCAÇÃO DE SURDOS

CAPÍTULO V - PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A ESCOLA INCLUSIVA, ESPECIAL E BILÍNGUE

CAPÍTULO VI - COMO O ALUNO SURDO APRENDE?

PALAVRAS FINAIS

REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
Este material, composto por seis capítulos, tem como objetivo
discutir o processo de ensino e aprendizagem de alunos surdos, de
modo a apresentar propostas didático-pedagógicas apropriadas ao
trabalho, em salas de aula, com esse público. Esse e-book foi elabo-
rado para a disciplina “Didática e Educação de Surdos”, que faz parte
da grade curricular do Curso de Especialização em Língua Brasilei-
ra de Sinais (Libras), na modalidade de Educação a Distância (EaD),
da Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro/Universidade
Aberta do Brasil (UAB).

Para compreender a educação de surdos, que configura a atua-


lidade, há que, primeiramente entender a trajetória histórica que
conduziu aos modelos educacionais em vigência.

Nesse sentido, no capítulo I, traça-se uma linha do tempo da


Idade Antiga à Contemporaneidade, mostrando as diferentes for-
mas das sociedades perceber, tratar e educar as pessoas surdas.

No capítulo II, discorre-se sobre o Congresso de Milão, evento


que causou uma paralisação de mais de um século na educação de
surdos devido à metodologia eleita por alguns profissionais ouvintes.

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No capítulo III, descreve-se o marco inicial da educação de sur-
dos no Brasil, com ênfase nas principais legislações que asseguram
os direitos educacionais deles no espaço escolar.

No capítulo IV, explica-se os pontos e contrapontos das princi-


pais abordagens metodológicas aplicadas na educação de surdos
no decorrer do tempo.

A fim de identificar os principais objetivos que diferenciam a Es-


cola Inclusiva (que compreende a presença de alunos surdos e ou-
vintes na mesma sala de aula) da Escola Especial e da Escola Bilín-
gue, no capítulo V, faz-se uma descrição de cada uma delas.

Com intuito de compreender a interferência da cultura linguís-


tica – que precisa ser considerada pela escola no processo de aqui-
sição da escrita do aluno surdo, no capítulo VI, traça-se um paralelo
entre o modo como o ouvinte e o surdo aprendem. Indica-se algu-
mas estratégias que cabe aos professores e à comunidade escolar
adotar, ao receberem alunos surdos na escola.

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CAPÍTULO I - RESGATE HISTÓRICO DA
VIDA E DA EDUCAÇÃO DE SURDOS
Os relatos históricos sobre os surdos são bastante antigos. A Bí-
blia (2000), por exemplo, traz várias passagens com referências aos
surdos. “Porém o Senhor lhe disse: quem dá a boca ao ser humano?
Quem faz com que ele seja surdo ou mudo? Quem lhe dá a vista
ou faz com que fique cego? Sou eu, Deus, o Senhor.” (Êxodo, 4.11,
p. 42, grifo nosso); “Não amaldiçoe um surdo, nem ponha na frente
de um cego alguma coisa que o faça tropeçar [...]” (Levítico, 19.14, p.
84, grifo nosso); “Então os cegos verão e os surdos ouvirão” (Isaias,
35.5, p. 488, grifo nosso). Essas são apenas algumas passagens que
fazem menção aos surdos, mas há ainda muitas outras, tanto no
Antigo, quanto no Novo Testamento. A partir disso, afirma-se que os
surdos sempre existiram e, assim como eles, a língua de sinais, tam-
bém, embora nem um nem outro tenha recebido a devida conside-
ração e respeito que hoje têm e que a comunidade surda procura,
incansavelmente, ampliar ainda mais.

Ao fazermos um passeio pela história, podemos percebe que na


Antiguidade (até 476 d.C. aproximadamente) não havia nenhum tipo
de preocupação com a vida física, psíquica, moral, social ou educa-
cional dos surdos ou com as pessoas que apresentavam qualquer
tipo de deficiência. A única preocupação era a de exterminar essas
pessoas, uma vez que elas representavam risco de contaminação e
um fardo para a sociedade, com suas anomalias. (STREIECHEN, 2017).

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Em alguns países, como na Grécia, em que se venerava o intelec-
to, a inteligência e em Roma, em que se vislumbrava a beleza física
e a perfeição, as pessoas com deficiências eram vistas como aber-
rações, demonizadas, como uma espécie de maldição divina, que
não poderiam conviver com as pessoas ditas normais, portanto, elas
eram submetidas a castigos físicos, segregação, tortura e à morte.

O extermínio das pessoas com deficiência, aquelas que não


atendiam às características convencionadas pela sociedade, não
representava qualquer tipo de espanto, pois essa conduta era so-
cialmente aceita e ratificada constantemente. Quando não eram
mortas, as pessoas com deficiências eram trancadas em orfanatos,
asilos e manicômios, juntamente com delinquentes, velhos, pobres,
doentes mentais e outros indesejados que comprometiam a ordem
e eram um peso para o Estado (JIMENEZ, 1994). Nessa mesma di-
reção, Sassaki (2006) revela que “[...] algumas culturas simplesmente
eliminavam as pessoas com deficiência, outras adotaram práticas
de interná-las em grandes instituições de caridade, junto com doen-
tes e idosos.” (p. 30).

Aristóteles (355 a.C.) foi um dos principais filósofos que influenciou


a ideia de que o surdo, pelo fato de não falar, também não pensava
e consequentemente não sentia. Ele acreditava que o pensamento
era concebido somente por meio das palavras. Essa ideia perdurou
por mais de um milênio como verdade absoluta, culminando em
discriminação e extinção de milhares de surdos do mundo todo.

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Diferentemente de outros países, no Egito e na Pérsia, os sur-
dos eram venerados e adorados, pois acreditava-se que eram en-
viados dos deuses e levavam as preces a eles, que seriam atendidos
(STREIECHEN, 2017). Contudo, os surdos não podiam usufruir de di-
reitos, tais como a educação e tinham uma vida totalmente inativa.
(GOLDFELD, 1997).

A Idade Moderna é marcada pelas pesquisas científicas que


tinham como principal objetivo compreender a surdez e devolver
a audição aos surdos. Para isso, muitos surdos tiveram a vida sa-
crificada com as descargas elétricas em seus ouvidos, introdução
de sanguessugas que provocavam sangramentos; perfurações da
membrana timpânica, fraturas cranianas e infecções devido às inter-
venções (MOURA, 2000).

Ao final da Idade Média e início da Idade Moderna, começam


a despontar os principais educadores de surdos. Girolamo Cardano,
médico e filósofo, afirmava que “[...] a surdez e mudez não é o im-
pedimento para desenvolver a aprendizagem e o meio melhor dos
surdos de aprender é através da escrita [...] e que era um crime não
instruir um surdo-mudo.” (STROBEL, 2009, s/p). O interesse em edu-
car os surdos, nessa época, estava atrelado à necessidade deles de
receberem heranças. Existia uma legislação que determinava que
os surdos, pelo fato de não saberem ler e escrever, não podiam re-
ceber heranças, casar-se ou exercer outras ações que eram de direi-
to dos demais cidadãos. No entanto, somente os surdos, filhos de

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famílias ricas eram educados. Os demais serviam de mão de obra
escrava ou perambulavam pelas ruas como mendigos, indigentes,
totalmente abandonados.

Entre os principais educadores de surdos, destacam-se: Pedro


Ponce de Leon, Juan Pablo Bonet e Charles Michel de L’Epée. As
metodologias, desses educadores, incluíam, entre outras estraté-
gias, o uso da datilologia (conhecida, atualmente, como o alfabeto
manual), a escrita, o desenvolvimento da fala (leitura labial) etc.

A partir dos ensinamentos desses e de outros educadores, no


século XVIII, a educação de surdos sofre uma verdadeira avalanche,
no sentido positivo da expressão, ao que Sacks (1989) descreve como
o período que possibilita “[...] a saída dos surdos da negligência e
da obscuridade; sua emancipação e cidadania [...]” (p. 37). Na França,
em 1750, Charles Michel de L’Epée fundou o “Instituto Nacional de
Surdos-Mudos” e seus métodos educacionais foram difundidos por
diversos países.

Charles Michel de l’Epée, o pai da educação


pública para surdos

Na Alemanha, em 1755, Samuel Heinick fundou a primeira es-


cola para surdos. lá surgem as primeiras ideias sobre a metodologia
oralista, cujo foco recai na reabilitação clínico-terapêutica que priori-
za o desenvolvimento da fala (via oralidade). Na Inglaterra, em 1760,

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Thomas Praidwood abre a primeira escola para surdos, que ensina-
va aos surdos os significados das palavras e sua pronúncia de forma
a valorizar a leitura orofacial. (GOLDFELD, 1997).

Nesse contexto, as opiniões sobre o método mais eficaz de se


educar os surdos começaram a divergir entre o uso da língua de si-
nais e a oralidade (desenvolvimento da fala). Esse antagonismo de-
sencadeou a necessidade de se discutir para decidir o que, na visão
das pessoas ouvintes, seria o melhor para os sujeitos surdos. Des-
sa forma, os defensores do oralismo, tais como Sammuel Heinicke,
Alexander Melville Bell (pai de Alexander Graham Bell, inventor do
telefone) entre outros, iniciam uma forte campanha em prol do ora-
lismo e contra a língua de sinais. Dessa forma, foram realizados dois
Congressos de Surdos, na França. O primeiro evento ocorreu em Pa-
ris, no ano de 1878, e tinha como principal meta a proposição de
uma metodologia oralista. Entretanto, definiu-se pela utilização de
um sistema combinado: a língua oral, para aqueles que fossem ca-
pazes de desenvolver a oralidade e os sinais, para aqueles que apre-
sentassem mais dificuldades com a comunicação oral. Para Moura
(2000): “[...] aqui se configura mais uma vez que os sinais deveriam
ser deixados para os assim chamados incapazes, como se os sinais
tivessem uma natureza inferior, não destinada àqueles considerados
normais.” (p. 45).

