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Análise de Filmes - conceitos e metodologia(s)

Manuela Penafria*
VI Congresso SOPCOM, Abril de 2009

Índice primeira abordagem, a análise aparenta ser


uma actividade banal que pode ser praticada
1. O que é a análise de filmes e para que por qualquer espectador sem que o mesmo se
serve? 1 veja obrigado a seguir um determinado en-
2. Como analisar? 5 foque ou uma determinada metodologia. Pe-
3. Bibliografia 9 rante a profusão de discursos sobre os filmes
é imperativo, desde já, distinguir a análise da
Resumo crítica.
Analisar um filme é sinónimo de decom-
O texto procura reflectir sobre a actividade por esse mesmo filme. E embora não exis-
de análise de filmes, em especial o seu papel ta uma metodologia universalmente aceite
nos discursos sobre cinema e discutir pos- para se proceder à análise de um filme (Cf.
síveis metodologias para essa mesma activi- Aumont, 1999) é comum aceitar que ana-
dade. lisar implica duas etapas importantes: em
primeiro lugar decompor, ou seja, descrever
1. O que é a análise de filmes e e, em seguida, estabelecer e compreender as
para que serve? relações entre esses elementos decompostos,
ou seja, interpretar (Cf. Vanoye, 1994). A
Aparentemente, a análise de filmes está decomposição recorre pois a conceitos rela-
presente em vários discursos sobre os filmes, tivos à imagem (fazer uma descrição plástica
sejam eles de carácter mais publicitário, um dos planos no que diz respeito ao enquadra-
mero comentário, um discurso monográfico mento, composição, ângulo,...) ao som (por
ou mesmo um estudo académico. À partida, exemplo, off e in) e à estrutura do filme
um qualquer discurso sobre um determinado (planos, cenas, sequências). O objectivo da
filme fará algum tipo de análise. E o discurso Análise é, então, o de explicar/esclarecer o
mais visível é o da crítica de cinema, diaria- funcionamento de um determinado filme e
mente publicada em jornais e revistas. Numa propor-lhe uma interpretação. Trata-se, aci-
* ma de tudo, de uma actividade que separa,
Doutorada em Ciências da Comuni-
cação/especialidade Cinema, pela Universidade que desune elementos. E após a identificação
da Beira Interior. desses elementos é necessário perceber a ar-
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ticulação entre os mesmos. Trata-se de fa- mam esta nossa posição a respeito da crítica
zer uma reconstrução para perceber de que (propositadamente retiramos os títulos dos
modo esses elementos foram associados num filmes e realizadores criticados):
determinado filme. Não se trata de construir . . . o estreante X sabe trabalhar bem as at-
um outro filme, é necessário voltar ao filme mosferas. . .
tendo em conta a ligação entre os elemen- . . . . o filme X não tem ambições significa-
tos encontrados. O filme é o ponto de parti- tivas para lá de contar a sua história com al-
da para a sua decomposição e é, também, o guma eficácia nem pretensões a querer ser
ponto de chegada na etapa de reconstrução mais do que um pequeno drama familiar e
do filme (Cf. Vanoye, 1994). Este segundo as interpretações sólidas dos actores. . .
movimento em direcção ao filme evita cair ao contrário de X, Y apresenta muito mais
em interpretações/observações desproposita- humor e uma capacidade para efabular. . .
das ou pouco pertinentes. . . . é um daqueles filmes que não se en-
Já a crítica tem como objectivo avaliar, ou caixa numa única gaveta. . .
seja, atribuir um juízo de valor a um deter- . . . . o miúdo de doze anos espantosamente
minado filme - trata-se de determinar o va- interpretado pelo estreante X. . .
lor de um filme em relação a um determina- . . . é um filme de época, mas não é de
do fim (o seu contributo para a discussão de época apenas por nostalgia ou facilidade e
um determinado tema, a sua cinematografia, usa a sua época como um modo de falar de
a sua beleza, a sua verdade, . . . ). Este tipo coisas universais e intemporais. . . .
de discurso não é pois uma análise propri- . . . .belíssimos planos do terraço. . . .
amente dita, mas poderá beneficiar do tra- . . . .o filme X evita o sentimentalismo
balho de análise que consideramos anteri- lamecha e utiliza com destreza a montagem
or a uma atribuição de um juízo de valor. intercalada entre as histórias das suas per-
Ou seja, consideramos que a atribuição de sonagens. . . .
um juízo de valor deverá ser suportada por . . . .o mundo da música soul serve mes-
uma decomposição do filme em causa. E a mo só de pretexto para alguns “cameos” con-
nosso ver, a crítica de cinema encontra-se frangedores e um par de actuações musicais
algo afastada dessa actividade que poderia a que os actores se entregam com gosto mas
servir-lhe de suporte e dar-lhe uma maior que Y filma sem arte nem entusiasmo. . . .
consistência de discurso: a análise. Não raro, . . . o que torna, então, X num dos melhores
a crítica de cinema utiliza frases feitas que filmes de terror que vimos recentemente é o
poderiam ser aplicadas a outros filmes que modo metódico e distendido como mantém a
não os criticados. O mais das vezes, a crítica tensão, a atmosfera inquietante que cria sem
coloca de lado as características singulares precisar de carregar no sangue e nas tripas,
e a especificidade de cada um dos filmes. O a encenação precisa e cuidada com que tudo
discurso crítico encontra-se carregado de ad- se encadeia - a utilização da música, então,
jectivos que, no nosso entender, poderiam ser é exemplar, quer sejam as discretas orques-
aplicados a filmes indiferenciados. De uma trações electrónicas de YY ou as canções ju-
recolha a criticas de cinema recentes desta- diciosamente colocadas de HH . . .
camos os seguintes exemplos e que confir- . . . . é um filme sincero e honesto . . . .

