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Copyright©2002 by Edições Demócrito Rocha Sumário · · ft'

"
Diretora executiva: Albanisa Lúcia Dummar Pontes Apresentação ... .. .. .......... .... ..... ... ......... .... :: ... :.'."...... ...... :.. :..... 7
Coordenação editorial: Lira Neto Introdução ............................................:.......... :.:.. :....'..:.... :15
1,1.
Supervisão pedagógica da Coleção Magister: Eloísa Maia Vida!
Capa: Arlene Holanda e Daniel Di az Unidade 1 "
Supervisão gráfica: Roberto Santos Política e Planejamento Educacional:
Editoração eletrônica: Francisco Oli veira elementos conceituais ............. .......................................... 19
Gráficos: Welton Travassos Como compreender o conceito
Revisão: Kelsen Bravos de Estado? ....................................................::: .....!! .. ....... ... ..20
Catalogação na fonte: Rodrigo Leite Que relação existe entre política, '·
planejamento e legislação educacional? .. :..\.!.:.:... ::.•...... ,~~ ....Q4
OBRA PUBLICADA PELO CONV~NIO DE CO-EDIÇÃO UECE - FOR.
Qual a importância da legislação para :' i1
Reitor da UECE: Manassés Claudino Fonteles o planejamento e a política educacional? .......\.'.... :..~'..'.'...... .' .. 26'
O que é planejamento? ................................ :... .'.':...............~ .28
Que fundamentos têm · · •
orientado o planejamento? .............................. :..........'....... :.:33
Dados lnt ernacion~is de Catalogação na Publicação (CIP) 1 1 '--'·'

Unidade II
Viei ra, Sofia Lerche
V657p Po lítica e planejamento educaciona l I Sofia Ler-
Políticas Internacionais e Educação:
c~e Vieira, Maria Gláucia Menezes A lbuquerque. - uma agenda para debate ........................................ L ..... 43
3. ed. rev. e mod. - Forta leza : Edições Demócrito Que raízes buscar no passado? ........................ :......... :......... 44
Rocha, 2002 . Qual a influência dos eventos
138p.
internacionais na agenda educativa? ......... :.:.,." .. ~"'..............47
Traz bibliografia .
Uma agenda educacional na
ISBN 85 - 7529 - 073 - 8 América Latina - globalização ou
regionalização das políticas? ............................................... .56
1. Política ed ucacional 2. Planejamento educa- Que papel têm as agências internacionais
cio nal 3. Educação - Brasi l 1. A lbuquerque, Maria
na educação brasileira? ........................................................ 61
Gláucia Menezes li. Título .
CD U 37 .014.5
Afinal, cooperação ou intervenção
na educação brasileira? ........................................................ 68

Todos os direitos desta edição reserva dos à Unidade III


EDIÇÕES DEMÓCRITO ROCHA
Av. Aguanamb i, 282 - Joaqu im Távora - 60.055-402 - Forta leza - Ceará - Brasi l
Planejamento e Política Educacional:
Fones: (85) 25 5-6270 / (85) 255-6055 - Fa x: (85) 255-6276 questões contemporâneas ............................................... 73
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www. fdr.com.br
Que papel exerceu o planejamento

1
Unidade 1

Política e planejamento educacional:


elementos conceituais
Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de
pessoas, de mil-e-tantas misérias ... Tanta gente - dá susto de
saber - e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se
casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde,
riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons.
(Guimarães Rosa)

A reflexão sobre o planejamento e a política educa-


cional requer um entendimento destas ações como for-
mas de intervenção localizadas no âmbito da estrutura
do Estado e, portanto, como ação de governo. Isto quer
dizer que tomar o planejamento educacional como obje-
to de estudo significa pensá-lo para além da escola, do
planejamento curricular e de ensino, matéria sobre a
qual já discorreram outros autores.
Partindo desta compreensão, é necessário aprofun-
dar algumas idéias sobr~ o próprio conhecimento acerca
do Estado. Este é, sem dúvida, um campo complexo de
estudos que tem sido amplamente discutido no âmbito
da Filosofia, da Ciência Política e de outros ramos do
conhecimento humano. Assim, o que se pretende com a
19
Política e planej amento educacional Elementos co nce ituai s

introdução ao tema é tão-somente lembrar algo de seus De uma maneira geral, pode-se dizer que há duas
problemas para que, adiante, melhor se esclareçam as grandes vertentes de pensamento em torno do papel do
interfaces do planejamento com a política educacional. Estado - uma de base liberal (a qual, por sua vez, deu
Nesta Unidade, serão abordados o conceito de origem ao enfoque neoliberal) e uma de suporte marxis-
Estado, as interfaces entre política, planejamento e legis- ta (ou, como preferem alguns, marxiana). Para fins de
lação e as concepções teóricas que fundamentam o pla- uma primeira aproximação, é importante lembrar que,
nejamento. O aprofundamento destes temas visa a facili- segundo a perspectiva liberal, o Estado tem uma dimen-
tar a compreensão do contexto mais amplo em que são são de maior neutralidade na organização da vida
concebidas as iniciativas educacionais que interferem social, servindo como elemento aglutinador dos diferen-
sobre as diversas dimensões da realidade escolar. Onde tes interesses que circulam na sociedade, fornecendo as
quer que atue o educador - na sala de aula, na escola, nas condições para o Estado de direito. Na perspectiva do li-
secretarias de educação, ou em outras esferas do mundo beralismo clássico e do atual neoliberalismo, portanto, o
do trabalho - suas ações são influenciadas por determina- Estado exerce um "papel de guardião dos interesses
ções do planejamento e da política educacional. Assim, públicos. Sua função é tão-somente responder pelo pro-
independentemente de sua área profissional específica, é vimento de alguns bens essenciais" (AZEVEDO, 1997:
importante refletir sobre questões desta natureza. 9), dentre os quais a defesa, a aplicação das leis e alguns
serviços sociais básicos, como a saúde e a educação.
Como compreender o conceito de Estado? O pensamento marxista situa-se noutra direção. Para
esta abordagem, o Estado, longe de ser uma instância
Há inúmeras formas de compreensão do conceito de neutra, a serviço de todas as classes sociais, se configura
Estado. Segundo o Dicionário de Política, uma definição de como uma forma de organização que serve às camadas
dominantes da sociedade, detentoras de capital. A socie-
Estado contemporâneo envolve numerosos pro- dade, de acordo com esta perspectiva, se organiza a
blemas, derivados principalmente da dificulda-
de de analisar exaustivamente as múltiplas rela- partir de relações de produção as quais consti-
ções que se criaram entre o Estado e o complexo tuem a estrutura econômica da sociedade, a
social e de captar, depois, os seus efeitos sobre a base concreta sobre a qual se eleva uma supe-
racionalidade interna do sistema político (BOB- restrutura jurídica e política e a qual correspon-
BIO et. al, 1997: 401). dem determinadas formas de consciência social
(MARX, 1983: 24).
Talvez para a reflexão que interessa mais de perto ao
planejamento educacional seja necessário destacar que a Segundo essa perspectiva, o Estado é um elemento
noção clássica do Estado refere-se a um "povo social, da superestrutura da sociedade, uma vez que neste
política e juridicamente organizado, que, dispondo de plano estão situadas as formas jurídicas, políticas, reli-
uma estrutura administrativa, de um governo próprio, giosas, artísticas ou filosófica (Idem: 25) da organização
tem soberania sobre determinado território" (KOOGAN- social. Existem no âmbito da superestrutura
HOUAISS, 1993: 341). ...dois grandes "planos" superestruturais: o que
20 21
Política e planejamento educacional Elementos conceitua is

pode ser chamado de "sociedade civil", (isto é; o sustenta-sê na necessidade de uma presença mais efeti-
conjunto de organismos comumente chamados va do Poder Público nas áreas sociais, de modo especí-
de "privados") e o da "sociedade política ou Es- fico na educação. Os críticos de tal posição, por sua vez,
tado", que corresponde à função de "hegemonia"
que o grupo dominante exerce em toda a socieda- questionam se, de fato, a redução da presença do Es-
de e àquela de "domínio direto" ou de comando, tado na vida econômica tem propiciado a universaliza-
que se expressa no Estado e no governo "jurídi- ção e a melhoria da qualidade dos serviços sociais, den-
co". Estas funções são precisamente organizativas tre eles a educação, propiciados pelo Poder Público.
e conectivas (GRAMSCI, 1982: 10-11). Esta é uma crítica que merece ser aprofundada. A pre-
sente discussão, contudo, circunscreve-se à introdução
De acordo com a teoria marxista, o Estado tem exer- de alguns conceitos básicos, razão pela qual procurare-
cido múltiplas funções, dentre as quais quatro aponta- mos ir adiante, refletindo sobre política, planejamento e
das como fundamentais: legislação educacional.
a) criação das condições materiais genéricas da No âmbito desta reflexão recente, novas discussões
produção (infra-estrutura); , têm ocorrido e o debate sobre o papel do Estado assume
b) determinação e salvaguarda do sistema geral outras dimensões. O Poder Público já não se percebe
das leis que compreendem as relações dos como agente único de promoção de bens e serviços, até
sujeitos jurídicos na sociedade capitalista; mesmo nas áreas .sociais. Novos atores e parcerias sur-
c) regulamentação dos conflitos entre trabalho gem. Cresce o papel das organizações não-governamen-
assalariado e capital; tais - o chamado Terceiro Setor - no âmbito da oferta de
d) segurança e expansão do capital nacional to-
serviços, antes afetos ao Estado. Entidades organizadas
tal no mercado capitalista mundial (BOBEIO
et al, op. cit.: 404). da sociedade passam a atuar como executaras de políti-
cas sociais motivadas pela progressiva ausência do
Recentemente, de modo particular a partir da década Poder Público na oferta de serviços. Neste modelo, as
de noventa, profundas transformações foram efetuadas Organizações Não-Governamentais (ONGs) têm reo-
na estrutura do Estado. Na verdade, esta é uma discussão rientado suas iniciativas de monitoramento das políti-
que está no centro do debate contemporâneo internacio- cas, passando a atuar de forma direta.
nal e nacional. No caso brasileiro, passamos de um perío- Muitas dessas mudanças interferem diretamente so-
do de forte presença estatal em diversos setores da vida bre a organizaçã0 dos serviços educacionais. A escola,
nacional - processo iniciado nos anos 30 e aprofundado antes território quase exclusivo de professores, diretores,
nos anos 70 - para uma fase de redução das iniciativas funcionários e alunos, passa a compartilhar seu espaço
governamentais em campos onde, antes, esta presença era com outros atores - pais, membros da comunidade,
decisiva, de modo particular, na esfera econômica. "amigos da escola", dentre outros. E tudo isto traz novas
Desde o advento dessas mudanças, o Brasil passou variáveis ao cenário do planejamento e da política edu-
a reduzir significativamente a inserção do Estado em cacional. Para bem entender tais realidad~s, é preciso
setores como energia, telecomunicações e outros. O prosseguir na análise do tema. Antes, porém, uma pausa
argumento utilizado em defesa desta reestruturação para a reflexão, através da atividade proposta a seguir.
22 23
Elementos conceituais
Política e planejamento educaciona l

