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Os fragmentos mais antigos que possuímos remontam ao séc. VII a.C.

,
meados da Idade Arcaica. (p.8)

A poesia épica veiculava valores aristocráticos e monárquicos,


concentrava suas narrativas nas façanhas de deuses e heróis, e idealizava com
certa nostalgia um mundo que se situava no passado mítico. O hexâmetro,
recitado com o acompanhamento da cítara, garantia o tom solene. (p.8)

Gradativamente, a epopeia foi perdendo espaço, um pouco por causa da


introdução da escrita na Grécia no séc. VIII a.C., que contribuiu para o
enfraquecimento da atividade mnemônica; um pouco porque seu espírito tornou-
se anacrônico frente às novas necessidades da pólis. (p.8)

É justamente a poesia lírica que foi responsável por essa renovação. Ela
representava o outro lado da moeda, pois tinha um aspecto eminentemente
popular e destinava-se a segmentos diversificados da sociedade democrática,
concentrando-se no homem comum, nas suas experiências e nas suas
impressões sobre o mundo. Esta nova forma estava mais preocupada e
sintonizada com o presente, o aqui e o agora. (p.8)

Apesar de seu estreito relacionamento com a música e, nos casos de


lírica coral, com a dança, é justamente a palavra, o discurso literário que
garantiu a sobrevivência e a renovação constante desse gênero. A lírica
assumiu desde o início formas muito variadas, no que diz respeito à métrica, à
estruturação dos versos, aos próprios dialetos com que foi escrita, à temática, à
ideologia, ao público, etc. (p.9)

O primeiro poeta e talvez o mais antigo dos líricos foi Arquíloco de Paros.
Teve seu floruit nos meados do séc. VII a.C. Arquíloco escreveu diversas elegias
e possivelmente foi responsável pela introdução do metro jâmbico na poesia,
que posteriormente foi adotado pelo drama ático. Era considerado pelos antigos
como pai da poesia, ocupando uma posição de destaque ao lado de Homero e
Hesíodo. (p.9-10)

Seus versos possuem um tom rebelde e crítico dos valores aristocráticos,


que se faz presente na voz de alguém que conviveu com a guerra, um
aventureiro de personalidade apaixonada e audaciosa. O fr. 5W, um dos mais
famosos, revela um eu-lírico que é capaz de abandonar o escudo para salvar a
sua própria vida. Essa valoração da vida frente à morte heroica representa um
abandono dos valores épicos, reforçado pela declaração final de que eles são
substituíveis, através da metáfora do escudo. A poética de Arquíloco é
paradigmática da substituição de valores, de ideais, de visão do mundo, de
concepções poéticas, constituindo desta forma um universo radicalmente novo.
(p.10)

Calino de Éfeso foi contemporâneo de Arquíloco. Pouco conhecemos de


sua obra, sendo que o seu fragmento mais extenso possui vinte e um versos
elegíacos; é um canto de temática militar que exorta os jovens à guerra,
reafirmando a virtude guerreira. Sua exortação contém uma curiosa crítica aos
jovens, que parecem estar em paz, alheios à guerra e indiferentes às críticas que
possam sofrer da sociedade. A elegia é dirigida a essa nova geração que não
compartilha mais os ideais guerreiros, apresentando uma defesa desses
mesmos ideais através de uma reflexão sobre a morte, que ocupa a maior parte
do fragmento. Nesse sentido, Calino representa a tentativa de sobrevivência dos
ideais épicos frente a um mundo renovado. (p.10)

Tirteu segue a mesma linha de Calino. Não se pode afirmar se ele era
ateniense ou não, mas certamente viveu em Esparta na primeira metade do séc.
VII a.C. A maior parte de seus versos são cantos bélicos, que visam incutir
coragem e incitar os hoplitas ao combate. Repetidas vezes ele se dirige aos
jovens que lutam na primeira fila de batalha, e que certamente irão morrer
lutando, devido à estrutura da falange. É preciso convencer esses jovens a
enfrentar a morte, e a amá-la mais do que a própria vida. Os argumentos giram
em torno da virtude guerreira, da vergonha da fuga e da exaltação da “bela
morte”. Tirteu constitui uma fonte importante para o estudo da sociedade
espartana. (p. 11)

