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Legislação Aplicada à Saúde

do Trabalhador

Brasília-DF.
Elaboração

Luiz Roberto Pires Domingues Junior


Paulo Rogério Albuquerque Oliveira

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 5

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7

UNIDADE ÚNICA
LEGISLAÇÃO E NORMAS....................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
HIERARQUIA DAS LEIS............................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
SEGURIDADE SOCIAL............................................................................................................. 13

CAPÍTULO 3
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA...................................................................................................... 41

CAPÍTULO 4
ADICIONAIS .......................................................................................................................... 85

CAPÍTULO 5
VISÃO ACIDENTÁRIA DA SAÚDE DO TRABALHADOR.................................................................. 88

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 121


Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
“Ubi societas, ibiius1”

Luiz Roberto Pires Domingues Junior

Monólito com o Código O homem é um ser gregário, necessitando da convivência de outros de sua
de Hamurabi. espécie para sobreviver. Enquanto o homem estava no estágio nômade de
seu desenvolvido evolutivo os grupos humanos contavam com no máximo
poucas dezenas de indivíduos, sendo fácil estabelecer uma relação de poder
e de divisão de tarefas dentro do grupo.

Com a descoberta da agricultura e o consequente assentamento do


homem, estes grupamentos cresceram substancialmente tornando mais
complexa a sociedade, pois a demanda de homens destinados a promover
a sustentabilidade do grupo diminuiu, “sobrando” mão de obra para outras
atividades – artesanato, construção, comércio, administração pública...,
inclusive com a ampliação da influencia geográfica deste grupamento.
Fonte: http://
arqueologiabiblica13. No início a estruturação das normas se deu com a organização e a
blogspot.com/2010/04/
codigo-de-hamurabi-
sistematização dos costumes presentes em uma sociedade. A esta organização
comentado.html dos costumes em norma legal é dado o nome de Direito Consuetudinário 2.

A primeira sistematização dos costumes que se tem conhecimento é o código de Ur-Nammu na


Suméria em 2100 a.C., seguido do Código de Hamurabi em 1.700 a.C.

Código de Hamurabi – 1700 a.C.


Possuía 283 artigos e alguns com aplicação até os dias de hoje, como, por exemplo,
o seu art. 1o que determinava: “Se alguém enganar a outrem, difamando esta pessoa,
e este outrem não puder provar, então aquele que enganou deve ser condenado
à morte” X Constituição Federal do Brasil de 1988: art 5o inciso V – “é assegurado o
direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem”.

Tratava de questões que ainda hoje são tabus em nossa sociedade: art. 154 “se alguém
conhece a própria filha, deverá ser expulso da terra.” E indicava diretrizes de conduta

1 Onde há sociedade, há o direito.


2 No direito consuetudinário, as leis não precisam necessariamente estar num papel ou serem sancionadas ou promulgadas. Os
costumes transformam-se nas leis. É importante a distinção entre uso e costume, uma vez que, para se falar num costume, é
preciso observar se há prática reiterada e constante (relativamente a alguma matéria), tendo de estar associada a convicção
de obrigatoriedade. O costume é então constituído pelo elemento material, o uso, e pelo psicológico, a convicção de que o
comportamento adotado é, de fato, obrigatório. http://pt.wikipedia.org/wiki/Consuetudinário. Exemplos: a. Fazer Fila em um
local onde há um número grande de pessoas para um único atendente. Considera-se a fila uma forma de organização, mesmo
não estando prevista em lei. B.Cheque pré-datado. Muito usado no Brasil, não é expresso em lei escrita, senão somente na lei
usual. É o senso comum, os costumes da sociedade.

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pessoal que são extremamente atuais: 1. os preços: os honorários dos médicos
variam de acordo com a classe social do enfermo; 2. os salários variam segundo a
natureza dos trabalhos realizados; 3. a responsabilidade profissional: um arquiteto
que construir uma casa que se desmorone, causando a morte de seus ocupantes,
é condenado à morte; 4. o funcionamento judiciário: a justiça é estabelecida pelos
tribunais, as decisões devem ser escritas, e é possível apelar ao rei; 5. as penas: a
escala das penas é descrita segundo os delitos e os crimes cometidos. A lei de talião3
é a base desta escala.

O Império Romano estabeleceu duas codificações: a lei das XII tábuas e o Corpus Juris de Justiniano.
Do império romano até meados do século XVIII, não houve evolução na prática da sistematização
das leis, predominando o Direito Consuetudinário.

Em 1804 é publicado o primeiro código moderno: O Code Civil dês Français, elaborado por Napoleão
Bonaparte e até hoje base do Direito Civil Francês e de grande influência no Direito Brasileiro.

Objetivos
»» Apresentar toda a legislação atinente ao campo de engenharia de segurança no
trabalho.

»» Observar a hierarquia das leis e focalizar as legislações sindicais, acidentárias e


previdenciária.

»» Conceituar responsabilidades e atribuições civis e criminais, técnicas de preparo


de normas e elaboração de instrução e ordens de serviços relativos à engenharia de
segurança.

»» Analisar as convenções e recomendações da O.I.T., da C.L.T. e do trabalho da


mulher e do menor; a importância da utilização de normas técnicas internas
para a engenharia de segurança; as normas nacionais e internacionais relativas à
segurança e à saúde do trabalhador; as portarias normativas e outros dispositivos;
e a utilização do poder de embargo e interdição.

3 Consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente chamada retaliação. Esta lei é frequentemente
expressa pela máxima olho por olho, dente por dente. É uma das mais antigas leis existentes.