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O segundo evento ocorreu em Lyon, em 1879, que segundo
Moura (2000, p. 45):

Este encontro reafirmou a decisão do congresso anterior,


colocando mais ênfase na importância da Língua de
Sinais, mas indicando o uso de Sinais e fala. A conferência
afirmava que os métodos orais e manuais não se excluíam,
mas se apoiavam e conduziam ao mesmo fim e, ao
mesmo tempo, considerou legítima a prática alemã de
selecionar os surdos admitidos em escolas orais.

Apesar do cenário favorável à implementação do oralismo, Moura


(2000) relata que o método não foi aceito tão facilmente porque não
havia um argumento consistente, científico para, de fato, implemen-
tá-lo. Na Itália também houve diversos debates de profissionais para
que o oralismo fosse validado. Enfim, depois dessa forte campanha
em prol do oralismo, descreve-se o evento que definiu a metodologia
para a educação de surdos, que perdurou por mais de um século.

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CAPÍTULO II - O CONGRESSO DE MILÃO
Insatisfeitos por uma minoria (surdos) utilizar-se de uma língua (de
sinais) em que a maioria (ouvintes) não compreendia, em 1880, cerca
de vinte e sete países se reuniram em Milão, Itália, a fim de decidirem
o rumo da educação de surdos. Assim, no evento intitulado Congresso
Internacional de Educação de Surdos, realizado entre os dias 6 a 11 de
setembro de 1880, discutiram-se as seguintes resoluções:

a) Deve-se preferir o método oral para o ensino e educação dos


surdos;
b) Considerando que o uso da língua gestual em simultâneo com
a língua oral, afeta a fala, a leitura labial e a clareza dos conceitos,
deve-se preferir o método oral puro;
c) Recomenda-se que os governos tomem as medidas necessá-
rias para que todos os surdos recebam educação;
d) O método melhor para os surdos se apropriarem da fala é o
método intuitivo (primeiro a fala, depois a escrita); a gramática
deve ser ensinada por meio de exemplos práticos, com a maior
clareza possível; é necessário que livros, com palavras e formas
de linguagem conhecidas pelo surdo, estejam acessíveis;
e) Recomenda-se que os professores do sistema oral dediquem-se
à elaboração e publicação de obras especiais sobre o assunto;
f) Os surdos, depois de terminado o ensino oralista, não esquecem
o conhecimento adquirido, devendo, por isso, usar a língua oral

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na conversação com pessoas falantes, já que a fala e a leitura
labial se desenvolvem com a prática;
g) Considerando a idade do aluno e a experiência de professores,
declara-se que a idade mais favorável para admitir uma criança
surda na escola é entre os 8-10 anos, sendo que a criança deve
permanecer na escola um mínimo de 7-8 anos; nenhum edu-
cador de surdos deve ter mais de 10 alunos em simultâneo;
h) Com o objetivo de se implementar, com urgência, o método
oralista, há que reunir as crianças surdas recém-admitidas nas
escolas e instrui-las por meio da fala; essas mesmas crianças
deveriam estar separadas das crianças mais avançadas, que já
haviam recebido educação gestual, a fim de que não fossem
prejudicadas em seu aprendizado; os alunos antigos também
deveriam ser ensinados segundo o novo sistema oral.
Foram, portanto, discutidas e votadas oito resoluções, em que a
principal finalidade de todas elas era a de extinguir completamente
a língua de sinais para impor-se a metodologia oralista. Os principais
educadores de surdos, antes desse Congresso, eram surdos. Com a
metodologia oralista, esses professores não correspondiam aos ob-
jetivos, cujo alvo era o desenvolvimento da fala. Dessa forma, esses
profissionais surdos foram afastados de suas funções e substituídos
por professores ouvintes dentro das instituições de ensino (SCHELP,
2008). Assim, começou uma batalha árdua e sofrida do povo surdo
que perdurou por mais de um século (GOLDFELD, 1977; STROBEL,
2009; STREIECHEN, 2017).

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Figura 1- Representação da expulsão dos professores surdos
das instituições

Fonte: Sinalizando a Educação e a Cultura Surda.

Os surdos costumam comparar o sofrimento ocasionado pelas de-


cisões em Milão com a derrubada das torres gêmeas do World Trade
Center (Estados Unidos da América em 2001) que, coincidentemente,
aconteceu em setembro, no mesmo mês em que foi realizado o Con-
gresso de Surdos. Essa comparação se justifica pelo fato de que, por

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muitas gerações, o povo americano se lembrará com muita dor e so-
frimento do atentado terrorista que matou quase três mil pessoas. Da
mesma forma, passarão inúmeras gerações que o povo surdo não se
esquecerá do evento de Milão, visto que as consequências não foram
apenas o fracasso escolar, a evasão e um século sem comunicação
das pessoas surdas submetidas à metodologia oralista, mas principal-
mente o atraso que as decisões do Congresso provocaram na edu-
cação de surdos até os dias atuais. Se não tivesse ocorrido tal evento,
muito provavelmente hoje haveria uma sociedade bilíngue, comuni-
cando-se por meio da língua oral e da língua de sinais – um sonho
que aquece os movimentos da comunidade surda, atualmente.

Há a influência do capitalismo em torno dessas decisões, uma


vez que a época do oralismo foi o apogeu financeiro das indústrias
responsáveis pela criação, manutenção e comercialização de Apare-
lho de Amplificação Sonora Individual (AASI) para surdos. O oralismo
contribuiu também imensamente com a profissão dos fonoaudiólo-
gos, uma vez que as terapias de fala eram praticamente obrigatórias
para o desenvolvimento da oralidade dos surdos. Assim, os consul-
tórios desses profissionais eram superlotados diariamente.

Na sequência, são descritos alguns aspectos da história da edu-


cação de surdos, no Brasil e elencadas as principais legislações que
asseguram os direitos educacionais desses sujeitos no espaço escolar.

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CAPÍTULO III - A EDUCAÇÃO DE SURDOS
NO BRASIL E AS PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES
No Brasil, a educação de surdos começou a ser pensada no ano
de 1855, com a vinda de um professor surdo francês, Hernest Huet,
trazido pelo Imperador D. Pedro II. Em 1857, Huet fundou, no Rio de
Janeiro, o Imperial Instituto de Surdos Mudos, conhecido atualmente
como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), uma das prin-
cipais referências de escolas bilíngues para surdos.

Assista a um breve documentário sobre o INES

Em 1987, foi criada a Federação Nacional de Educação e Integração


de Surdos (Feneis), também, no Rio de Janeiro. A Feneis é um órgão
sem fins lucrativos que atua na defesa dos direitos das pessoas surdas.
Esse órgão foi crescendo e expandindo seu trabalho em todo o territó-
rio nacional, concentrando todos os esforços no resgate da cidadania do
surdo e seu reconhecimento como força produtiva (STREIECHEN, 2017).

No ano de 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi oficia-


lizada por meio da Lei n. 10.436 (BRASIL, 2002) e, em 2005, essa
lei foi regulamentada pelo Decreto Federal n. 5.626 (BRASIL, 2005).
Desde então, uma sequência de conquistas ocorrem na educação
de surdos, como por exemplo: a disciplina de Libras nos cursos de
formação de professores das Instituições de Ensino Superior (IES) –
públicas ou privadas, Magistério e no curso de Fonoaudiologia:

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Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular
obrigatória nos cursos de formação de professores para
o exercício do magistério, em nível médio e superior e
nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino,
públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos
sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. (BRASIL, 2005, p. 1)

Apesar da reduzida carga horária, dispensada à Libras pelas IES,


principalmente nas licenciaturas (STREIECHEN, FONTANA, 2018), essa
disciplina proporciona aos futuros docentes conhecimentos acerca
da cultura linguísticas dos alunos surdos, bem como sua forma pe-
culiar de aprender, conforme aludido pelas autoras:

Não se concebe como possível ensinar a língua de


sinais (LS) sem considerar e expor aos aprendizes a
história vivida pelos surdos, bem como suas lutas,
movimentos e conquistas. E, ao abordar essas temáticas,
inevitavelmente, o professor irá esbarrar em questões,
tais como: metodologias contempladas na educação
de surdos; formação da(s) identidade(s); história; cultura;
estratégias de ensino; avaliação; especificidades da escrita
dos surdos; inclusão; e tantos outros temas importantes e
necessários para que os futuros docentes compreendam
seu papel diante do aluno surdo, em contextos escolares
inclusivos. (STREIECHEN; FONTANA, 2018, p. 2).

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O referido Decreto assegura o direito do aluno surdo ser avaliado
de acordo com a sua língua 1 (L1), e não apenas por meio da Língua
Portuguesa (LP), considerada a língua 2 (L2) dos surdos, conforme
segue:

VI - adotar mecanismos de avaliação coerente com o


aprendizado de segunda língua, na correção das provas
escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo
a singularidade linguística manifestada no aspecto
formal da Língua Portuguesa; VII - desenvolver e adotar
mecanismos alternativos para avaliação de conhecimentos
expressos em Libras, desde que devidamente registrados
em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos.
(BRASIL, 2005, p. 5).

No Art. 22, esse Decreto garante ao surdo a presença do intérpre-


te de Libras no processo de escolarização, desde a educação básica:

II – escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular


de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os
anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou
educação profissional, com docentes das diferentes áreas
do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos
alunos surdos, bem como com a presença de tradutores
e intérpretes de Libras – Língua Portuguesa (BRASIL,
2005, p. 8, grifo nosso).

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Decreto n. 5.626/2005

No ano de 2010, a profissão do Tradutor e Intérprete de Língua


de Sinais (TILS) foi regulamentada por meio da Lei n. 12.319, que,
no art. 2º estabelece que “O tradutor e intérprete terá competência
para realizar interpretação das duas línguas de maneira simultânea
ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras
e da Língua Portuguesa.” (BRASIL, 2010, p. 1).

Lei n. 12.319

Em 2014, um grupo de pesquisadores elaborou um relatório


contendo subsídios para a política linguística de educação bilíngue,
publicado pelo Ministério da Educação (MEC), em que o principal
objetivo é propagar e assegurar que a escolarização de surdos seja
realizada em escolas bilíngues. A partir disso, há um esforço gigan-
tesco da comunidade surda em prol de uma educação bilíngue para
surdos. Mas, antes de abordar essa questão, é preciso compreender
do que realmente trata essa educação bilíngue, em que contextos
ela de fato efetiva-se e os caminhos foram trilhados para chegar ao
consenso de que o bilinguismo é a melhor forma de oferecer uma
educação efetivamente escolarizada aos surdos.