sas ações, sendo por elas influenciados. Há uma relação


estreita e, por que não dizer, dialética entre a política, o
-.... SUGESTÕES DE ATIVIDADES planejamento e a legislação. Para fins metodológicos,
todavia, é importante examinar em separado cada um
1. Examine a passagem abaixo e dê sua opinião: desses componentes do campo educacional. Esse exercí-
(...) o espaço social, político, até certo ponto cio não deixa de nos situar num dilema semelhante
econômico do Brasil incorpora cada vez mais e àquele da primazia entre o ovo e a galinha - afinal, o que
de forma orgânica novos atores: voluntários e vem primeiro: a política, o planejamento ou a legislação?
organizações não-governamentais em ativi- Sendo o planejamento uma ação própria dos gover-
dade de natureza pública, o que levanta uma nos, este pode ser compreendido conforme a perspecti-
série de interrogações relevantes. A primeira
va sugerida por HORTA, segundo a qual é possível tra-
delas é sem dúvida por que o fenômeno ocorre
num momento de enfraquecimento do Estado
balhar com a hipótese de que
pela globalização e pelo modo neoliberal de .. .o planejamento educacional constitui uma
governar? Esses atores estariam surgindo nos forma específica de intervenção do Estado em
vazios sociais criados pela ausência ou retirada educação, que se relaciona, de diferentes
do poder estatal? Estariam eles tomando o maneiras, historicamente condicionadas, com
lugar do Estado, inconscientemente cúmplices, as outras formas de intervenção do Estado em
então, da fabricação de um Estado mínimo, educação (legislação e educação pública) visan-
afastado do atendimento às necessidades do do à implantação de uma determinada políti-
povo? ... (Haguette, O POVO, 18/3/01). ca educacional do Estado, estabelecida com a
finalidade de levar o sistema educacional a
2. Reflita sobre o significado do surgimento do ter-
cumprir as funções que lhe são atribuídas
ceiro setor na relação Estado e políticas educacionais. enquanto instrumento deste mesmo Estado
(HORTA, 1991: 195. grifo nosso).
Que relação existe entre política,
planejamento e legislação educacional? A concordância com a hipótese do autor supõe o
entendimento de uma relação de subordinação do plane-
Refletir sobre os nexos entre a política, o planejamen-
jamento à política educacional. Ou seja, a política educa-
to e a legislação no âmbito da educação é um exercício
cional está acima do planejamento, na medida em que se
oportuno a medida em que possibilita o esclarecimento de
planeja para implementar determinadas políticas. A
articulações presentes na vida cotidiana dos diferentes
conexão entre essas duas atividades, todavia, nem sem-
atores deste campo. Para os educadores, de modo particu-
pre é explícita, assim como também não é simples preci-
lar aqueles envolvidos com o planejamento, a compreen-
sar as fronteiras entre ambas e a legislação educacional.
são dessas interfaces permite situar elementos da realida-
Embora a política educacional seja constituída por
de global e do contexto onde se insere seu trabalho.
um conjunto amplo de agentes, esta se desenvolve no
Embora o planejamento, a política e a legislação exis-
âmbito de uma estrutura maior - o Estado. Como diz
tam independentemente das ações dos sujeitos particula-
CASSANI (1972), quando se fala em política educacional,
res, constituem parâmetros para o desenvolvimento des-
24 25
Po lítica e planej amento educaciona l Elementos conceitua is

pensa-se em primeiro lugar no Estado, isto porque, de da iegislação não basta ater-se à letra da lei: é
modo geral, esta abrange as teorias, planificações e reali- preciso captar o seu espírito. Não é suficiente
zações que integram a obra do Estado em matéria de edu- analisar o texto; é preciso examinar o contexto.
cação e cultura. Pode-se afirmar, portanto, que a política Não basta ler nas linhas; é necessário ler nas
de educação tem no âmbito do Estado dois referenciais entrelinhas (p.193).
básicos: de um lado, a afirmação das intenções formais do Ou seja, a legislação é um instrumento importante
poder público, expresso nos planos de governo e na legis- para compreender a política educacional e, conseqüen-
lação educacional, e, de outro, a prática efetivamente temente, o planejamento. ·Qualquer projeto de reforma
desenvolvida, nem sempre coincidente com os princípios deve ser situado no momento histórico, e ser compreen-
e meios firmados no discurso daqueles que se responsa- dido à luz das circunstâncias sociais, econômicas, políti-
bilizaram pela formulação das políticas públicas. . e
cas culturais do contexto.
É na correlação de forças entre os atores sociais das Embora constitua um elemento significativo no jogo
esferas do Estado - as sociedades política e civil - que se eia política educacional, a legislação, todavia, não é
definem as formas de atuação prática, as ações governa- tudo. Como já disse, há muito, o mestre Anísio Teixeira:
mentais e, por conseguinte, se trava o jogo das políticas há no Brasil uma tendência a se atribuir um valor mági-
sociais. Não podemos reduzir a compreensão da política co-simbólico à legislação. Nessa direção também se
a um simples e maquiavélico ato isolado - de cima para expressa um autor contemporâneo, ao sublinhar que
baixo, do Estado para a sociedade. Devemos captá-la em
... as leis constituem fontes de esperança, mas
sua complexidade e mutação. Nesse sentido, CARNOY
não operam milagres. Partilhamos da tradição
(1986: 94) destaca: "as alterações nos rumos ou no perfil
ibérica de acreditar numa mudança quase
dessas forças de atuação constituem desdobramentos da mágica da realidade social, pela letra da lei.
contínua correlação de forças entre a sociedade política e Uma vez publicada, haveria uma espécie de
a sociedade civil". A compreensão das políticas de edu- acatamento automático, sem maiores cuidados
cação exige, portanto, uma atenção cuidadosa com suas de implantação, acompanhamento e avaliação
múltiplas dimensões, seu caráter político-ideológico, as e, também, como se uma nova lei não represen-
quais se encontram materializadas nos discursos e práti- tasse custos para a sociedade (os custos de dei-
cas daqueles que a fazem (VIEIRA, 1990). xar de agir de determinada maneira e passar a
agir de outra) (GOMES, 1998: 11).
Qual a importância da legislação para Se por herança de uma tradição ibérica se costuma
o planejamento e a política educacional? creditar grandes expectativas com relação às leis, estas
apresentam sempre um sentido prospectivo, de projeto
Refletindo sobre o papel da legislação na realidade
que a sociedade deseja para si. Nem sempre, contudo, a
educacional, SAVIANI (1976) observ~ que:
legislação exerce esse mandato de apontar caminhos. Há
a legislação do ensino constitui um referencial circunstâncias em que pode servir também para regula-
privilegiado para análise crítica da legislação mentar uma determinada política. Nesse caso, as leis
escolar.... Para compreender o real significado servem a um projeto existente, seja na concepção dos
26 27
Política e planejamento educaciona l

dirigentes governamentais, seja dos próprios grupos


o ci
organizados da sociedade, que fazem valer seus interes- oc
o
gi
<( o
ses junto ao Legislativo. :::>
o :;
ü
A partir de 1996, a educação brasileira convive com Q)

dispositivos legais que vêm delineando um projeto polí-


tico-educativo compatível com a reforma global do Esta- "'ecC
do brasileiro. Tal situação tem por objetivo reestruturar 5
•W
o sistema educacional por meio da descentralização e .se: Q)

administrativa e financeira, através de uma redefinição "':EcC E


"'
·a;
o
""iJ"
do papel das instâncias municipais e escolares na oferta e:

dos serviços na área de educação. 5


•;:)
a:"' E
Q)

O exemplo acima permite perceber o movimento da


legislação e sua articulação com o planejamento e a polí-
"'cCz
_,
tica educacional como ações independentes mas intima- cC
mente interligadas. Pode-se dizer que, em tese, a legisla- z
o
ção precede a política e o planejamento mas, na prática, o
as coisas nem sempre se passam assim. 5
;:)
O aprofundamento de uma análise da dinâmica ew
entre o planejamento, a política e a legislação educacio- o
•cC
nal permite constatar que podem ocorrer inusitadas V'
combinações, tais como políticas sem planejamento, :3
legislação sem política, planejamento sem legislação etc, "'e;w_,
como se pode ver no Quadro 1 - Planejamento, política
w
e legislação educacional nas últimas décadas. Mais
importante do que examinar se a legislação determina o 5j:: (ij
e:
o
·e:;
· planejamento e a política educacional, ou vice-versa, tal- ':::i
oQ. z"' .
vez seja considerar que a legislação educacional, do
mesmo modo como o planejamento, também é histori- o
1-
camente condicionada. De tal maneira, o papel por ela zw
exercido depende de circunstâncias peculiares a cada
. realidade e aos diferentes momentos históricos. ...:EcCw
z
O que é planejamento? :3
Q.

De modo geral, pode-se dizer quéa idéia de planeja-


mento não é algo distante do cotidiano das pessoas
comuns e das org~ações. Assim, para melhor com-
28
29
Política e planejamento educaciona l Elementos conce itua is

preendê-lo, faz-se necessário defini-lo, considerando que Estado Novo (sob Vargas 1937 - 1945), por exemplo, po-
não há um conceito único acerca dessa atividade humana. deria ser identificada como um momento em que se con-
TURRA (1975), por exemplo, entende o planejamen- figura um projeto político hegemônico no qual um ra-
to como uma "previsão metódica de uma ação a ser zoável grau de coesão se expressa em ações coordena-
desencadeada e a racionalização dos meios para atingir das do setor público. Mesmo que os métodos e procedi-
os fins", ou seja, como um "processo que consiste em mentos adotados não tenham se orientado pelos princí-
preparar um conjunto de decisões tendo em vista agir, pios defendidos por uma determinada concepção de
posteriormente, para atingir determinados objetivos" planejamento, o produto resultante daquelas ações pode
(p. 13). Essa definição encontra ressonância nas palavras ser entendido como portador de atributos básicos que
de GANDIM (1994), ao dizer que definem um processo de tal natureza. É útil lembrar,
nesse sentido, a afirmação de um dos teóricos da área de
planejar é agir racionalmente ... é dar clareza e
precisão à própria ação ... é realizar um conjun- que planeja quem governa (MATUS, 1988).
to orgânico de ações propostas para aproximar Os países latino-americanos, inclusive o Brasil, no
a realidade a um ideal (p.14). passado, adotaram modelos de planejamento nem sem-
pre compatíveis com sua realidade. Isto porque as técni-
Enfim, planejar é uma tarefa complexa, pois depen- cas de planejamento, muitas vezes, haviam sido conce-
de dos referenciais simbólicos dos atores sociais envolvi- bidas em função de contextos muito distintos. Quando
dos. A teorização sobre planejamento deve ser situada, foram importadas e transpostas sem muitas adaptações
na medida em que este não pode ser tratado indistintiva- para as economias periféricas, esbarraram em dificulda-
mente do sistema social. Dizer que o planejamento é des as mais diversas, inclusive as condições de governa-
uma prática situada significa negar o caráter tecnocráti- bilidade de então. O que isto quer dizer?
ca deste como um instrumental de organização racional, É importante apontar três dimensões, associadas à
neutro. Portanto, o planejamento em suas diferentes governabilidade em contextos democráticos, que dizem
acepções apresenta, implícita ou explicitamente, um respeito à formulação, implementação e liderança na
caráter ideológico (ALBUQUERQUE, 2000: 3). elaboração de políticas públicas:
Uma das formas de entender o planejamento apóia-
A primeira refere-se à capacidade do governo
se na concepção de que este é um
para identificar problemas críticos e formular as
procedimento para dar coerência aos processos políticas apropriadas ao seu enfrentamento. A
decisórios, buscando assegurar o nível requeri- segunda diz respeito à capacidade governamen-
do de coordenação às ações encaminhadas a tal de mobilizar os meios e recursos necessários à
lograr a melhor aproximação possível ao cum- execução dessas políticas, enfatizando, além da
primento dos principais objetivos do projeto tomada de decisão, os problemas ligados ao pro-
político vigente (MATUS, 1988: 124). cesso de implementação. Fihalmente, em estreita
conexão com este último aspecto, situa-se a capa-
Assim, é importante reconhecer que, muitas vezes, cidade de liderança do Estado, sem a qual as
mesmo sem qualquer referência à palavra planejamen- decisões tomam-se inócuas (DINIZ, 1997: 30)
to, tais processos ocorrem. No Brasil, a experiência do
30 31
Política e planejamento ed ucaciona l Elementos conce ituais