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LEGISLAÇÃO E UNIDADE
NORMAS ÚNICA

CAPÍTULO 1
Hierarquia das leis

Com as sociedades tornando-se cada vez mais complexas, o simples ordenamento legal dos costumes
tornou-se insuficiente para o regramento das relações, assim surgiram diversas categorias de diplomas
normatizadores, com características singulares e campo de atuação distinta, tanto de eficácia como de
cobertura geográfica.

Michel Temer1 estabelece que uma espécie normativa é hierarquicamente inferior a outra quando
aquela encontra seu fundamento de validade, sua razão de ser, nesta. De outra forma, podemos
considerar o processo legislativo ou normativo a que a norma está sujeita, quanto mais qualificado
for sua aprovação, mais ascendente é a norma.

No Brasil, apresenta-se a seguinte estruturação hierárquica de nosso ordenamento jurídico.

I. Constituição ou Carta Magna: É o conjunto de leis (codificadas ou não) que define as


características políticas fundamentais (república X monarquia; presidencialismo X parlamentarismo;
sistema de representação política etc.), os princípios políticos (organização de partidos políticos),
os princípios sociais (art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade), e estabelece a estrutura, os procedimentos, os
poderes e os direitos, de um governo.

A Constituição é a lei máxima de nosso País. Ela determina as relações presentes


na sociedade, define os direitos e deveres dos cidadãos e impõe os limites para
que a vida em comunidade seja possível.

Nenhuma outra lei, código, medida provisória ou decreto pode entrar em


conflito com o que está estabelecido no documento promulgado em 1988.
Fonte: <http://www2.planalto.gov.br/presidencia/legislacao>

Trata-se da Lei Maior, a sua alteração necessita, no caso brasileiro, de rito legislativo específico, isto
é, precisa da convocação de uma assembleia constituinte, em que os legisladores serão escolhidos
com este objetivo principal.

1 Constitucionalista e Vice-Presidente da República.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

II. Emendas à Constituição: Leis que alteram a Constituição. A própria Constituição em seu art.
60 disciplina a figura da Emenda à Constituição. Como trata-se de dispositivo que altera a estrutura
da Lei Maior, o quorum para a sua apresentação é qualificado (necessita de 1/3 dos membros da
câmara e/ou do senado ou de iniciativa do Presidente da República), assim como a sua aprovação:

A proposta de emenda constitucional será discutida e votada em cada Casa do


Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver,
em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 60, § 2o,
da Constituição Federal). Dessa forma, ressalte-se o quorum diferenciado
para aprovação, bem como a necessidade de dupla votação em cada Casa
Legislativa. Não existe participação do Presidente da República na fase
constitutiva do processo legislativo de uma emenda constitucional, uma vez
que o titular do poder constituinte derivado reformador é o Poder Legislativo.
Assim, não haverá necessidade de sanção ou veto.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=964>

III. Leis complementares: São leis destinadas a complementarem a Constituição, por


determinação expressa do legislador constituinte2, situando-se em nível intermediário entre
a Constituição e a lei ordinária. É possível que a lei ordinária venha a regulamentar os aspectos
decorrentes de lei complementar, tendo de manter aí a predominância da lei complementar, de
quorum superior.

Para aprovar-se uma lei complementar, é necessária a aprovação por maioria absoluta dos membros
da casa legislativa, ou seja, “a metade mais um”. Por exemplo, na Câmara dos Deputados existem
513 deputados, assim, o projeto somente é aprovado pelo voto da maioria absoluta dos membros:
258 votos, segundo o que determina o art. 69 da CF/88.

IV. Leis Ordinárias: Leis comuns, formuladas pelo Congresso Nacional (na área federal), pela
assembleia legislativa (estadual) ou pela câmara dos vereadores (municipal). A lei ordinária diz
respeito à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, à nacionalidade, à cidadania,
aos direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais e orçamentos e a todo o direito
material e processual, como os códigos civil, penal, tributário e respectivos processos. Para a sua
aprovação, basta que a maioria absoluta esteja presente e que a metade destes vote favoravelmente
ao projeto de lei ordinária, por exemplo, na Câmara Federal, onde há 513 membros, basta que 258
estejam presentes e que 130 votem favoravelmente ao projeto para que ele seja aprovado.

Lei Complementar X Lei Ordinária


A Doutrina jurídica indica que não há uma hierarquia entre as leis complementares
e as leis ordinárias, tendo como base o entendimento exposto por Michel Temer.
O legislador Constituinte separou estas leis de modo a estabelecê-las segundo um
grau de importância ou relevância dos assuntos que cada uma deve tratar, pois, cada
uma possui um quorum de aprovação específico. A outra grande diferença entre as

2 Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime
geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e
regulado por lei complementar.

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

espécies legislativas em questão é o âmbito material ou os assuntos que cada uma


pode tratar. Um assunto é tratado em lei complementar quando a Constituição
Federal de 1988 expressamente prever tal disposição, enquanto a aprovação por lei
ordinária não exige tal determinação constitucional.

V. Tratado Internacional: O tratado internacional, depois de reconhecido pelo Poder Executivo e


aprovado pelo Poder Legislativo, incorpora-se ao arcabouço jurídico brasileiro, colocando no mesmo
patamar da lei ordinária. O tratado internacional deve adequar-se a Constituição Federal, podendo
inclusive ser declarado inconstitucional. Se houver conflito do tratado internacional com a legislação
infraconstitucional, o tratado é considerado como lei ordinária; se o conflito permanecer em função da
hierarquia das leis, prevalece o texto mais recente (decisão do Supremo Tribunal Federal)3 .