No próximo capítulo, apresenta-se as características que defi-


nem e diferenciam as abordagens metodológicas utilizadas na edu-
cação de surdos no decorrer do tempo.

20
CAPÍTULO IV - ABORDAGENS
METODOLÓGICAS PARA A EDUCAÇÃO DE
SURDOS
Ao final da Idade Média e início da Idade Moderna, mais es-
pecificamente na Europa, a educação de surdos era uma função
atribuída aos próprios surdos, que se tornavam professores e cria-
vam diferentes técnicas de ensino para os surdos das famílias ricas.
Laurent Clerc, Hernest Huet são alguns exemplos de educadores de
surdos da França, mas existiram muitos outros.

Se a língua de sinais é a língua natural das pessoas surdas, pres-


supõe-se que a principal língua na alfabetização dos surdos, naquela
época, era por meio dessa língua. Pressupõe-se, também, que a es-
colaridade dos surdos estava progredindo, uma vez que várias insti-
tuições de ensino foram criadas em toda a Europa, como o Instituto
Nacional de Surdos-Mudos, em Paris; a Escola para Surdos, na ci-
dade de Leipizig/Alemanha, entre muitos outros institutos e escolas
para alunos surdos, fundadas entre os séculos XVII e XVIII.

No entanto, com o advento da metodologia oralista, votada no


Congresso Internacional de Surdos, em Milão, Itália, em 1880, a edu-
cação de surdos sofreu um brusco declínio, uma vez que esse mé-
todo tinha como principal objetivo o desenvolvimento da fala, da
oralidade. Na sequência, expõe-se características da metodologia
oralista e outros modelos educacionais utilizados com alunos surdos
no decorrer do tempo até hoje.

21
4.1 Metodologia oralista
O principal objetivo da metodologia oralista vincula-se à rea-
bilitação da fala. Essa concepção enquadra-se no modelo clínico
terapêutico (GOLDFELD, 2002) que vê o surdo apenas como uma
orelha que não funciona, conforme descrito pela autora:

O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que


deve ser minimizada pela estimulação auditiva. Essa
estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua
portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na
comunidade ouvinte e desenvolver uma personalidade
como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo
é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à
normalidade. (GOLDFELD, 2002, p. 34).

Nessa mesma linha, Capovilla (2000, p. 102) explica que:

O método oralista objetivava levar o surdo a falar


e a desenvolver a competência linguística oral, o
que lhe permitiria desenvolver-se emocional, social
e cognitivamente do modo mais normal possível,
integrando-se como um membro produtivo do mundo
dos ouvintes.

22
A partir da concepção clínica da surdez, as escolas transforma-
ram-se em salas de tratamento, que exigiam estratégias pedagógi-
cas terapêuticas (KALATAI, STREIECHEN, 2012), com a finalidade de
tornar o surdo um sujeito normal para ser integrado na comunidade
ouvinte. Segundo Moura (2000, p. 55), na metodologia oralista, “[...] o
surdo não é visto dentro das suas possibilidades e da diferença, mas
no que lhe falta e que deve ser corrigido de qualquer forma para
que ele possa se integrar e ser ‘normal’”.

Para os estudiosos da época, não havia nenhum impedimento


para que o surdo desenvolvesse a fala, visto que o aparelho fonador,
as cordas vocais e outros órgãos utilizados para a oralidade estavam
intactos, não apresentavam nenhum problema. Portanto, acredita-
va-se que a fala era possível.

Segundo Dorziat (1999) as técnicas mais utilizadas no método


oralista são: o treinamento auditivo, o desenvolvimento da fala e a
leitura labial. Treinar a audição por meio do desenvolvimento do re-
síduo auditivo para que o surdo aprendesse a discriminar os sons e,
consequentemente, desenvolvesse a fala, era a filosofia dos defen-
sores do oralismo. Eles também enfatizavam a importância da leitu-
ra labial como via de comunicação.

Observe, nessas fotos, o uso de aparelhos que serviam para


amplificar os sons e, estimular o resíduo auditivo do surdo.

23
Figura 2 – Técnicas oralistas Figura 3 – Exercício orafacial

Fonte: EMEBB Neusa Bassetto.

Fonte: Timetoast.

Figura 4 – Desenvolvimento da Figura 5 – Técnicas de


oralidade desenvolvimento da fala

Fonte: City of Boston Archives. Fonte: City of Boston Archives.

24
Ao empregar a metodologia oralista nas escolas, os professo-
res obedeciam a um importante requisito: proibir o uso da língua
de sinais. Como a comunicação por meio da língua de sinais é algo
natural e espontâneo, os surdos não conseguiam deixar de levantar
as mãos cada vez que precisavam se comunicar. Dessa forma, algu-
mas medidas foram tomadas, tais como: amarrar as mãos dos sur-
dos para trás; sentar-se em cima das mãos; enfiar as mãos nos cír-
culos de uma caixinha de madeira e colocar argolas nas mãos para
que os surdos não conseguissem remover as mãos para sinalizar. Na
escola, caso o surdo sentisse sede, enquanto ele não pronunciasse a
palavra água, ele não tomava água. Se ele quisesse um brinquedo,
primeiro tinha que falar o nome do brinquedo, o que, normalmente,
não ocorria. Portanto ele não ganhava o brinquedo. As palmatórias
eram constates, pois havia uma crença, por parte dos educadores,
de que os surdos não falavam porque eram preguiçosos.

De acordo com Skliar (1998, p. 1):

Foram mais de cem anos de práticas enceguecidas


pela tentativa de correção, normalização e pela violência
institucional; instituições especiais que foram reguladas
tanto pela caridade e pela beneficência, quanto pela
cultura social vigente que requeria uma capacidade para
controlar, separar e negar a existência da comunidade
surda, da língua de sinais, das identidades surdas e das
experiências visuais, que determinam o conjunto de
diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo
de sujeitos.

25
Como consequência das práticas oralistas, os surdos não apren-
deram a falar e, consequentemente, nem a ler e escrever. O máximo
que eles conseguiam era pronunciar palavras aleatórias, de forma
mecânica, sem saber o que elas realmente significavam. O oralismo
culminou em milhões de surdos analfabetos, com profundos trau-
mas e danos irreparáveis na vida. (STREIECHEN, 2017).

Assista a dois trechos extraídos do documentário País dos Surdos.


Observe a insistência dos profissionais em fazer com que os surdos
emitissem fonemas, bem como a dificuldade e sofrimento que esses
apresentavam nas tentativas.

O Pais dos Surdos

Oralismo

Ao ouvirem as histórias dramáticas e cruéis pelas quais os surdos


passaram no decorrer do oralismo, as pessoas questionam: por que
os surdos aceitaram tal submissão de forma tão pacífica e não se re-
belaram contra o método e seus empregadores? Primeiramente, os
surdos eram dominados, tanto pelos educadores que, por meio de
uma lavagem cerebral, convenciam também os pais de que o de-
senvolvimento da fala, por meio da linguagem oral, era o caminho

26
promissor para que o filho surdo chegasse o mais próximo da nor-
malidade e se, integrasse na sociedade. Nos séculos passados, aqui-
lo que era pregado nas escolas, normalmente, tornava-se lei dentro
das famílias. Assim, família e escola eram muito bem articuladas e,
com as parcerias, lutavam de todas as formas para que os surdos
tivessem sucesso no desenvolvimento da oralidade.

O segundo motivo pelo qual os surdos não reivindicaram os di-


reitos de se comunicarem por meio da língua de sinais e não pela
oralidade é simplesmente porque eles não tinham uma língua efe-
tivamente. Assim, não é possível lutar, argumentar sobre qualquer
coisa que seja, sem uma língua, seja oral ou sinalizada. E a primeira
os surdos não conseguiam adquirir e a segunda, lhes era proibida.

Mais adiante, mostra-se os motivos pelos quais os surdos en-


contram tantos desafios para aprender a falar, via oralidade e, con-
sequentemente, adquirir a linguagem escrita. Em seguida, a saída
dos educadores ao constatarem o fracasso do método oralista.

4.2 Comunicação total


Dois importantes fatores contribuíram para que os defensores do
oralismo recuassem e repensassem a educação de surdos: a primei-
ra relaciona-se à evasão escolar, pois, cansados de tanto repetirem
a mesma série, sem obterem sucesso na aprendizagem, os surdos
abandonavam a escola. O segundo motivo é que, mesmo aqueles
surdos que conseguiam concluir a ensino fundamental, continuavam

27
analfabetos. Nesse contexto, os educadores pesquisam outras formas
de adaptar o método oralista por meio de uma justaposição com ou-
tras técnicas, tais como o uso de mímicas, gestos e a própria língua
de sinais ou quaisquer recursos que contribuíssem para a comunica-
ção dos surdos. Esse modelo é conhecido como comunicação total.
Entretanto, o objetivo da comunicação total não era o de substituir o
método oralista, muito pelo contrário, ela surge com a finalidade de
complementar as estratégias oralistas em prol do desenvolvimento
da fala. “[...] essa filosofia também se preocupa com a aprendizagem
da língua oral pela criança surda.” (GOLDFELD, 1997, p. 35).

Por longos anos, usando um batom vermelho nos lábios, os


professores solicitavam, o tempo todo, para que os alunos surdos
observassem sua boca ao emitir fonemas e palavras, na tentativa
de ensiná-los a ler os lábios. Assim, acostumados a focar sempre
na boca do professor, agora, com a comunicação total, esses alunos
precisavam observar também as mãos sinalizadoras do instrutor, o
que lhes causava certa confusão.

Além disso, há diversos estudos (FELIPE, 1989; BRITO, 1995; QUA-


DROS, 1999, entre outros) que apontam que, ao utilizar-se o bimo-
dalismo (uso de duas línguas simultaneamente), língua oral e de si-
nais, corre-se o risco de resultar em um português sinalizado e não
propriamente em língua de sinais. Esses estudos indicam também
que uma pessoa não consegue pensar em duas línguas, ao mesmo
tempo, principalmente quando as estruturas sintáticas são diferen-
tes, como é o caso da LP e da LS.