Desde a transição democrática, a partir de meados da Que fundamentos têm orientado


década de 1980, o País tem sido marcado pelo que já se o planejamento?
denominou de
A compreensão de que o planejamento educacional,
democracia delegativa, que se caracteriza pela como uma atividade própria do governo, indissociável da
baixa densidade de suas instituições, pela hiper- política, é resultante da complexa relação que se estabelece
trofia da autoridade pessoal do presidente da
entre sociedade política (governo) e sociedade civil (forças
República, ao lado da fragilidade dos partidos e
sociais) nos remete a um exame de suas diferentes con-
do sistema representativo, incluindo os partidos
(O'Donnell, 1991; 1993 apud Diniz, op. cit. p. 33). cepções teóricas. É buscando superar o caráter tecnocráti-
co da concepção normativa tradicional que outras aborda-
Nesse quadro, tendem a persistir formas de planeja- gens de planejamento despontam, quais sejam: o planeja-
mento nas quais a negociação com a sociedade permane- mento estratégico, o planejamento participativo, o plane-
ce diminuta. Ou seja, mantém-se alto grau de isolamento jamento presente no gerenciamento da qualidade total.
burocrático, praticamente sem resistência por parte da Importa destacar que estas diferentes perspectivas
representação parlamentar. Há, assim, elevada concentra- do planejamento comportam possibilidades de transfor-
ção de poder no Executivo. mação social ou de conservação conforme os grupos que
A conseqüência de tal situação é o descompasso entre a manejam, os referenciais dos atores envolvidos e as
a concepção e a execução das políticas, como também a características da realidade a ser trabalhada.
permanência de um expressivo voluntarismo que se
manifesta nas "alianças entre lideranças personalistas e Planejamento Normativo Tradicional
núcleos tecnocráticos, o que se traduz na continuidade da
tendência à prática da reforma pelo alto, típica de regimes O Planejamento Normativo - PNT, marcado pela
políticos fechados" (Idem, p. 35). Um dos problemas do concepção tecnocrática e economicista que deprecia a
Estado contemporâneo brasileiro reside justamente na dinâmica das relações sociais, fundamenta-se na ação
dificuldade que os governos vêm enfrentando de fazer instrumental do modelo positivista. A ação de planejar,
valer suas decisões, faltando-lhe os meios e a autoridade nesta perspectiva, constitui uma repetição de comporta-
para obter aquiescência às suas determinações. mentos bem-sucedidos, reprodução de normas, nas
Planejar, portanto, não é um ato que acontece no quais a exploração do futuro se limita a simples projeção
vazio; reporta-se a fatores internos e externos à organi- quantitativa das tendências do passado. Funciona o
zação, dependentes das negociações e acordos que arti- velho adágio de que aquilo que foi bom deverá ser bom.
culam os diferentes interesses dos membros ou grupos A origem desta concepção de planejamento encon-
sociais envolvidos. A compreensão da dinâmica de fun- tra-se na antiga União Soviética, nas primeiras décadas
cionamento desses fatores pode ser mais bem percebida do século recém-passado, sistematizando a economia no
a partir de uma revisão dos diferentes enfoques teóricos território nacional. Somente ápós a Segunda Guerra
do planejamento. Mundial, esta prática de planejamento se expande aos
países de economia capitalista, rompendo com a idéia
de incompatibilidade entre planejamento e mercado.
32 33
Po lítica e planejamento educac iona l Elementos conce itua is

Situamos a expansão do PNT na América Latina no Ao lidar com a incerteza, este modelo de planejamen-
âmbito da Conferência de representantes dos países lati- to abre espaço para várias possibilidades na sistematiza-
no-americanos, realizada em Punta del Este, em 1961. O ção das ações, englobando o Planejamento Estratégico
surgimento desse enfoque de planejamento vincula-se à Corporativo e o Planejamento Estratégico-Situacional.
Aliança para o Progresso e sua exigência de projetos de O Planejamento Estratégico Corporativo atende às
desenvolvimento econômico e social para a concessão demandas do mundo econômico, centrando-se nos pro-
de financiamentos (VIEIRA: 1999a). blemas típicos das grandes empresas ou corporações pri-
No Brasil, o planejamento como instrumento siste- vadas, podendo ser utilizado em instituições públicas
matizador de política, passou a fazer parte das práticas interessadas em participar do mercado. Nesta aborda-
governamentais a partir da Segunda Guerra Mundial. gem, a sistematização das ações parte da enumeração de
De início, é entendido como uma "técnica racionalizada possibilidades para enfrentar o concorrente, da capacida-
de organização das informações", sendo paulatinamente de de previsão, na orientação da ação futura. Esta concep-
incorporado à política econômica (IANNI, 1996). Toda- ção avança motivada pela necessidade de um modelo de
via, somente no período da ditadura militar, o planeja- planejamento específico para a prática governamental,
mento é instituído como sistemática governamental, for- surgindo o Planejamento Estratégico Situacional-PES,
malizado pelo Decreto-Lei n.º 200/ 67. Neste momento, proposto por MATUS (1996). Partindo da idéia de que a
assiste-se ao fortalecimento do planejamento voltado realidade, por ser dinâmica, inclui variáveis políticas e
para o desenvolvimento econômico, via financiamento não só econômicas, esta concepção de planejamento, pen-
internacional. A formalização desta sistemática é expres- sada especificamente para dirigentes políticos, "no gover-
sa nos instrumentos básicos da ação governamental: o no ou na oposição, pode ser aplicada a qualquer órgão
plano geral de governo, os programas setoriais e regio- cujo centro do jogo não seja exclusivamente o mercado,
nais de duração plurianual. Neste contexto, surgiram os mas o jogo econômico, político e social" (p.354).
Planos Nacionais de Desenvolvimento, e os Planos A importância da categoria "situação" pode ser per-
Setoriais de Educação, como pode ser visto no Quadro I cebida na própria denominação do enfoque estratégico-
- Planejamento, política e legislação educacional. situacional. Esta perspectiva pretende romper com a
explicação objetivista da planificação tradicional, a
Planejamento Estratégico medida em que chama atenção para o caráter auto-refe-
O Planejamento Estratégico - PE apresenta-se como rencial de toda explicação da realidade e para os seus
uma reação às limitações do planejamento normativo interesses práticos (ALBUQUERQUE, 2000). Cabe consi-
tradicional, distinguindo-se deste por ser derar que os pressupostos do PES demarcam uma
mudança de foco fundamental no planejamento em
contínuo e sistemático; por operar análises
macro (econômicas e políticas); por prever
relação ao PNT: da centralização para o exercício da des-
futuros alternativos; por utilizar métodos quan- centralização; do reducionismo econômico p_ara a inclu-
titativos e qualitativos e por trabalhar as incer- são das demais variáveis sociopolíticas; do autoritaris-
tezas (MATUS, 1996: 17). mo para a participação. A idéia de governabilidade é
aqui compreendida como uma relação entre as variáveis
34 35
Política e planejamento educac ional Elementos conceitua is

que o ator controla e as que não controla no processo de pação. Os 'governos estabelecidos sob a égide da transi-
governo, "existindo diferentes graus de governabilida- ção democrática precisaram, assim, responder, em seus
de do sistema para os diferentes atores sociais". planos administrativos, a esta demanda social. Entretan-
to a transição democrática, ao mesmo tempo em que
Planejamento Participativo produz esse cenário, vem marcada, contraditoriamente,
,. Autores diversos, a exemplo de GANDIM (1994), pelo questionamento do Estado como agente que asse-
gura os direitos sociais, expressos nos serviços públicos;
concordam com o argumento de que a origem dessa
perspectiva de planejamento remonta às reflexões ou seja, exatamente no momento em que os governos
empreendidas, no Chile, pela Equipe Latino-Americana são pressionados a desenvolver uma agenda prioritária
de Planejamento - ELAP. Este grupo é influenciado pelas para a educação, maiores são as pressões no sentido do
idéias disseminadas na Conferência Episcopal Latino "enxugamento" do Estado e da redução dos serviços
Americana, na época do Concílio Vaticano II, que postu- (ALBUQUERQUE, 2000).
lavam um novo horizonte da participação e da mudan- Importa sublinhar que a idéia de participação intro-
ça estrutural para favorecer a fraternidade, a solidarie- duzida no planejaµiento educacional desse período
dade, a justiça social e a liberdade. encontra em DEMO (1979) um dos seus ideólogos. Esse
O planejamento participativo - PP constitui um proces- autor compreende a participação, elemento-chave da
so que possibilita o conhecimento da realidade por meio perspectiva de planejamento em destaque, como um
da ação e da reflexão. Busca explicitar as interferências do "processo de conquista e construção organizada da
meio social através do trabalho cooperativo, do desvela- emancipação". Propõe a co-participação como estraté-
mento das intenções implícitas nas ações e da metodologia gia para efetivar a prática democrática, percebida como
de interpretação dos indicadores de interdependência nos algo a ser construído cotidianamente. Pode-se observar
fenômenos sociais. Estes pressupostos são ratificados por que, embora o discurso da participação seja constante
FERREIRA (1983), ao salientar que o planejamento nas últimas décadas, ele parece não ter sido suficiente
para consolidar uma prática efetivamente democrática.
deixa de ser uma metodologia de definição dos A década de 90 esteve marcada pela recorrência a
objetivos, escolha de estratégia e organização de estratégias de mobilização social na gestão da coisa públi-
ação, para se transformar numa metodologia de
ca, iniciativa motivada pelas agendas internacionais,
tomada coletiva de decisões e correspondente
de ação que será assumida por todos (p. 7).
objetivando construir redes de parceria entre Estado e
sociedade civil. Este encaminhamento se expressa em
Nesta abordagem, não há espaço para o tradicional políticas descentralizadoras com a finalidade de impul-
"planejador'', sobressaindo a figura de um coordenador-arti- sionar mecanismos locais da gestão participativa.
culador do processo coletivo de intervenção na realidade.
No plano educacional, as idéias do planejamento Planejamento no GerenciaJilento da Qualidade Total
participativo são, de certa forma, absorvidas pela políti- O planejamento como sistematização de ações pre-
ca no final do período militar, quando se assiste a uma sente no gerenciamento da qualidade total/ GQT retoma
euforia em torno da vivência de mecanismos de partici- elementos de várias abordagens organizacionais, dando
36 37
Po lítica e planejamento educac ional Elementos conceituais