A exceção a esta regra é o caso dos tratados e das convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, que equivalem
às emendas constitucionais, sendo, portanto, hierarquicamente superiores à lei
ordinária4.

VI. Medida Provisória: A medida provisória é um ato do Executivo com força provisória de lei. É
um ato emanado do Presidente da República, em circunstâncias excepcionais de relevância e urgência,
com força provisória de lei, que necessita da aprovação do Congresso Nacional para que tenha força
definitiva de lei, devendo ser convertida em lei ordinária no prazo de sessenta dias prorrogável uma
vez por igual período, caso contrário, perde sua eficácia desde o momento de sua edição.

Art. 58. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público


relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos
com força de lei sobre as seguintes matérias: I – segurança nacional; II – finanças
públicas. Parágrafo único. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso
Nacional o aprovará ou o rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo;
se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido como aprovado.

A medida provisória, editada pelo presidente da República, deve ser submetida ao Congresso; não
pode ser aprovada por decurso de prazo nem produz efeitos em caso de rejeição.

VII. Lei Delegada: Equiparam-se às leis ordinárias, diferindo destas apenas na forma de
elaboração. A lei delegada é elaborada pelo presidente, a partir de delegação específica do Congresso,
mas não pode legislar sobre atos de competência do Congresso, de cada Casa, individualmente,
sobre matéria de lei complementar nem sobre certas matérias de lei ordinária.

VIII. Decreto-Lei: Um decreto-lei é um decreto emanado pelo Poder Executivo e não pelo Poder
Legislativo que tem força de lei. Atualmente, não é mais possível a produção de um decreto-lei, mas
existem ainda muitos em vigor.

3 Recurso Extraordinário no 80.004, de 1978.


4 O primeiro tratado aprovado conforme este rito é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
juntamente com o seu Protocolo Facultativo, celebrada em Nova Iorque em 30 de março de 2007 e referendada pelo Congresso
Nacional por meio do decreto legislativo 186, de 9 de julho de 2008.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

IX. Decreto Legislativo: São normas promulgadas pelo Congresso Nacional em assunto de
sua competência. O decreto legislativo é de competência exclusiva do Congresso Nacional, sem
necessitar de sanção presidencial. A resolução legislativa também é privativa do Congresso ou de
cada Casa isoladamente, por exemplo, a suspensão de lei declarada inconstitucional.

X. Decreto: São atos administrativos da competência dos chefes dos Poderes Executivos (presidente,
governadores e prefeitos), que visam a explicar a lei e a facilitar a sua execução, melhorando suas
determinações e orientando sua aplicação. Um decreto é usualmente usado pelo chefe do Poder
Executivo para fazer nomeações e regulamentos das leis (como para lhes dar cumprimento efetivo,
por exemplo), entre outras coisas.

XI. Instrução Normativa: Ato administrativo expedido por quem possui delegação de poder
para tal, com o objetivo de auxiliar/ordenar a execução de leis, decretos e regulamentos

XII. Resolução: “Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas autoridades do
Executivo, mas não pelo Chefe do Executivo ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e
colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. As Resoluções
são sempre atos normativos inferiores ao regulamento não podendo inová-los, mas simplesmente
complementá-los e explicá-los.”5

XII. Portaria: Documento de ato administrativo de qualquer autoridade pública, que contém
instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, recomendações de caráter geral, normas
de execução de serviço, nomeações, demissões, punições, ou qualquer outra determinação de sua
competência. “As portarias, como demais atos administrativos internos, não atingem e nem obrigam
a particulares, pela manifesta razão de que os cidadãos não estão sujeitos ao poder hierárquico da
administração pública. Nesse sentido vem decidindo o Supremo Tribunal Federal – RF 107/65 e
277, 112/2026”.

Veja a Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a


elaboração, a redação, alteração e a consolidação das leis, para conhecer como se
faz uma lei.

5 Hely Lopes Meirelles – Direito administrativo brasileiro. 35a edição, p. 185.


6 Hely Lopes Meirelles – Direito administrativo brasileiro. 35a edição, p. 187.

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CAPÍTULO 2
Seguridade social

“A era da liberdade só será atingida quando a previdência social e o bem-estar


humano se tornarem o objetivo principal dos homens e das nações”.
Mackenzie King. 1o Ministro Canadense, 1942

Após a tomada de noção de como estruturam-se os diplomas legais brasileiros, torna-se imprescindível
entender em qual esfera da atuação o profissional de segurança do trabalho se insere, e as consequências
de seus atos e de suas ações.

A evolução da seguridade social

O termo “seguridade social” – de onde vem


e o que é
O termo “seguridade” tem origem no latim, e não no castelhano, como expõem diversos autores, e foi
incorporada no arcabouço jurídico contemporâneo mundial. Em latim, é securitate(m), acusativo
de securitas, que o professor Ernesto Faria, em seu Dicionário Escolar Latino-Português, define:
“I – Sentido próprio: 1) tranquilidade de espírito, ausência de preocupações ou de cuidados; 2)
Segurança, ausência de perigo. II – Sentido pejorativo: 3) Descuido, indiferença.”

O primeiro registro da expressão “seguridade social”, vem do discurso proferido pelo libertador
Simon Bolívar, em Angostura (Colômbia), em 1819, quando afirmou que: “o sistema de governo
mais perfeito é aquele que produz maior soma de felicidade possível, maior soma de seguridade
social e maior soma de estabilidade política”.

