Você está na página 1de 123
ESPACO, TEMPO E ARQUITETURA See alee atone ETc (a2 a S. Giedion PARTE II NOSSA HERANGA ARQUITETONICA Sem uma percepcio clara de sua posigie sobre o passada, ou do caminho por meio do qual avangar para o futuro, a vida de qual- quer periodo sera vivida sem nenhum propésito, na base do dia-a- dia. © nossa tempo ji sofreu muito em razio dessa atitude lnissez- faire e da completa falta de planejamento decorrente. Porem é notério que uma revolta contra essa visdo estreita esta em curso, na ciéncia, na arte e na inchistria, Intensifica-se a deman- da por uma investigagio mais abrangente em todos os campos da atividade humana. E nesse sentido que a Histéria tem um importante papel a de- sempenhar. Ela pode revelar 05 elementos constituintes do nossa periodo que haviam sido esquecidos, da mesma maneira que os pais podem recuperar aquelas peculiaridades referentes aos an- cestrais e 4 infancia que continuam a determinar nossa natureza, embora nao tenham lugar em nossa meméria. © vinculo com o passada ¢ pré-requisito para o surgimento de uma tradi¢o nova e autoconfiante. ANOVA CONCEPCAO DE ESPACO: A PERSPECTIVA Em seu livro The Civilization of the Renaissance [A cultura do Re- nascimento na Itilia], Jacob Burckhardt afirma que“o pensamento Politico mais elevado e as formas mais variadas de desenvolvimen- SM ESPACO, TEMPO ARQUTETURA to humane se encentram reunides na histdria de Florenga, que, neste sentide, merece 0 titulo de primeira Estado modemo... Aquele ad- mirdvel espirito florentino, ao mesmo tempo agudamente critico e artisticamente criativo, transformava incessantemente as condicoes politicas ¢ sociais do Estado, ao mesmo tempo que descrevia e jul- gava essa transformagdo”. Porém, por volta de 1400, no inicio do (Quattrocento, Flovenga foi importante nio somente como sede de ‘experimentos sociais e politicos, mas também como o lugar onde o esprit nouveaw do Renascimenta manifestou-se mais intensamente. Foi esse espirito peculiarmente florentino que fez de Flarenga uma “cidade Unica — 9 mais importante laboratorio do espirito italiano e, na verdade, do espirito moderno europeu”. A fermentago renascentista entao encontrada em Florenga ma- nifestou-se mediante as mais diversas ¢ variadas formas. Conside- raremos somente um dos novos desenvelvimentos dai decorrentes: a nova concepgio de espacn. No inicio do século XV, em Florenga, essa concepgao foi trachuzida em termos artisticos por meio da des- coberta da perspectiva. No decorrer das cinco séculos seguintes a perspectiva seria um dos fatos constituintes da histéria da arte, cinone incontestavel ao qual toda representagie artistica deveria conformar-se. Na “perspectiva” linear — etimologicamente, “visio clara’ — os abjetos s3o representados sobre uma superficie plana conforme sao vistos, sem referéncia 45 suas formas ou relagoes absolutas. O todo do quadro ou do desenho € calculado de modo que seja va- lido para um tnico ponto de vista. Para o século XV, esse principio significou uma revalugas completa, uma extrema e violenta ruptu- tacoma medieval concepgio plana ¢ desarticulada de espago, que constituia sua expressdo artistica Com a invengao da perspectiva, a moderna nogaode individua- lismo encontrou sua contrapartida artistica. Numa representagio em perspectiva, cada elemento acha-se relacionado com um tnico ponte de vista, o do espectador. Esse principio surgiu como uma invengao inteiramente nova, porém raras vezes uma nova invengdo esteve em tanta harmonia com o sentimento fundamental de uma época, Desde 0 momento desta descoberta, nao se observou nenhuma hesitagao em sua apli- capdo; a perspectiva foi imediatamente empregada com a mais com~- pleta segucanga ¢ confianga. Artistas e cientistas dominaram seus segredos com um orgulho © uma excitagao facilmente explicivels. NOSSA HERANCA, ARQUITETONICA 59 Seus sentimentos com relagdo 4 perspectiva se revelam na entu- slastica exelamagao do pintor Paolo Uccello:*Come é doce a per pectiva!” A perspectiva nao foi uma descoberta de uma pessoa; foi a ex- Pressio de toda uma época. Encontraremos uma situagdo seme Thante posteriormente, quando viermos a discutir o cubismo, Ali, também, em vez de um unico inventor, encontraremos o surgimen- to de todo um movimento como respasta a uma nova conceppic de-espago desenvolvida em nossa época. Em ambos os easos, 0 [ato significative é 0 cruzamento da arte com a ciéncia, porém foi no de- ‘nwolvimento da perspectiva que as duas operaram juntas mais es- treitamente, Na verdade, poucas veres ocorreu to completa unida- de de pensamento e sentimento — arte e ciéncia — como no inicio do século XV, Nao havia apenas uma importante identidade de mé- todo entre essas duas esferas, mas a unido completa do artista e do cientista, plasmados numa s6 pessoa. Brunelleschi (1377-1446), um dos grancles precursores da pers- pectiva, reunia justamente essas qualidades. Ele comegau sua car- reira como ourives e estudante de linguas antipas ¢ tornou-se ao Mesmo tempo um grande arquiteto, escultor, engenheiro ¢ mate- miatico. Nao nos atrevemos a dizer que essa extrema versatilidade sd era possivel naqueles tempos remotes. De certo modo, ela 6 Possivel em qualquer época em que os especialistas ndo atuem de modo independente, mas trabalhem de acorde com uma concep 40 unificada da vida. Na verdade, um dos segredos do alto grau de perteigao da obra renascentista ¢o fato de naa ter sido dividida en- tre especialistas. Assim, quando Brunelleschi incumbiu-se da tarefa de construira cGpula da catedral de Florenga, pide trata-la simulea- heamente como um arquiteto ousade ¢ um construtor arrojade. Ele projetou uma cipula dupla, semelhante as primeiras construgdes orientais. A cipula foi erguida sem armacGes, no ar, a uma altura de aproximadamente 30 metros. Em seu arroubo técnica, a capula de Brunelleschi ¢ comparavel as pontes do engenheire francés Eiffel, que se lancam livremente ne espago- Serd que podemos compreender, ao compararmos nossa prd- Pria época com aquela, o que significa encontrar num tinico ho- mem a capacidade necessdria para executar tanto as obras mais au- daciosas de engenharia quanto as mais primorosas esculturas? Pois tal unido de talentos pode ser encontrada em quase todos os gran- des artistas do Renascimento. Leonardo da Vinci representa um tipo, 8 ESPAGG, TEMPO E ARQUITETURM nao uma excegdo. E esta tradigaa de unir do cientista e o artista numa 86 pessoa persiste através dos séculos XVILe XVIII. No Renascimento, o maior passa adiante foi dado no decénio compreendido entre 1420 e 1430. pinter Masaccio era o mais jovem dos grandes mestres fenas- centistas, ¢ 0 mais avancado, Nascido ja no novo século — em 1401 —, era a pura encarnagdo do espirite renascentista. A histéria da pin- tura desse perioda certamente teria sido diferente, ngo fosse por sua morte precoce aos vinte e sete anos. O arquiteta Brunelleschi era quase vinte e cinco anos mais velho que Masaccio, & nao estava isento do espirito gotico do século XIV. Ja o escultor Donatello era dezoito anos mais velho que Masaccio: ele também teve que des- vencilhar-se do sentimento gética, e conseguiu-o gragas a seu ad- mirdvel espirito naturalista, O fato de Masaccia ter sido o primeira dentre os trés a chegar 4 nova visio de seu tempo