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Estas afirmações mostram que o X pode- terpretativa, em grande parte porque o cine-
ria ser substituído por um título que não o ma apresenta uma grande imediaticidade da-
criticado. São portanto, expressões gerais, da a sua natureza imagética. A arte enquan-
demasiado gerais quando deveria estar em to experiência vem, segundo a autora, sendo
causa uma maior especificidade de modo que substituída por esse discurso único e redutor.
o julgamento fosse mais consistente. Do seu artigo destacamos um ponto essen-
Na crítica de cinema, não nos apercebe- cial, que o cinema não deve ser interpreta-
mos da actividade de análise na sua primeira do apenas no seu conteúdo (história contada,
etapa de decomposição de um filme; e se a diálogos,. . . ), mas deve ter em conta os seus
primeira etapa não se nos afigura como e- aspectos formais. Embora a interpretação do
xistente, temos como consequência que a se- conteúdo possa ser útil quanto ao contexto
gunda etapa, a de reconstrução do filme ten- cultural, político e social de um filme, não
do em conta os elementos decompostos, não nos permite distingue um filme de um livro
está, de igual modo, presente. Não quer is- ou de uma peça de Teatro. As diferenças do
to dizer que a crítica não faça interpretação, meio usado são então diluídas quando é ac-
apenas afirmamos que a mesma não é fei- cionada uma interpretação de conteúdo. A
ta, na grande maior parte dos casos, a par- sua proposta vai no sentido da análise, que
tir da decomposição dos (ou de apenas al- permite ver mais e ouvir mais – enquanto ex-
guns) elementos de um determinado filme. periência dos sentidos –, em vez de escavar
Sendo assim, podemos supor que a interpre- significados ocultos.
tação afastada da actividade de análise não Apesar de referirmos aqui o texto de Su-
toma o filme como seu ponto de chegada, san Sontag, não encontramos na actual críti-
pelo que as interpretações vagamente se refe- ca de cinema uma mesma grelha de interpre-
rem ao filme e sofrem de uma carga adjectiva tação que esteja de acordo com determinado
que os qualifica abstractamente. enfoque de carácter teórico. Como já disse-
“Against interpretation” é o título de um mos, a grande maioria da crítica refere-se aos
texto de 1961 (incluído num livro com o filmes como se os mesmos fossem objectos
mesmo título) no qual a sua autora, Susan indiferenciados. E, em geral, confunde-se fa-
Sontag, se insurge contra o modo como as cilidade de escrever do autor da crítica com a
obras de arte eram analisadas. Sontag não sua capacidade de criticar (ou se quisermos,
é contra a interpretação, mas contra a uti- de analisar). Realçámos o texto de Sontag
lização da mesma grelha de interpretação so- porque a partir dele podemos afirmar que a
bre obras distintas. Usar uma mesma grelha análise deve suportar a crítica de cinema; e
tem consequência uma interpretação reduto- é precisamente isso que consideramos faltar
ra, prescritiva em vez de descritiva. O exem- na crítica.
plo que Sontag aponta são as interpretações Se a análise pode ser distinta da crítica e
Freudianas que reduzem, no caso que nos in- se pode (e deve) servir de pressuposto à críti-
teressa, todos os filmes a um mesmo discur- ca, importa agora avançarmos para uma ain-
so (complexos de édipo, luta de classes,. . . ) da que breve referência ao passado.
Ainda assim, no seu texto, o cinema é apon- A análise de filmes não é uma activi-
tado como escapando a toda essa euforia in- dade recente, podemos dizer que terá nasci-