um caráter híbrido aos seus desdobramentos. TURCHI Estado de Minas Gerais. Nesta perspectiva, a escola é
(1997) conceitua qualidade total como uma teoria de percebida como uma organização - uma prestadora de
administração que capta sinais de outros modelos e teo- serviço educacional - que deve garantir a satisfação de
rias organizacionais e os amplifica através de uma lin- todos os envolvidos no processo educacional: alunos,
guagem e metodologia próprias de implementação. pais, professores, funcionários, entidade mantenedo-
Nesse sentido, compreende que o GQT, longe de consti- ra /acionistas e comunidade (NEIVA, 1994).
tuir novo paradigma de gerenciamento, deve ser tratado O GQT no campo escolar apresenta algumas caracte-
como um corpo teórico em formação com elementos de rísticas específicas: gestão democrática ou por liderança
várias abordagens organizacionais. da escola e das salas de aula; o diretor como líder da tare-
Assim, falar do planejamento neste modelo de fa educativa; o professor como líder dos alunos; a escola
gerenciamento implica, antes de tudo, perceber como como ambiente de satisfação das necessidades de seus
acontece a sua concepção na implementação das ações. membros; ensino baseado no aprendizado cooperativo;
Neste modelo, a responsabilidade e a autoridade participação do aluno na avaliação de seu trabalho. Nesta
encontram-se distribuídas por toda a organização. Predo- proposta, segundo GENTIL! (1994), a estratégia partici-
mina nas relações de trabalho a busca do consenso, da pativa assemelha-se à idéia presente nos círculos de qua-
colaboração e da participação; nega-se a dimensão do con- lidade nos meios empresariais, onde a boa vontade dos
flito próprio de situações de trabalho coletivo. A participa- atores (estudantes, professores, supervisores) é funda-
ção é entendida aqui como colaboração motivada por um mental para criar, instalar e reproduzir as condições insti-
sentimento de pertença, no contexto do qual os integrantes tucionais da qualidade em sua escola, ignorando qual-
da organização sintam-se autogerentes, responsáveis pela quer tipo de referência ao contexto político.
qualidade de seu trabalho, limitando-se a aspectos parti- As críticas a esta proposta sublinham o envolvimen-
culares e menores. Deste modo, todos podem ser conside- to da totalidade das pessoas na organização como uma
rados gerentes, ao menos de seu trabalho. Pressupõe-se estratégia disfarçada de imposição de um padrão nor-
que, quanto mais claro seja o entendimento que as pessoas mativo, o qual interfere diretamente na cultura organi-
tenham da organização que integram, e quanto maiores o zacional (ALBUQUERQUE, 2000). O controle de quali-
poder decisório e o compromisso delas com suas finali- dade sob responsabilidade de setores específicos requer
dades, maior a produção e melhor o produto. Tal com- a mobilização e o envolvimento de todos, o que não
preensão permite identificar como elementos-chave do implica a valorização do ator social como sujeito. Nas
GQT a participação, o compromisso e o poder decisório. palavras de ARROYO (1992),
No Brasil, o GQT é divulgado em meados da déca-
a qualidade fica aqui reduzida ao domínio das
da de 1980, por meio da Fundação Cristiano Ottoni
lógicas utilitárias de saberes e habilidades par-
(FCO), vinculada à Universidade Federal de Minas
ciais, de conhecimentos miúdos, mecânicos,
Gerais, tendo como ideólogo o professor Vicente desconectados de um proj~to sociocultural mais
Falconi. Em 1992, a FCO introduz os pressupostos do global, de uma concepção mais rica de formação
gerenciamento da qualidade total na área educacional humana (p. 2).
(GQTE), por solicitação da Secretaria de Educação do
38 39
Política e planejamento educacional Elementos conceituais

Uma revisão dos diferentes enfoques teóricos que dução das' políticas públicas: a formulação, a implemen-
orientam o planejamento mostra o desafio que se põe ao tação e a liderança.
sistema educacional no sentido de perseguir uma orien- Neste sentido, sendo o planejamento um instrumen-
tação que responda pelas suas especificidades como to de implementação das políticas, diferentes perspecti-
campo simbólico da produção humana. vas podem ser adotadas, cabendo registrar que todas
elas comportam possibilidades de transformação social
O desafio atual é encontrar um tipo de pla-
ou de conservação, dependendo do contexto do grupo
nejamento que possibilite a consolidação do
regime democrático aliado a um tipo de desen- envolvido e da realidade a ser trabalhada. Assim, foram
volvimento econômico e social, no qual a lógi- apresentadas as seguintes perspectivas: Planejamento
ca do respeito aos direitos do homem se sobre- Normativo Tradicional-PNT, Planejamento Estratégico-
ponha à lógica da acumulação. (TEIXEIRA, PE. Planejamento Participativo-PP, Planejamento
1998: 15). Presente no Gerenciamento da Qualidade Total-GQTE.

RESUMINDO A UNIDADE SUGESTÕES PARA ATIVIDADES DE ESTUDO

Nessa unidade foram focalizados elementos concei- 1. Faça uma reflexão sobre as interfaces que podem ser
tuais da política e do planejamento educacional. Esta refle- estabelecidas entre política, planejamento e legislação
xão iniciou-se com o conceito de Estado, destacando as educacional.
duas grandes vertentes de pensamento em tomo de seu 2. Estabeleça diferenças entre os tipos de planejamento,
papel, visando a situar a perspectiva do Estado neoliberal. identificando experiências desenvolvidas ou em desen-
Como guardião dos interesses públicos, o Estado neolibe- volvimento onde esses modelos aparecem.
ral limita-se a responder pelo provimento de alguns servi- 3. Comente o significado das palavras de TEIXEIRA (1998):
ços sociais básicos, como saúde, educação e defesa.
Em seguida, foram enfatizados os conceitos de polí- O desafio atual é encontrar um tipo de planeja-
tica, planejamento e legislação educacional tendo em mento que possibilite a consolidação do regime
vista a explicitação de suas interfaces. Tal diálogo permi- democrático aliado a um tipo de desenvolvi-
tiu ressaltar que não há uma subordinação linear entre mento econômico e social, no qual a lógica do
estes três elementos, ou seja, nem sempre é possível pre- respeito aos direitos do homem se sobreponha
cisar as fronteiras que os separam. à lógica da acumulação (p. 15).
Após estabelecer os nexos entre planejamento, polí-
tica e legislação abordou-se a idéia de que qualquer teo-
rização sobre planejamento deve ser situada, pois este
não é um ato que acontece no vazio. A govemabilidade
exige atenção para três dimensões no processo de con-

40 41
Po lítica e planejamento educac iona l

Unidade II
SUGESTÕES PARA LEITURA

GANDIM, Danilo. A Prática do Planejamento Participativo.
Petrópolis: Vozes, 1994.
O enfoque deste livro propõe e fundamenta um conjun-
to metodológico para que as pessoas, os grupos, os movi-
mentos e as instituições possam dominar um instrumen-
to de aproximação à realidade, para entendê-la, organi-
zá-la e, sobretudo, transformá-la. Mostra, enfim, como se
encaminha a intermediação da teoria com a prática, dos
fins com os meios no processo de planejamento.

MARTINS, Clélia. O que é política educacional. 2º edição. Políticas internacionais e educação:


Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Ed Brasi- uma agenda para debate
liense, 1994.
A autora discute política educacional a partir das temá-
ticas: política educacional e relações de poder, educação Se você pensa que tem a solução para o meu
e economia e educação e política cultural. problema, você não tem o.que Jazer aqui. Se você
compreende que o meu problema é também o seu
FREITAG, Bárbara. Política Educacional e Indústria problema, então podemos trabalhar juntos.
(Resposta de uma aborígene
Cultural . São Paulo: Cortez, 1989.
a uma oferta de ajuda internacional)
A autora, a partir das análises de Clauss Offe e Jurgen
Habermas, procura mostrar o impacto das políticas
sociais desenvolvidos pelo Estado capitalista moderno Um dos principais temas da política educacional
na correção das crises, na despolitização de áreas cada contemporânea diz respeito às chamadas políticas das
vez maiores da sociedade, no interesse de assegurar a organizações internacionais para a educação brasileira,
manutenção das atuais estruturas de produção. Na se- as quais suscitam novas formas de regulação e gestão da
gunda parte do trabalho, Educação para todos e indústria educação no País. Nos últimos anos, o avanço de acor-
cultural analisa propostas contidas no projeto governa- dos entre o Brasil e agências internacionais tem desper-
mental da Nova República. tado a reflexão crítica sobre o tema. Nesse sentido, estu-
dos começam a aprofundar ~ papel que tais agências
vêm desempenhado no País.
Ao lüngo desta unidade, pretende-se mostrar que o
debate sobre as políticas internacionais comporta inú-
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Política e planejamento educac iona l Po líticas internacionais

meras aproximações, as quais não prescindem de um Agency fo~ Internatíonal Development - USAID, mais
olhar sobre o passado. De outra parte, procura-se apon- conhecidos como os Acordos MEC-USAID. Dentre esses
tar diversas frentes onde a chamada cooperação interna-
... destacaram-se o Convênio Cultural, de
cional ocorre, identificando algumas de suas influências
17.10.1950; o Acordo Geral, de 19.12.1950; e, o
sobre a política educacional brasileira. Acordo sobre Serviços Técnicos Especiais, de
30.05.1953. Na década de sessenta, todavia, o
Que raízes buscar no passado? número de acordos atingira proporções de tal
Na verdade o Brasil tem longa tradição de recorrer a modo elevadas, que despertaria a atenção de
recursos externos para a solução de seus problemas. intelectuais e estudantes mais atentos à política
Talvez o motivo desta postura esteja nas próprias origens educacional desenvolvida pelo Governo. So-
mente entre junho de 1964 e janeiro de 1968, 14
da dialética colonizador-colonizado - uma marca defini-
acordos seriam firmados (VIEIRA, 1982: 27).
dora de comportamentos e de formas de pensar. Se acio-
nada a lembrança, tem-se que, na nascente República, a Um exemplo da penetração das idéias dos consultores
dívida externa já era uma realidade para o Brasil. que visitaram o Brasil naquele período, e das propostas
Discutindo a penetração do capital estrangeiro no que deixaram sob a forma de relatórios técnicos, é o proje-
País, BASBAUM (1986) mostra que o recurso a emprés- to da reforma universitária de 1968. Fortemente inspirada
timos externos é uma prática iniciada ainda no Império em sugestões daqueles especialistas, todavia, não são ape-
(1824), que tem continuidade na República: nas os acordos internacionais as matrizes do pensamento
subjacente à reforma de 1968. Esta resulta de uma combi-
de 1893 a 1927 havíamos tomado da Inglaterra,
nação entre idéias que chegam de fora e outras que já cir-
103.137.433 libras, aos Estados Unidos, em ape-
culavam internamente desde os anos quarenta, como evi-
nas 6 anos (1921, 1922, 1926 e 1927) 176.500.000
dólares e à França (1927) 405.000.000 de francos denciariam os estudos de CUNHA (1988).
(p. 135). Assim como ocorrera em passado não muito distan-
te, os anos 1990 protagonizam nova onda de acordos
Em 1931 havia quem afirmasse que toda a receita internacionais e uma redescoberta da educação como um
ouro do País não era suficiente para fazer face ao servi- campo fértil de investimentos. Nesse contexto, combi-
ço da dívida externa (Idem, p. 136). Não é intenção das nam-se pelo menos três variáveis. A primeira diz respei-
autoras aprofundar aqui a história da penetração do to à definição de uma agenda internacional para a educa-
capital estrangeiro no País, sob a forma de empréstimos ção, materializada em diversos eventos, como: a Confe-
ou investimentos, mas tão-somente ilustrar que este é rência Mundial de Educação para Todos, Jomtien,
um tema recorrente, tanto no cenário econômico, quan- Tailândia (1990); a Conferência de Nova Delhi (1993); e as
to educacional. reuniões do Projeto Principal ~e Educação na América
Na área de educação, a chamada cooperação inter- Latina e do Caribe, que contemplam pautas de interesses
nacional, de fato, tem grande impulso já a partir da comuns discutidos por ministros de educação da região,
década de 1950, com a assinatura de alguns convênios a exemplo da Conferência de Kingston, Jamaica (1996).
entre o Brasil e os Estados Unidos, via United States Nesses eventos, são elaboradas declarações de intenções
44 45
Política e plan ejam ento educacional Po líticas internacionais