nao é um caso Ginico. Mais adiante veremos que a pintura moderna antecipou a ar- quitetura moderna de maneira semelhante. O“afreseo da Trindade”, de Masaccio (fig. 1), na Igreja de Santa Maria Novella, em Florenga, foi realizado quanda o pintor tinha por volta de vinte e cince anos de idade. Pintado durante os anos 20 do Quatirocento, foi redescoberto no final do século XIX e en~ contra-se atualmente em condigdes precdrias de conservagac. Esse afresco foi famoso por muito tempo por retratar Ge forma natura- lista os fundadores da igreja em que se encontra. E o primeiro exemplo de uma infinita série de pinturas desse tipo, Mas, para nds, 9 mais relevante nessa composigdo ¢ 0 fato de ser toda ela cingida por uma majestosa abébada de berco. O ponto de vista a partir do qual sua perspectiva esti calculada ¢ bem baixo_ de modo que a abébada possa ser contemplada em toda a sua grandiosidade. Esse afresco, anterior A conclusie de qualquer interior yenascentista, re- presenta o que parece ser a primeira expressio bem-sucedida, em termos arquitetonicos, do sentimento renascentista subjacente ao desenvolvimento da perspectiva. Revela um uso surpreendente dos: elementos recém-descobertes em combinagaa corn um entorno ab solutamente limitado em termos tecténicos. Sua imponéncia refutavel; mesmo Vasari — familiarizado com ous ados tratamentos em perspectiva do espago — admirou a maneira camo essa abobada pintada perfurava a superficie plana da parede, £ possivel que Masaccio tenha aprendido persspectiva com Brix nelleschi; jd se discutiu até se o proprio Brunellesschi nao teria exe- NOSSA HERANCA ARGUITETONICA 61 cutado a perspectiva arquiteténica do afresco da Trindade. Era bas- tante comum no Quattrocento que pintores ¢ escultores empregas- sem especialistas qualificados para esse tipo de trabalho. Porém a abdbada de berca de Masaccio nao é um elements incidental na composigag; nao é um simples pana de funds. Ao contrario, ela domina todo o conjunto da pintura. Na época em que foi pintada, Brunelleschi se ocupava da construgao do pértico dos Innocenti e da sacristia de San Lorenzo, E nem mesmo em suas wiltimas obras empregou a abébada daquela maneira, tendo conservado sempre uma certa fidelidade aos costumes medievais. © afresco da Trindade, com sua abdbada ricamente decorada com caixotées, tem a gran- diosidade de um arco triunfal. A expressia serena, tao cara ao gosto de primeiro Renascimento e comum a todas as obras de Brunelles- chi, estd ausente dessa obra. Em seu jugar, hi a austeridade roma na de uma época posterior. A abdbada de bergo pintada por Masaccio provou sera prande solugdo para o problema da cobertura de grandes espagos enfrenta do pelos arquitetos do Renascimento e do Barroco, embora nao te- nha adquirido forma eoncreta até a construgdo da Igreja de Sant’ An- drea em Mantua (fig. 2), em 1472 — quase quarenta e cinco anos apds a morte de Masaccio. Essa igreja, com sua abébada grave, constitui a realizagao arquiteténica do ideal prefigurado na pintura de Ma- saccio. E igualmente significative que Sant’ Andrea tenha sido proje- tada por um homem da mesma geragdo de Masaccio, nascido logo no inicio do Quattrocento: © arquiteto e humanista florentine Leon Battista Alberti (1404-72). Até no exterior, o desejo de utilizar a abé- bada de bergo levou av seu emprego nos locais mais inusitados. © coro“ilusionistico” de Bramante em Milao — uma obra de pe- quenas dimensées mas grande influéncia = constitui uma das eta- Pas intermeditirias entre o afresco de Masaccio e a basilica de Sac Pedro em Roma. Uma linha de desenvolvimento ininterrupta ligao afresco da Trindade, o coro de Bramante e a imensa nave barroca da Basilica de Sao Pedro — seu ponto culminante. coro ilusionistico de Bramante (fig. 3), na Igreja de Santa Ma- tia presso San Satiro (1479-1514), é na verdade, somente um pe- queno nicho. Foi construido e pintado parcialmente, a fim de pro- duzir 0 maior efeito de profundidade possivel, no espago a dispo- sigdo do artista, Para nés, sua importancia esta em constituir uma das etapas intermediarias entre o afresco de Masaccio ¢ a Basilica de Sao Pedro. 64 ESPAGO, TEMPO E ARGUITETURA sua cpula, numa grande explosao..4 geracio posterior a Madero. © seu papa ampliou essa concepgae longitudinalmente, de acarda com o desejo de Barroco tardio de um espago prolongade e inin- terrupto. A impressao que o visitante experimenta ao entrar na Ba- silica de Sao Pedro advém das dimensdes sobre-humanas desta nova nave, Sua altura excede 45 metros—o equivalente 4 altura dos primei- ros arranha-céus. Sua largura ¢ relativamente modesta, porem Ma- demo sabia como evitar que o observador se desse conta disso. o grau de desenvalvimento artistico do Barroce, e set pleno dominio do espago, evidencia-se na maneira como isso ¢ realizado: as cape- las laterais, quase imperceptivelmente, dilatam a nave ¢ Ihe canfe- rem uma grande imponéncia. O afresco da Trindade de Masaccio assinala o momento em que se descobriram a imponéncia ¢ a farca que podem ser expressas por meio de elementos simples ¢ monumentais. A nave de Carlo Ma- demo na Basilica de $30 Pedro difere da abébada pintada por Ma- saccio tanto em dimensdes quanto em complexidade. Porem essas 3. BRAMANTE. Coro thustonts- co em Santa Mana press 5. Sabra, Milo, 1479-1514 NOSSA HEMANCA AROUETETONICA 65 4. CARLO MADERNO, ave da Hatiicade'Sto Petio, Roma, 1807-17, A sabia mas maestose -raw probed aboteds revacentsa. Epa anions connec a esa ak 30 apa cern igra de Gsi © oy Malla uta re rrr diferengas somente sintetizam as possibilidades que estavam la tentes na visio aleangada pelo mestre do sécula XV, A geracio imediatamente subseqiiente a Carlo Maderno le- ‘vou esse desdobramento a resultados mais amplos ¢ especificos. Porém, antes de tratarmos deles, voltaremos a algumas das obras arquitetinicas em que a espirito do primeira Renascimento se manifestou, A primeira edificagio na qual o espirito renascentista se mani- festa é.a Joggia de Brunelleschi no Ospedale degli Innoxenti,em Flo- renga. O Ospedale degti Innocenti foi construido por encomenda da corporagio dos teceles da seda, da qual Brunelleschi, na qualidade de ourives, também era membro, Entre 1419 ¢ 1424 ole construiu os nove arcos centrais do edificio, (6 ESPACO, TEMPO E ARQLATETURA Uma vez que esta primeira edificagao renascentista se destinava ao servigo comunitario, sua aparéneia njo devia necessariamente se conformar ans padraes de magnificéneia e imponencia dos edi ficios do Estado — edificios que, nao Taro, refletem a gosto do perio- do anterior. Assim, os paldcios florentinos preservaram, até meados do século XV, sua semelhanga com as fortalezas goticas fechadas. No Ospedale degli Innocenti, Brunelleschi teve a oportunidade de abrir o bloco macigo da edificagao, que se assemelhava a uma for- taleza. Fez isia por meio de um pértico de arcos plenos, gracioso em sua elegante leveza. A parede superior do Ospedale degli Innocenti nao é rusticada, mas tratada como uma superficie plana, com janelas largamente espa- gadas. Uma preferéncia renascentista revela-se extemamente na mol- dura que seceiona horizontalmente em duas a superficie da parede. Porém o que mais caracteriza o Ospedale ¢ o seu portico, onde © mais interessante é o tratamenta do teto. As