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do com as primeiras projecções de imagens to do seu filme O Couraçado Potemkine


em movimento. Lembramos, por exemplo, (1925), num texto intitulado “‘Eh!’ De
os escritos de Ricciotto Canudo (1877-1923) la pureté du langage cinématographiques”,
que foi quem primeiro designou o cinema originalmente escrito em 1934 e publica-
como a sétima arte, uma arte que surgia com do pelos Cahiers du Cinéma, no 210, 1969.
a síntese das artes do espaço e das artes do Nesse texto, Eisentein faz uma decom-
tempo. Nos seus escritos, reunidos no volu- posição de um excerto - mais concretamente,
me L’Usine aux Images (Séguier et Arte Édi- 14 planos retirados do momento em a po-
tions, 1995), discute o cinema como a Arte pulação de Odessa saúda os marinheiros do
da vida, o cinema como a expressão visual Couraçado e que precede a conhecida ce-
e imediata de todos os sentidos humanos e na da chacina na Escadaria de Odessa -
capaz de emocionar a todos por se tratar de com vista a fazer face à acusação da sua
uma linguagem universal capaz de colocar associação ao Formalismo e em defesa da
em tela quer o mundo exterior, quer o mundo pureza da linguagem cinematográfica (Cf.
interior. Também Louis Delluc (1890-1924) Aumont, 1999). A interdependência plásti-
escreveu nos inícios do cinema tendo criado ca dos planos sucessivos é vista ao detalhe,
o conceito de fotogenia a partir do qual olha- como, por exemplo, o aparecimento e trans-
va para os filmes. No livro Écrits Cinema- formação de um arco em círculo ou, outro
tographiques II, Cinéma et Cie, (Cinémath- exemplo, a alternância entre um número par
èque Française, 1986), Delluc explica o que e um número ímpar de elementos em cam-
entende por fotogenia: “um ser ou uma coisa po. Esta sua decomposição foi feita com o
são mais ou menos destinados a receber luz”, intuito de defender o seu trabalho enquanto
ou seja, são mais ou menos fotogénicos. As- arte e distinto do de qualquer outro rea-li-
sim, compete ao cinema revelar e realçar a zador (qualquer outro realizador que não re-
fotogenia existente no mundo material; apre- flecte sobre o trabalho, em especial, no que
sentar nuances, medir tonalidades fotogéni- diz respeito à plástica da imagem e à mon-
cas do mundo material. Delluc olhará para tagem e que recorre a aproximações com
os filmes a partir do maior ou menor cumpri- outras artes).
mento dessa faculdade do cinema em revelar O exemplo de Eisenstein conduz-nos a
a fotogenia do mundo material. mais duas observação: que a análise de
Estas posições levam-nos a duas conside- filmes deverá ser realizada tendo em con-
rações iniciais. Em primeiro lugar, que nos ta objectivos estabelecidos a priori e que se
inícios, tal como hoje, a escrita sobre cinema trata de uma actividades que exige uma ob-
dependia das competências do analista e do servação rigorosa, atenta e detalhada a, pe-
seu olhar particular lançado sobre os filmes. lo menos, alguns planos de um determinado
Uma segunda observação é a possibilidade filme.
de se criarem conceitos a partir da análise e A análise é uma actividade que perscru-
da interpretação dos filmes. ta um filme ao detalhe e tem como função
Mas, o primeiro trabalho de análise pro- maior aproximar ou distanciar os filmes uns
priamente dito de que existe conhecimento dos outros, oferece-nos a possibilidade de
terá sido realizado por Eisenstein a propósi- caracterizarmos um filme na sua especifici-

