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RELATÓRIO

KULICK, Don. Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil . Rio de Janeiro:
Ed. FIOCRUZ, 2008.

OS DEBATES E A LEITURA DO LIVRO “TRAVESTI”

Edinaldo dos Santos Araújo

Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil, de Don Kulick, fala das
relações de gênero na cultura brasileira, sobre as construções sociais do corpo
masculino e, especialmente, do feminino, de sexualidade, infidelidade, violência
simbólica, acusações que sofrem grupos que são estigmatizados socialmente. Além
disso, aborda, também, questões metodológicas importantes para as ciências sociais,
como as dificuldades de um trabalho de campo realizado em uma "tribo"
completamente exótica para o pesquisador, a relação tensa e prazerosa do antropólogo
com os seus pesquisados, as alegrias e sofrimentos de se viver entre os "nativos".

Entre 1996 e 1997, durante aproximadamente 12 meses, o antropólogo


americano viveu em um minúsculo quarto na mesma casa onde moravam 13 travestis,
em uma das áreas mais pobres e perigosas de Salvador. Ele chegou ao Brasil sem falar
português, língua que aprendeu com as próprias travestis. Dessa forma, pôde observar,
sem qualquer julgamento, seus movimentos, rituais de embelezamento, suas conversas,
suas brigas e fofocas, seus programas. Ele tomava café da manhã com elas quando
acordavam, por volta do meio-dia, deitava-se em colchonetes para assistir a novelas e a
filmes de ação nas madrugadas e, todas as noites, das 20h00 até duas da manhã, andava
pelas ruas onde elas trabalhavam como prostitutas.

Sendo um forasteiro de cabelos louros, um americano que morou na Suécia


durante 20 anos, Kulick tinha um certo ar exótico que parecia atrair as travestis. Ao
mesmo tempo, não tinha qualquer preconceito, posto que não sabia quase nada sobre
suas vidas quando começou a estudá-las. Não demorou para Kulick descobrir que as
travestis são um dos grupos mais marginalizados, temidos, discriminados, vitimizados e
desprezados da sociedade brasileira.

Kulick presume que sua condição de pesquisador estrangeiro, preocupado em


manter uma postura não etnocêntrica, e sua própria opção sexual, sendo ele
assumidamente gay, permitiu uma relação privilegiada com as travestis de Salvador,
cujo resultado foi o acesso a dimensões de sua vida que ainda não haviam sido descritas
por outros antropólogos.

Desde o início da pesquisa, Kulick simpatizou e passou a admirar as travestis,


especialmente por seu humor irreverente e pela postura desafiadora com que
enfrentavam as muitas ofensas e agressões cometidas por policiais e pessoas comuns
que passavam por elas. O que começou como um trabalho de campo pouco a pouco se
transformou em uma verdadeira amizade. Se no início da pesquisa Kulick se sentia
obrigado a passar todo o tempo com as travestis pelo fato de está-las estudando, o
relacionamento que foi se desenvolvendo depois com muitas delas tornou-se tão íntimo
que, na época em que deixou Salvador, em 1997, passou a visitá-las justamente quando
queria relaxar e esquecer o trabalho.

De acordo com o autor,a existência de travestis é registrada em toda a América


Latina, mas em nenhum país elas são tão numerosas e conhecidas como no Brasil, onde
alcançam visibilidade notável, tanto no espaço social quanto no imaginário cultural.
Uma das evidências de sua observação é a de que, em meados dos anos 1980, a pessoa
tida como uma das mulheres mais belas do Brasil era exatamente uma travesti: Roberta
Close, que posou para a Playboy, ícone do imaginário masculino sobre as mulheres
mais desejáveis sensuais do Brasil.

Para Kulick, as travestis são "condensações" de determinadas ideias gerais,


representações e práticas do masculino e do feminino. Elas elaboram determinadas
configurações de sexo, gênero e sexualidade que sustentam e dão significado às
concepções de homem e mulher no Brasil. Daí a pergunta que o antropólogo persegue e
que provoca: o que as práticas travestis nos ensinam sobre o modo como o gênero é
concebido e constituído na sociedade brasileira?

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