necvuras géticas de- sapareceram, sendo substitufdas por uma absbada leve, semeihante auma vela infunada, Arcos transversais saa empregados para ev1- denciar os limites entre cada abdbada e a que lhe é contigua, fazen- do valer, desse modo, a exigéncia renascentista quanto a indepen- déncia completa de cada seco de um projeto. Nao ha qualquer relagao direta entre a arquitetura classica e 0 Ospedale degli Innocenti de Brunelleschi. Frequentemente se obser- va que as principais caracteristicas do estilo arquiteténico de Bru- nelleschi estao intimamente ligadas aos edificios que faziam parte de seu dia-a-dia em Florenga —ao Batistério, a San Miniato ¢ & aba- dia de Fiesole. Todos esses edificios esto em consonancia com a tradigio da arquitetura medieval dos séculos VIII ac XH. A abdbada hemisférica, utilizada com tanta seguranga por Brunelleschi em suas igrojas e no Ospedale — e que foi sempre sua abdbada predileta ~, também no era comum na Antiguidade. Era, no entanto, bastante comum na arquitetura bizantina, especialmente nas loggias e 10s wes~ tibulos dos edificios eclesiasticos. Havia uma ligagdo relativamente estreita entre Florenca e Bizdncio na época de Brunelleschi. Pesqui- sas recentes também evidenciaram que algumas das primeiras uti- lizagSes da abdbada no Renascimento deve mais a Idade Média e a Bizancio do que 4 Antiguidade classica A Capela Pazzi, de Brunelleschi (fig. 5), €. primeira edificagaa renascentista em que tanto o interior quanto o exterior apresentam: dimensdes e cardter manumentais. Fol iniciada em 1430, dee anos NOSSA HERANGA ARQUITETONICA 67 Gas ole feven ska aiyestas tar fe, © do avancand. em profurufidade como no afresco. a Trindade ce Mdpsacco. Mota’ 0 mceita cucado oa pared portions plana apds 0 Ospedale, quando Masaccio ja nao era vivo. A capela propria mente dita foi concluida em 1442; sua decoragao so foi finalizada em 1469, Brunelleschi substituiu as abGbadas esféricas utilizadas no Ospedale por abdbadas de bergo dispostas transversalmente, em ved de avangar em profundidade como no afresco de Masaccio. (Abdbadas de bergo dispostas transversalmente sao. encontradas na arquitetura bizantina ¢ sitia.) Essas abobadas, juntamente com a edipulla situada sobre o ponto de i central, produzem uma impressao de planaridade, em vez da profundidade buscada por Masaccio e pelo Renascimento posterior, interior da Capela Pazzi constitul o ponte de partida para to- das as igrejas renascentistas de planta central. 0 espace interior se desenvolve por meio da adigao de requadros cujas formas geome: tricas podem ser prontamente percebidas, ¢ seus limites demareades por uma estrutura de pedra, em cores contrastantes, Tem o freseor inimitavel de unm nove nascimento, porém as duas pequenas abo- badas de bergo, em suas dimensdes modestas, mostram que a can fianga na nova visdo ainda nao havia sido conquistada, Quando com- 70 ESPACO, TEMPO E ARQUITETURA ta, comona cidade concluida de Palmanova (1599), ou contém uma torre central - um posto de observagao central —a partir do qual as vias radiais so vistas em perspectiva reduzida ‘Certamente a conformagia radiacéntrica dessas estrelas de seis, gilo, nove e doze pontas foi influenciada de maneira decisiva pela introdugdo da pélvora. Na \dade Média, um circuito fechade de muros protetores com torres erguendo-se em intervals acima das ameias havia se provado adequado & defesa das cidades. Agora 0 muro cit- cundante é transformado em uma série de bastides denteados (fig. 6) a partir dos quais o fogo pade varrer © atacante ‘As formas poligonais estelares da cima ideale resultam do sis- tema de fortificagao do Renascimenta, porém esse nfo constitul gua Gnica influéncia. Na base da cidade estelar esta a teoria renas- centista do edificio organizado em torne de um niicleo central. Essa concepgao dominou Bramante por toda a sua. vida, ¢ é sabido que a combinagao de uma estrutura em domo com capelas radials cons- tituiu o problema arquitetnico que mais agugou o interesse de Leonardo da Vinci. O edificio de planta cen tral, localizade no cora- 6. FRANCESCO Di GRIRGIO. Bastioes em forma de cunha, de seu Trattatto oi Architedtura™, ésse3 bases, que: commbiltavarn 208 efersores varver 4 bala ai Meas das fomas atacantes » partir de (pualquer ponto do qual se aproximassem, sic atributtos France NOSSA HERANCA ARQUITETONICA 21 gio de uma cidade estelar, desempenha o mesmo papel do abser- wador simbélico situado no ponto focal da camposigao. O edificio de planta central ¢ constante na pintura do periodo. Basta mencio- har uma primeira obra célebre de Rafael, o"Sposalizio” ou “Marria- pe of the Virgin” [Casamento da Virgem] (1504), na galeria Brera, em que um templo poligonal se ergue de maneira impetuosa até a extremidade superior da moldura ¢ domina toda a composigao, ao mesmo tempo que amplas extensdes de piso de marmore escuro, a partir dos curtos langos de degraus circundantes, inserem a nogio de distancia na perspectiva, O desenho de Vittore Carpaccio (fig. 7) éum dos muitos exemplos possiveis iene: 7 VITTORE CARPACCIO. Sao Jorge © o Diagdo, entre 1502 e 1502. Como nda raro oowre na pintura veneziona, oiemma do: quacka néo-canstin’ » parte mai: importante da Compose, Que fa verdade embe wm espace amp. A igre ae nlonta central eon sequnide fla, & mast do Fan due Os paROnagENs EHC em primeira plana, Nenfumna plaza de conceaga & merges to graewiosas jam foe construkda pelos caniompordneas de Carpacsia. 1G: LARETE, Panta da cidace te “oranda”, money grande infloéncia solve penswrecito nenascenteta 18 Sagrocarala, xen case medieval de rigem romana A rust se desaniakem coma ox ‘anes reuares de uma drvore, # no segund 0 sea facings cas ews fo Re vaccenga, Ay ivegulavdades cho causacis peta formacao narra do $010, 9) RUARETE, Ponta dacidace dé“ Sforrinla” em forma ie etna, por volta de 1-64. ba ado geametnca dessa ridade @ focatizacia na haa, em um amma “wale circuantid pov eodinas SSraves es quai 0 fa Inde cone’, deserito par Fibvete-em seu segundo Ao. rags peeps ita, Dazese rom lt we Sek rs na pari aito foes ntadar ras pont fo an oF ge ate er ns praca abe 0 castelo, a catedral ou & ptaga principal, caracterizadores do miclee da cidade, sao cir cundade ro cinturdes irregulares', A planta de Bag nocavallo, na Itilia, em sua semethanga com uma arvore (fig. $), mostra a maneira organica pela qual uma situagio semelhante fi tratada na [dade Média. A diferenga 6 que aquilo que a Idade Média produziu organicamente de varias maneiras diferentes o Renasci- mento cristalizou num padrdo formal rigido desde o inicio. A cidade medieval ¢ caracterizada por cinturdes de ruas que'se expandem; a do Renascimenta, por ruas que irradiam diretamente do centro, A cidade estelar é uma criagao do Quattrocento, Foi concebida pela primeira vez logo apds a metade do século XV por Florentine porum a qu 7 Intormagées a respeito de-culios enempios aria mas remotes desse tio de cidade padesio ser encontradat en L iccnata, “Grip dis Scherr Urbano Cscolaténel Mdiaewo", Pala, val. Yn! 2 em Urbantatica, Vi ama, 1947), ap. 124-3 2M is exemplos 180 metoonadas en “Urbonstica Meckoes ef Ogg! bvesca, 1943}, dL, ic de Sagat sll Archit 74 ESPAGO, TEMPO E ARQUITETURA Filarete (Antonio di Pietro Averlino), seguido cerca de vinte anos mais tarde