Na sequência, a expressão “seguridade social”, foi introduzida na legislação do “New Deal” – Social
Security Act de 1935, como referente à proteção social.

A seguridade social como expressão jurídica tornou-se definitiva quando, em 1938, a Nova Zelândia
adotou a “Lei de Seguridade Social”, que promoveu a fusão da assistência social pública com a
previdência social.

Em 1959, a Repartição Internacional do Trabalho7, elaborou o que deveria ser a concepção da


seguridade social, e quais os seus objetivos:

a. cobrir, de maneira completa e coordenada, todas as eventualidades capazes de


levar o trabalhador, sem culpa sua, a perder o respectivo salário, temporário
ou definitivamente; completar essa proteção pela assistência médica e pelos
abonos familiares;

7 Revista “Industriários, no 70 – Lições de Seguridade Social

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

b. estender a proteção a todas as pessoas adultas, na medida de suas necessidades, e


aos seus dependentes;

c. prover prestações que, embora de montante moderado, permitam aos beneficiários


manter nível de vida aceitável, e que sejam outorgadas em virtude de um direito
nitidamente definido pela lei.

A seguridade social contemporânea deve ser entendida como um conjunto de políticas públicas,
destinadas a garantir a subsistência de indivíduos de uma sociedade: 1) nas situações que caracterizam
risco social: seja por invalidez laboral (temporária ou permanente), seja por incapacidade
de suprir suas necessidades de sobrevivência, seja por estar em situações que lhe coloque em risco a
sua vida; 2) nas situações que caracterizam recompensa ou indenização: seja por aposentadoria em
função dos anos trabalhados em benefício da sociedade, seja por reconhecimento por algum ato de
bravura ou heroísmo; seja por reconhecimento de dívida da sociedade com relação a um indivíduo
(indenização de anistiados políticos, acidente devido a negligência do Estado).

Assim, a seguridade social tem em seu arcabouço primário a ideia de prover a segurança do individuo,
para que este não desestabilize a sociedade na qual está inserido.

A evolução da seguridade social


Até chegarmos ao entendimento contemporâneo do que é seguridade social, fundamentada no
tripé Assistência Social, Assistência à Saúde e Previdência, ela foi absorvendo conceitos e políticas
públicas no curso da história humana.

No princípio, quando os homens vagavam por entre pradarias e florestas em busca de alimentos
e de caça, isto é, pertenciam a uma sociedade coletora-caçadora, a permanência de indivíduos no
grupo que não tinham como garantir a sua sobrevivência ou não atendiam de forma adequada
as suas funções (fracos, doentes e velhos, principalmente), colocava o grupo ou em risco, pois a
permanência deles poderia retardar o seu avanço, atrapalhando a busca dos alimentos necessários,
ou a mercê de predadores. Com a descoberta da agricultura, e o posterior assentamento da
sociedade humana com a consequente estratificação do trabalho, a permanência destes indivíduos
não mais colocaria o grupo social em risco, permitindo que a sociedade criasse mecanismos de
amparo a eles.

A primeira política deliberada de seguridade social, com o fim claro de garantir a amabilidade das
massas junto a estrutura governante, foi a política do pão e circo adotada pelo Império Romano.
Pois somente com esta política o establishment poderia manter a governabilidade da cidade de
Roma, que possuía uma população superior a quinhentas mil almas, e que dependia do Império
para seu sustento. Era uma política assistencialista, na conotação mais pejorativa do termo, mas que
apresentou resultados efetivos por vários séculos. Poder-se-á dizer que grande parte da segurança
do Estado Romano fundamentava-se na Assistência Social concedida a seus cidadãos na forma de
assistência alimentar e de lazer.

Após a queda do Império Romano, as políticas de seguridade social, na Europa, foram assumidas
pela Igreja, que manteve e ampliou a política de Assistência Social, voltada para uma assistência

14
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

alimentar, no qual teve o monopólio efetivo até fins do século XVI. É deste período a criação das
principais ordens mendicantes.

Do Império Romano até século XVII, a Assistência à Saúde não existiu na forma de política pública
e as ações “governamentais” nunca tiveram uma conotação de “cura do doente”, mas de evitar que o
mal espalhasse pela cidade. No Império Romano, os doentes eram deslocados para locais distantes
das cidades e colocados em hospitales8 para esperarem a morte. Não se podia e nem se devia
misturar os vivos com os mortos9, e quando morriam eram enterrados à beira das estradas como a
Via Appia.

Neste aspecto, Focault em sua obra Microfísica do Poder10 expõe:

Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de


assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e
exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente,
portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital
deve estar presente tanto para recolhê-lo, quanto para proteger os outros do
perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é
o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve
ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos
cuidados e o último sacramento. Esta é a função essencial do hospital.

No âmbito privado, na assistência à saúde, a relação médico paciente era individualista e baseava-
se no conflito entre o homem, a doença e o médico, e este último devia atuar nos momentos de
agudização da doença, para que pudesse debelá-la. No âmbito de política pública, com a assunção
da Igreja, a Assistência à Saúde estava direcionada a salvar a alma e não a carne.

Em fins do século XVI, as necessidades de controle da arrecadação de impostos conjugados com a


invenção do mosquete, alteraram de forma significativa às políticas de seguridade social.

Da Idade Média até o século XVII, existiam três tipos de hospitais (ainda na conotação conceitual
estabelecida pelos romanos): o das cidades, os marítimos e os de campanha.