Alcman também viveu em Esparta, e teve seu floruit no final do séc. VII
a.C. Seus poemas revelam um mundo avesso àquele de Tirteu, uma vez que ele
se dedicou sobretudo à lírica coral, compondo partênios8, himeneus9 e ainda
outras modalidades. O fato de ter composto cantos para coros de virgens faz
com que Alcman esteja mais próximo de um público feminino, o que pode ser
percebido através de seus próprios temas: a poesia, o canto, a dança, a
natureza, o amor e a mitologia. Ficou famoso sobretudo pelos seus poemas de
amor. Utilizou o dialeto dório em suas composições, sem contudo abandonar as
referências e o vocabulário épico. Cunhou diversos neologismos e se utilizou de
sofisticados artifícios estruturais, que incorporavam as evoluções do coro na
organização dos versos. É interessante ainda notarmos o nível de consciência
autoral no fr. 39 P, onde a inventividade do poeta é atribuída ao seu próprio
engenho, não incluindo a inspiração tradicional das Musas. A Suda lhe atribui
seis livros de poemas líricos, dos quais possuímos apenas alguns fragmentos,
que nos revelam um pouco da riqueza artística e cultural de Esparta. (p. 11-12)

Sólon viveu entre o séc. VII e o séc. VI, tendo sido arconte de Atenas em
594/593 a.C. Como legislador foi encarregado de resolver a crise social e
econômica de Atenas, e para isso Sólon tomou medidas que favoreciam tanto
os aristocratas quanto a grande massa do povo. Os poemas faziam sua
propaganda política, abordando temas da situação política imediata. Além de
poemas de cunho político, Sólon escreveu variados poemas gnômicos, refletindo
e aconselhando sobre problemas de ordem moral, sobre a justiça divina, sobre
a sabedoria, etc., e não é por acaso que ele é considerado um dos sete sábios.
Segundo Diógenes Laércio, sua obra era composta de cinco mil versos
elegíacos, além de jambos e epodos, dos quais sobreviveram cerca de duzentos
e oitenta versos. (p. 12)

Não se sabe ao certo se Semônides de Amorgos produziu sua obra nos


meados ou no final do séc. VII a.C. É importante não o confundir com seu
homônimo Simônides de Ceos, que viveu do final do séc. VI até a metade do
séc. V a.C. e se dedicou à lírica coral. Semônides, por sua vez, se dedicou à
elegia e sobretudo ao jambo, participando da mesma tradição de Arquíloco, com
a particularidade de privilegiar o tom satírico que o aproxima mais da comédia e
da paródia. A coincidência de nomes causou muitos erros de atribuição desde a
própria antigüidade, o que dificulta um dimensionamento de sua produção que,
além do mais, é muito fragmentada. (p 12)

O fr. 8 A é o poema mais extenso que conhecemos, possui 118 versos, e


se caracteriza sobretudo por sua misoginia, tema que posteriormente fez grande
tradição na comédia. Ao classificar a natureza feminina em dez tipos, sendo sete
tipos animais, dois elementos (terra e mar) e um inseto, o poeta reforça a ideia
de que a mulher é má por natureza. Contudo, nessa ontologia, Semônides
mostra alguma condescendência com o gênero feminino, pois admite a
existência de um tipo benigno de mulher: a mulher abelha. Em Hesíodo já é
possível ver traços de misoginia, mas Semônides leva este recurso ao
paroxismo, ao compor um poema tão extenso, todo ele dedicado a esse tema.
(p 12-13)

Mimnermo é natural de Colofão ou de Esmirna e viveu durante a última


metade do séc. VII a.C. Segundo alguns, ele teria escrito dois livros de elegias,
um deles dirigido a Nanno, um flautista que era provavelmente seu amante;
segundo a Suda, ele teria escrito muitos livros. O fato é que nos restaram apenas
fragmentos esparsos, citados por diversos autores, a sua maioria em versos
elegíacos. (p. 13) Mimnermo dá-nos um exemplo admirável de reelaboração do
material homérico. No fr. 2 A, ele utiliza o símile homérico das folhas14,
deslocando-o dos sentidos que lhe emprestam o texto épico, e introduzindo-o no
contexto da instabilidade da vida e do pessimismo em relação à morte. A
valorização da juventude e de seus prazeres em contraposição aos males da
velhice e da morte podem ser um indício de que esse fragmento contivesse uma
exortação hedonista do gênero carpe diem16. A poesia de Mimnermo teve
grande repercussão na antiguidade, e chegou a ser considerada por Calímaco
como um modelo para a poesia helenística de vanguarda. (p. 13)
Safo viveu na primeira metade do séc. VI a.C., provavelmente em Éreso
de Lesbos. Ao seu lirismo pessoal incorporam-se elementos épicos, mitológicos
e gnômicos, remetendo-nos ao mundo das mulheres da ilha de Lesbos. Safo
educava monódias. Safo teve um grande prestígio na Antiguidade, fato este
testemunhado pela Suda, que registra nove livros de poemas líricos de sua
autoria. Entretanto, o único poema inteiro que nos restou é a invocação a Afrodite
(1V), sendo que os demais poemas se encontram muito fragmentados.
Provavelmente eles não resistiram à rigorosa censura da Idade Média. (p. 13-
14)