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dade ou naquilo que o aproxima, por exem- tor do filme e daí saírem prejudicadas as pos-
plo, de um determinado género. E essa opor- síveis observações sobre o lugar que o filme
tunidade poderia ser melhor aproveitada. instaura/reserva para o espectador. O analista
Assim sendo, consideramos que sendo a poderá considerar-se um interpretador livre,
tarefa do analista/crítico analisar um filme mas a partir desta sua posição o realizador,
sugerimos o seguinte: a partir de Canudo e na sua legítima situação de criador, é deixa-
Delluc, que a escrita sobre cinema possa de- do de lado.
pender das competências do analista e do seu Estas considerações levantam-nos mais
olhar particular lançado sobre os filmes des- uma questão: poderá a análise constituir-se
de que o mesmo tenha por detrás uma ac- como uma disciplina autónoma? A análise
tividade de suporte sólido - a análise - e que aparenta ser uma actividade subsidiária de
essa actividade seja o ponto de partida para a outros interesses. O crítico e o teórico do
criação de conceitos que possam substituir a cinema procuram, pela análise, localizar e
adjectivação. Sugerimos, também, seguindo confirmar os seus pressupostos. Mas, a essa
Eisentein, que a análise seja feita por objec- questão apenas podemos responder que sim,
tivos (por exemplo, determinar em que me- pelo interesse da afirmação de uma área de
dida um determinado filme pertence a um estudos dentro da academia e, também, pela
determinado género), que a análise seja de- possibilidade da análise de filmes ser capaz
talhada, (pelo menos, sobre alguns planos do de elaborar a sua actividade mediante uma
filme seleccionados tendo em conta os objec- metodologia de carácter universal ou, pelo
tivos estabelecidos); seguindo Susan Sontag, menos, o mais abrangente possível.
que a análise seja uma actividade fundamen- Tendo em conta as dificuldades que a acti-
tal e a seguir por todos aqueles que escrevem vidade de análise coloca e a eventual possi-
sobre cinema. bilidade de criação de uma metodologia úni-
Mas, a análise coloca problemas. No ca que permita chegar a uma interpretação
imediato, analisar um filme na sua totali- pertinente de um filme e que a mesma possa
dade afigura-se uma tarefa quase intermi- contribuir para um conhecimento aprofunda-
nável. Mas, o principal problema é o fac- do da praxis cinematográfica, a questão que
to do filme não ser citável; por exemplo, na nos ocupará a seguir prende-se com os pro-
análise/crítica literária são usadas palavras cedimentos a adoptar na análise de um filme.
que se referem a palavras, na análise/crítica
de filmes são usadas palavras que se ref-
2. Como analisar?
erem a imagens e sons. Outros problemas
que a actividade de análise coloca prendem- Antes de mais, enunciamos os tipos de
se com a relação que o analista estabelece análise de que temos conhecimento:
com o filme. Se o analista racionalizar de- a) análise textual. Este tipo de análise con-
masiado o visionamento de um filme o mes- sidera o filme como um texto, é decorrente
mo passa a ser um objecto sobre o qual é da vertente estruturalista de inspiração lin-
exercido controlo e a afectação emocional guística dos anos 60/70 e tem como objec-
poderá sair prejudicada por esse processo tivo decompor um filme dando conta da es-
racional. O analista poderá considerar-se au- trutura do mesmo. O filme é dividido em

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segmentos (unidades dramáticas/sintagmas) posição destacando ou as cenas em que o se-