Uma das principais fontes de divisas para os Estados era a renda da aduana. Os passageiros e
tripulantes que desembarcassem alegando estarem doentes eram direcionados aos hospitais
marítimos, com todos os seus pertences, sem ter com isso de passar pela alfândega. Não demorou
muito para que os hospitais marítimos começassem a ser rota de contrabando.

Tal fato gerou um impasse: como garantir a sanidade da população das cidades contra as pestes que
podem vir dos viajantes d’além mar e, ao mesmo tempo, brecar a evasão de divisas?

Na mesma época, foi inventado o mosquete, que revolucionou as forças armadas, pois exigiu que
os governos aplicassem tempo e dinheiro para o treinamento da tropa, fazendo com que a perda de
homens adestrados representasse elevado custo, pois teria de substituir este soldado com os mesmos
custos que teve para com o primeiro, tornando mais barato evitar que o soldado desertasse ou agir
8 Hospedarias
9 ÁRIES, Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 36,.
10 Microfísica do Poder, 20. edição, p. 101.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

para curá-lo do que treinar outro. Para resolver estas duas questões, foi necessário mudar o lócus
da Assistência à Saúde, não sendo mais interessante salvar somente a alma, era importante salvar a
carne, e para salvar a carne era necessário estabelecer normas e procedimentos para identificar os
sãos dos doentes, e o seu impacto na sociedade. Para isso, internalizou-se o médico nos hospitais,
e ocorreu a medicalização dos hospitais; os religiosos foram colocados em situação secundária. O
médico deveria passar a observar o ambiente, tratar o doente, sendo o hospital o lócus de definição
deste papel. Neste processo de passagem, destacaram-se o Dr. Howard11 e o Francês Dr. Tenon.

É neste ambiente que ocorre a publicação, em 1703, da Obra De Morbis Artificum Diatriba de
Bernardo Ramazzini, considerado hoje pai da Medicina do Trabalho, obra que primeiro correlacionou
as doenças com as profissões ou atividades, e que inseriu na anamnese do médico a pergunta: “e que
arte exerce?12” .

Esta mudança de paradigmas ocorrida durante o século XVIII fez com que a Assistência à Saúde,
como política pública, se voltasse para a cura do doente. É a época dos primeiros trabalhos
epidemiológicos de John Snow13.

A publicação da Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, em seu artigo 21 fortaleceu o


sentimento de Seguridade Social, englobando nesta época tão somente a Assistência à Saúde e a
Social, e assim determinou:

XXI – Os auxílios públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve a


subsistência aos cidadãos infelizes, quer seja procurando-lhes trabalho, quer
seja assegurando os meios de existência àqueles que são impossibilitados
de trabalhar.

No século XIX com as guerras travadas pela Prússia, para o estabelecimento da Alemanha moderna,
principalmente contra o império Austro-Hungaro e a França, o número de soldados aleijados
que voltavam do front, sem condições de garantir a sua sobrevivência e de suas famílias e com a
necessidade de garantir a estabilidade interna da Prússia e da Alemanha que estava se formando
como país, Otto Von Bismarck (1815-1896), primeiro ministro, implementou a primeira política
de Previdência Social, com o objetivo de garantir a subsistência destes soldados e que mais tarde
11 Inglês que percorreu hospitais, prisões e lazaretos com este objetivo, entre os anos de 1775 e 1780.
12 [...] o médico que vai atender a um paciente proletário não se deve limitar a pôr a mão no pulso, com pressa, assim que chegar,
sem informar-se de suas condições; não delibere de pé sobre o que convém ou não convém fazer, como se não jogasse com a
vida humana; deve sentar-se, com dignidade de um juiz, ainda que não seja em cadeira dourada, como em caso de magnatas;
sente-se mesmo num banco, examine o paciente com fisionomia alegre e observe detidamente o que ele necessita dos seus
conselhos médicos e dos seus cuidados piedosos. Um médico que atende um doente deve informar-se de muita coisa a seu
respeito pelo próprio e pelos seus acompanhantes, segundo o preceito do nosso Divino Preceptor: “quando visitares um doente
convém perguntar-lhe o que sente, qual a causa, desde quantos dias, se seu ventre funciona e que alimento ingeriu”, são
palavras de Hipócrates no seu livro “Das Afecções”; a estas interrogações devia-se acrescentar outra: “e que arte exerce?”
Tal pergunta considero oportuno e mesmo necessário lembrar ao médico que trata um homem do povo, que dela se vale chegar
às causas ocasionais do mal, a qual quase nunca é posta em prática, ainda que o médico a conheça. Entretanto, se a houvesse
observado, poderia obter uma cura mais feliz. Ramazzini, Bernardo As Doenças dos Trabalhadores (De Morbis Artificum
Diatriba) – Fundacentro 1999, prefácio.
13 1813 - 1858. Um dos mais influentes sanitaristas do século XIX nascido em York, Inglaterra, mais conhecido por seu trabalho
em cólera e anestesiologia, é considerado um dos fundadores da moderna epidemiologia. Auxiliar de cirurgias de William
Hardcastle, graduou-se na Universidade de Londres (1843). Solteirão convicto, dedicou toda sua vida aos seus pacientes e a
pesquisa médica. Nos anos 1840, desenvolveu pioneiramente equipamentos empregados para aplicação do éter com segurança
para pacientes. Seu livro On Ether(1847), permaneceu como referência padrão até meados do século XX. Talvez sua maior
contribuição foi demonstrar (1854) que fezes contaminavam a água e esta era a origem da infecção pela cólera, embora que
também sua transmissão poderia ocorrer de pessoa para pessoa e através do alimento contaminado e, assim, deduzindo ser
um organismo vivo o causador da doença. A aprovação de suas recomendações sanitárias preventivas eliminou a cólera da
totalidade das comunidades inglesas. Fundou a Epidemiological Society e morreu durante a terceira pandemia de cólera
asiática (1846-1863), em Londres.