Os poemas nos revelam os sentimentos que pontuam a relação da poetisa


com suas virgens: apreço, paixão, desprezo, desejo, ciúme, abandono. Quase
nada se fala na Grécia a respeito do homossexualismo feminino, e com o passar
do tempo muitas tentativas foram feitas no sentido de considerar a poetisa casta,
tentativas estas frustadas pelo erotismo ostensivo de seus próprios versos. Um
belo exemplo da poética de Safo é o fr. 31 V, onde são descritos, passo a passo,
as sensações físicas provocadas pelo sentimento da paixão. Um simples olhar
em direção à pessoa amada é capaz de provocar as mais intensas emoções
que, habilmente combinadas, tornam sublime o estilo de Safo, segundo a opinião
de Pseudo-Longino. (p.14)

Teógnis de Megara teve seu floruit provavelmente em meados do séc VI


a.C. Recebemos uma antologia atribuída a ele, dividida em dois livros, composta
em dísticos elegíacos. Esta coletânea, porém, apresenta alguns fragmentos que
identificamos como sendo de Sólon, Mimnermo e Tirteu. Possivelmente há nela
poemas de vários outros autores, que viveram antes do séc. V a.C. e que
também se utilizaram do mesmo metro. Não se sabe ao certo o momento da
fixação desse livro, nem os fins a que ele se destinava. Em geral, aceita-se a
autoria de Teógnis para os poemas dirigidos a Cirno. (p.14)

Teógnis representa a voz de um aristocrata falido, que adverte o jovem


Cirno a respeito da vulgaridade e dos perigos decorrentes da convivência com
as classes inferiores e com os novos ricos. São máximas, preceitos éticos,
fórmulas épicas, elegias gnômicas e poemas de amor, que insinuam as relações
pedagógicas e amorosas entre mestre e discípulo. Elogiado por Platão e
Aristóteles, foi justamente o moralismo de Teógnis o que possivelmente teria
garantido a sobrevivência de sua obra, segundo a hipótese de Knox. (p. 14-15)
Não podemos deixar de chamar a atenção para o fr. 19-26 A, que é um “selo”,
onde Teógnis dá mostras de preocupação com a propriedade intelectual de seus
versos, uma espécie de prevenção contra roubo e possíveis alterações de seu
conteúdo. Esse “selo” tanto pode ser uma marca material colocada no
manuscrito, quanto pode ser uma referência a características de estilo próprias
da sua poética, que permitiriam um reconhecimento do autor. É a primeira vez
que um poeta manifesta preocupação com o destino de sua obra, o que implica
em uma noção mais concreta de autoria e de recepção. (p. 15)

Hipônax teve seu floruit em meados do séc. VI a.C. A cidade de seu


nascimento é incerta, mas é possível que tenha vivido em Clazômenas, segundo
testemunha a Suda. Sua obra teria sido reunida em dois livros, dos quais nos
restaram pequenos fragmentos em trímetros jâmbicos, tetrâmetros trocaicos e
hexâmetros. Sua dicção é poliglota, incorporando diversos estrangeirismos na
composição dos poemas. A Antiguidade atribui-lhe a invenção do metro
coliambo. Sua poética caracteriza-se sobretudo pela escolha de temas “baixos”
22, e pelo seu tom de insulto. Hipônax aproxima-se de Arquíloco em muitos
aspectos, a começar pelo tom e pela utilização de jambos. Mas, ao contrário da
maioria dos poetas arcaicos, inclusive de Arquíloco, Hipônax parece recusar a
influência homérica. É muito significativo, contudo, que o seu único fragmento
escrito em hexâmetros seja uma paródia das invocações à Musa épicas, onde
Hipônax desvela sua poética grotesca e mórbida. (p. 15-16)