em geral a partir de momentos que indicam rial killer é capturado pelos ladrões, o que
a sua autonomia (por exemplo, dissolução poderá remeter para uma discussão sobre a
de um plano para negro como indicação hierarquização da marginalidade e respecti-
que determinado segmento dramático termi- vas sanções; ou destacando a cena em que
nou e outro tem início). Originalmente, es- o serial killer se apresenta como uma víti-
ta análise implicava apenas a aplicação da ma, problematizando a sua culpa e lançando-
Grande Sintagmática de Christian Metz para a para a sociedade em que vive. Outra opção
se identificar a estrutura subjacente a um seria destacar o plano final em que uma das
filme. A Grande Sintagmática tem como mães afirma que nada poderá trazer as cri-
principais problemas deixar de lado toda a anças de volta, o que torna todos os pais
riqueza visual de um filme (como seja o uso e, também, todos os indivíduos de uma so-
da iluminação) e aplica-se com mais facili- ciedade responsáveis pelo que acontece às
dade aos filmes narrativos. Ao considerar um suas crianças.
filme como um texto, este tipo de análise c) análise poética. Esta análise, da autoria
dá importância aos códigos de cada filme. de Wilson Gomes (2004), entende o filme
Se seguirmos Christian Metz os filmes pos- como uma programação/criação de efeitos.
suem 3 tipos de códigos: os perceptivos (ca- Este tipo de análise pressupõe a seguinte
pacidade do espectador reconhecer objectos metodologia: 1) enumerar os efeitos da ex-
no ecrã); culturais (capacidade do espectador periência fílmica, ou seja, identificar as sen-
interpretar o que vê no ecrã recorrendo à sua sações, sentimentos e sentidos que um filme
cultura, por exemplo, alguém vestido de pre- é capaz de produzir no momento em que
to em sinal de luto) e códigos específicos (ca- é visionado; 2) a partir dos efeitos chegar
pacidade do espectador interpretar o que vê à estratégia, ou seja, fazer o percurso in-
no ecrã a partir dos recursos cinematográfi- verso da criação de determinada obra dan-
cos, por exemplo, a montagem alternada co- do conta do modo como esse efeito foi con-
mo indicação que duas acções estão a decor- struído. Se considerarmos que um filme é
rer ao mesmo tempo, mas em espaços difer- composto por um conjunto de meios (vi-
entes). suais e sonoros, por exemplo, a profundi-
b) análise de conteúdo. Este tipo de análise dade de campo e a banda sonora/musical) há
considera o filme como um relato e tem ape- que identificar como é que esses meios foram
nas em conta o tema do filme. A aplicação estrategicamente agenciados/organizados de
deste tipo de análise implica, em primeiro lu- modo a produzirem determinado(s) efeito(s).
gar, identificar-se o tema do filme (o melhor Do ponto de vista da sua estratégia, um filme
modo para identificar o tema de um filme é pode ser entendido como uma composição
completar a frase: Este filme é sobre . . . ). estética se os seus efeitos forem da ordem
Em seguida, faz-se um resumo da história da sensação (em geral, filmes experimen-
e a decomposição do filme tendo em conta tais), ou como uma composição comunica-
o que o filme diz a respeito do tema. Por cional se os efeitos forem sobretudo de senti-
exemplo, se o filme M , de Fritz Lang for do (em geral, filmes com um forte argumento
visto nesta perspectiva faz-se a sua decom- que pretendem transmitir uma determinada