28
De acordo com Cotovicz; Streiechen; Antoszcyszen:

A variação nas formas de organizar os componentes


dentro de uma sentença são características observadas,
de forma geral, nas línguas naturais. Cada língua escolhe
uma ordem dominante de organização das sentenças, o
que pode ser observado também na Libras. (2018, p. 26).

A ordem básica da sentença em Libras é sujeito-verbo-objeto


(SVO), mas com possibilidades de diferentes construções, como OSV
e SOV (FELIPE, 1989; BRITO, 1995; QUADROS, 1999).

Para explicar a diferença estrutural da LP e da LS, Streiechen


(2017) cita o seguinte exemplo: “Eu gosto de sol” (LP). Em Libras, essa
sentença é sinalizada da seguinte forma: “SOL GOSTAR”. A ordem
do sujeito, do verbo e do objeto não é sinalizada, em LS, na mesma
ordem em que é falade em LP. Os conectivos (conjunções, preposi-
ções, artigos e alguns tipos de verbos) não são sinalizados. A conju-
gação do verbo GOSTAR mantém-se no infinitivo, ou seja, não sofre
flexão mesmo na 1ª pessoa do singular. Embora o sujeito “Eu” não
seja sinalizado, ele está incorporado no verbo “gostar”, assim, a si-
nalização do sujeito é facultativa. Por isso, é bastante difícil falar e
sinalizar ao mesmo tempo, pois querendo ou não, uma estrutura lin-
guística contrapõe à outra. Diante disso, a filosofia da comunicação
total não perdurou por muito tempo e os educadores, logo, precisa-
ram encontrar outro método para ensinar os surdos na escola. As-
sim, surge o bilinguismo ou a metodologia bilíngue, descrita adiante.

29
4.3 Metodologia Bilíngue
Para ser considerada como bilíngue, a pessoa precisa saber co-
municar-se por meio de dois códigos linguísticos. Assim, surge a se-
guinte questão: como é afirmar que os surdos são sujeitos bilíngues
quando a maioria deles não domina a linguagem oral, mas apenas a
língua de sinais? Para entender o conceito de bilinguismo que confi-
gura as pessoas surdas, mesmo que elas não dominem a da língua
oral, há que compreender o que significa ser bilíngue na visão dos
principais autores que estudam a questão. Para tanto, com respaldo
nos estudos efetuados por Streiechen (2014), traz-se o conceito de
bilíngue ou de bilinguismo, na perspectiva de alguns autores.

Bullio (2012) entende o bilinguismo como “[...] um processo aná-


logo ao de aquisição da língua materna, em que o indivíduo ad-
quire as duas línguas simultaneamente, independentemente de seu
nível de competência.” (apud STREIECHEN, p. 50). Edwards (2006)
considera que todo mundo é bilíngue, não há ninguém no mundo
que não saiba pelo menos algumas palavras em línguas que não a
materna. Vaid (2002) define bilíngue aqueles “[...] indivíduos que co-
nhecem e usam duas línguas, as quais não seriam necessariamente
utilizadas no mesmo contexto, nem dominadas com os mesmos
níveis de proficiência” (apud STREIECHEN, 2014, p. 50, grifo nosso).

McCleary (2009) acredita que qualquer pessoa que use mais de


uma língua para se comunicar, mesmo minimamente, é bilíngue.

30
Para esse autor, existem graus de bilinguismo individual: em um ex-
tremo, estão os bilíngues equilibrados, fluentes nas duas línguas; no
outro extremo, os bilíngues precários, que sabem falar algumas pa-
lavras e expressões suficientes para se fazer entender; os semibilín-
gues que compreendem (ou que leem) uma segunda língua, mas
que não conseguem falá-la e existem muitos outros tipos entre os
extremos (MCCLEARY, 2009 apud STREIECHEN, 2014, p. 49).

Ainda, segundo McCleary (2009, p. 28), há pessoas que conhe-


cem em graus diferentes, mais de duas línguas. Em uma das lín-
guas elas são fluentes e letradas, enquanto em outra elas apenas
desenvolvem uma comunicação básica. O conceito de bilíngue in-
clui todos esses casos. Só porque uma pessoa não é perfeitamente
fluente em sua L2 não significa que ela não é considerada bilíngue,
ressalta o autor (apud STREIECHEN, 2014, p. 49-50).

De acordo com Streiechen (2014, p. 50),

Por mais que o indivíduo fale duas ou mais línguas,


alguns autores afirmam que é praticamente impossível
o completo domínio de todas elas. Falar, escrever, ler
e ouvir com perfeição são habilidades que precisam
continuamente ser aprimoradas e somente o convívio
com outras pessoas e comunidades permite tal
desenvolvimento.

Portanto, considera-se que o fato de os surdos se comunicarem


por meio da língua de sinais e se utilizarem da LP, mesmo que na
modalidade escrita, eles são sujeitos bilíngues, pois:

31
[...] um surdo que escreve em português dá prova de
seu bilinguismo, que se manifesta de diferentes modos:
- pode apresentar-se como transcrição de uma frase
do português em sinais, de acordo com a sintaxe do
português; - pode apresentar-se como uma transliteração
(datilologia) representada pelas mãos e, nesse caso, o
nível fonético/fonológico da Libras se torna inútil. (BRASIL,
2014, p. 12).

Existem surdos que se comunicam perfeitamente, tanto por


meio da língua de sinais como da língua oral, mas não são parâme-
tro para conceituar a população surda bilíngue uma vez que se corre
o risco de excluir todo o restante que não têm a mesma facilidade
de aquisição da oralidade.

Após essa descrição sobre quem é bilíngue, descreve-se a me-


todologia bilíngue, sob a perspectiva de alguns pesquisadores.

Lacerda (1998, p. 10) esclarece que a metodologia bilíngue

[...] contrapõe-se ao modelo oralista porque considera o


canal viso gestual de fundamental importância para a
aquisição de linguagem da pessoa surda. E contrapõe-se
à comunicação total porque defende um espaço efetivo
para a língua de sinais no trabalho educacional; por isso
advoga que cada uma das línguas apresentadas ao surdo
mantenha suas características próprias e que não se
‘misture’ uma com a outra. (LACERDA, 1998, p. 10).

32
A mesma autora, ao defender a metodologia bilíngue, destaca
que os surdos adquirem conhecimentos por meio do canal visual e
a mistura entre línguas, utilizadas na comunicação total, dificultava
a aquisição de conhecimentos pelos surdos, pois cada língua tem
características próprias e independentes, tornando-se assim impos-
sível falar ambas as línguas (sinalizada e oral), ao mesmo tempo, no
âmbito escolar. (LACERDA, 1998).

Na concepção de Guarinello (2007, p. 45-46):

A proposta bilíngue surgiu baseada nas reivindicações


dos próprios surdos pelo direito à sua língua e pelas
pesquisas linguísticas sobre a língua de sinais. Ela é
considerada uma abordagem educacional que se propõe
a tornar acessível à criança surda duas línguas no contexto
escolar. De fato, estudos têm apontado que essa proposta
é a mais adequada para o ensino de crianças surdas,
tendo em vista que considera a língua de sinais como
natural e se baseia no conhecimento dela para o ensino
da língua majoritária, preferencialmente na modalidade
escrita. [...] Na adoção do bilinguismo deve-se optar pela
apresentação simultaneamente das duas línguas (língua
de sinais e língua da comunidade majoritária).

O Bilinguismo é uma metodologia adotada a partir das reivindi-


cações dos próprios surdos, pois possibilita ao surdo o acesso a duas
línguas, dentro de um contexto: a Libras e a Língua Portuguesa, na

33
modalidade escrita. Se acaso fosse cobro que a segunda língua é a
Língua Portuguesa oral, retrocede-se e se cai nas armadilhas do ora-
lismo novamente.

Santana (2007, p. 166) destaca que:

O bilinguismo inaugura um novo debate na área da


surdez, ele defende a primazia da língua de sinais sobre
a língua portuguesa, antes aprendidas simultaneamente
na comunicação total, ou isoladamente no oralismo. Essa
primazia, defendida por muitos autores tem por base dois
argumentos. Primeiro, a presença de um período crucial
para a aquisição da linguagem. Segundo, a existência
de uma competência inata, na qual para aprender uma
língua, bastaria estar imerso em comunidade linguística
e receber dela inputs linguísticos cruciais.

De acordo com Bernardino (2000, p. 29):

[...] a língua é considerada importante via de acesso para


o desenvolvimento do surdo em todas as esferas do
conhecimento, propiciando não apenas a comunicação
do surdo com o ouvinte, mas também com o surdo,
desempenhando também a função de suporte do
pensamento e de estimulador do desenvolvimento
cognitivo e social. O Bilinguismo considera que a língua oral
não preenche todas essas funções, sendo imprescindível

34
o aprendizado de uma língua visual-sinalizada desde
tenra idade, possibilitando ao surdo o preenchimento
das funções linguísticas que a língua oral não preenche.
Assim, as línguas de sinais são tanto o objetivo quanto
o facilitador do aprendizado em geral, assim como do
aprendizado da língua oral.

Entretanto, para tornar-se bilíngue, a criança surda precisa ter


acesso à língua de sinais assim que a surdez é diagnosticada, pre-
ferencialmente com pessoas surdas para facilitar a constituição de
sua identidade como pessoa surda. Assim, ao chegar à idade esco-
lar, essa criança será escolarizada por meio dessa língua – sua L1 – e
com base na L1, terá acesso à LP – sua L2 - o que lhe dará a oportu-
nidade de desenvolver-se no do bilinguismo. Mais adiante, ao des-
crevermos a escola bilíngue, discute-se um pouco mais sobre essa
questão, visto que esse tipo de escola é parte das reivindicações da
comunidade surda.

4.4 Pedagogia Surda


A metodologia denominada Pedagogia Surda diz respeito ao
ensino e aprendizagem em que tanto quem ensina quanto quem
aprende é surdo. A defesa desse método vai em direção que ao en-
sinar, o professor surdo, que vive a mesma cultura do aluno, cria a
possibilidade de tornar-se um modelo a ser seguido pelo aluno. “[...]
o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, po-
dendo assumir a sua surdez.” (GOLDFELD, 1997, p. 138).