pelo arquiteto, escultor ¢ pintor Francesco di Giorgio Martini, de Siena. Embara a grande Leone Battista Alberti tivesse discutido a pos- sibilidade de construir uma“cidade ideal” na décimo livro de sua ‘obra De Re Aledificatoria, escrito por volta de 1450, coube a Filarete detalhi-la e chegar a um esquema definitive, Filarete escreveu seu Trattato d'Architetiura’ entre 1451 e 1464, quando trabalhava para Francesco Sforza e enquanto se geupava da construgao do grande Ospedale Maggiore em Milio, o qual viria a softer sérios danos na Segunda Guerra Mundial. Como tal tratado tinha intengoes de pro- ganda, assumiu a forma de um didlogo entre um arquitete tosca~ no (Antonio Filarete) e um principe renascentista (Francesco Sfor- za). A construgéo de uma cidade ideal, chamada de“Sforzinda”, fot proposta e descrita em grande detalhe, desde o palicio do princi pee acatedral até as dreas a serem alocadas aos mercadores ¢ arte- sdos, sem esquecer as prisées. Em planta, Sforzinda seria uma ¢s- trela simétrica de oito pontas:“Os muros externos cevem formar uma figura com dezessels lados ¢ sua altura deverd ser equivalente a quatro vezes a sua profundidade. As ruas devem partir dos por- tes em diregao aa centro da cidade onde eu situaria a praca prin- cipal, cujo comprime! to deve ser igual ao dobro de sua largura. No meio desta, construiria uma torre alta o suficiente para avistar to- dos os arredores" (figs. 9-11). ‘A idéia de citta ideale foi provavelmente tomada por Filarete de Leone Battista Albert, porém assumiu forma plastica, pela primei- ta vez, nas mios do artista bastante completo Francesco di Giorgio Martini (1439-1502). No terceiro livro de seu tratado sobre arquite- tura‘, Martini dedica-se ao desenvolvimento de uma cidade estelar. A planta da estrela onginal jé havia sido substituida por um poligo- ho regular em forma de estrela, com um bastido que avangava em. cada um de seus dngulos externos. Sendo natural de Siena, Fran- 2. Foi publicade pela primeia wax ern Viena em TBaD pcr W. won Dettingen, om Queens fen For Kunstgeschichte und Kurattectink, com 0 titulo “Aneto Avorine Paarete’ Tractat bet die Baukuret™. Ha também uma edit ihustrads publicads com o Wii filanete, Scultore = Architretn dal Secolo Xv, publicadia par Mi Lazzarora 4, Mune (Roma, 1908). Ver tarnbten FRoter Tier, Die Archutetiurtheers ces fila (Berkrn, 1963) LO Tratiata oi Arehitortura Cirle e hikiare di Giorgio di Martin’ fot publicado pola primetia vox fen Tarim, een 1841. Vor tambim Papin, Francesca aii Giorgio, Architetta, 3 vos. WFlorenca d., crea 1946). 0 votume Hl commit boas dysiragoes de toda a rea compreenchds pels 4 ‘obrae tambéen um indice refererite a0 conteddo do Trateare. NOSSA HERANCA ARQUITETONNCA 7S, cesco di Giorgio estava familiarizado desde o seu nascimento com uma cidade construida sobre uma colina ingreme, e sugeriu uma segunda planta assemelhando-se a um solidéu clerical, com muas. espirais serpenteando até 6 topo. Em um terceiro ¢ mais importan- te tipo de planta — adotado pela maioria de seus sucessores, e que influenciou a planta de Evelyn para a reconstrugdo de Londres, apds o grande incéndio de 1666 — ele comprimiu um padrao acen- tuadamente retangular de ruas que se originavam de uma série de Brandes pragas publicas, em outro modelo poligonal. Francesco di Giorgio encontrou muitas dificuldades em adequar o projeto da citi ideale a condigces tio diversas. Tinha claro para si, sobretudo, que ao planejador urbano caberia tic-somente estabelever as dire- trizes do projeto, enquanto a propria vida se encarregaria de fazer os eventuais ajustes necessa Orempo disponivel aos déspotas italianos da final do século XV era limitado demais para que se envolvessem em empreendimen - tos de tao longo prazo quante a construgdo de uma cidade ideal. Um dos poucos casos anteriores a 1500 onde ha um vago reflexa da *Sforzinda” de Filarete € a pequena cidade de Vigevana, com sett castelo medieval, situada 32 km a sudoeste de Milo. Ali, em 1452, nasceu Ludovico Sforza ("il Moro”), o grande mecenas que abrigou Leonardo da Vinci e Bramante, Bem antes de se tornar ‘9 duque de Mildo, Ludovico Sforea decidiu embelezar sua cidade natal modernizando a cidadela medieval elevada, transformando-a em um castela renascentista — em parte executado pelo proprio Bramante - ¢ construindo uma praga aberla ampla ¢ regular, apro- ximadamente nas proporgoes de 1:2 defendidas por Filarete. Assim nasceu a Piazza Ducale de Vigevano, construida de uma so vez, no mais curto tempo possivel, entre 1493-95, Sem divida © programa inteiro remete a Filarete; ha uma torre “alta o suficiente para avistar os arredares", o palicio do principe e mesmo indicios de algumas vias radiais. Porém a torre de 55 me- tros de altura ¢ 0 palacio dominante (hoje desintegrando-se como um quartel) se situam 4 parte da praga, cujo quarto lado é ocupado somente pela igreja medieval, com sua fachada do século XVII. Lu- dovico desapropriou e demoliu, sob severa legislacgio’, os edificios que anteriormente ocupavam essa drea. Foi uma feliz intuigdo que ‘0 levou a agir tao rapidamente, pois teve pouco tempo para desfru tar dos resultados de sua empreitada. Em poucos anos foi derrota- 5. fArte, ¥ (1902), 9, 249 12. Vigevano: Rares del Guomo, 1493-95. Lim saro enim de uma praca do jrimeto Annis Cimento conchae em pouce tempo. & praca @ cirundad par arcades, tal coma Has Novas ch diades construkas na seca XB, Sendo o quarto Gd peupade pale facheda barroca dia cate cal a alta “Tovre diy Bramante™ elevese sabre as edicios logslalivas aue circundaen 3 praca Triad por Lackieicd “i Moro", mas Como usm acess0 20 SoU casfolo a que coeRO Om CeNETO Ce ridacie cal E riteressante naiar que, spear dis leotas renascentstas coner\pordewas om Sue a praca figura come ponte aie converpinicia pata as (uss rachag, emia para se assermetha ‘nats a am pita fecha. 13. Vigevarn: Aces prin pala Piazza de! Duomo. 4 foto mostra oy areas, através dos quas a nas prince! penetra ma pxa- ca. encimados por uma fachada falra, para man. ter a coniinundade da su perfiie da pavede Esta é a vio da entrada, alhan~ do em deco a catedrat pa llustracsa anterior os eames arees € 3 fact fa fala poxtem sev wstor no coer, MOSSA HERANG A ARQUITETONICA 77 do por Francisco | e se tornou prisioneiro na Franga, para nao mais retornar. Ludovico Sforza considerau a Piazza Ducale como parte de um. grandiose acesso ao sew castelo palaciano. Ainda assim a praca per- manece isolada, e a grande torre (chamada de Torre de Bramante) assoma estranhamente por tris das arcadas regulares da praca, com apenas dois pavimentos ¢ meio de altura, O segredo de uma boa praca piiblica ou de um espago de con: vivencia parece set a simplicidade de seus elementos arquitetoni- cos, Essa simplicidade se faz evidente na estoa*, na Wandelivelle © na dgora, assim como nas pesadas arcadas das cidades medievais, como as pragas das cidades fortificadas no lo XE, ne sul da Franga, ¢, aqui, no limiar do Renascimento, nas arcadas levemente ritmadas da Piazza Ducale, Acima desses arcos, as paredes sia en- trecortadias por aberturas arredondadas, esparsamente distribuidas, Houve um tempo em que toda a superficie da parede esteve reves: tida por alegres afrescos lombardos, porém agora restam apenas alguns