Nascido na cidade de Teos, Anacreonte teria sido um dos fundadores de


Abdera, e teria frequentado a cidade de Atenas, apresentando-se ali para
políticos famosos. Estima-se seu nascimento no ano de 570 a.C. e sua morte
oitenta e cinco anos depois. Sua poesia é em grande parte simposiástica,
tematizando o amor e o vinho. Muitas vezes o eu-lírico, um velho festeiro, se
queixa da repressão que lhe é dirigida, pois deseja divertir-se e amar, o que não
é considerado apropriado para a sua idade. As exortações hedonistas, dirigidas
muitas vezes a jovens meninos e meninas, são compostas em um verso ligeiro,
mais conhecido como anacreôntico. (p. 16)

Píndaro representa com brilhantismo a lírica coral do séc. V a.C. Nasceu em


Tebas e foi educado em Atenas. Sua primeira ode foi escrita no ano de 498 e a
última em 446. Grande parte da sua obra foi conservada, de modo que
possuímos quatro livros de epinícios, que contêm quatorze Olímpicas, doze
Píticas, onze Neméias e oito Ístmicas. Possuímos ainda alguns fragmentos dos
outros 13 livros que estão perdidos. (p. 16)

A poética de Píndaro é monumental. Seu objetivo é celebrar e imortalizar


as vitórias nos jogos, homenageando o vencedor, sua cidade natal, bem como a
si mesmo enquanto poeta. Seus monumentos em forma de versos têm uma
linguagem rebuscada, enigmática, abundantes de inversões e imagens
elevadas, que tornam sua dicção extremamente complexa e de árdua leitura, até
mesmo para os antigos. Além de destacar-se pelo nível de sua crítica literária,
que apresenta valores poéticos muito bem delineados, Píndaro destaca-se pela
operação constante de releitura da mitologia, que o torna capaz de colocá-la em
estreita conexão com o presente histórico. A Primeira Olímpica, cuja tradução
apresentamos, é dirigida a Hierão de Siracusa. O poema contém o mito de
Pélops reinventado pelo poeta, que manifesta sua discordância em relação à
versão tradicional contada pelos seus predecessores. Ao final do poema, o poeta
coloca-se em pé de igualdade com o vencedor dos jogos, no que diz respeito à
fama, que aquele alcançaria em virtude de sua sabedoria e excelência,
convertendo o poema em um monumento ao próprio poeta e à sua obra. (p. 16-
17)

A partir do séc. III a.C., com o helenismo e o advento das grandes


bibliotecas, principalmente a de Alexandria, a poesia lírica passa a se
caracterizar sobretudo por ser um discurso erudito, produzida por gramáticos
que colecionavam e estudavam a fundo o estilo e o espírito daquelas formas
mais antigas das Idades Arcaica e Clássica. Devemos a maior parte dos
fragmentos que nos restaram às edições críticas e às antologias elaboradas por
esses poetas. (p. 17)
O período helenístico foi responsável por mudanças profundas de valores
literários, do próprio estatuto poético, da produção e da recepção da poesia. De
um modo geral, a poesia assumiu a função de entretenimento e seu espaço de
circulação se restringiu a pequenos grupos, patrocinados pela aristocracia.
Apesar do estilo arcaizante e de seu conservadorismo social e cultural, a poesia
desta época proporcionou uma grande inventividade, responsável por diversas
inovações que se farão sensíveis sobretudo na poesia romana, que sofreu
grande influência da produção intelectual desse período. (p. 17)

Um dos gramáticos de maior destaque foi Calímaco de Cirene. Trabalhou


ativamente em Alexandria, principalmente entre os anos 280 a 245 a.C. Segundo
a Suda, Calímaco teria escrito mais de oitocentos livros em verso e em prosa.
Teria escrito ainda 120 livros, que seriam catálogos chamados Pínakes, que
continham uma bibliografia enciclopédica de todos os escritores gregos: listas
alfabéticas dos autores, biografias breves, lista das obras e seus incipit. Os
Pínakes tratavam da lírica, da tragédia, da filosofia, etc., e servia de catálogo
para o Museu. Ele teria ainda escrito outras obras de caráter enciclopédico23 e
monografias, o que demonstra seu enorme conhecimento e seu espírito
empreendedor. (p. 17-18)

