Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 16/07/15

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA


TEORIA E METODOLODGIA DA HISTÓRIA
PROFESSOR: Antônio Torres Montenegro
ALUNO: Raphael Souza Lima

FOUCAULT. Michel. Apêndice da Primeira Edição (1982): O Sujeito e o Poder. In:


DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2013.

O Apêndice “O Sujeito e o Poder” é um texto do próprio Foucault como


contribuição à discussão sobre o problema do poder. O filósofo tem a preocupação,
nesse texto, de precisar antes a questão principal que permearia todos os seus estudos
para, posteriormente, demonstrar como a questão do poder fora desenvolvida muito
mais como necessidade de um campo conceitual insuficiente à sua abordagem. O campo
do poder emergiria então como uma realidade relativamente independente, mas que
estaria permeando todo o corpo social não como origem, mas como produto dessas
próprias relações.
O primeiro tópico é intitulado “Porque estudar o poder: a questão do sujeito”.
Inicialmente Foucault esclarece que não pretende tratar de uma teoria ou metodologia,
mas do objetivo de seus trabalhos nos últimos 20 anos. Esse não foi estudar o poder,
mas dos diferentes modos de como os seres humanos se tornaram sujeitos, a partir de
três modos de subjetivação: os modos de objetivação da investigação científica; os de
práticas divisoras; o modo como o ser humano torna-se ele próprio um sujeito.
Consequentemente, envolveu-se bastante com a questão do poder ao observar ausência
de ferramentas de estudo. Essas seriam relações complexas nas quais o sujeito humano é
colocado tal qual relações de produção e significação, no entanto nesse campo pouco
tinha sido desenvolvido sobre e que pudesse dar conta da questão da objetivação do
sujeito. Seria então necessário estender as definições de uma definição do poder.
Foucault coloca, além disso, que em um trabalho analítico não deveria buscar
uma teoria que construísse objetivações prévias de um objeto, mas que se desenvolvesse
conceituações baseadas em um pensamento crítico que as coloquem em constante
verificação, primeiramente verificando o que chamou de “necessidades conceituais”.
Essas, por sua vez, não deveriam se fundamentar em uma teoria do objeto, seria
necessário antes conhecer as condições históricas que motivam nossa conceituação, uma
consciência histórica da situação presente. Em segundo lugar, verificando o tipo de
realidade com a qual se está lidando.
A partir disso, Foucault toma os fenômenos do fascismo e do estalinismo,
formas doentias do uso do poder, e observa a evidente relação entre esses excessos e a
racionalização moderna. Deveríamos, ressalta, pensar em uma nova economia do poder,
e para isso observar sua relação com essa racionalização. Defende, no entanto, que seria
infrutífero propor-se a um julgamento da razão como entidade contrária a uma não
razão, ou tentar observar essa racionalidade da modernidade originária de um fenômeno
iluminista – posto que isso já teria sido feito pelos filósofos da escola de Frankfurt.
Propõe-se então a uma outra forma de investigação das relações entre racionalização e
poder. Sua forma de investigação não tomaria a racionalização da sociedade ou da
cultura como um todo, mas como um processo que se desenvolve em vários campos
distintos. Propõe-se então à pesquisa das distintas formas de racionalidade em suas
especificidades. Também suas pesquisas não se prenderiam a essas racionalidades como
fenômenos ligados ao iluminismo, mas a processos mais remotos, presentes desde a
antiguidade. Além disso, se propõe a analisar essas relações de poder não a partir de sua
racionalidade interna, mas a partir das diferentes formas de resistências, através dos
antagonismos das estratégias.
Foucault observa então as várias formas de lutas modernas e como elas, se por
um lado se apresentam como lutas anárquicas, lutas que possuiriam como fio condutor o
questionamento do estatuto do indivíduo, que girariam ao redor da questão “quem
somos nós”, questionando as formas de sujeição. Não seriam, portanto, lutas que
negariam as relações de dominação e exploração, que ainda coexistiriam, mas que
também não poderiam ser tomadas de forma hierarquizante de importância, posto que
manteriam relações circulares entre elas.
A razão dessas lutas contra as formas de sujeição serem prevalecentes na
atualidade, segundo Foucault, estaria relacionada à nova forma política de poder que
viria se desenvolvendo na civilização ocidental desde o século XVI: o Estado. Este teria
integrado, em sua nova forma política de totalização, as práticas individualizantes da
pastoral cristã. O estado moderno teria se desenvolvido não como uma entidade superior
aos indivíduos, mas como uma estrutura muito sofisticada na qual os indivíduos podem
ser integrados sob a condição de moldarem-se a modelos muito específicos. O estado
seria a forma moderna da pastoral cristã que encontrou apoio em uma multiplicidade de
instituições. Para Foucault, por fim, ao contrário da busca kantiana de saber quem
seriamos nós em um determinado momento histórico (Século XVIII), a questão agora