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mensagem/ponto de vista sobre determina- ficar ou, pelo menos, discutir uma metodolo-
do tema), ou como composição poética se os gia de análise. Neste sentido, propomos uma
efeitos que produz são, essencialmente, sen- primeira escolha do analista: uma análise in-
timentos e emoções (em geral, filmes com terna ou uma análise externa ao filme. Na
forte componente dramática). Ainda que este primeira, a análise centra-se no filme em
tipo de análise se aplique a filmes convém si enquanto obra individual e possuidora de
notar que pode ser aplicada à contemplação singularidades que apenas a si dizem re-
de qualquer outra obra de arte. speito. Se a análise é feita a um único filme
d) análise da imagem e do som. Este tipo de é sempre possível analisá-lo tendo em con-
análise entende o filme como um meio de ta a filmografia do seu realizador de mo-
expressão. Este tipo de análise pode ser de- do a identificar procedimentos presentes nos
signado como especificamente cinematográ- filmes, ou seja, identificar o estilo desse re-
fico pois centra-se no espaço fílmico1 e alizador. Na segunda, o analista considera o
recorre a conceitos cinematográficos, por e- filme como o resultado de um conjunto de re-
xemplo, verificar o uso do grande plano por lações e constrangimentos nos quais decor-
diferentes realizadores; para um determina- reu a sua produção e realização, como se-
do poderá ser apenas um plano para dar in- jam o seu contexto social, cultural, político,
formação ao espectador (por exemplo, nos económico, estético e tecnológico.
filmes de Griffith) e, noutro caso, estarmos Independentemente da escolha por uma
perante uma utilização mais dramática e pes- análise interna ou externa, há uma questão
soal deste tipo de plano (por exemplo, no que nos parece essencial para ambas. Um
filme A Paixão de Joana D’Arc, de Drey- procedimento de análise muito comum con-
er). Com este tipo de análise encontramos, siste em retirar fotogramas de um filme. Es-
sobretudo, o modo como o realizador con- ses fotogramas são um suporte fundamental
cebe o cinema e como o cinema nos permite para a reflexão já que permitem fixar algo
pensar e lançar novos olhares sobre o mundo movente, as imagens de um filme. Propomos
(por exemplo, determinado realizador apre- aqui que esse procedimento seja produtivo
sentar sempre uma visão pessimista da hu- em outros momentos de reflexão. Para tal é
manidade). necessário que esses fotogramas não sejam
Cada tipo de análise instaura a sua própria apenas utilizados para embelezar o texto, há
metodologia, no entanto, parece-nos que op- que transformá-los num instrumento de tra-
tar por apenas um tipo de análise, poderá balho. Assim, deverá ser criada uma nume-
o analista ficar com a sensação de dever ração que possa estabelecer um laço efec-
cumprido mas, também, com a sensação de tivo com o filme do qual foram retirados.
que muito terá ficado por dizer acerca de um Apresentamos a seguinte proposta: usar dois
determinado filme ou conjunto de filmes. conjuntos de números, o primeiro deve di-
Mais concretamente, cumpre-nos especi- zer respeito à relação do fotograma com o
1
plano e o outro à posição do plano no que
O campo e o fora-de-campo fazem parte de um
mesmo espaço imaginário que se designa por espaço diz respeito à montagem. Por exemplo, supo-
fílmico ou cena fílmica. nhamos que foram retirados quatro fotogra-
mas de um filme e que a numeração é: 1(1);

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1(1); 2(2); 3(3); 4(0). Esta numeração sig- País:


nifica o seguinte: os dois primeiros fotogra- Género:
mas foram retirados do mesmo plano (nos Duração:
casos de planos-sequência pode ser útil reti- Ficha técnica:
rar mais que um fotograma). 2(2) é um fo- Sinopse:
tograma de um outro plano que se encon- Tema(s) do filme:
tra em termos de montagem imediatamente ii) Dinâmica da narrativa. Fazer a de-
a seguir ao plano 1(1). 3(3) é um fotogra- composição do filme por partes (sequên-
ma de um plano diferente dos anteriores, mas cias e/ou por cenas). Esta divisão terá de
na montagem vem imediatamente a seguir ao ser feita a partir de um critério previamente
plano a que corresponde o fotograma 2 (2). definido. A definição desse critério depende
O fotograma 4(0) diz respeito a um plano do próprio filme (por exemplo, decompor
diferente dos anteriores e na montagem não um filme onde o espaço é importante impli-
se encontra imediatamente a seguir a 3(3). ca fazer uma decomposição das partes desse
Esta proposta de procedimento é válida para filme tendo em conta exteriores e interiores).
as imagens, o mesmo não se passa em re- iii) Pontos de vistas. A expressão “ponto
lação ao som. Os fotogramas em papel nada de vista” pode ser trabalhada em três senti-
dizem a respeito do som, mas a numeração dos: 1-Sentido visual/sonoro (onde está a câ-
que propomos poderá ser importante para es- mara em relação ao objecto a filmar? Que
clarecer questões importantes a respeito da sons podem ser ouvidos ao longo do filme
imagem, como seja o tipo de enquadramen- e em que momentos? Quais as característi-
to e composição dos planos, a sua maior ou cas dos planos? Trata-se aqui de fazer uma
menor profundidade de campo, as cores que análise ao filme nos seus aspectos visuais
são utilizadas, a grandeza dos planos (por e- e sonoros recorrendo ou criando terminolo-
xemplo, se é mais utilizado o plano geral ou gia relativa à imagem e ao som.) 2-Sentido
o grande plano). . . ; ou ainda – tendo em con- narrativo (Quem conta a história? E como
ta a numeração correcta dos fotogramas – é contada?). Aqui entendemos por narrati-
tornar possível formular considerações a res- va a junção das noções de história e enre-
peito do tipo de montagem do filme. do. A história define-se como a sucessão de
Pelo facto do nosso texto ser apenas uma acontecimentos (o que acontece e não de-
introdução ao tema da análise de filmes que pende da vontade das personagens) e acções
nos interessa aprofundar em futuras investi- (o que acontece como resultado da vontade
gações, apresentamos alguns pontos para a das personagens). O enredo é o modo co-
análise interna de um filme (e que está mais mo a história é contada. E uma história pode
em consonância com um dos tipos de análise ser contada: na primeira pessoa – os espec-
mencionados atrás, a análise da imagem e do tadores vêm os acontecimentos através dos
som). olhos de uma personagem. Esta técnica é
i) Informações: muito usada para efeitos de suspense em
Título (em português): que é necessário reter informação da audiên-
Título original: cia; na terceira pessoa – trata-se da acção
Ano: vista por um observador ideal, em geral são