35
É no encontro entre os pares surdos que a cultura se ramifi-
ca, a identidade se constrói e se fortalece. De acordo com Kalatai e
Streiechen (2012, p. 11)

A Pedagogia Surda essa é a metodologia defendida e


desejada pelo povo surdo, visto que as lutas destas pessoas
giram em torno da constituição da subjetividade do jeito
surdo de ser, ou seja, da construção de sua verdadeira
identidade e consagração de sua cultura, e que só poderá
ocorrer no encontro com seus pares. A Pedagogia Surda
surge com a finalidade de mostrar um novo caminho para
a educação do surdo, pois ela é uma metodologia que
atende de uma forma satisfatória as especificidades do
surdo, de forma a considerar todos os aspectos culturais
deste sujeito.

Para Machado (2008, p. 78):

Visualizar uma escola plural, em que todos que a integram


tenham a ‘possibilidade de libertação’, é pensar uma
nova estrutura. Para tanto, é necessário um currículo que
rompa com as barreiras sociais, políticas e econômicas
e passe a tratar os sujeitos como cidadãos produtores e
produtos de uma cultura [...] Pouco adianta a presença de
surdos se a escola ignora sua condição histórica, cultural
e social.

36
A Pedagogia Surda requer, portanto, a presença dos professores
surdos nas escolas, sejam elas regulares ou bilíngues. Entretanto, na
visão de Kalatai e Streiechen (2012, p. 12):

Há um longo caminho a ser percorrido para que de


fato esta realidade se torne possível de ser vivida pelas
crianças surdas brasileiras, uma vez que há poucos
professores surdos em número suficiente e preparados
para assumirem tais funções, assim como não há
professores ouvintes fluentes em Libras para atuarem
como tradutores/intérpretes nas instituições.

Atualmente, com os cursos de Letras Libras ofertados cada vez


mais nas IES brasileiras, essa possiblidade está mais próxima da me-
todologia consolidar-se, principalmente, nas escolas bilíngues.

37
CAPÍTULO V - PRINCIPAIS DIFERENÇAS
ENTRE A ESCOLA INCLUSIVA, ESPECIAL E
BILÍNGUE
No decorrer do tempo, a educação de surdos ocorreu em di-
ferentes espaços e, alguns deles, nem sempre levava em conta a
cultura linguística, o modo peculiar de adquirir os conhecimentos e,
principalmente, de escrever, do aluno. Nesse panorama, aponta-se
as três principais escolas, frequentadas pelos surdos.

5.1 Escola inclusiva


Na tese de doutorado, Streiechen (2018) descreve três diferentes
perspectivas relacionadas ao processo de inclusão escolar: a perspec-
tiva do MEC, dos professores e do aluno com necessidades especiais.

Em relação à perspectiva do MEC, a autora ressalta que, “[...] por


meio de suas políticas, o MEC vem empreendendo esforços no sen-
tido de aprovar leis, decretos e comandos para incumbir os profis-
sionais a fazerem a inclusão acontecer de forma com que todos te-
nham acesso à escola.” (STREIECHEN, 2018, p 28-29). De acordo com
Martins e Alencar (2011), “[...] a escola tem enfrentado dificuldades
para se adaptar à proposta de inclusão, pois o que se percebe é
que as instituições de ensino não têm conseguido se preparar no
mesmo compasso em que as novas legislações brasileiras passam
a vigorar.” (p. 32).

38
No que diz respeito à perspectiva dos professores, a pesquisa-
dora faz uma denúncia ao afirmar que, com o advento da inclusão
(UNESCO, 1994) surgiu um refrão permanente que circula nos espa-
ços escolares: “[...] não fui preparado(a) para trabalhar com esse tipo
de aluno.” (STREIECHEN, 2018, p. 28). Com esse discurso, os profissio-
nais, por um lado, denunciam a falta de instrumentalização duran-
te a formação universitária e, por outro, é a principal estratégia de
alguns professores para se isentarem do compromisso de educar a
todos (STREIECHEN, 2018). A autora sublinha também que:

Nesse contexto, em que o docente fica esperando ser


preparado e o sistema manipula dados estatísticos para
fazer de conta que na educação tudo vai bem, como ficam
os alunos com deficiência diante dessa incongruência entre
as políticas e a insatisfação dos professores que, de certa
forma, sentem-se obrigados e pressionados a recebê-los
em suas salas de aula? (STREIECHEN, 2018, p. 31).

É nesse panorama que surge a perspectiva do aluno, pois, sen-


tados nos bancos escolares, há milhares de indivíduos surdos, de-
ficientes intelectuais, cegos e com outras necessidades especiais
aguardando, com certa urgência, que alguém encontre um meio
de tornar tudo aquilo que se diz e que se faz nas salas de aula, signi-
ficativo para eles, assim como eles julgam ser para o colega sentado
ao seu lado. (STREIECHEN, 2018, p. 31).

39
Percebe-se, assim, que a inclusão escolar é pensada de for-
ma equivocada e as ações inclusivas desfaz-se nos discursos que
querem justificar a falta de empatia nesse processo que pode du-
rar muito tempo, enquanto da escola o aluno participar. A autora
enfatiza ainda que:

Convivemos com escolas que apresentam uma perspectiva


de hegemonia cultural dos educandos a repetir práticas
pedagógicas, nas quais as diferenças que compõem os
ambientes escolares são ignoradas, ocultadas, esquecidas
ou até mesmo desprezadas. Muito pouco ou nada
adianta a presença desses estudantes nas escolas se
não se leva em consideração as condições em que eles
vêm existindo, se não se reconhece a importância dos
‘conhecimentos de experiência feitos’ com que chegam
à escola. (STREIECHEN, 2018, p. 32).

Para Sousa Santos (2003) “[...] inclusão refere-se a todos os esfor-


ços no sentido da garantia da participação máxima de qualquer ci-
dadão em qualquer arena da sociedade em que viva, à qual ele tem
direito, e sobre a qual ele tem deveres.” (p. 81).

Neste contexto, ao aluno surdo dá-se o direito do acesso nas


salas de aula comuns, mas sem a garantia da acessibilidade. Esses
dois termos têm significados diferentes. Acesso significa entrar em
uma sala de aula, sentar-se na carteira e copiar, sem saber o que co-
pia, sem entender o significado das palavras escritas ou ditas, con-
forme explanado por Streiechen (2018, p. 29):

40
Para se efetivar a inclusão escolar, acreditou-se, então,
que bastava permitir que todos tivessem acesso à sala
de aula. Entretanto, entrar no ambiente escolar, sentar-se
numa carteira, copiar do quadro ou do colega ao lado,
participar do lanche servido no recreio, nada tem a ver
com inclusão. Essas ações nunca foram, não são e não
devem jamais se tornar objetivo maior da educação.

Fundamentada em Rodrigues et al. (2005), a autora salienta que


“[...] estar incluído é mais que uma presença física: é um sentimento
e uma prática mútua de pertença entre a escola e o aluno, isto é, a
criança precisa sentir que pertence à escola e a escola sentir que é
responsável por ela.” (apud STREIECHEN, 2018, p. 29). Acessibilidade
é que tem a ver com inclusão, efetivamente, pois quem tem aces-
sibilidade não se depara com limitações. Mas essa realidade, dentro
das escolas comuns de ensino, é uma utopia.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Edu-


cação Inclusiva (2008) defende que o aluno surdo seja inserido nas
salas comuns de ensino e os conteúdos sejam ministrados em Lín-
gua Portuguesa e em Libras com a mediação do tradutor/intérprete
de Libras. E que, no contraturno, o aluno surdo receba atendimento
educacional especializado (AEE). O documento menciona:

41
Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns, a
educação bilíngue – Língua Portuguesa/Libras desenvolve
o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais,
o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua
na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços
de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e
o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O
atendimento educacional especializado para esses alunos
é ofertado tanto na modalidade oral e escrita quanto na
língua de sinais. Devido à diferença linguística, orienta-se
que o aluno surdo esteja com outros surdos em turmas
comuns na escola regular (BRASIL, 2008, p. 17).

Ao refletir sobre os objetivos dessa política, entende-se que a


educação de surdos não é pensada em todos os sentidos que en-
volvem as singularidades com que os surdos ingressam à escola. É
comum ouvir relatos de professores que só percebem a presença
do aluno surdo, em sua sala de aula, muito tempo depois das aulas
terem iniciado. Esse professor, preocupado com a comunicação e
com os conteúdos, leva a queixa à equipe pedagógica, que, mui-
tas vezes, também não sabe como proceder e tenta soluções com
as secretarias ou com o núcleo regional de educação. A saída e as
orientações, normalmente, são as de que é necessário colocar um
profissional tradutor e intérprete de Libras para esse aluno. Entre-
tanto, a escola esquece-se de que, primeiramente, é preciso testar o
nível linguístico desse surdo para ver se ele conhece a LS e o TILS, o
que, de fato, fará a diferença na sala de aula comum para esse alu-

42
no. Muitos surdos, principalmente aqueles que residem nas zonas
rurais ou no interior dos municípios, ingressam na escola sem saber
a LS. Assim, de nada adiantará a presença do profissional tradutor e
intérprete de Libras para esse aluno. (STREIECHEN, 2017).

As soluções tomadas pelas escolas, orientadas pelo sistema


educacional, é deixar esse aluno na sala de aula, juntamente com
os ouvintes, para que ele se integre socialmente. Embora a socializa-
ção seja uma das responsabilidades da escola, esse não é o objetivo
principal. A escola foi feita para o aluno aprender.

Essa figura representa uma sala de aula comum de inclusão,


em que há vários alunos ouvintes (que compreendem a mensagem
do professor) e um aluno surdo (alheio ao que se fala, na aula).
Figura 7 - Sala de aula comum

Ilustração: Sérgio Streiechen.

43
Nessa sala de aula - representada na figura 7 - que se diz inclusi-
va, há uma professora explicando o conteúdo via oralidade. Há, entre
ela e os alunos ouvintes, sentados mais próximos da docente, uma
conexão entre as ideias pois os ouvintes entendem e demonstram
a mesma admiração da professora. Isso está representado por meio
dos pontos de exclamação nos balões. Diferentemente dos alunos
ouvintes, na mente do surdo, há vários pontos de interrogação, o que
subentende que ele não entende nada do que está sendo explica-
do ali. Apesar disso, esse aluno deve permanecer nessa sala de aula
durante quatro horas diárias, vinte horas semanais, duzentos dias do
ano, em que há um professor que não “[...] se sente preparado para
lidar com ele.” (STREIECHEN, 2018, p. 28), para que sua presença seja
registrada no livro de chamada e não haja a reprovação por faltas.