fragmentos esmaecidos desse pitoresco simulacra de arqui- tetura. A praga em si mantém sua serena dignidade, embora tenha adquirido outro papel, o de um estacionaments incessantemente invadido por bicicletas, motocicletas © turistas. Uma das explicagées mais convincentes para a imensa energia criativa do Renascimento é o fata de entao se ter conscientemente desenvolvide o hamem como um todo, em vez de treind-lo como. um especialista em uma tinica area. A universalidade é 0 segredo de sua versatilidade e da plenitude vital que encontramos em suas ‘obras. Francesco di Giorgio era certamente um homem com esas ca- racteristicas. No tratado em que trabalhou por toda uma geragao, a0 Mesmo tempo que se acupa de sua propria experiéncia, também se refere aos filésofos gregos. E nao por meio de citagaes superti ciais, pois conscientemente seguia o métody aristotélico, proce- dendo do geral para o particular. Francesco di Giorgio era um celebrado engenheiro de fortifica- gGes; so para o duque de Urbino constraiu quase setenta fortalezas, Sua versatilidade como arquiteto ¢ bastante conhecida. Encerrou * Puitice da Grécia antiga, normalmente & parte © Ge exterisho consierdvel, utilicado come Passelo ou local de encore em tomo de espacas publiens. Em Biciondi wea! ct amputee fa, FrancisB. K. Ching, Martins Fontes, 196. (N, da T) 7B ESPACO, TEMPO E ARQUITETURA, sua carreira como construtor-chefe da catedral de Siena. A ampli- tude de sua experiéncia se reflete em alguns dos esquemas constru- tivas incluidos em seu tratado, o¢ quais se revelam muite adiantados se comparados sua época. Esses projetos promovem um interes- sante contraste tanto com os cerca de sessenta projetos sombrias: que o joven Vasari (“il giovane") transformou em planos natimor- tos para cidades ideais, um século depois, quanto com aqueles pro- duzidos, por volta da mesma ¢poca, pelo arguiteto, por sua vez, de- veras interessante, Bartolomeo Ammanati’. Percebe-se a naturalidade com que o pintor Francesco di Gior- gio combinou imaginacao e realidade em varias de suas pinturas de cassone (pinturas sobre caixas de madeira), retratande pragas € ruas ideais. Essas obras nao sé exprimem o requinte da pintura de Siena come também contém navos conceitos anquitetimicas. Ha um exiguo quadro de umaPiazza Kdeale”~ atualmente na Colecao Walters, em Baltimore — (fig. 22) em que se vé um tratamento muito interessante dos diferentes nivels; 0 arranjo espacial surpreenden- temente moderno dos elementos plisticos revela a pericia de um esculter experiente, E a Francesco di Giorgio, a propisite, que de- ‘vemos os anjos de bronze delicadamente modelados, no altar-mor da catedral de Siena, os quais figuram entre as esculturas mais no- taveis do periode imediatamente anterior a Michelangelo. Esse pintor de anunciagSes e madonas delicadas, natural de Siena, tornava-se um racionalista inflexivel quando, munida de ré- gua paralela, encetava o planejamento de uma cidade. Quand pres~ supunha um case especial, como uma cidade atravessada pelo cur- so de um rio, direcionava o seu curso para um estreito canal, atra- vessado por pontes a intervalos regulares matematicamente ceter- minados (fig. 14). No acevo do Castelo de Windsor ha um esbogo de uma planta de Florenga, desenhado por Leonardo da Vinei, em que a cidade é remodelada segundo um tragado em xadtez: 0 rio Amo — como nos desenhos de Francesco di Giorgio — torma-se re- tilineo como a corda de um arco (fig. 15). Esses dois artistas estive- lam préximos no tempo. Encontraram-se em 1490 em Milao, onde 6 Anca colegio dos desenihos arguiterdnicos do Uffizi, em grande parte ainda inexploratia, r- ‘ful 3 “Citta Ideale del Canalere Gicrgio Vasarilrwentato", assim como os frion pragetes de Bar~ talames Ammarati € justo que acrescenternoe que, denire ac suas niles sepebgees oe pation com colunatas, ewe ultmo pelo menos tenha mostrado algum imeresse em promover varios fffcios, Eases projetas no mostram nenhum indica de que.o grande deserwobvmerta do Bate 0 estava iminerte, nom de que Fosse de auiona de nomen que nesse mesma epace wslava construinde a floreadda Palazzo Ruspali, no Corsa, em Roma NOSSA HERANGA ARQUITETONICA 7S foram convecados como consultores bécnicos na constugao do domo da catedral. Sabemos que Leonardo tinha muito em comum fom Francesco di Giorgio, nutrindo bastante apreco por ele, O Renascimento nao concebia o completo redesenho das cida- des, porém nutria um ardente interesse pelo desenvolvimento de determinados elementos arquitetonicos e urbanos’, Amaioria das piazzr construidas no Renascimente era circun- dada por arcadas. Embora de origem romana (como se pode cons- tatar em Ostia), é provavel que as arcadas tenham sido reintroduzi- das na Itdlia, via Veneza, a partir de Bizancio, cujas ruas, com tne- quéncia providas de arcadas em dois pavimentos, eram ha muito famosas. Porem, mesmo que 4 falta de precisio histdrica, as piazze providas de arcadas foram mormente identificadas com o Renasci mento. © préprio Michelangelo propos dotar de arcadas tanto a Piazza della Signoria, em Florenga, quanto a praga em frente a Basilica de Sao Pediro. As majestosas pracas abertas do Renascimento em geral leva- vam centenas de anos para serem concluidas, ¢ a mais nobre de to- das — a Piazza di San Marco, com a Piazzetta, em Veneza — perma- neceu inacabada por quase cincy séculos, Coma ja foi assinalado, a citi ideale simplesmente sistemati- zou um modelo medieval preexistente. Ambas se baseavam em exigencias de defesa. Na Itilia, as cidades de administragdes elei- tas em geral haviam sido cidades- Estado soberanas, e uma cidade murada era simbolo de independéncia politica. A partir do mo mente em que o principio de governo auténeme fai derrocado, no Renaseimento, as cidades estreladas passaram a cumpnir a fungao de fortalezas* A cidadela fronteiriga de Palmanova, a aproximadamente 96 kn anorveste de Veneza, foi famosa come exempla classico de regu- laridade até meados do periodo barroco: planta de nove pontas, piazze central hexagonal como ponte de convergéncia de seis ruas radiais. Foi construida por Vincenzo Scamozzi, o arquiteta da” Pro- curatie” ao sul da Piazza di San Marco, onde se ocupau de varios Projetos. Scamozzi é o ultimo dos tedricas renascentistas, com sua 7.0 volume xa fnociapenta irafana conten uma bow seloyae de lustractes da citta head, ‘na paging 490. 