e recomendações com as quais se comprometem os países Qual a fofluência dos eventos


signatários dos diferentes acordos firmados. Fazendo-se internacionais na agenda educativa?
representar em todos esses encontros, o Brasil torna-se,
portanto, sócio da agenda definida em tais cenários. Tem sido comum associar o início de uma articulação
A, segunda variável que expressa as políticas inter- internacional em torno de uma agenda prioritária para a
nacionais para a educação se traduz em propostas fir- educação à Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
madas no contexto da retomada de uma visão que arti- realizada em Jomtien, Tailândia (5 - 9/3/1990). Este e-
cula a educação ao desenvolvimento, em moldes seme- vento, de fato, constitui um marco importante no pano-
lhantes à teoria do capital humano. Mais do que um rama da discussão mundial sobre educação, mas não
simples reviva/, esta tendência se firma também a partir representa nem o primeiro nem o último momento de
do desenvolvimento da chamada revolução do conheci- aproximação entre os países para discutir uma agenda
mento, que assinala a centralidade do papel exercido comum. No cenário de tais aproximações, cabe mencio-
pela educação, na definição de um novo panorama nar algumas iniciativas importantes, além da Con-
mundial. Nesse quadro, se inscreve a contribuição da ferência de Jomtien: o Projeto Principal de Educação para
Comissão Econômica para América Latina e Caribe América Latina e Caribe, iniciado no final da década de
(CEPAL), concebida no início da década de 1990, confi- setenta; a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
gurada no documento Educação: eixo da transformação Criança (nov / 1989); o Encontro Mundial de Cúpula pela
produtiva com eqüidade, publicado em espanhol em 1992 Criança (Nova Iorque, set/ 1990); o Encontro de Nova Delhi
e traduzido para o português em 1995. (dez/ 1993); e a Reunião de Kingston, Jamaica (mai/ 1996) e
A terceira variável diz respeito à presença de organi- o Encontro de Dakar, Senegal, abril/2000. Para melhor com-
zações internacionais no País voltadas para o desenvol- preender o sentido de tais iniciativas, alguns esclareci-
vimento de projetos na área de educação, a exemplo do mentos devem ser feitos acerca de seu significado.
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e No conjunto dos muitos marcos definidores da coo-
do Banco Mundial. Esta instituição tem sido uma signi- peração internacional, é importante assinalar que na
ficativa agência de recursos para a área de educação nos América Latina e no Caribe, desde o final da década de
últimos anos e, por isto mesmo, objeto de maior atenção setenta, existe um fórum de discussão das políticas
por parte da pesquisa em educação. governamentais em educação, através do Projeto
Essas breves indicações permitem perceber que não Principal de Educação para América Latina e Caribe, instituí-
é simplesmente da crítica sobre esta ou aquela agência, do em 1979. Segundo apreciação dos participantes da
como tantas vezes tem sido feito em interpretações re- Sétima Reunião de Ministros de Educação da Região (1996),
centes, que se pode depreender a fisionomia de uma os acordos resultantes da aproximação entre os países
política internacional para a educação brasileira, mas viabilizaram avanços na superação do analfabetismo, na
antes do entrecruzamento das diferentes variáveis que a universalização da educação ·básica e na melhoria da
compõem. Um ensaio de compreensão nessa perspecti- qualidade da educação. Algumas reuniões do Comitê
va, pois, deveria concentrar-se em captar o sentido e a Intergovernamental do Projeto Principal trouxeram contri-
articulação entre as três forças ora enunciadas. buições especialmente importantes para a definição das

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Po lítica e planejamento educacional Po líticas internacionais

políticas, a exemplo daquelas realizadas na Guatemala passa a integrar um grupo de países em desenvolvimen-
(1989), em Quito (1991) onde se "determinou a necessi- to com problemas de universalização da educação básica
dade de mudar a organização dos sistemas educativos e de analfabetismo (Education for All - 9, ou EFA- 9, refe-
através de novos estilos de gestão"; e, em Santiago rindo-se o número 9 ao total de países integrantes deste
(1993), quando se destaca "a necessidade de fortalecer o acordo), no âmbito do qual são estabelecidas várias dire-
papel da escola e nela efetuar as mudanças nos modelos trizes. Integram o grupo de países EFA - 9 (Education for
pedagógicos e de gestão" (UNESCO, 1996: 29). All): Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia,
Outro elemento anterior, importante na definição da México, Nigéria e Paquistão. A Constituição de 1988
agenda discutida na Conferência de Jomtien, é a antecipara compromisso no sentido firmado pelo EFA -
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança 9, por meio do dispositivo que estabelecera a orientação
(nov /1989), que representa um marco importante no sen- de reservar cinqüenta por cento dos recursos vinculados
tido de estabelecer uma perspectiva da educação como à educação num período de dez anos, com o objetivo de
direito. Dimensões deste compromisso referem-se à oferta "eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fun-
da educação sem discriminação, uma orientação centrada damental'' (Constituição Federal, Ato das Disposições
na criança e numa abordagem integrada. Cabe assinalar Constitucionais Transitórias, Art. 60). Percebe-se, assim,
também a idéia da indivisibilidade "dos direitos e do uma sintonia entre as metas perseguidas pelo País e o
direito da criança à proteção" (Nações Unidas, 1989). Sem debate que se travava no âmbito dos organismos inter-
nenhuma dúvida, esta Convenção define um eixo orien- nacionais desde o final da década anterior.
tador para a política de proteção à infância e a adolescên- A Declaração Mundial sobre Educação para Todos:
cia no Brasil, que se expressa de modo particular na ela- Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem define
boração do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, amplos compromissos em um texto sob a forma de obje-
promulgado em 1990 (Lei no 8.069, de 13/07 /1990). O tivos, "uma visão abrangente e um compromisso renova-
ECA compromete o Poder Público com a tarefa de do" e requisitos, distribuídos em um conjunto de artigos.
assegurar com absoluta prioridade, a efetiva- As grandes metas do documento orientam-se para: satis-
ção dos direitos da criança e do adolescente, e a fação das necessidades básicas de aprendizagem; expan-
preferência na formulação e na execução de são do enfoque sobre educação; universalização do aces-
políticas pública (Art. 4º). so à educação e promoção da eqüidade; concentração da
atenção na aprendizagem e em ambiente propício para
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos Gomtien) sua concretização; ampli.ação dos meios e do raio de ação
estabelece um quadro mais amplo para a definição de tais da educação básica; fortalecimento de alianças; desenvol-
compromissos no âmbito das políticas internacionais, regio- vimento de políticas contextualizadas de apoio; mobili-
nais e nacionais · para a educação. Pela Declaração zação de recursos; e fortalecimento da solidariedade
Mundial sobre Educação para Todos, firma-se o compro- internacional (United Nations, 1990: 3 - 10).
misso de satisfazer as necessidades básicas da aprendi- Para implementar a Declaração Mundial sobre Educação
zagem (NEBAs) de todas as crianças, jovens e adultos. para Todos, são formuladas diretrizes por meio do Plano de
É a partir da Conferência de Jomtien que o Brasil Ação para Satisfazer as Necessidades de Aprendizagem, que
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Política e planejamento educac iona l Políticas internacionais

estabelece ações prioritárias nos planos nacional, regional para melhoria da vida e desenvolvimento sustentável
e mundial. Nesse contexto, são estabelecidas algumas para indivíduos e famílias (Idem, p. 153). O conceito de
orientações prioritárias, quais sejam: avaliação de neces- educação básica, já apontado na Declaração Mundial sobre
sidades e planejamento de ações; desenvolvimento de Educação para Todos, é definido na perspectiva de
um contexto político favorável; definição de políticas
fundamento de aprendizagem para todos os cida-
para a melhoria da educação básica; aperfeiçoamento de dãos, incluindo ensino fundamental para crian-
capacidades gerenciais, analíticas e tecnológicas; mobili- ças, e alfabetização e educação continuada não-
zação de canais de informação e comunicação; e estrutu- formal para jovens e adultos (Idem: 154 - 155).
ração de alianças e mobilização de recursos.
As ações dos organismos internacionais se definem É importante assinalar que, assim como a Conferência
a partir de ações prioritárias no plano regional, ligadas de Jomtien traz orientações que surtem efeitos sobre o
ao intercâmbio de informações, experiências e compe- delineamento da política educacional no Brasil a partir de
tências, e ao empreendimento de atividades conjuntas, 1990, a reunião do grupo dos nove países integrantes do
as quais, por sua vez, articulam-se com a cooperação no EFA - 9, realizada em dezembro de 1993, em Nova Delhi,
contexto internacional. Essas atividades são concebidas também representa uma fonte de inspiração para formu-
no sentido do fortalecimento das capacidades nacionais lar a política educacional do período subseqüente.
e da prestação de apoio contínuo e de longo prazo às A Declaração de Nova Delhi comporta alguns desta-
ações nacionais e regionais, incluindo ações de coopera- ques interessantes, que expressam sintonias entre os
ção diversas (Idem, p. 5 - 18). compromissos internacionais e as orientações da políti-
O Encontro Mundial de Cúpula pela Criança (Nova ca educacional brasileira, quais sejam: a ênfase na
Iorque, set/1990) referenda os princípios da Declaração melhoria qualitativa dos sistemas educacionais, filosofia
Mundial sobre Educação para Todos, através da Declaração de atenção integral, entendimento da questão educacio-
sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da nal como responsabilidade de toda a sociedade, foco no
Criança, da qual foram signatários representantes de 159 magistério e direcionamento de recursos para a "eduça-
países, incluindo o Brasil. Os países expressam nesse ção básica e melhoria do gerenciamento dos recursos
documento o denominador comum de que a causa para educacionais" disponíveis (Brasil. MEC. 1993: 125).
com a criança é, antes de mais nada, de vontade política Neste documento, os países reconhecem que seus
e de mobilização social (United Nations, 1990: 31) . sistemas educacionais "já alcançaram progressos impor-
Quatro grandes objetivos orientam esta Declaração: tantes na oferta de educação a contingentes substan-
expansão e desenvolvimento do atendimento em educa- ciais" de suas populações, entretanto,
ção infantil; universalização do acesso à educação bási- não foram plenamente sucedidos os esforços de
ca e conclusão do ensino fundamental por pelo menos proporcionar uma educação de qualidade a
80% das crianças em idade escolar até o ano 2000; redu- todos os nossos povos, ó que indica a necessi-
ção do percentual de analfabetismo adulto à metade dos dade de desenvolvermos enfoques criativos
níveis existentes até o ano 2000; e aumento da aquisição tanto dentro quanto fora dos sistemas formais
dos conhecimentos, habilidades e valores requeridos (Idem, p. 123).