16
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

foi estendida a toda a população, por meio de três legislações ordinárias: Seguro obrigatório de
enfermidades – 13 de junho de 1833; seguro de acidentes do trabalho dos empregados em empresas
industriais – 6 de julho de 1884; e o seguro de invalidez e velhice – 22 de junho de 1889.

É no estabelecimento da legislação ordinária alemã que fica patente a ideia de garantir a subsistência
do indivíduo para que este não se volte contra a sociedade. Bismarck, quando da promulgação da
Lei do seguro obrigatório contra enfermidades, manifestou-se sem rodeios: “Embora seja necessário
muito dinheiro para contentar os deserdados, nunca será demasiado caro fazê-lo; ao contrário,
representa boa colocação de recursos financeiros, pois com eles evitaremos uma revolução que
consumiria quantidades muito superiores”. E sob a política alemã de Seguridade Social manifestou-
se HUGON, Paul14 “... Bismarck compreendeu, aliás, o partido que poderia tirar das ideias do
socialismo de cátedra; fez dele, ao mesmo tempo, um instrumento de luta contra o socialismo e
de desenvolvimento do poderio do Estado. Sua influência na doutrina se estendeu também fora da
Alemanha e contribuiu na maior parte dos países para o desenvolvimento das atribuições legislativas
do Estado.” Na Inglaterra quando da aprovação de legislação semelhante, em 1911, Lloyde George,
definiu a Seguridade Social como o seguro contra a revolução.

Nesta época, com o objetivo de lutar contra o socialismo e ao mesmo tempo defender uma condição
mais justa aos trabalhadores, mas sem se aprofundar nas questões da relação de trabalho, o Vaticano
do Papa Leão XIII publica a Carta Encíclica Rerum Novarum, em 15 de maio de 1891, que, citado
por Johnson (2001),

Aceitou os sindicatos, desde que autorizados pelo Estado; condenou o


capital e o trabalho, em suas expressões radicais. Tanto o socialismo quanto
a usura eram errados; a propriedade particular era essencial a liberdade, e
a sociedade sem classes era contrária à natureza humana. Os trabalhadores
jamais deveriam recorrer à violência. Os empregadores deveriam adotar uma
atitude paternal para com seus funcionários, pagar-lhe salário justo protegê-
los das oportunidades do pecado, aplicar qualquer riqueza que sobrassem “da
manutenção de sua posição social” na promoção “do aperfeiçoamento de suas
próprias naturezas” e funcionar como administradores “da providência divina
em benefício alheio”.

Mas o Papa afirma na Encíclica que a ajuda aos trabalhadores dever vir da caridade, pois pelos
empregadores só é devido o salário: “[...] Referimo-nos à fixação do salário. Uma vez livremente aceite
o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos
desde que o pague e não é obrigado a mais nada.”

Vale asseverar, no entanto que a legislação de Seguridade Social que veio como um instrumento
de luta contra o socialismo, por ter apresentado tanta eficácia no que se refere aos direitos dos
trabalhadores, fez com que, em 1904, o Congresso Internacional Socialista, declara-se o seguinte:

Os trabalhadores de todos os países devem exigir instituições próprias, para


prevenir o quanto seja possível a enfermidade, os acidentes de trabalho e a
invalidez, e para dar--lhes, mediante leis de seguro obrigatório, o direito de
14 História das Doutrinas Econômicas. Editora Atlas, São Paulo, 1946, p. 243.

17
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

obter suficientes meios de vida e assistência durante o tempo em que não seja
possível aplicar sua força de trabalho, em razão de enfermidade, de acidente,
de invalidez, de velhice, de maternidade e de desemprego.

No século XX, sob grande influência da Declaração dos Direitos do Homem, da Encíclica Rerum
Novarum, e sob as legislações previdenciárias alemãs, diversos estatutos constitucionais foram
estabelecidos (tabela 1), recepcionando a questão da Seguridade Social. Entre estas podemos
destacar a Constituição da República de Weimar, de 1919, que em seu art. 161, Título V, diz in verbis:

O Reich criará um amplo sistema de seguros para poder, com o concurso dos
interessados, atender à conservação da saúde e da capacidade para o trabalho,
à proteção da maternidade e a previsão das consequências econômicas da
velhice, da enfermidade e das vicissitudes da vida.

Quadro 1. Constituições que foram influenciadas pelo arcabouço jurídico alemão.

País ano Artigo País ano Artigo


Albânia 1946 11 Liechtenstein 1931 26
Alemanha 1919 165 Luxemburgo 1948 11
Áustria 1929 10 México 1926 123
Bielo-Rússia 1937 95 Mongólia 1940 78
Bolívia 1947 125 Nicarágua 1948 83
Brasil 1946 157 Panamá 1946 93
Bulgária 1947 75 Paraguai 1940 14
Chile 1943 10 Peru 1933 48
Colômbia 1945 19 Polônia 1947 11
Coreia do sul 1948 19 Portugal 1933 41
Cuba 1940 65 Romênia 1948 25
Equador 1946 174 Suíça 1926 34
Espanha 1942 28 Tchecoslováquia 1948 29
Guatemala 1945 63 Ucrânia 1937 100
Itália 1948 38 URSS 1936 20
Iugoslávia 1947 20 Uruguai 1942 58
Japão 1946 25 Venezuela 1947 11

Em 1938, surge o conceito atual de Seguridade Social, em função da legislação Neozelandesa, que
unificou a assistência social pública e a previdência.