seria nos desvincularmos desses modelos de ser, dessas formas de individualidades
impostas.
No tópico seguinte Foucault se atêm a questão do poder propriamente dito, a
questão central é compreender “Como se exerce o poder?”. O filósofo inicia observando
as críticas feitas ao seu método de observar a questão do poder a partir de “como” ele se
exerceria, no lugar de questionar sua origem ou natureza. Para ele, a inversão que faz da
questão é justamente para questionar empiricamente se seria legítimo imaginar um
poder que reúna um porquê, um quê e um como, para, assim, introduzir a suspeita de
uma não existência de um ente ontológico “poder”. Essas questões que procuram uma
natureza ou origem de um poder objetivo talvez estariam ajudando a esconder e
deixando escapar um conjunto de realidades bastante complexas. Divide então quatro
tópicos para tratar sobre o tema.
No primeiro tópico questiona-se: “como acontece quando os indivíduos exercem
seu poder sobre os outros?”. Inicialmente trata de distinguir o poder que se exerce entre
indivíduos do poder que se exerce sobre as coisas. Enquanto o ultimo seria uma
capacidade dos indivíduos, que os permite modificar, usar, consumir ou destruir
objetos; o poder que se exerce entre indivíduos (ou grupos) seria um conjunto de ações
que pressupõem uma indução e uma resposta. Diferencia as relações de poder das
relações de comunicação e das capacidades objetivas, essas seriam três tipos de relações
distintas, porém imbricadas, apoiando-se reciprocamente e servindo-se mutualmente de
instrumento. Esses três domínios, em suas relações, poderiam ser observados
claramente seguindo formulas pensadas nas Disciplinas. Essas, por sua vez, mostrariam,
segundo esquemas artificialmente claros e decantados, a maneira pela qual os sistemas
podem se articular. Mostrariam também diferentes modelos de articulação focando em:
obediência (ordens, penitenciárias), atividades (oficinas, hospitais), comunicação
(escolas), ou os três de forma equivalente (militares). Foucault conclui o tópico
observando que aquilo que se deve compreender como disciplinarização das sociedades
seria a forma como se tentou um ajuste cada vez mais controlado entre atividades
produtivas, de comunicação e relações de poder.
Num segundo tópico, Foucault se pergunta em que consistiria então a
especificidade das relações de poder. Essas seriam não apenas relações entre
“parceiros”, mas modos de ação de alguns sobre outros. Seriam modos de ação que não
agiriam direta e imediatamente sobre o outro, mas formas de ação sobre a própria ação,
distinguindo-se assim da relação de violência, que agiria diretamente sobre o corpo o do
outro. Logo, para que haja relação de poder, o outro deveria ser reconhecido e mantido
como sujeito de ação, dotado de um campo de respostas, reações, efeitos ou invenções
possíveis. A violência, por sua vez, poderia ser instrumento ou efeito dessas relações,
mas não seu principio ou natureza. Dessa forma, o exercício de poder teria como
condição prévia a liberdade. De modo que não haveria relação de oposição, mas de
incitação recíproca permanente entre ambos.
Posteriormente Foucault coloca a questão de como analisar essas relações de
poder e retoma sua hipótese de que as instituições seriam espaços privilegiados para se
observar essas relações em seu mais alto grau de eficácia. Observa, porem, a
necessidade de se ter o cuidado de observar essas instituições a partir das relações de
poder e não o inverso. Finalmente, quatro pontos deveriam ser estabelecidos nessas
análises: os sistemas de diferenciação que permitiriam agir sobre as ações dos outros
(posto que todas relações de poder operariam diferenciações ao mesmo tempo como
condição e efeito); os tipos de objetivação perseguidos por aqueles que agem sobre a
conduta alheia; as modalidades de instrumentação utilizadas; as formas de
institucionalização e, por fim, os graus de racionalização. Foucault finaliza o tópico
ressaltando que as relações de poder perpassam e encrustam-se em todo o corpo social e
não apenas nas instituições e o Estado, por sua vez, seria apenas uma dessas
instituições, cuja importância na contemporaneidade seria resultante de um movimento
de estatização das relações de poder.
No último tópico Foucault se propõe a observar a relação entre poder e
estratégia. Define então três sentidos para a ultima: seria um meio para se chegar a um
fim (objetivo); seria também uma forma pela qual um age em função daquilo que pensa
ser a ação do outro, ou daquilo que acreditar que pensarão ser a sua (buscando assim
uma vantagem sobre o outro); e seria, finalmente, um conjunto de procedimentos para
se obter a vitória sobre o adversário. Essas seriam três significações que se reúnem nas
situações de confronto visando a vitória sobre o outro. Mas esse seria um tipo bem
particular de situação de guerra ou jogo. Existiriam também estratégias específicas às
relações de poder agindo como mecanismos. Haveria, no entanto uma relação de
reciprocidade, encadeamento e inversão perpétua entre essas estratégias de confronto e
as relações de poder.

Você também pode gostar