50 51
Política e planejamento educaciona l
Políticas internacionais

Concordam também que os


tos propo'rcionada por entidades públicas e privadas"
programas educacionais bem-sucedidos exigem no sentido de melhorar e ampliar os "programas de alfa-
ações complementares e convergentes, no con- betização e educação no contexto de uma estratégia inte-
texto do papel da fanu1ia e da comunidade, nas grada de educação básica" para todos (Idem, p. 24).
áreas de nutrição adequada, cuidados efetivos Confrontando esse compromisso com as intenções
de saúde e desenvolvimento apropriado para
de política educacional no Brasil, verifica-se que, na ver-
crianças pequenas (Idem, p. 124).
dade, levaria algum tempo até que o País despertasse
No âmbito nacional, tais princípios encontram resso- para uma retomada mais agressiva da questão do aces-
nância em iniciativas desencadeadas via Programa so, o que ocorreria apenas em 1998. Quanto ao proble-
Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente - ma da educação básica de jovens e adultos não se pode
PRONAICA, executado nas estruturas físicas especiais afirmar que o País tenha desenvolvido iniciativas de
dos Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adoles- maior destaque, exceto, talvez, por alguns nichos do
cente - os CAICs, durante o governo Itamar Franco, sob Programa Comunidade Solidária, através do projeto
a gestão do Ministro Murílio Hingel (1992 - 1994). Alfabetização Solidária.
A Declaração de Nova Delhi também sinaliza que Um último aspecto a destacar na Declaração de Nova
Delhi diz respeito à articulação entre a melhoria da qua-
a educação é - e tem que ser - responsabilidade
lidade dos programas de educação básica e a intensifica-
da sociedade, englobando igualmente os
ção de esforços para aperfeiçoar o 'status', o treinamen-
governos, as fanu1ias, as comunidades e as
organizações não governamentais, exige o com- to e as condições de trabalho do magistério", bem como
promisso e a participação de todos numa gran- aprimorar "os conteúdos educacionais e o material didá-
de aliança que transcenda a diversidade de opi- tico" (Idem, p. 125).
niões e posições políticas (Idem, p. 124). É possível localizar um nexo entre a identificação de
tais prioridades e idéias que começam a tomar corpo no
Na perspectiva da centralidade do papel da educa- Brasil já no governo Itamar Franco, a exemplo da defini-
ção no desenvolvimento de suas sociedades, os países ção de uma política para o magistério do ensino funda-
reunidos em Nova Delhi reiteram os compromissos assu- mental. O primeiro esboço nesse sentido se expressaria no
midos em Jomtien, asseverando, pela Declaração, "até o Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação,
ano 2000 ou o mais rapidamente possível" garantir assinado em outubro de 1994. A continuidade desta preo-
a toda criança uma vaga em uma escola ou em cupação se traduzirá no Fundo de Manutenção e Desenvol-
um programa educacional adequado às suas vimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
capacidades, para que a educação não seja - o FUNDEF, instituído pela Emenda Constitucional nº
negada a uma só criança por falta de professor, 14/96 e regulamentado pela Lei nº 9.424/96, implementa-
material didático ou espaço adequado (p. 24). do a partir de 1998 em todas· as unidades da Federação.
Outras iniciativas recentes no sentido da definição do per-
Do mesmo modo, comprometem-se com a consoli-
fil do magistério do ensino fundamental são os Referenciais
dação de esforços de "educação básica de jovens e adul-
para Formação de Professores (Brasil. MEC, 1999).
52
53
Política e planejamento educaciona l Po líticas internacionais

A Conferência de Kingston realizada de 13 a 17 de maio mico em matéria de ensino superior (Id. ibid.)
de 1996, convocada pela UNESCO, constou de dois A Conferência apresenta um conjunto de recomen-
eventos - a Sétima Reunião de Ministros de Educação da dações, formuladas em termos de:
América Latina e do Caribe e a Sexta Reunião do Comitê
I. A educação como política de Estado;
Regional Intergovernamental do Projeto Principal na
II. Melhorar a capacidade de gestão: maior pro-
área de Educação da América Latina. Seu Informe final é tagonismo da comunidade educativa local e
um documento extenso, onde são destacados os princi- um papel mais estratégico da administração
pais aspectos da cooperação entre os países da região. central;
Apresenta uma reflexão sobre os avanços e os limites do III. Prioridade às aprendizagens e à formação
Projeto Principal, destacando significativos progressos integral;
em matéria de escolarização na maioria dos países. IV. A democratização e a cultura da paz em
Reconhece, todavia, a permanência do desafio da educação: incorporar os valores fundamentais
"melhoria da qualidade e da eqüidade da educação, do ser humano na agenda de transformação
especialmente no caso das populações mais desprotegi- educativa;
V. A educação mais próxima da sociedade:
das" (UNESCO, 1996: 1). O documento aponta também
aliança com os meios de comunicação, o traba-
os "maiores desafios a serem enfrentados pela educação
lho e a família;
no sentido de responder às exigências da vida futura VI. A avaliação e medição da qualidade para
numa dimensão reforçada de educação permanente" assumir responsabilidade pelos resultados em
onde se indica educação;
VII. Valorização profissional dos docentes liga-
.. .la necesidad de implementar una estrategia
da ao desempenho;
orientada a la creación de una cultura de la paz
VIII. A educação ao longo de toda a·vida para
basada en la práctica de la tolerancia, la acepta-
uma aprendizagem contínua;
ción de las diferenciais y la búsqueda de una
IX. A educação superior: fator crítico para o
solución pacífica de los conflictos, teniendo pre-
desenvolvimento da região;
sente la necesidad de dar mayor flexibilidad a los
X. Financiamento e destinação de recursos
programas escolares que permitan incorporar los
(Idem, p. 30-36).
aspectos culturales más significativos de los gru-
pos autóctonos para lograr com esto la praxis de As recomendações da Conferência de Kingston não
un desarrollo humano sustentable, la protección
deixam de ser uma ilustração da tendência de globaliza-
del entorno y el respeto mutuo (Id. Ibid. p. 3).
ção das agendas educacionais, a exemplo da ênfase na
No contexto desse debate merece ainda registro a gestão, na avaliação e na identificação de novas alianças
referência da "enorme transcendência que a profissão no campo da educação. O Encontro de Dakar / 2000 ao
docente tem para o desenvolvimento da educação na reafirmar a visão da Declaração.Mundial de Educação Para
Região"; da definição dos fins, objetivos e práticas da Todos (Jotiem/90) apoiado na Declaração Universal dos
educação secundária; bem como da convergência entre Direitos Humanos e pela Convenção sobre os direitos das cri-
desenvolvimento educativo e desenvolvimento econô- anças se compromete em fortalecer os mecanismos exis-
54 55
Política e planejamento educacional Políticas internacionais

tentes para acelerar o progresso da proposta de edu- incorporação e difusão - deliberada e sistemáti-
cação para todos. De fato, o confronto entre as priorida- ca - do progresso técnico é a força impulsiona-
des expressas neste documento e nos demais compro- dora da transformação produtiva e de sua com-
missos firmados no cenário internacional e as propostas patibilização com a eqüidade e a democracia
(CEPAL. UNESCO, 1995: 3).
formuladas no âmbito das políticas brasileiras permite
perceber que, de fato, não são poucas as coincidências Sendo múltiplos os fatores que intervêm na incorpo-
entre umas em outras. ração e difusão do progresso técnico, a proposta da
CEPAL destaca
Uma agenda educacional na América Latina - ... o fortalecimento da base empresarial, a cres-
globalização ou regionalização das políticas? cente abertura à economia internacional e,
muito especialmente, a formação de recursos
Além do cenário mais amplo dos eventos e reuniões humanos e o conjunto de incentivos e mecanis-
de cúpula, nos quais se movimentam dirigentes e espe- mos que facilitam o acesso e geração de novos
cialistas de organismos nacionais e internacionais que conhecimentos. Cujos avanços ... têm sido com-
formulam políticas para a educação, vale destacar que prometidos por disfunções no eixo educação-
as idéias circulam também noutras frentes, como é o conhecimento (Idem).
caso das propostas que serão examinadas a seguir.
A proposta se orienta no sentido de atingir duplo
Estas, por sua vez, se articulam ao contexto do debate
desafio: de um lado, "consolidar e aprofundar a democra-
onde se firmam os compromissos internacionais.
cia, a coesão social, a eqüidade, a participação - em suma,
Melhor escrevendo, há uma influência recíproca entre os
a cidadania em sua moderna concepção". De outro,
grandes compromissos internacionais e as propostas
regionais, razão pela qual é oportuno analisar a discus- compatibilizar aspirações de acesso aos bens e
são que se trava no âmbito das agências internacionais serviços disporúveis no mundo moderno com
localizadas na América Latina. capacidade de gerar meios que efetivamente o
Na discussão sobre políticas educacionais na América permitam - a competitividade em rúvel interna-
cional (Idem, p. 7).
Latina, duas propostas se destacam na década de noven-
ta: Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva As orientações de políticas se expressam em verten-
com eqüidade (CEPAL. UNESCO. IPEA. INEP, 1995) e tes distintas. A primeira delas refere-se ao caráter sistê-
Focalización y pobreza (UNESCO. CEPAL. 1992), ambas mico das iniciativas a serem desenvolvidas. Ou seja,
formuladas pela CEPAL. A compreensão do conteúdo busca-se a superação do relativo isolamento dos siste-
dessas iniciativas é um elemento importante para a aná- mas educacional, de capacitação e científico-tecnológi-
lise de políticas que começam a se firmar no contexto co, expondo-os às demandas sociais. Dos resultados
mais amplo da região e do Brasil, em particular. decorrentes dessa abertura, résultam duas vertentes:
A tese central da proposta Educação e conhecimento: assegurar acesso universal aos códigos de modernidade
eixo da transformação produtiva com eqüidade se articula em e fazê-lo de maneira criativa. As quatro outras vertentes
torno do entendimento de que a são de natureza instrumental, quais sejam:
56 57
Política e planejamento educaciona l Políticas internacionais

profissionalização e protagonismo dos educa- voltados para o atendimento de demandas de clientelas