8 E sgrificatwo que, num pat mais ax norte, Vaubun jonha adotado wa planta een forma de esbels para a cidade Fortifcada de Saamlows stem 168) 2 ESPACD, TEMAD E ARQUITETURA, termediaria entre o frutifero periodo de Cético, com seu etas cole- tive, eo absolutismo do Barroco, o Renascimento constitul um pe- riodo preparatério ne que diz respeito ac planejamento urbane, O século XV, nos paises do norte, era ainda inteiramente gotico, mas na Italia a situagao é complexa, Embora a perspectiva estivesse criando uma nova mentalidade, a tradicio gotica persistia de mui- tas maneiras ¢ influenciava a implementagdo de methorias urba- nas, particularmente nas pracas piblicas'. Do ponte de vista sacio~ légico, entre a Italia e os paises do norte o contraste nao era assim tao marcante durante esse periodo de transicao, A parede, a pragae arua O Renascimento aprendeu a lidar com grandes volumes a dar- Thes novas formas. Com freqtiéncia os palicios empurram para 0 lado as casas dos habitantes da cidade, as ruas ¢ as pragas, Porém os construtores do Renascimento descobriram come grandes exten- sdes de parede paderiam voltar-se para a nua. [sso foi algo que a An- figuidade nunca conquistou, embora em alguns momentos tenha permitidys que se avistasse a rua a partir de uma ou duas janelas. Os palacios renascentistas fitavam 0 mundo com olhos bem abertos, nao tanto coma se estivessem buscando avalid-lo, mas como se es— tivessem empregando 0 novo instrumento da perspectiva. Embora nas fachadas goticas se faga uso trequente da fenestragao, suas jane- las permanecem isoladas, perdidas numa vasta extensio de parede, come no Palazzo della Signoria, do século XII, em Florenga, No auge do Renascimento, entretanto, por volta de 1500, en- eomtramos janelas alinhando-se sobre janelas, eada uma delas tra- tada como um elemento independente € ressallada por um fron- tao, por pilastras ou colunas, ¢ ainda assim articuladas de forma rit- mada umas as outras, Em nenhum outro lugar séo téo nitidas as transformagies sofri- das pela superticie da parede quante no Palacio Famese, em Roma, 11, Bvidincias da persisténecia da tradiglo gotica em obras civicas importantes poder ser en contrarias no. geande neimeso de pragas piblicas que foram dspostas nas cidades a0 norie da aia durante © Quattacento — a Razza del Sanic em Padua, a Piarze Grande em Parra, a mab nhamenio da Pazra de! Campo em Seena (fig. 21), 4 Piazza Principals em Piacenza, € assim por ifiante: Uma bos selegie dassas encontra-se fas paginas 264-80 da segunda ecigio de Saggy sl J Arctatettura da! Rinascimento de G, Giovarinant IMilia, 1935). NOSSA HERANCA ARCUITETONICA 83 cuja construgéo foi iniciada pelo cardeal Alessandro Famese em 1514. Antonio Sangallo, o jovem, projetou esse edificia & acompa- nhou a sua construgdo até a cornija da cobertura, porém coube a Michelangelo, entre outros, termind-lo apés a morte de Sangallo em 1546 — ow seja, no limiar do Renascimento. Os volumes de San- gallo excedem a capacidade do terreno, ilustrando o individualis- mo exagerado da mentalidade renascentista, A magnificéncia incri- velmente pretensiosa desta residéncia para um tinico homem apon- fa para a iminéncia do Barroco. Alessandre Farnese comegou a construir um palicio para si ma qualidade de cardeal, eo coneluiu na qualidade de papa Paulo IIL. Ele proprio retrata a transig¢ao de individualismo para o absoluti mo. Michelangelo sabia expressar isso de modo escultural. Sangal- Jo ja havia realgado a janela central com dois-arcos concéntricos”, porém Michelangelo operou de maneira bem diferente. Em con- traste com a alternncia de frontoes triangulares e segmentares so- bre as jarelas laterais, dispds una arquitrave sobre a janela central, concentrando toda a énfase num enorme escudo com o brasdo Far hese, encimado pela mitra do pontifice. Essa janela monumental parece aguardar a chegada do grande soberano, prestes a se apre- sentar a0 povo, A fachada que da para 0 jardim volta-se para a Via Giulia, traga- da por Bramante, ¢ para o rie Tibre. Michelangelo sentiu necessida- de de aumentar o espage ao reder do enorme volume do palacio. Propés entio uma pante sobre o tio, de modo a ineluir a Villa Fac- nesina ¢ o bairro de Trastevere, & mancira adotada posteriormente nos acessos de muitos castelos franceses, O Renascimente nao tratow a rua como uma unidade, mesmo onde isso teria side bastante natural. Em termos c@nicos, a rua re- nascentista consistia numa série de edificios autGnomos situados aleatoriamente em terrenos separados, e isso desde o final do ‘Quattrocento até a século XVI. As belas pinturas de ruas e pragas, de Francesco di Giorgio (figs. 16, 22), nao mostram duas casas iguais. Mesmo os pdrticos das casas, que to claramente pedem um trata mento uniforme, ndo sao continuos; cada casa tem sua propria ars cada. E mesmo bem mais tarde, como se pode constatar na cena freqiientemente reproduzida de Sebastiano Serlio, de 1550 —a qual 12, Conforme fustrada por C. de Teinay em sua obra “Beilrage zu den spaten archtektonss- chen Proekten Michelangelos”, Jaferbuch der Preastischen Kunssavn ingen, wal. 51 (19308 ‘BA FSAACO, TEMPO F ARQUITETURA al 16. FRANCESCO DI GIORGIO, Raza o nude uma cade wie) elathe, ORenascanenty a ta foxarus coro una eniiade amulet, mesma quand preci astral quis fsse ft Mo beks quicko de Francesco & Gaorgendo cuss casas contiguat que se asemelhem iio foi desenhada simplesmente para produzir um efeito de pers- pectiva -,a rua ainda figura como um aglomerada de edificios he- ferogeneos. Assim, quando Donato Bramante (1444-1514), por ordem do papa Jillio Hl, delineou a primeira rua nova em Roma ~ aVia Giulia, ‘com um quilémetro de comprimento” —, ele néo concebeu facha- das continua, pois pretendia situar seu Palacio de Justiga, com seus 13, Coccarius, Strada Gala Grama, 1941), Russ elas © sida mals larga nd etam neers ros iad vec fureain des ee Me lao note dos Alpes, por enero, em Bera NOSSA HERANCA ARQUITETONICA 88 17, GAORGIS WASARL © Palacio dos UMici, Forenga, 1560-74, At Jinal co Renascione mancirista vanan reaizou umn obra-prind dd perspecina na pequena rua dbs iff por de Anhas harizantais cantnuas'o Jethace arm preyecdo, as tes Coens, os egret. Wists a par tir da arco da loggia que henuta 2 wisdo eer elven ac Arr cunhais maciges ¢ suas torres angulares, ao longe de parte dessa rua. O Palacio da Justiga foi iniciado em 1506, porém a obra foi inter- rompida apds a morte do papa [tiliv II. Alguns imensos blacos de pe- dra utilizados em algumas das casas préximas dio idéia do quanto esse edificio teria dilacerado a Via Giulia". Mais surpreendente ainda, portanto, vem a ser a uniformidade arquitetonica da pequena rua florentina, originalmente conhecida como Piazza degli Uffizi, em que Giorgio Vasari erigiu edificios ad Ministrativos para os Medici, entre 1560 e 1574. A cornija tripla e continua, de modilhGes frageis, vista através do perfil simeétrico da cobertura superior, faz dessa rua uma obta-prima de perspectiva (fig. 17). A regularidade do tragado do Uffizi teria sido quase incon cebivel, nao fosse pelo exemplo dado pelo mestre de Vasari, Miche- langelo, no conjunto de edificios entdo em construgdo na colina Ca- pitolina, em Roma V4. Domenico Gnofi, “i Palazzo di Giustivia di Bramante”, Nuova Anioiba, 16.d0 abel de T51 BG ESPACO, TEMPO E ARQKITETURA 18. JACOPO BELLI, 4 apresentagde da virger na Teriple, © 1840. Chemo ea figura da Mir~ (pent Muria constituem somente um gretente para as verdadeiras nrengoes do arnsta, Oeste 0 [Bo da pects em primera plana. onde so situa © ciservaday are 2 wnera absabadks cr bere Gaamplavgreya. vans figures slo disribuidas panduainente em diferentes nivess, num estory Supreme de conquisiar@ disio de prolandiade, A excada em ziguegague, para a frente mara tds, © das pamevas Inhitathas de um pinter ae fransirstir a 90¢80 dk parspectiva efr terms ay qurtendnwos. NOSSA HERANC A ARQUITETONICA 87 19. ETENNE DU PERAC Tomela no Corte del Seivedues de Bramante, 1565. Ease grawura far executed pouco ands Ama Ligon: ler concivide a consirucés do paiva do Behedere: aa acres Ceflar 9 grande-nicho e 0s correcoress do lad esquenio Alguns anes mai tarde. a cancepcda oe Bramanie, {8 