Como poeta, a obra de Calímaco é marcada por uma grande preocupação


formal e por sua concisão. Escreveu em praticamente todos os gêneros literários,
e nos restaram poemas elegíacos, fragmentos de jambos e de poemas líricos24,
hexâmetros, além de sessenta e três epigramas25 que constam da Antologia
Palatina. Uma das posições críticas de Calímaco em relação à literatura,
bastante controvertida, pode ser sentida em um dos epigramas que ora
apresentamos. No epigrama XXVIII, o poeta rejeita os temas da poesia épica,
copiados pela épica póshomérica, que era chamada “poesia cíclica”, e os
caminhos por ela trilhados. Repetidas vezes ele defende uma poesia inovadora,
pura, precisa, anticonvencional, o que justifica sua admiração por Mimnermo e
por Hipônax. (p. 18)
Meleagro de Gadara é uma das “figuras menores”26 da poesia
alexandrina do séc. I a.C. Conhecemos apenas cerca de 132 epigramas da
Antologia Palatina, que lhe são atribuídos. A variedade temática e o refinamento
fazem dele um poeta de destaque entre os epigramistas desse período. Os
poemas aqui traduzidos são poemas de amor dedicados a Heliodora ou a
Zenófila. (p. 18)

Como se pode perceber nesta breve Apresentação, a lírica grega é


polifônica, além de também ser polimorfa, não se esgotando na definição de um
gênero único. Os únicos traços genéricos comuns que podemos identificar é a
composição em versos, em sua maioria não-narrativos, a característica da
diversidade e da inovação, que garantiram a sobrevivência do gênero, a
intertextualidade que fundou a tradição literária e a grande preocupação formal
que lhe conferiu o estatuto de obra de arte. Quer a classifiquemos a partir de
critérios psicológicos e existenciais, tal como temos feito desde o romantismo
alemão, que a identifica como um gênero da subjetividade, quer a classifiquemos
a partir de suas formas métricas, criando subgêneros tais como a elegia e o
jambo, a monódica e a coral, temos de admitir que ou reduzimos por demais
estas formas poéticas ou então criamos um sem-número de subgêneros que não
nos garantem uma apreensão do fenômeno lírico enquanto tal. (p. 18-19)

Talvez a nossa dificuldade de lidar e de classificar a lírica provenha de


sua relação mesma com a música e com a dança. Como considerá-la um gênero
literário, ela que não possuía o lógos como seu elemento único? E como
classificá-la num mesmo sistema junto à épica e ao drama, ela que não se
caracteriza por ser um gênero eminentemente narrativo? Essa dificuldade já
acometia Platão e Aristóteles, cujas teorias poéticas trataram suficientemente da
épica e do drama, mas que não acomodaram facilmente a lírica em seus
modelos27. Hoje em dia esta dificuldade persiste, e não é fácil considerarmos
as letras das canções populares como literatura e nem mesmo incluir o seu
estudo nas Instituições Acadêmicas, que as consideram, quando muito, uma
forma menor. (p. 19)
Talvez por sua relação com outras artes, talvez por ser um instrumento
democratizado de ataque aos mais altos escalões do poder, talvez por assumir
formas incontroláveis, a lírica não foi devidamente valorizada no seu processo
de transmissão, em relação à épica, à filosofia ou à história. (p. 20)

Arquíloco (p.23)

fr. 1 W
Eu sou servidor do senhor Eniálio
e conhecedor do amável dom das Musas. (p. 23)

fr. 5 W
Um Saio alegra-se com o escudo que, junto a um matagal,
arma irrepreensível, deixei não querendo.
Mas salvei a mim próprio! Que me importa aquele escudo?
Que suma! de novo comprarei um não pior. (p. 23)

fr. 11 W
Pois, nem irei remediar algo chorando, nem pior
irei torná-lo seguindo prazeres e festas. (p. 23)

fr. 19 W
Não a mim. as coisas de Giges, rico em ouro, não me importam,
nem me toma jamais rivalidade, nem me irrito
com as obras dos deuses e não amo a grande tirania:
longe, pois, adiante estão de meus olhos. (p. 25)

fr. 114 W
Não gosto de um general grande, nem de andar aprumado,
nem dos cabelos cacheados orgulhoso, nem bem barbeado;
mas, para mim, pequeno ele seja e, reparando as pernas,
cambaio, firme fixo nos pés, pleno de coragem. (p. 25)

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