dores; compromisso financeiro da sociedade específicas, levando em conta suas características e con-
com a educação, a capacitação e o desenvolvi- siderando o impacto do benefício potencial per capita.
mento científico-tecnológico; cooperação regio- Implica, assim, a superação do
nal e internacional (Idem, p. 11).
enfoque homogêneo, igual para toda a popula-
As orientações da proposta Educação e conhecimento: ção, que não considera suas diferenças e pecu-
eixo da transformação produtiva com eqüidade se explicitam liaridades. Se baseia na idéia de segmentação
à luz de algumas considerações sobre o segundo docu- do mercado e a conseqüente necessidade de
mento, antes referido: Focalización y pobreza (UNESCO. responder a ela, elaborando uma oferta que se
CEPAL. 1992). O tema da focalização e pobreza surge no adeqüe ao segmento a que interessa chegar
âmbito do debate da Terceira Conferência Regional sobre a (idem p. 14).
Pobreza na .América Latina e no Caribe, realizada em O resultado esperado é que esta perspectiva provo-
Santiago do Chile, em novembro de 1992. Vale observar que efeitos muito maiores do que aqueles derivados de
que se pode encontrar nexos entre as propostas que se uma "política global, geral, homogênea, aplicada igual-
formulam na região e políticas sugeridas por ~utras mente para todos, que, em definitivo não concentra seus
agências internacionais, como o Banco Mundial. E pos- esforços no grupo necessitado específico" (Idem, p. 14).
sívet portanto, que a matriz geradora de tais idéias O princípio da focalização tem tido grande repercus-
tenha origem anterior à sua discussão pela CEPAL. são nas políticas sociais desenvolvidas nos últimos anos
A idéia de focalização decorre do entendimento de que na América Latina e tem chegado ao Brasil sob a forma de
a despeito dos grandes investimentos públicos em políti- programas que não mais visam a atingir as populações
cas sociais, seus resultados são precários e os "recursos não pobres em geral, mas antes segmentos específicos. É
favorecem os pobres", razão pela qual "o grande objeti- nesse contexto que a política de assistência passa por uma
vo a se propor, em matéria de política sociat é a raciona- inflexão de rumos a partir da extinção dos grandes orga-
lização do gasto" (Idem, p. 13). Uma estratégia de focali- nismos da área, a exemplo da _Legião Brasileira de
zação compreende quatro critérios intercomplementares: Assistência - LBA, e da criação de iniciativas que expres-
• focalizar, que constitui uma condição necessária; sam a política de focalização, do qual o Programa
• avaliar para conhecer a relação custo-benefí- Comunidade Solidária, do governo Fernando Henrique
cio de cada programa; Cardoso, é o exemplo mais ilustrativo. No campo da edu-
• incorporar outros atores sociais como execu- cação este Programa focaliza clientelas ainda mais especí-
tores e, inclusive, como financiadores dos pro- ficas, como as iniciativas de educação infantil em municí-
gramas sociais (organismos não governamen- pios do Programa e do Projeto Alfabetização Solidária.
tais, municípios, comunidades, beneficiários, Analisando projetos de educação do Banco Mundial
empresas privadas ) ...; e, no Brasil, DE TOMMASI at alÍi observam que estes, em
• outorgar prioridade à demanda de serviços
geral, focalizam as primeiras séries do l.º grau, o que é
(ld. ibid.)
fato. Se esta é uma tendência geral, cabe lembrar que há
A focalização consiste na concepção de programas exemplos de iniciativas nas quais a estratégia de focali-
58 59
Po lítica e planejamento educaciona l Po líticas internaciona is

zação é ainda mais clara, a exemplo do projeto financia- da otdem democrática e das garantias aos direitos
do por esta agência no Estado do Espírito Santo, conce- de cidadania requer um projeto de Nação que
bido para "atingir as populações mais pobres nas áreas estabeleça ao mesmo tempo, as bases para maior
mais pobres" (1996: 203). eqüidade interna e para sua conversão em País
produtivo e competitivo no contexto mundial
Os elementos ora delineados fornecem um quadro
(Brasil. MEC. SEF, 1994: 1041. grifo nosso).
para o entendimento das influências que tais propostas
vêm exercendo sobre o planejamento das políticas brasi- Assim, como se vê, as idéias vão circulando entre os
leiras nos últimos anos. Tais influências podem ser detec- diferentes fóruns de debate sobre a educação, a ponto de
tadas por via da análise do principal documento de plane- se tornar complexa a tarefa de identificar de forma pre-
jamento do governo Itamar - Diretrizes de ação governamen- cisa as fontes de tais referências.
tal (Brasil, 1993). Do mesmo modo, podem também ser Um exemplo dessa tendência encontra-se quando é
identificadas em discussões patrocinadas pelo IPEA, em difundida a orientação de como é concebida a educação
seminários promovidos em 1991e1993 (VIEIRA, 2000a). explicitada no documento da UNESCO (1999), Educa-
Uma vez registradas, as idéias que circulam nos ção: um tesouro a descobrir, também conhecido como
eventos e nas propostas passam a ser divulgadas e este "Relatório Jacques Delors". Na perspectiva desse infor-
processo é facilitado pela presença estratégica de técni- me, produzido pelo Comissão Internacional sobre a
cos e especialistas que se movimentam na esfera das criança para o século XXI, a educação é concebida a par-
agências internacionais e nacionais tir de princípios que constituem os "quatro pilares da
educação, quais sejam: aprender a conhecer, aprender a
seja pela própria vinculação institucional, ou
pela troca de informações através das constan-
fazer, aprender a conviver, e, aprender a ser" (p. 89 - 117).
tes consultorias que tais especialistas prestam Vai se configurando, então, algo que se tem denomi-
no âmbito dos acordos firmados entre os orga- nado de "a globalização das agendas educativas". Ou
nismos internacionais e o governo brasileiro seja, há muito mais em comum entre as definições de
(VIEIRA, 2000a: 15). política educacional para os diferentes países do que
seria de se esperar, considerando suas peculiaridades
Ao lado de uma difusão no circuito de especialistas que, por certo, demandam respostas específicas.
ligados a organismos internacionais, as idéias que arti-
culam "cidadania e competitividade", "eqüidade e
Que papel têm as agências internacionais
desempenho" e "integração e descentralização" se fazem
também presentes em documentos de política educacio- na educação brasileira?
nal produzidos pelo Ministério da Educação durante o
As discussões sobre o papel das agências internacio-
governo Itamar. Nesse sentido, é ilustrativa a referência
nais na educação brasileira têm concentrado a análise
introdutória do Acordo Nacional, firmado na Conferên-
predominantemente sobre a ·ação do Banco Mundial.
cia Nacional de Educação para Todos, em setembro de
De fato, este tem sido um ator importante na definição
1994, que registra a seguinte observação:
da política educacional recente no Brasil, particularmen-
... a história recente está a indicar que a construção te a partir da década de 1990, pelo estabelecimento de
60 61
Política e planej amento educac iona l Po lít icas internacionais

acordos financeiros com a União (Projeto Nordeste e de 3.500 projetos. De outro, pelo seu papel estratégico
Fundescola) e Estados (Minas Gerais, São Paulo e no reordenamento da ordem mundial, por via do incen-
Paraná, para citar os projetos que envolvem maior apor- tivo às políticas de ajuste estrutural nos países em
te de recursos). Outra agência importante na definição desenvolvimento. Nesse sentido, destacam-se avalia-
da pauta educacional brasileira tem sido o Fundo das ções bastante negativas sobre a performance do Banco
Nações Unidas para a Infância - Unicef. Mundial por ter colaborado para o financiamento
Não sendo uma agência cujas características princi-
pais estejam associadas ao componente financeiro, a visi- de um tipo de desenvolvimento econômico
bilidade do Unicef na definição de políticas educacionais desigual e perverso socialmente, que ampliou a
acaba sendo menor. pobreza mundial, concentrou renda, aprofun-
dou a exclusão e destruiu o meio ambiente
Banco Mundial (idem p. 17).

O Banco Mundial, instituição criada em 1944, nem Sua contribuição aos grandes projetos da década de
sempre teve o perfil que hoje veio a assumir no panora- setenta no Brasil não teriam impacto diferente, por outro
ma internacional. Ao longo do tempo, o foco de suas lado, seu papel nas políticas recessivas que integraram os
políticas foi objeto de variações, assim como as áreas de acordos com o FMI nos anos oitenta levaram o País ao apro-
atuação e os países onde os recursos foram aplicados. fundamento da miséria e da exclusão social (Idem, p. 17).
Seus investimentos no passado priorizaram áreas como Analisando seu papel no Brasil, SOARES observa
infra-estrutura e agricultura e, mais i:ecentemente, passa- que "as relações entre o Banco e o governo brasileiro ao
ram a contemplar crescentes investimentos no setor de longo de seus cinqüenta anos de funcionamento têm
educação. Em termos das aplicações globais, tais investi- sido mais acidentadas do que pacíficas" (Idem, p. 31).
mentos passaram de 4,9% dos recursos aplicados entre Nos últimos anos, todavia, em função do acatamento
1983 e 1986 para 9,2% no período 1991 - 1994. No Brasil, das medidas sugeridas pelo Banco no período "pós-ajus-
a mudança foi ainda mais sensível. No período 1987 - 90, te" por parte do governo brasileiro, essas relações não
a prioridade era a área de agricultura que absorvia 47% têm sido contenciosas.
dos investimentos, enquanto os projetos na área de edu- No campo educacional, os acordos com o Banco
cação recebiam apenas 2% dos recursos. No período sub- Mundial remontam aos anos oitenta, quando foi desen-
seqüente, 1991 - 1994, a agricultura recebia 10% dos in- volvido o Projeto EDURURAL, ou Nordeste I, entre
vestimentos e a educação 29% (SOARES, 1996). 1980 e 1987. Entendimentos no sentido de novos proje-
A importância crescente do Banco Mundial no tos se iniciam por volta de 1987, havendo negociações
mundo decorre hoje de dois fatores que se articulam diversas a partir do início da década de 1990. Assim é
mutuamente. De um lado, pelo destaque como principal que, nos anos 1990, o Banco passou a desenvolver proje-
organismo de financiamento de projetos de desenvolvi- tos com os Estados de São Páulo, Paraná, Minas Gerais
mento no cenário internacional, tendo ao longo de sua e Espírito Santo e com nove estados do Nordeste, atra-
história acumulado, até o ano fiscal de 1994, um total de vés do Projeto Nordeste, este último concluído em 1998.
250 bilhões de dólares de empréstimos, totalizando mais Até recentemente, o único desses ac.ordos feito com a
62 63
Política e planejamento ed ucaci ona l Políticas internacionais

QUADRO 1
intermediação do governo federal havia sido o Projeto
INVESTIMENTOS DO BANCO MUNDIAL NO BRASIL
Nordeste, sendo os demais negociados caso a caso, com
os respectivos estados envolvidos. PROJETOS DE EDUCAÇÃO
(EM MILHÕES DE US$)
Antes mesmo da conclusão do Projeto Nordeste, o
360
governo brasileiro negociou novos recursos junto ao Banco 198.4
Projeto de Ensino
Ciência e
Tecnologia
Mundial, para realizar o "programa federal FUNDESCO- do Estado do
(PADCT) Ili
1300
LA", o qual se configura como "a maior atividade financia- Fundescola

da pelo Banco Mundial na área de educação, totalizando


investimentos de US$1,3 bilhões em 6 anos" (Banco Mun-
Projeto de Ensino
dial, 1999: 14). Concebido através de uma nova estratégia, Básico do Estado
de Minas Gerais
o FUNDESCOLA está mais orientado para uma ação junto
aos municípios de zonas metropolitanas, constituindo im- 366.9
Projeto de Ensino 519
portante elemento na estratégia de descentralização. Básico na Região
Nordeste Ili Projeto de Ensino
Projeto de Inovação
no Ensino Básico do
Os acordos firmados com o Banco Mundial têm um Básico na Região
Nordeste li
Estado de São Paulo

peso significativo nas políticas desenvolvidas não ape-


nas nas regiões mais pobres do País, a exemplo do
Projeto Nordeste, como também naquelas mais bem Unicef
aquinhoadas em termos de recursos. Vale observar que De natureza distinta do Banco Mundial em termos
o custo efetivo de tais empréstimos é bastante elevado, de objetivos, métodos e organização, o Fundo das
considerando a rigidez das regras do jogo impostas pelo Nações Unidas para a Infância - Unicef também é uma
Banco, as dificuldades encontradas para aplicá-las e a instituição que nasce no contexto do pós-guerra, voltan-
pequena margem de autonomia dos Estados. Por outro do-se para uma atuação específica na área de educação e
lado, vale mencionar que mesmo os projetos destinados saúde de crianças, adolescentes e mães, em 121 países em
às regiões mais pobres, como o Projeto Nordeste, con- desenvolvimento. Seu orçamento é constituído de contri-
templam iniciativas gerenciadas pela União, a exemplo buições voluntárias governamentais, intergovernamen-
do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB. tais, não-governamentais e de particulares. Parte de seus
recursos advém da receita resultante de venda de cartões
e brindes de Natal e de campanhas promovidas pelos
meios de comunicação. No Brasil, essas campanhas são
realizadas anualmente pelo programa Criança Esperança.
O título do Programa de Cooperação assinado entre
o governo brasileiro e o UNICEF é Criança, Prioridade
Nacional. A cooperação técnica e financeira dessa agên-
cia está voltada para o combate a
todas as formas de violência - fome, doença,
morte prematura, abusos físicos e falta de opor-
64 65
Política e planejamento educacional Po líticas internacionais