Em turno contrário, esse educando surdo é encaminhado à Sala


de Recursos Multifuncionais (SRM), cerca de duas vezes na semana,
por duas horas diárias, a depender de um cronograma de atendi-
mento do professor especialista.

Essa figura representa a sala de recursos multifuncionais, em


que todos os alunos são surdos e a aula é ministrada em Libra:

44
Figura 8 - Sala de Recursos Multifuncionais - Surdez

Ilustração: Sérgio Streiechen.

Na figura 8, o mesmo aluno surdo, que frequenta a sala de aula


comum, em turno contrário, segue para o atendimento educacional
especializado (AEE), que atualmente recebe a denominação de Sala
de Recursos Multifuncionais (SRM) – Surdez (PARANÁ, 2016). Nesse
contexto, o aluno fica extasiado, maravilhado – representado pelos
três pontos de exclamação – pois, ele consegue compreender as ex-
plicações do professor, que ocorre por meio da LS.

Entretanto, na SRM, o aluno tem que, além de aprender a se co-


municar por meio da LS, aprender todos os conteúdos ministrados
na sala comum que ele frequenta diariamente. A questão é: onde

45
realmente esse aluno consegue desenvolver-se linguística e cogniti-
vamente? Na sala em que ele apenas copia ou na SRM? E em qual
das salas ele passa a maior parte do tempo? Há um grande equí-
voco e uma incongruência desmedida nessa imposição do sistema
educacional que deixa uma criança passar um tempo precioso da
vida sem entender nada do que é dito ou explicado em um am-
biente que se diz inclusivo. Para Nóvoa (2007): “[...] a pior forma de
exclusão é deixar a criança sair da escola sem ter adquirido nenhu-
ma aprendizagem, nenhum conhecimento, sem as ferramentas mí-
nimas para se integrar e participar ativamente das sociedades do
conhecimento.” (p. 12).

Não é mais prático esse aluno permanecer mais tempo com o


professor especialista, com quem ele realmente aprende, em vez de
apenas marcar presença na sala de aula comum, sem se inteirar dos
conteúdos e do que se fala nessa sala, sentindo-se excluído do am-
biente por seus pares e, às vezes, pelo próprio professor? Ou o ideal
é que todos os professores se tornem especialistas?

A partir dessa exposição, acredita-se que as salas comuns de


ensino, nas escolas que se dizem inclusivas não são os melhores
ambientes para os alunos surdos serem escolarizados, uma vez que
eles não recebem o suporte de a que têm direito e sua língua (a Li-
bras) não é tomada como a base fundamental para o seu desenvol-
vimento como aluno e cidadão.

46
5.2 Escola especial
Há uma década, as escolas especiais eram as principais institui-
ções responsáveis pela educação de surdos. Havia uma concepção
assistencialista vigorando nesses espaços. As técnicas eram voltadas
muito mais para a recuperação do surdo em direção à normalidade,
com estratégias oralistas, do que propriamente o trabalho acadêmi-
co, por meio da língua de sinais. Dessa forma, o tempo do surdo, nes-
sas instituições, era dividido na realização de exames audiômetros,
atendimentos com profissionais da fonoaudiologia, terapeutas ocu-
pacionais, otorrinolaringologistas, assistentes sociais, psicólogos entre
outros profissionais da saúde. Assim, o tempo para trabalhar com o
conhecimento e com a língua de sinais tornava-se bastante restrito.

De acordo com o Relatório Bilíngue, o intuito é remover a edu-


cação de surdos do âmbito da educação especial, conforme explica
o excerto a seguir:

As garantias de direitos constitucionais e infraconstitu-


cionais acima conquistados, os surdos devem ser vincu-
lados a uma educação linguístico/cultural e não a uma
educação especial marcada pela definição da surdez
como falta sensorial, como anomalia a ser reabilitada ou
corrigida por tentativas cirúrgicas. (BRASIL, 2014, p. 6).

47
Um pouco mais adiante, o documento elenca os motivos pelos
quais os surdos não devem ser considerados público alvo da educa-
ção especial.

Historicamente, a Educação de Surdos esteve vinculada


à Secretaria de Educação Especial (SEESP), de onde
emanaram as políticas públicas para a área, a qual tem
como foco o atendimento educacional especializado ao
alunado com deficiências. Atualmente, as políticas para a
Educação de Surdos encontram-se no âmbito da SECADI
– Secretaria de Alfabetização Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão, o que é um avanço interessante
para a comunidade surda, pois a questão da surdez,
definitivamente, não se inscreve na área da Educação
Especial, conforme argumentado acima. Os surdos que
demandam atendimento especializado são os que têm
outros comprometimentos (por exemplo, surdoscegos,
surdos com autismo, surdos com deficiência visual,
deficiência intelectual, com síndromes diversas ou com
outras singularidades). (BRASIL, 2014, p. 6).

Dessa forma, compreende-se que a educação especial, a que os


surdos foram submetidos por longos anos, principalmente nas esco-
las especiais e/ou em Centros de Atendimento Especializados (CAE),
foram tentativas paliativas de educação cujo objetivo era trabalhar
as questões em que os surdos apresentavam limitações, com crité-
rios assistencialistas, e não em plenitude, no aspecto acadêmico, no

48
desenvolvimento da identidade e fortalecimento da cultura, o que
se dá no encontro com seus pares surdos. É por isso que as escolas
especiais estão sendo substituídas por escolas bilíngues, que será
descrita na sequência desse texto.

5.3 Escola bilíngue


Os movimentos em prol de escolas bilíngues ainda são bem re-
centes, mas se fortalecem a cada dia, visto que, atualmente, há uma
equipe, composta principalmente por pessoas surdas, trabalhando
no MEC para que, em todo o Brasil, a educação de surdos ocorra a
partir da educação bilíngue, em escolas bilíngues.

Diferentemente da educação inclusiva, em que o surdo passa a


maior parte do tempo sem compreender nada na sala de aula co-
mum e das de educação especial, cujos objetivos são assistencialis-
tas, a educação bilíngue oferece a oportunidade do aluno desenvol-
ver-se nos mais variados aspectos psicossociais, uma vez que a sua
L1, a Libras, é a base fundamental de todo o trabalho pedagógico.
De acordo com o Relatório Bilíngue:

A Educação Bilíngue de surdos envolve a criação de


ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como
primeira língua (L1) por crianças surdas, no tempo de
desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das
crianças ouvintes, e a aquisição do português como
segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em

49
Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e
não faz parte do atendimento educacional especializado.
O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das
línguas envolvidas como condição necessária à educação
do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural
em Libras e concluir a educação básica em situação
de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do
português. Neste documento, a Educação Bilíngue Libras
- Português é entendida, como a escolarização que
respeita a condição da pessoa surda e sua experiência
visual como constituidora de cultura singular, sem,
contudo, desconsiderar a necessária aprendizagem
escolar do português. Demanda o desenho de uma
política linguística que defina a participação das duas
línguas na escola em todo o processo de escolarização
de forma a conferir legitimidade e prestígio da Libras
como língua curricular e constituidora da pessoa surda.
(BRASIL, 2014, p. 6).

Entre as diversas dúvidas trazidas, ao se falar em escolas bilín-


gues para surdos, trata-se, aqui, de duas delas. A primeira é o caso
de não haver surdos em número suficiente para a criação de uma
escola bilíngue no município. Nesse caso, o documento recomenda
a criação de classes bilíngues dentro das escolas normais de ensino
ou ainda a criação e escolas polos multimunicipais que reúnem os
surdos das cidades vizinhas, de forma a se firmar parcerias entre os
municípios, conforme o excerto:

50
Garantir a educação bilíngue de surdos em classes
bilíngues em escolas inclusivas (que não são escolas
bilíngues de surdos) de ensino comum em municípios
que baixa demanda de surdos, quando não houver escolas
polos multimunicipais na região. (BRASIL, 2014, p. 20).

A segunda questão em relação às escolas bilíngues, é sobre os


profissionais que compõem o quadro de docentes nesses ambien-
tes educacionais. A reposta é: surdos e ouvintes. Assim, a função do
surdo é a de ensinar a L1, a LS, e a do profissional ouvinte é a de en-
sinar a L2, a LP.

Em 2005, o Decreto 5.626, no Art.7º, § 1º, já prevê a prioridade da


Libras ser ensinada por professores surdos: “Nos casos previstos nos
incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disci-
plina de Libras” (BRASIL, 2005, p. 3).Entretanto, ainda não há número
suficiente de surdos para suprir a demanda. Assim, é bastante co-
mum profissionais ouvintes, principalmente, TILS, exercendo a fun-
ção de ensinar a Libras, tanto nas IES quanto em cursos particulares.

Na escola bilíngue, os dois profissionais são de suma impor-


tância, uma vez que o surdo tem a responsabilidade de estimular a
linguagem das crianças surdas, exercendo também a influência na
construção da identidade e da cultura dos alunos. Já, o profissional
ouvinte, tem a responsabilidade de ensinar a LP, uma vez que é co-
mum uma grande parcela dos surdos apresentarem desafios com a
LP, visto que ela é considerada a L2 e não a L1 desses sujeitos.

51
O Relatório elenca metas que dizem respeito à operacionaliza-
ção na implantação da educação bilíngue. Há metas gerais e metas
referentes às línguas na educação bilíngue.
Quadro 1 - Metas para propostas de educação bilíngue

1) Implementar a educação bilíngue de surdos em tempo integral na edu-


cação básica: educação infantil (creches e pré-escolas), ensino fundamen-
tal e ensino médio, educação de jovens e adultos e educação profissional,
em escolas urbanas e rurais;

2) Inserir os princípios da Educação Bilíngue de surdos nos Projetos Políti-


cos Pedagógicos da educação básica;

3) Implementar escolas bilíngues de surdos em tempo integral e escolas


polo multimunicipais, com a garantia de transporte escolar acessível e me-
renda escolar;

4) Implantar a política da educação bilíngue escolar e de formação de li-


cenciados bilíngues para a educação de surdos de acordo com os princí-
pios definidos na Política Nacional de Educação Bilíngue de Surdos.