As guerras de 1914/18 e a 1939/45, longe de destruírem ou diminuírem o ritmo de implantação


de arcabouços jurídicos para a Seguridade Social, ampliaram seu espectro, fazendo com que esta
tenha inegável expressividade. Neste contexto, vale lembrar o programa de ação estabelecido pelo
Conselho Nacional da Resistência (Francesa), quando em 14 de março de 1944, construído sem
a briga de seitas, partidos políticos ou ideologias consideraram como fundamental: “Um plano
completo de seguros sociais, visando a garantir a todos os cidadãos os meios de existência em todos
os casos de incapacidade e de falta de trabalho, mediante gestão autônoma dos representantes dos
interessados do Estado.”

18
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Em plena 2a Guerra Mundial, a Inglaterra amplia a proposta Neozelandesa e publica o Plano Beveridge
em contraposição ao modelo bismarckiano15, que tem como objetivo principal o combate à pobreza,
e se pauta por direitos universais a totalidade dos cidadãos incondicionalmente, garantindo uma
renda mínima a todos os cidadãos que necessitam, é o início efetivo do Welfare State.

Em 1948, invertendo-se o caminho de influências, a Organização das Nações Unidas – ONU, tendo
como base as Constituições estabelecidas anteriormente (Tabela 1) proclama a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, que acolhe no seu art. 25, in verbis:

I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e


a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança
em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de
perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e a assistência especiais.


Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma
proteção social.

A Carta Magna dos Direitos Sociais, aprovada em Santiago do Chile, em 1942, propunha uma Seguridade
Social, integral, orgânica e humana: “[...] as medidas destinadas a aumentar as possibilidades de
emprego e mantê-las num alto nível; a incrementar a produção e as rendas nacionais, e distribuí-las
equitativamente; e a melhorar a saúde, a alimentação, o vestuário, a habitação e a educação geral dos
trabalhadores e familiares”.

Em 1952, é aprovada a Convenção Internacional do Trabalho de no 102 que assegura uma


Seguridade Social mínima e garante às pessoas protegidas a concessão, quando seu estado requeira,
de assistência médica de caráter preventivo ou curativo com o objetivo de manter, recuperar ou
elevar a saúde do indivíduo protegido, assim como sua aptidão para o trabalho, e fazer frente a suas
necessidades pessoais – arts. 7o e 10.16

A Igreja manifesta-se oficialmente pela primeira vez com relação à Seguridade Social em 1961, com
a encíclica Mater et Magistra de João XXIII, nos seus itens 134 e 135.

CARTA ENCÍCLICA DE JOÃO XXIII


MATER ET MAGISTRA
EVOLUÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL À LUZ DA DOUTRINA CRISTÃ

Seguros sociais e previdência social

134. Na agricultura pode ser indispensável estabelecer dois sistemas diferentes


de seguros: um, para os produtos agrícolas; e outro, para os agricultores e suas
famílias. Pelo simples fato de o rendimento agrícola pro capite ser geralmente
inferior ao dos setores da indústria e dos serviços públicos, não seria conforme

15 “O modelo bismarckiano tem por objetivo assegurar renda aos trabalhadores em momentos de riscos sociais decorrentes
da ausência de trabalho. Os direitos aos benefícios são garantidos aos trabalhadores, via contribuição direta anterior, cujo
montante das prestações é proporcional à contribuição efetuada.” Salvador, Evilásio – Revista Tributação em Revista ano
12, n. 48, p. 18.
16 Convenção só recepcionada pelo Brasil em 2010.

19
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

à justiça social e à equidade estabelecer sistemas e seguros sociais ou de


previdência social em que os lavradores e respectivas famílias se vissem
notavelmente menos bem-tratados que os setores da indústria e dos serviços.
Julgamos, porém, que a política social deve ter como objetivo proporcionar aos
cidadãos um regime de seguro que não apresente diferenças notáveis, qualquer
que seja o setor econômico em que trabalham ou de cujos rendimentos vivem.

135. Os sistemas de seguros sociais e de previdência social podem contribuir


eficazmente para uma distribuição do rendimento total de um país, segundo
critérios de justiça e de equidade; e podem, portanto, considerar-se como
instrumento para reduzir os desequilíbrios dos níveis de vida entre as várias
categorias de cidadãos.

A evolução da Seguridade Social no Brasil


No Brasil as medidas mais antigas no campo da Seguridade Social remontam a 1543, principalmente
na esfera da assistência social. Com a vinda da família Real em 1808, tornou-se comum a prática da
esmola concedida pelo Estado, em benefício a poucos escolhidos.