tunidades de educação básica e de uma vida Uma · das marcas do Unicef tem sido o apoio a
digna - que atingem a criança, o adolescente e phj_uenos projetos, a maioria dos quais de iniciativa
a mulher, particularmente os 35 milhões de bra- comunitária. Nos últimos anos, os investimentos em
sileiros com menos de 18 anos de idade que
educação tiveram grande impulso. De um total de US$
vivem em situação de pobreza (Unicef, s.d. ).
583,1 mil dólares em 1991 passou-se a US$ 4.821,1
O Programa do Unicef no Brasil é concebido por meio milhões de dólares em 1997, totalizando no período um
de um planejamento de longo prazo, o último do qual volume de US$17.345,3 milhões de dólares. Uma média
estabeleceu as orientações de sua atuação no País, para global de 20,7% dos fundos do Unicef Brasil foram des-
um período de sete anos (1994 - 2000): o Master Plan of tinados ao Programa de Educação. A maioria desses
Operations - MPO - para o Country Programme (Unicef, recursos em 1997 resultante da Campanha "Criança
1993). Nele são estabelecidos objetivos, estratégias e pro- Esperança" e de fundos do setor privado (Unicef, 1997:
jetos para cinco áreas específicas, quais sejam: 33 e 34). Comparando-se aos investimentos do Banco
• Promoção de Direitos das Crianças e Prevenções de Mundial, os recursos financeiros do Unicef parecem irri-
Riscos; sórios. Na verdade, não é a dimensão financeira que
•Desenvolvimento da Educação Infantil e da Educação imprime o tom da atuação deste organismo, mas a
Básica; dimensão estratégica das ações desenvolvidas, de modo
• Saúde e Nutrição; particular na área de registro de experiências e de mobi-
• Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da lização social. Outro aspecto a se destacar no trabalho
Criança; e do Unicef é a qualidade de seus recursos humanos, que
• Apoio a Políticas Sociais. atuam como agentes a serviço de uma causa.
Quatro linhas de ação orientam a cooperação do A área de publicações é um dos pontos fortes do
Unicef no âmbito do MPO: Unicef. É justamente aí que seu compromisso com a edu-
• Mobilização Social e Advocacy; cação escolar começa a se tomar mais claro, a partir da
• Monitoramento dos Indicadores de Educação; publicação do estudo A democratização do ensino em 15
• Registro e Disseminação de Experiências Bem-Suce- municípios brasileiros, que consta de 15 volumes e 1 docu-
didas; e mento-síntese, dando conta de experiências municipais
•Apoio a Programas e Projetos Educacionais. bem-sucedidas em educação (SOUZA e SILVA et. al. 1993).
O planejamento para a área de educação é feito de O registro de tais experiências foi feito em 1992 e sua reper-
acordo com esses parâmetros gerais da organização, ou cussão foi de tal ordem que foram feitas sucessivas reim-
seja, enquadra-se nos quatro eixos de atuação há pouco pressões do estudo. Em 1997, voltou-se a pesquisar alguns
referidos. A atenção maior do Unicef à educação escolar dos mesmos municípios incluídos na amostra de 1992,
se inscreve no âmbito das iniciativas relativas à Con- acrescentando-se outros. Esse trabalho ainda não foi publi-
ferência de Jomtien, do qual este foi um dos patrocina- cado, mas deverá trazer significativa contribuição para
dores. Assim, é a partir da década de 1990 que suas prio- que se compreenda a descentralização em curso no País.
ridades no campo do acesso, permanência e sucesso A mobilização social e advocacy é uma área tão ou mais
escolar se fazem explicitar. importante do que o registro e disseminação de experiên-
66 67
Política e planejamento ed ucaciona l Políticas internacionais

das bem-sucedidas. Orienta-se pelo apoio e investimento Monetário' Internacional (FMI), o Banco Mundial exerce
a atividades de mobilização dos seguintes atores sociais: influência na política macroeconômica, direcionando e con-
sindicatos; ONGs; setor privado e fundações; mídia; e, formando a política educacional. No reordenamento mun-
jovens. No período 1994-1997, são registradas 34 diferen- dial, o Banco Mundial assume o papel estratégico de moni-
tes iniciativas na área de mobilização (Idem, p. 23 - 26). A torar os processos de ajustes necessários à implantação do
experiência do Unicef no setor tem-se traduzido, inclusi- globalismo econômico e comercial, via incentivo às polí-
ve, em assessoria técnica ao próprio governo federal em ticas de ajuste estrutural nos países em desenvolvimento.
suas campanhas de mobilização pela educação. Em face do quadro delineado, a pergunta que se for-
As considerações sobre o Unicef indicam que sua mula é a seguinte: em que medida essas influências tra-
atuação tem sido importante nas áreas que intenta atin- duzem perspectivas de cooperação ou intervenção? Na
gir. A organização viveu ampla avaliação de seu traba- verdade, por contraditória que pareça, a análise do
lho no Brasil ao final de 1997, incluindo um expressivo amplo conjunto de iniciativas aqui examinadas fornece
contingente de consultores externos e entrevistas com elementos para supor que se esteja atravessando um
contrapartes envolvidos nos seus projetos. Os resulta- processo em que existe uma articulação mútua entre
dos desse processo indicam que sua contribuição é cooperação e intervenção. Ou seja, seria simplista supor
estratégica na conquista de direitos e da busca de me- que um organismo internacional dita as regras do jogo
lhores condições de vida para crianças, adolescentes e de fora e o País simplesmente a elas assente, sem restri-
mães de baixa renda no País. ções. As coisas não se passam exatamente assim. Mais
oportuno será, talvez, observar que há uma sintonia
Afinal, cooperação ou intervenção entre esses organismos e os governos, acentuada pela
na educação brasileira? "globalização das agendas educacionais".
No que se refere aos processos de negociação, como
Como observado, são muitas as frentes de articula- aqueles desenvolvidos com o Banco Mundial, estes são
ção e cooperação internacional que vêm se estabelecen- extremamente complexos e, por vezes, envolvem anos
do nos anos recentes. De fato, há uma agenda que se de maturação. Nem todos os "parceiros" envolvidos evi-
firma num cenário mais amplo, donde o Brasil recebe denciam uma preocupação com a transparência em
influências que se expressam nas tendências de política torno das negociações que são desenvolvidas, processo
educacional no País. Nesse contexto, é importante com- que tende a mudar com a presença de páginas informa-
preender que o grau de influência dessas diferentes tivas na Internet e outros mecanismos de divulgação.
frentes não é o mesmo. Assim, uma coisa é firmar com- Na medida que muitas dessas negociações sejam feitas a
promissos globais para a educação, como se fez em tan- portas fechadas e que a informação acerca do andamen-
tos eventos internacionais e regionais desde 1989. Outra to dos projetos muitas vezes se circunscreva a alguns
coisa é alocar recursos para o desenvolvimento de pro- setores das secretarias envolvidas, a conseqüência natu-
jetos, como fazem as agências internacionais, de modo ral é a instalação de um certo clima de desconfiança. Por
particular o Banco Mundial. outro lado, é inegável que as políticas em busca de pro-
LAUGLO (1997) lembra que, por meio do Fundo jetos caiam num contexto de pobreza de recursos. Num
68 69
Política e planejamento educaciona l Po lít ícas internaciona is

contexto democrático, tais projetos deveriam passar Latina: edi1cação e conhecimento: eixo da transformação produ-
pelo crivo da análise externa. Se as políticas são conse- tiva com eqüidade; focalización y pobreza.
qüentes, as organizações não têm por que temer a ava- Em seguida, destaca-se a abrangência de atuação de
liação. Contraditoriamente, todavia, não é isto que se vê. dois organismos internacionais na agenda educacional
Financia-se a avaliação do sistema educacional brasilei- brasileira: o Banco Mundial e o Unicef. Este percurso
ro, mas não se busca a avaliação das iniciativas em possibilitou trazer elementos de compreensão para a
andamento. Os procedimentos técnicos exigidos pelos interrogação inicial, onde se sublinha a sintonia entre a
organismos internacionais são complexos e, num con- agenda internacional e o governo brasileiro. Reconhecer
texto de esvaziamento do setor público brasileiro, ten- esta articulação implica lembrar o papel estratégico que
dem a ficar nas mãos de pequenos grupos de especialis- esses organismos têm no processo de ajustes necessários
tas e isto é preocupante. Não se pode esquecer que ao à implantação do globalismo econômico, incentivando o
financiamento a projetos nacionais correspondem pesa- ajuste estrutural nos países em desenvolvimento. Nessa
das contrapartidas em termos de ajustes macro-estrutu- perspectiva, a política educacional é diretamente influ-
rais, pelos quais o País e sua população têm pago um enciada por esse reordenamento.
preço excessivamente alto.
Num cenário de "globalização das agendas educa-
cionais", muitas são as ondas que chegam ao País por
novas e velhas prioridades. Os exemplos estão aí - a des- SUGESTÕES PARA ATIVIDADES DE ESTUDO
centralização da gestão, a avaliação, as parcerias. Com-
preender a lógica dessas políticas, agora, mais e mais 1. Faça um levantamento na mídia sobre a inserção des-
focalizadas, é um desafio para os educadores e para os ses organismos na operacionalização da política educa-
demais interessados na defesa da educação como um di- cional cearense.
reito universal de todos.
2. Pesquise na mídia (impressa ou virtual) posições de
cientistas políticos sobre o tema Políticas Internacionais e
Educação, identificando justificativas, favoráveis ou não.
RESUMINDO A UNIDADE

Esta unidade abordou o tema políticas internacio-


nais e educação procurando apontar elementos de refle- SUGESTÕES PARA LEITURA
xão sobre a pergunta: cooperação ou intervenção?
De início, são apresentados os diferentes eventos inter- DE TOMMASI, Lívia & WARDE, Mirian Jorge & HAD-
nacionais que vêm discutindo a educação, sublinhando os DAD, Sérgio (org.). O Bánco Mundial e as políticas
encaminhamentos que estes têm trazido para a agenda internacionais. 2. ed. São Paulo: Corjez, 1998.
educativa brasileira. Esta discussão é situada no contexto A coletânea de artigos permite aprofundar a reflexão
de duas propostas que despontam no âmbito da América sobre a política e as estratégias do Banco Mundial no
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Po lít ica e planej amento educaciona l

setor educacional e o conhecimento de projetos financia-


dos no Brasil, ao longo das últimas décadas.

KRAWCZYK, Nora, CAMPOS, Maria Malta, HADDAD,


Sérgio (org.) O cenário educacional latino-americano no
limiar do século XXI: reformas em debates. Campinas,
SP: Autores Associados, 2000.
Os diferentes artigos visam a estimular o debate sobre a
construção e a implementação de políticas na área edu-
cacional, concentrando o foco na dinâmica de produção
das políticas e de suas determinações nos cenários bra-
sileiro e latino-americano, no limiar do século XXI.

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