5) Articular-se com o CNE e membros do GT Política Nacional de Educação


Bilíngue, com vistas a elaborar uma resolução que regulamente a criação
de escolas bilíngues sem tempo integral, classes bilíngues e atendimento
especializado bilíngue;

6) Elaborar e implantar as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de


Pedagogia Bilíngue, Letras Libras, Letras Língua Portuguesa como L2 e
Tradução e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa;
continua...

52
continuação...

7) Cadastrar, nas Secretarias de Educação dos estados, municípios e Dis-


trito Federal as escolas bilíngues de surdos com creches, educação infantil,
educação fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e en-
sino profissionalizante, as escolas polo, ou escolas multimunicipais;

8) Constituir comissões científica e técnica para subsidiar a implantação


formal da Educação Bilíngue de Surdos, com a representação de profissio-
nais surdos;

9) Constituir comissões científica e técnica para subsidiar a produção de


materiais didáticos, informativos e instrucionais voltados à Educação Bilín-
gue de Surdos, com a representação de profissionais surdos;

10) Articular os bancos de dados das secretarias da saúde, secretarias da


assistência social com as secretarias da educação para o encaminhamen-
to precoce das crianças surdas à educação infantil bilíngue;

11) Introduzir disciplina sobre a Libras e a condição bilíngue da pessoa


surda no currículo das áreas da saúde;

12) Garantir o acesso aos surdos nas instituições de Educação Superior


por meio de provas de seleção previamente traduzidas para a Libras, gra-
vadas em meio eletrônico, prova de Língua Portuguesa como L2, redação
na escrita de sinais ou filmada em Libras, além de tradutores e intérpretes
de Libras, nos vestibulares, exames institucionais e demais processos sele-
tivos;

13) Incluir como item de avaliação dos cursos de nível superior as condi-
ções de acessibilidade dos surdos no espaço universitário: presença de
tradutor e intérprete de Libras e Língua Portuguesa e disponibilização de
materiais, referências bibliográficas e tecnologias, acessíveis em Libras;
continua...

53
conclusão.

14) Inserir nos cadastros do INEP e nos formulários do Censo Escolar, a op-
ção de matrícula em escolas bilíngues de surdos em tempo integral, sejam
escolas bilíngues específicas (com creches, educação infantil, educação fun-
damental, ensino médio, educação de jovens e adultos e ensino profissiona-
lizante), escolas-polo, ou escolas multimunicipais, para que estas tenham as
mesmas condições de receber recursos, como as escolas indígenas;

15) Fazer mapeamento de surdos nos municípios, para justificar a criação


de escolas bilíngues de surdos em tempo integral;

16) Orientar as escolas especiais que atendem surdos a se tornarem esco-


las bilíngues de surdos em tempo integral;

17) Equipar escolas bilíngues de surdos em tempo integral com tecnolo-


gias multimídia em sala de aula e com laboratórios de vídeo para produ-
ção de materiais em Libras;

18) Formar uma rede entre as escolas bilíngues de surdos em tempo inte-
gral por meio de plataforma nacional para suporte pedagógico entre as
escolas, interação entre gestores, professores e alunos surdos, e constitui-
ção de bancos de dados;

19) Fomentar a formação inicial e continuada de professores surdos, pro-


fessores bilíngues, professores de Língua Portuguesa como L2, professores
de Libras e tradutores e intérpretes de Libras;

20) Criar cursos presenciais de Pedagogia Bilíngue nas universidades pú-


blicas de cada estado da federação e Distrito Federal;

21) Inserir a disciplina de Libras nas escolas regulares, para a difusão da


Libras no Brasil.

Fonte: BRASIL, 2014, p. 18.

54
Seguem, agora, as dezenove metas referentes às línguas na edu-
cação bilíngue:
Quadro 2: Metas referentes às línguas na educação bilíngue

1) Criar um ambiente linguístico bilíngue (Libras e Português) no espaço


educacional;

2) Criar programas de imersão precoce para aquisição da Libras na educa-


ção infantil, com interlocutores fluentes em Libras, prioritariamente surdos;

3) Garantir o acesso a programas de estimulação linguística precoce em Li-


bras para aquisição da Libras, com base no diagnóstico da surdez por meio
do mapeamento de identificação de bebês surdos, por meio de interface
entre a educação e a saúde;

4) Viabilizar aos familiares da criança surda participar de cursos de Libras


como L2, bem como o acesso à comunidade surda, por meio de programas
sociais que incluam visitas com orientações sobre a interação com a crian-
ça surda nas próprias residências das famílias ou em ambiente que sejam
familiares à criança;

5) Responsabilizar as famílias para que, imediatamente após a identifi-


cação da surdez, oportunizem à criança surda o acesso à cultura surda, a
programas de estimulação linguística precoce em Libras e se insiram nes-
ses programas;

6) Criar os Centros de Atendimento Bilíngue a pais e a bebês surdos, nas


escolas bilíngues de surdos;
continua...

55
continuação...

7) Propiciar às crianças surdas, no período da educação infantil, interações


na Libras e contato com a escrita da Libras e da Língua Portuguesa de for-
ma lúdica e criativa, prioritariamente com professores surdos;

8) Garantir que a criança surda aprenda a ler e escrever na Libras, como


forma de consolidar a relação com a escrita;

9) Garantir o ensino da leitura e da escrita da Língua Portuguesa utilizando


metodologia de L2 e M2 (segunda modalidade);

10) Garantir que a Libras seja a língua de instrução dos estudantes surdos,
por meio de professores bilíngues fluentes na Libras, prioritariamente surdos;

11) Garantir a presença de tradutores de Libras e Português para tradu-


zirem materiais literários, didáticos e paradidáticos para a Libras durante
toda a escolarização das pessoas surdas;

12) Garantir a presença de intérpretes de Libras e Português para mediarem


eventos interacionais que envolvam pessoas que desconhecem a Libras;

13) Propiciar a presença da comunidade surda na educação de surdos;

14) Garantir que as avaliações sejam realizadas em Libras (modalidade em


sinais e/ou escrita);

15) Garantir que as avaliações sejam disponibilizadas em português escrito;

16) Garantir as avaliações da Língua Portuguesa como L2 e M2;


continua...

56
conclusão.

17) Constituir um corpus da Libras representativo dos usos da Libras em


todo território nacional;

18) Criar uma base de dados lexical-terminológica nacional eletrônica e


paramétrica para que ali sejam registrados os sinais-termos (24) norma-
lizados da Libras e do Português. Essa base de dados deverá contemplar
também em campos específicos os sinais, termos variantes (sinais regio-
nais) e as variantes do português. É uma base para o registro de vocabulá-
rios científicos e técnicos em Libras - PSL. Diminuem-se, assim, os aspectos
ideológicos do monolinguismo comandados pela língua majoritária do país
(o Português), frequentemente executado pela datilologia, que é uma sim-
ples transliteração português-Libras;

19) Criar uma base de dados textual que forneça corpora reais para o co-
nhecimento de português como segunda língua, em textos, efetivamente,
produzidos, por sinalizantes de Libras. Esse material servirá para análise
linguística criteriosa e minuciosa de fatos de língua e de linguagem. Dessa
forma, diminui-se o impressionismo acerca do português L2 de surdos e
cria-se a Gramática Contrastiva Padrão do Português Escrito por Surdos.

Fonte: BRASIL, 2014, p. 18.

Nesse sentido, o Relatório Bilíngue é um dos principais docu-


mentos norteadores para a construção e desenvolvimento da edu-
cação bilíngue. Além dessas diretrizes, mencionadas no Relatório,
seguem também alguns pontos relevantes, considerados por Streie-
chen (2012), no trabalho com surdos:

a) Quanto mais precoce a criança surda iniciar o processo de esti-


mulação, mais rápido ela desenvolve-se em todos os aspectos;

57
b) A criança surda só inicia o aprendizado de uma língua escri-
ta após dominar a primeira língua ou língua 1 (L1), a Libras, no
caso das crianças brasileiras;
c) O aluno surdo não está necessariamente alfabetizado se ape-
nas copiar do quadro ou dos colegas e não associar o que es-
creve com o seu significado. A simples cópia e a reprodução de
palavras ou textos não garantem o conhecimento;
d) A presença do profissional tradutor e intérprete de língua de
sinais, em salas de aula comum, é fundamental para que o alu-
no surdo tenha acesso efetivo a todos os conteúdos, desde que
ele tenha domínio de tal língua;
e) O professor deve dirigir-se sempre ao surdo e não ao intérpre-
te ao explicar os conteúdos ou responder às dúvidas do aluno,
para que dessa forma crie-se o vínculo professor-aluno;
f) O surdo é aluno do professor e não do intérprete, portanto a
responsabilidade da aquisição do conteúdo é do professor;
g) As aulas devem ser enriquecidas com recursos visuais, uma vez
que o canal de aprendizagem do surdo é exclusivamente visual;

58
h) A avaliação de textos escritos pelos surdos considera a inferên-
cia de aspectos estruturais da língua de sinais e o surdo não é
avaliado por meio dos mesmos critérios utilizados com o aluno
ouvinte;
i) Incluir a filosofia bilíngue no Projeto Político Pedagógico da
escola, com a finalidade de criar ambientes de fato bilíngues,
para que toda a comunidade escolar se comunique por meio
da LS, em todos os espaços da escola;
j) Contratar professores surdos para atuarem na estimulação da
linguagem e no trabalho acadêmico com o aluno surdo.
Esses fatores servem como um norte para a criação de escolas
bilíngues e/ou classes bilíngues, ambientes em que, de fato, a educa-
ção bilíngue seja ofertada e a escolarização de surdos seja efetivamen-
te alcançada. Para isso, a realidade e o contexto de cada região brasi-
leira, na qual os surdos estão inseridos, precisam ser considerados.