atterads por Layara, for destrakde por Sista curd afa elevadka aa bibfioreca cheval’ a \Bitia ern dois. Deste momenta em chante, festas pags kam paca sempre hanikdas do Vaticaric Erm contrate com of desenhos de Jacape Helly, 0 observade escotheu aqui Len BIOND dhe vi ta adres, abrangente, ferehinck o cantrake gue a Alta Renascerrca iisha de parspectivt © crigt do um cenang aaraculurmenie anequaca aa prazenes pagsas BB ESPACO, TEMPO E ARQUITETURA O débito de Vasari para com Michelangelo revela-se até mesmo nos detalhes, como no uso alternada de pilastras e pares de colu- ‘nas. No entanto, em vez de serem dinamicamente apoiadas contra as pilastras, como no Capitélio, as colunas de Vasari sao espagadias a intervalos regulares. E sabido que Vasari mostrou seus desenhos a seu mestre em Roma, donde se conclui que existe a mao de Miche- langelo na projeto. Bramante é a escadaria aberta Além do tratamente arrojado dado &s superficies das paredes val- tadas para as ruas e pragas, os construtores renascentistas se des- dobraram em esforgos para fazer com que superficies horizontais situadas em diferentes planos estabelecessem uma relagio espacial entre si. Isso foi conseguido por meio de imponentes escadarias abertas. Ao utilizar esses langos de escadas como meio de incorporar 0 espaco exterior, Bramante introduziu um novo elemento na paisa~ gem urbana. ‘Construgées em terrapleno ¢ escadarias monumentais remon- tam quase que as origens da arquitetura. A escadaria monumental surgiu nos zigurates dos sumeérias, por volta de 2000 a.C. Os langas piramidais que embasavam os templos ¢ os acessos a patios rebai- xados constituem caracteristica notivel da arquitetura mexicana pré- colombiana. Os construtores renascentistas, todavia, utilizaram terraplenos ¢ escadarias monumentais de maneira completamente distinta. Um desenho em ponta de prata no cademo de croqui de Jacopo Bellini, datando aproximadamente de 1440, mostra a fungao que a escadaria estava destinada a desempenhar (fig. 18). A igreja aboba- dada coroa o mais alto dos trés terraplenos sucessivos, ao qual se ascende por escadas em ziguezague para a frente e para trds, em pa- tamares, até o adro da igreja, a céu aberto. Esses terraplenos, assim como as numerosas figuras distribuidas em primeiro ¢ segundo planos, revelam o objetivo do desenhista: produzir a impressio de profundidade. 15. P Kelemen, Medieval American Art [Arte medieval aerevicanal (Nova York, T9431, wal I, gravuras 4e 7. NOSSA HERANCA ARQUITETONICA Bo Donate Bramante, natural de Urbino, foi o primeira arquiteto™ a introduzir escadarias monumentais como um elemento por meio. do qual 0 espago externa pudesse ser, como fai, incorporada ao projeto de edificios; ¢ 0 lugar onde isso se deu pela primeira vez foi no jardim do patio do Belvedere, no Vaticano (1506-13), Por volta de 1500, os edificios de Bramante exibem pela primeira vez 0 novo esplendor introdurido na obra dos artistas pela atmosfera de Roma sob 0 patrocinio do papa Julio II, um humanista. Essas influéncias sido observadas em Rafael e, até certo ponto, mesma no genial Mi- chelangelo, Bramante pe em evidéncia novo senso de poder ao controlar dimensoes inusitadas no projeto da Basilica de Sao Pedro, para 0 qual foi convecado em 1506, Embora menes ambicioso, o tratamento do patio do Belvedere nao é menos brilhante. ‘O Belvedere é uma pequena residéncia papal de vero, situada numa colina a cerca de 300 metros da Palacio do Vaticano, Em 1506, Jilio TT incumbiu Bramante da tarefa de conjugar esses dois edifi- cios num panorama arquitetinica abrangente. O proprio papa ja havia disposto algumas esculturas cldssicas no patio. Agora, dese- java que toda a drea de intervencao fosse remodelada de acordo cam a grandiosidade do novo espitito de Roma. Como porto cul- minante do panorama, na extremidade superior, na frente do Bel- vedere, Bramante erigiu um anteparo monumental com um enor- me nicho no centro, a maneira algumas vezes adotada em villas no tempo dos césares. Na extremidade inferior, em frente eriou uma arena semicircular, Os terraplenos lhe possi tabelecer uma relagao formal entre os novos edifi pla fiada de logyias. Essa escadaria interessa-nos, aqui, como um recurso par meio do qual dreas foram articuladas ¢ entrelagadas numa unidade espa- cial”. Um amplo lango leva do primeiro ao segundo nivel, ande a es- cada se divide em duas ramificagoes, sob o muro de Sustentagao, a fim de aleangar o jardim principal e, com isso, 0 Belvedere (fig. 20). ‘To resguardado quanto o jardim de um imenso claustro medieval, 16. A que me ¢ dado saber nbo hovre ait momento nenthuma investacho quanta ao tra laments das escadarias na Kade Mba (natadamente na italia) 17, Ha uma bea descrigde detalhada em Mi. | Gothen, History of Garcon Art |uma histéria da arte dos jandens| (Landes, 1928), |, pp. 227-31. Ver Lambeen James §. Ackerman, “The Bet- vedere a a Classcat Villa” 0 Belvedere camo wily classical, Journal of the Warburg anf Cour auld instiutes, XM n= 1-2 fanexojunho 1951), eva meus agradecimentis 0. professor ‘Ackerman peta fig, 20. BO ESPACO, TERIPO £ ARQUITETURA i (AT Ba 2 20. 0 Cortle del Belvedere apts. a morte de Bramante. Detaine de um adresco ry Casietio & ‘Angdo, Roma, 1537-61, atrihuido an pintor marwerista Pesina del Vaga. fate afresca mostra o ‘eypioncor ca modegem do esaare enterno por Bramante, meihor do que quadguer uma das conhecidas vepreseniagées da Cortitt, A arguiteture inacabads nos ud a campreender cama, nas dos de Bramanie, ag escadanias abavtas @ as rams, & articuiacde de nines cife- franies, tomavam-se ut nove ofemmntn de desanho urban. este patio foi inteiramente planejade para os prazeres palacianos. Quase cingiienta anos apés a morte de Bramante, quando o vasto conjunto havia sido finalmente concluido, o casamento de um dos: sobrinhos de Pio [V forneceu a ocasiéo perfeita para a inauguragao do Cortile del Belvedere, As gravuras de Ftienne du Pérac perpe- tuaram o esplendar dessas festas e torneios suntuosos (fig. 19). Po- rém o Cottile no estava destinado a permanecet por muito tempo tal qual remodelado por Bramante, Em 1589, SistoV destruiu a uni- dade do projeto ao construir uma nova biblioteca transversalmente aos seus parterres. Sisto V, um grande planejador urbano, destruiu muitos monumentos da Roma antiga, porém certamente esse fol 0 seu ato mais no Posteriormente, o sublime acesso @ plataforma do Belvedere, de Bramante, torou-se @ protétipo de escadaria monumental, 0 or- NOSSA HERANG A ARQUITETONICA 91 Hamento mais nobre com que se poderia dotar uma igreja (S. Ma- tia Maggiore), Por fim, a escadaria monumental tormou-se uma es- trutura quase independente, com o papel de fundir planos situados em niveis diferentes num tinico campo visual (a Scala di Spagna, de 1721-25, que liga $. Trinita dei Monti a Piazza di Spagna). Em interiores do Barroco tardio encontramos amplas escadarias — sim- bolo de movimento utilizadas para criar vazios cavernoses, sem equivalentes na historia da arquitetura. Michelangelo e a conformagao do espacgo externo Na area Capitolina, a grande praga onde se situava o Capitélio romano, Michelangelo mostrou come alcangar o equilibrio entre massas cuidadosamente modeladas, ao tratar da relagie espacial de grandes valumes. Quando iniciou esta