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filmes nos quais não é detectável a presença presentada uma tipologia de diferentes tipos
da câmara. Raramente é usado como o úni- de fora-de-campo (fora-de-campo com a per-
co ponto de vista; omnisciente – para que sonagem principal, fora-de-campo com ob-
um filme apresente este ponto de vista é jectos,. . . .).
necessário que sejam dadas indicações ao es- Um outro modo, menos sistemático para a
pectador sobre o que as personagens pen- análise de um filme é uma espécie de diálogo
sam. Nestas situações é vulgar recorrer-se que o analista pode estabelecer com o filme,
à voz em off (também denominada voice- colocando-lhe questões tais como: Qual é o
over); ambíguo – consiste em alternar en- tema do filme? Qual a cena principal? Como
tre um ponto de vista na terceira pessoa e é que essa cena se interliga com as restantes?
um ponto de vista na primeira pessoa plano Quem é a personagem principal? . . .
subjectivo. Isto pode ser feito dentro de um Esta nossa proposta é incompleta porque,
plano ou com vários planos através do re- como já aqui defendemos, antes de adop-
curso da montagem. Ou, apresentar num tarmos qualquer procedimento, é necessário
mesmo plano diferentes pontos de vista. 3- definir qual o(s) objectivo(s) da análise. De
Sentido ideológico. Aqui pretende-se veri- qualquer modo, avançamos com esta peque-
ficar qual a posição/ideologia/mensagem do na proposta como ponto de partida para um
filme/realizador em relação ao tema(s) do posterior aprofundamento e discussão.
filme. Para finalizar, reafirmamos que a análise
iv) Cena principal do filme. De modo a de filmes é uma actividade fundamental -
tornar a nossa proposta exequível sugerimos e diríamos urgente - nos discursos sobre
que seja feita uma decomposição da cena cinema. Apenas pela análise será possível
principal do filme, uma decomposição plano verificar e avaliar, efectivamente, os filmes
a plano. Detectar qual a cena principal do naquilo que têm de específico ou de seme-
filme não é uma tarefa fácil. Por tal, é aqui lhante em relação a outros. Mas, a análise de
colocada em último lugar nestes pontos que filmes não é apenas uma actividade a partir
dizem respeito a uma análise interna de um da qual é possível ver mais e melhor o cine-
filme. ma, pela análise também se pode aprender a
v) Conclusões. Por forma a interpretar fazer cinema.
o valor cinematográfico de um determina-
do filme este ponto dedicado às conclusões
3. Bibliografia
exige a elaboração de um texto no qual se
apresentem as características (ou regras de AUMONT, Jacques; Marie, Michel (1999),
funcionamento) do espaço fílmico analisa- L’Analyse des Films, Nathan, 2a Ed.,
do e identificar o lugar reservado ao espec- [original, 1988].
tador, ou seja, o grau de envolvimento que
um filme permite ao seu espectador. Esta é, BELLOUR, Raymond (1995), L’Analyse du
também, uma oportunidade para uma quali- Film, Calmann-Lévy.
ficação do realizador ou do filme analisado. BOYD, David (1989), Film and the Inter-
Por exemplo, se um filme utilizou por di- pretative Process, A Study of Blow Up,
versas vezes o fora-de-campo poderá ser a-

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