59
CAPÍTULO VI - COMO O ALUNO SURDO
APRENDE?
Para que o ensino e a aprendizagem do aluno surdo se tornem
menos desafiadores e sejam efetivados, é preciso, primeiramente,
que o educador identifique e (re)conheça as singularidades de cada
aluno surdo, como, por exemplo: o histórico da surdez - se nasceu
surdo; se adquiriu a surdez após o nascimento; o grau de perda au-
ditiva (leve, moderada, severa, profunda), entre outros aspectos que
implicam no processo de ensino e aprendizagem. Antes de iniciar a
escolarização do aluno surdo, é preciso também realizar uma ava-
liação do seu nível linguístico. Se a criança for filha de pais ouvin-
tes, é bastante comum que ingresse na escola sem saber a LS. De
acordo com Quadros e Schmiedt (2006): “[...] a escola deve buscar
alternativas para garantir à criança acesso aos conhecimentos es-
colares na língua de sinais e o ensino da língua portuguesa como
segunda língua.” (p. 10).

Dessa forma, a primeira medida é iniciar a estimulação da lin-


guagem, em um ambiente favorável para aprender a LS, preferen-
cialmente, com surdos fluentes nessa língua. A partir do (re)conheci-
mento de quem é o aluno surdo é que se procura meios de entender
como ocorre a sua aprendizagem, de forma a tornar significativos os
conteúdos escolares e não deixe a escola sem, de fato, apropria-se
dos conhecimentos. Para isso, há que refletir sobre como ocorre o
processo de ensino e aprendizagem, tanto para a criança ouvinte,
quanto para a criança surda.

60
O método silábico, embora questionado por alguns pensadores,
ainda é bastante utilizado na alfabetização com crianças ouvintes.
Esse método não traz resultados positivos com alunos surdos, visto
que depende dos sons (fonemas) das sílabas para formar as pala-
vras. Como o surdo não ouve, os fonemas, as sílabas e sua junção
não lhes trazem nenhum sentido e, portanto, a aprendizagem não
acontece. O máximo que o aluno surdo consegue desenvolver, por
meio desse método é a habilidade de escrever, tornando-se um co-
pista, porém, sem aprender a ler e a interpretar de fato.

As palavras que a criança ouvinte aprende a ler e a escrever na


escola, já fazem parte de sua memória auditiva, já estão internaliza-
das na mente e na linguagem, visto que ela já as ouviu e aprendeu
a pronunciá-las em casa ou em outros ambientes. Nessas palavras é
que o professor se baseia para alfabetizar o aluno ouvinte, palavras
do cotidiano, com significados para o educando. Para ensinar esse
aluno a escrever casa, por exemplo, não é preciso explicar o signi-
ficado dessa palavra, mas apenas o código escrito e a leitura que,
normalmente, ocorrem pela aprendizagem das sílabas separadas,
que o professor já aproveita para ensinar sílabas associadas, como:
CA, CO, CU e SA-SE-SI-SO-SU e depois a unidade vocabular CASA,
conforme explicado por Streiechen e Krause-Lemke (2014, p. 962):

61
[...] para uma pessoa ouvinte ocorre mentalmente a
‘visualização’ da palavra escrita e sua associação com o
som que as sílabas isoladas e agora reunidas representam.
Ao reler a palavra, imagina-se o som e seu significado.
Se a pessoa entrar em contato com a palavra em outra
ocasião, lendo-a novamente, ela fará a decodificação pela
rápida e sequencial montagem silábica, mentalizará o
som em seu inconsciente e associará a palavra ao que o
‘som mental’ quer dizer.

Com o aluno surdo isso não dá certo, pois, ele tem a imagem da
casa, na mente, mas o nome e a pronúncia não. Por isso, somente
mostrar as sílabas separadas e depois a palavra escrita, não é sufi-
ciente para que o aluno surdo aprenda a ler, pois esse código escrito
casa não tem significado para ele e a pronúncia casa ele não a ouve.
Assim, as mesmas autoras ressaltam:

Com o surdo não há essa associação, pois ele tenta associar


o sinal a uma imagem. Essa transcodificação associativa
palavra-som-significado não existe na mente da pessoa
surda. Assim, como não há comunicação por meio da
oralidade com os surdos, mas por meio de sinais visuais,
ao sinalizar uma palavra que ele não está acostumado a
usar e pedir para que a escreva, ele terá muita dificuldade
(como erros de grafia) ou poderá não saber escrevê-
la. Uma palavra escrita para o surdo nada mais é do
que um simples desenho e ele não consegue associá-la
a nenhum tipo de som pelo simples fato de nunca ter
ouvido (STREIECHEN; KRAUSE-LEMKE, 2014, p. 962).

62
Por isso, a didática e/ou as estratégias, a serem adotada com a
população surda, são pensadas a partir do canal principal responsá-
vel pela aquisição de conhecimentos: o canal visual.

Quando a criança surda se comunica por meio da LS, a alfabe-


tização deve ocorrer por meio dessa língua e isso torna o processo
muito mais fácil e rápido. Mas, é fundamental que o educador tenha
domínio dela. Assim, em vez de apresentar as sílabas que compõem
o léxico casa, por exemplo, o professor mostra a palavra, na íntegra,
associada ao sinal representativo de casa, na Libras. Logicamente
que assim como a criança ouvinte não aprende de forma imediata
tal vocabulário, o surdo também precisa visualizar, escrever e con-
textualizar diversas vezes a mesma palavra até que ela seja definiti-
vamente assimilada por ele.

Se o aluno é bem estimulado linguisticamente (por meio da LS),


aprender a ler e a escrever, ele é capaz de aprender os conteúdo de
todas as disciplinas (Matemática, Geografia, História etc.) sem mui-
tas dificuldades, uma vez que o desafio maior - adquirir a lingua-
gem escrita e a leitura - já foi superado.

Quadros e Schmiedt (2006) elaboraram um texto com Ideias


para ensinar português para alunos surdos. A partir da página 45,
as autoras descrevem sugestões de atividades.

Idéias para ensinar português para alunos


surdos

63
PALAVRAS FINAIS
Esse texto teve como objetivo discutir e explicar o processo de
ensino e aprendizagem de alunos surdos, com ênfase nos modelos
metodológicos utilizados na educação de surdos, ao longo da histó-
ria. Dessa forma, diversos aspectos que contemplam a vida dos sur-
dos, desde a Idade Antiga à Contemporaneidade, foram descritos.
A partir disso, entende-se que a vida dos surdos sempre foi alvo do
ouvintismo, da influência do ouvinte que imperou, sobre a trajetória
do surdo, culminando em extermínio dessas pessoas do meio social,
Idade Antiga e a extinção da LS, Idade Moderna.

A Educação de surdos começa a prosperar ao final da Idade Mé-


dia e início da Idade Moderna. Desde então, várias correntes meto-
dológicas surgiram, com a finalidade de desenvolver a comunicação
dos surdos e encontrar meio do aluno tornar-se um sujeito letrado
para ser inserido na sociedade ouvinte.

A princípio, a LS, embora não reconhecida como a L1 do sujeito


surdo, mediou a educação de surdos, uma vez que essa era realiza-
da por professores surdos. Entretanto, alguns profissionais, inclusive
dos países europeus, insatisfeitos por uma minoria (surdos) se uti-
lizar de uma língua em que a maioria (ouvintes) não compreendia,
decidiram implantar a metodologia oralista, cujo objetivo primordial
era o de desenvolver a oralidade das pessoas surdas. Esse modelo
metodológico não permitia o uso da LS. Portanto, essa língua foi

64
expressamente proibida e, com isso, além de não conseguirem se
comunicar, os surdos não conseguiram aprender a ler e a escrever,
uma vez que não tinham uma língua, efetivamente.

Depois de um século inteiro de torturas e sofrimentos a que os


surdos foram submetidos, com as técnicas oralistas, percebeu-se a
necessidade de recorrer a outros recursos, tais como a LS, as mími-
cas, os gestos etc. Esse modelo ficou conhecido como comunicação
total. Entretanto, a meta dessa filosofia ainda era o de atingir a fala.
Assim, com o uso simultâneo da língua oral e da LS, do bimodalis-
mo (uso de duas línguas) resultou em um português sinalizado, em
que uma língua contaminava a outra, causando certas confusões
linguísticas, visto que as línguas envolvidas, a LS e a LP, apresentam
estruturas sintáticas diferentes.

No Brasil, por volta das décadas de 1970 e 1980, surgiu o bilin-


guismo, que é o uso de duas línguas. No caso da educação de sur-
dos brasileiros, as línguas envolvidas são a Libras e a Língua Por-
tuguesa. Atualmente, os motivos que movem a comunidade surda
estão voltados à educação bilíngue, com o propósito maior de criar
escolas bilíngues em todo o Brasil. As escolas bilíngues, na concep-
ção da comunidade surda, é o ambiente que oferece as condições
para o surdo apropriar-se tanto da sua L1, a Libras, quanto no desen-
volvimento de sua identidade, cultura, aquisição de conhecimentos
acadêmicos entre outros aspectos psicossociais que envolvem os
alunos surdos.

65
Nesse texto, discutiu-se, também, a importância da Pedago-
gia Surda, modelo metodológico que requer a presença do pro-
fessor surdo nas instituições educacionais, visto que é no encontro
surdo-surdo que a identidade surda se constitui, a cultura surda
se fortalece e a criança surda tem um modelo a seguir, o de uma
pessoa culturalmente igual no modo de ver, sentir, aprender e,
principalmente, de se comunicar.

A aquisição da linguagem escrita também foi pautada nos te-


mas desse texto. Portanto, entende-se que a escolarização do aluno
só será efetivamente realizada se, primeiramente, esse aluno adquirir
a LS - L1 do sujeito surdo - e o professor também tiver o domínio dela.

Ao concluir esse e-book, espera-se que as informações contidas


auxiliem nos estudos e lhes sirvam como instrumentos motivadores
para tornar-se um educador de surdos e/ou um profissional tradu-
tor/intérprete de Libras.

66
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Libras - e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
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BRASIL. Decreto Federal n. 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436,


de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE DO PARANÁ
UNICENTRO

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD


UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UAB

Prof. Dr. Khaled Omar Mohamad El Tassa


Coordenador Geral Curso

Profª. Drª. Maria Aparecida Crissi Knuppel


Coordenadora Geral NEAD / Coordenadora Administrativa do Curso

Prof.ª Msª. Marta Clediane Rodrigues Anciutti


Coordenadora de Programas e Projetos / Coordenadora Pedagógica

Ernando Brito Gonçalves Júnior


Apoio Pedagógico

Ruth Rieth Leonhardt


Revisora

Murilo Holubovski
Designer Gráfico

Jan/2020

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