empreitada, em 1536, quase no limiar do Renascimento, Michelangelo havia jd atingido 0 auge de sua fama como pintor ¢ escultor: o teto da Capela Sistina, a tumba do papa piilio I e a Capela dos Médici, em Florenga, ja esta- vam concluides. Assim, sua arquitetura é fruto de seus anos mais madures. Giovanni Lorenzo Bernini, cuja colunata em frente a ba- silica de Sic Pedro completa tio maravilhosamente a concepgde de Michelangelo, e que raramente tecia comentdrios positivas a re: peito de outros, disse: “Michelangelo era notavel como escultor & como pintor, mas divino camo arquiteto.” As palavras de Bernini encontram ressonincia eterna na drea Capitolina, onde o génio ar- Hstico de Michelangelo criow uma sublime sinfonia espacial, a par- tirde uma miscelanea de resquicios medievais. Esta praga, agora chamada Piazza del Campidoglio, ocupa o ‘topo de um penhasco, na drea do antigo Capitdlio que se projeta- va sobre o Forum romano, E um complexo que consta de trés edi- ficias, a propria praca e a ampla eseadaria que leva & cidade, co- nhecida como “la Cordonata”, © conjunto inteire da vista para a cidade medieval, eo acesse desemboca na modesta prefeitura ~ 0 Palacio do Senado — tendo & sua direita o Palacio dos Conserva- dores e, 4 esquerda, o Museu Capitolino, que abriga a mais remo ta colegio de antiguidades Michelangelo sé teve oportunidade de ver a conclusdo de parte de sua grande escadaria ramificada, diante do Palacio do Senado. ‘82 ESPAGO, TEMPO:E ARQUITETURA 21, Sea: Paz del Cann, po] Wren em 1413, A ere raga em forma de conch on io le Se, sina reas tes coins sobre a 8 | cae erg, O uso at br ec atu cOm ‘poskie dominante 20 Ftc Piblco, Once ans pte ai praca, as fates de merc ‘bee db paint se rach sommo ds de ha peer seu faa, pro focal co 72, FRABICESCO Di GIORGIO. Piazza de urna clade ied. O interessante tratamen to dos ci ‘ents es caren paral que surpreende pera modernise reve pina ee ‘escuifor expariante As figuras huvmanas cispastas acute al mastram que oariéta wa ai co (nas A eaACO, Os ALAN varices. a8 esCullAras Am KOGA aS paso: AYN MaRS _Brobiesnas que ern nassa does wottam & bal, Coma percebemas em ceveos aspects ds de Alberto Glacometti, 94 E5PACO, TEMPO E ARQUITETURA Os outros dois edificios foram iniciados apds a sua morte. Mesmo assim, apesar de algumas modificagies inteoduzidas no decorrer da construgao, a qual prosseguiu até o século XVII, os planos que Mi- chelangelo havia elaborado em 1546 (e que foram reproduzidas nas gravuras de Du Pérac, de 1568 ¢ 1569) foram seguidos em seus fundamentaos. A grande escadaria ndo havia ainda sida construida quando Carlos¥V fez sua entrada triunfal em Roma, em 1536. Ele foi obriga- doa subir ao Capitdlic a partir do outro lado — do Forum — para 0 qual a area Capitolina estava voltada nos tempos remanos. "La Cordonata”é na verdade uma rampa escalonada — um plano incli- nado constituido por degraus. Aqueles que sober os degraus lar- gos e rasos para chegar 4 platalorma no nivel superior sao forgadas a.um percurso lento ¢ uniforme. 4 estitua eqiestre de Marco Au- rélio, que Michelangelo transferiu do Laterano, assoma no centro da praca. Como uma efigie, ela ¢ tio esplendidamente simples em seu desprezo por gestos herdicos (como observou Stendhal) quan- to o seu modesto pedestal, desenhado por Michelangelo. Apesar disso, sua posigao solitaria, cingida pelo céu, no coman- do do eixo da escadaria a partir do centro da praga, prova que o mestre que com tanta ¢confianga dominou os vazios inusitados do domo de Sao Pedro era capaz de tratar as mais sutis graduagdes de niveis com a mesma seguranga infalivel. ‘A piazza cuneiforme da area Capitolina se estreita em diregae & balaustrada onde a escadatia termina. Nao hé uma porgao sequer de terrene que deixe de ser considerada. Michelangelo insere um espago oval dentro da praga cuneiforme. Esse espago oval € leve- mente rebaixade ¢ citcundado por dois degraus, descrevendo uma curva que define a localizagdo da estdtua. © proprio chao eleva-se levemente préximo ao pedestal. Este ponto é chamado de caput gmundi, e sua superficie curva foi comparada a um segmento do glo- ‘bo terrestre™. Que exaltagio agora se apoderava daquelas discretas faixas de marmore que no Quattrocento costumavam cobrir as superticies das pracas mais notaveis, como a piazza semicircular de Siena! Agora 18. C. de Toinay “Betrage cu den saaten architestonischen Frojekten Michelangeias”, Jahr ‘buch der Freussischen Kunstsarmuniungen, vol, 51 (1930), p. 26. Essa afirmarin nocle ser come para & sua pronta refutacso pot H. Sedimayr encontrads nas paginas 176-81 da mesma pu biicagao, no.anp de 1931. NOSSA HERANE A ARQUITETONICA 95 as faixas se abrem como pétalas a partir do pedestal de Marco Au- télio, formando uma estrela de doze pontas cujas curvas se entrela- gam”. Seu padrao fantastico incita uma furiosa interagda de con- trastes: a elipse, a trapézio, o pano de funde da tradigio romana medieval, o jogo sutil de luz e sombra barreco que modela as pare- des”, o gesto grandioso da escadaria — tudo se conjuga numa har- monia que tudo engloba, pois a relagdo das partes entre sie do todo com as partes se consuma. De maneira que fica ficil compreender a afirmagdo de Vasari; “Em tudo o que Michelangelo punha as maos, ele operava milagres,”” No “Juizo Final” ¢ na tumba de Julio [, Michelangelo jé havia substituide © vazio estatico de espaco do Quattrocento por um es- pago dinamico proprio. Isto ele também aleangou no Capitalio. Nossa imagem mental do Renascimento comera ase esvanecer Ecompreensivel que“opinides extremamente divergentes com rela- (a0 ao significado histérico de Michelangelo"= tenkam prevalecido entre os estudiasos desde Jakob Burckhardt, pois Michelangelo foi um daqueles génios incomuns que realizam a ponte entre periodos fa arte que ndo necessitam suceder-se cronologicamente, Embora de menor estatura, John Constable ¢ J, M, W. Turner pertencem & mesma ordem excepcional de homens, por estabelecerem a ligagao entre a pintura de Barroco tardio ¢ a da Franga do século XIX. Mi- chelangelo era uma mescla de gético e barroco, Ele une a univer- salidade temporal do Barroco 4 espiritualidade do Gatico. Vida e morte eram para ele uma coisa Gnica: desde o dia em que nasce, todo homem ¢ fadado a carregar dentro de si a semente da morte. Em 1555, Michelangelo escreveu a Vasari: “Nunca expressei uma sé idéia que ndo fosse moldada pelos contomnos da morte." Essa é a declaragao de um artifice medieval, ndo de um artista renascentis- ta, Mesmo assim, Michelangelo se via sempre intensamente atra{- do pelos problemas de movimento”, e desejava experimentar suas 19, Em 1940, mas de 400 ants apds 0 prajeto de Michelangelo, « pavimentio em fornia de es- rela original per fim substiviw 0 padido inadequedo definide apa a sua morte, 20. Nenhuma das Iotegrafias até entao publicadas faz prs 2 qualidade extracrdinariamerte di indimiza desta compnsican, mas 0 ieitor pode Se refer ds llustraghes 575 da obra de Arman do Schavo, Michelangelo archutetra (Fioma, 1945, ¢ a0 magnifica alumme dle Pasta Portoghess 2 Bruno Zevi, Micheengio® Architerta (Roma, 1364) 21... de Tolnay, Werk und Wvetibild des Michelangei Zurique, 1949), p. 90. 22.C, de Tolnay, “Betrage au den spation aechiiekions

Você também pode gostar