Apresento aqui alguns relatos17:

“Senhor,

Apolinário, maior de 60 anos de idade, escravo de José de Freitas Valadares,


vem perante o Trono de Vossa Majestade Imperial pedir a graça de concorrer
com uma esmola para a liberdade do suplicante. Pede Vossa Majestade
Imperial deferimento.
Petrópolis, 11 de dezembro de 1885

O recibo junto diz: “Recebi da Superintendência de Petrópolis a quantia de


20$000 que Sua Majestade Imperial mandou dar de esmola.
Petrópolis, 14 de dezembro de 1885,
a rogo de Apolinário, Sebastião José de Lemos”

“O capitão José Francisco de França e Silva, subdelegado de Polícia do 1o


Distrito de Petrópolis, Atesta que Lino Ribeiro de Novais, ex-cabo de esquadra
do 41 de Voluntários da Pátria, cidadão brasileiro com 50 anos de idade,
casado, é pobre e aleijado por ferimentos recebidos em campanha o que jura
sob a fé do cargo.
Petrópolis, 20 de janeiro de 1885
José Francisco de França e Silva

Recibo: Recebi da Superintendência de Petrópolis a quantia de 10$000 que


Sua Majestade o Imperador mandou me dar de esmola.
Petrópolis, 21 de janeiro de 1885
Lino Ribeiro de Novais.”

17 Exemplos retirados do Livro: Aspectos Históricos de Petrópolis, de Casadei, Thalita O. Petrópolis, 1983, p. 156

20
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

“A viúva Ana Pongmann, natural da suíça de onde tem vindo com seu falecido
marido, tendo vindo a Petrópolis a fim de procurar emprego para seus dois filhos
o que felizmente conseguiu, deseja voltar para sua colônia sita em Blumenau.
Faltando-lhe porém os meios pecuniários vem, cheia do maior respeito apelar
a conhecida generosidade de Sua Majestade Imperial, pedindo um pequeno
auxílio para poder fazer a viagem, favor pelo qual ficará eternamente grata à
benevolência de toda Augusta Majestade Imperial.
Petrópolis, 21 de janeiro de 1885

A requerente recebeu 20$000 de esmola.”

“O padre Teodoro Esch atestou em 12 de janeiro de 1885 que a viúva Margarida


Gimpel, com 77 anos, moradora nesta Freguesia é sumamente pobre, sem
recursos, vivendo na companhia de uma filha casada, também pobre e
carregada de filhos, e portanto nas condições de merecer a caridade pública. A
viúva recebeu 20$000 de esmola.”

“Recebeu esmolas os pretos aleijados: Recebemos da Superintendência de


Petrópolis a quantia de 40$000 que Sua Majestade o Imperador nos mandou
dar de esmola, sendo 20$000 a cada um de nós.
Petrópolis, 20 de janeiro de 1885.
A rogo dos pretos aleijados Manoel e Gentil. Oscar Augusto Adrien”.

“Henrique Batista Ebique, natural de Campos, com 23 anos, filho de Henrique


Batista Ebique, tendo a infelicidade de ser vítima de um raio, no mês de maio,
no lugar denominado Posse, município da Paraíba do Sul, vê-se hoje privado da
fala e sem recurso e desejando voltar para Campos, vem pedir a Sua Majestade
Imperial uma esmola pelo amor de Deus.
Petrópolis, 10 de maio de 1886.

Recebeu uma esmola de 20$000.”

“A portadora deste, Suzana Frederica Maria Vicência Ender, natural da


Alemanha, solteira, 44 anos, ultimamente tratada no Hospital desta cidade
é pobre e falta de todos os recursos e ao que parece sofrente das faculdades
mentais não tendo outro recurso senão dirigir-se à caridade pública.

Recebeu 10$000 de esmola.”

“Senhor,

Maria Pinto de Brito Maia, viúva de Francisco Alves de Brito Maia que foi
por longos anos empregado no Palácio de Petrópolis, como escrivão da
Superintendência acha-se viúva, pobre, sem recursos, e sobrecarregada de 3
filhos, um do sexo masculino um tanto apoucado que trabalha na fábrica de
tecidos São Pedro de Alcântara, ganhando 1.800 réis nos dias em que trabalha,
e 2 meninas; tendo de seu apenas a casinha em que mora e nada mais e vendo-
se envergonhada por um credor que lhe pede o pagamento de 130$000: que

21
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

lhe deve bem contra a vontade de gêneros para o sustento de sua família e que
não pode pagar porque falta-lhe recurso, vem respeitosamente pedir a Vossa
Majestade Imperial uma esmola pelo amor de Deus para ver se pode pagar a
esse credor e ele poder continuar a fornecer os gêneros alimentícios para sua
subsistência e de seus filhos”.

Recebeu 50$000.”

Como pode ser visto a assistência social, tinha um caráter de caridade, alcançava todos os tipos de
pedido e na maioria dos casos era pontual, não alterando de forma significativa a vida das pessoas
que receberam a esmola (salvo o exemplo do escravo liberto).

Até a Abolição da Escravatura, em 1889, existiam três tipos de instituições de proteção social no
Brasil, salvo as esmolas imperiais: As Santas Casas de Misericórdia, vinculadas a Igreja Católica; a
Sociedade Musical de Benemerência (1834); e a Sociedade da Corporação dos Artífices (1838).

No Brasil a primeira política na área de Seguridade Social, foi o Plano de Assistência destinados aos
Órfãos e às Viúvas da Marinha, em 1795, seguido do Montepio do Exército, em 1827, e o Montepio
Geral da Economia, em 1835, mas o primeiro arcabouço jurídico definitivo foi a Lei no 3.397, de 24 de
novembro de 1888, que criou a Caixa de Socorros, garantindo pequena pensão em períodos de doença
e/ou mortes de empregados da estrada de ferro.

À época a única prestação monetária continuada era a aposentadoria, reservada a poucos funcionários
públicos, e que gradualmente foram se incorporando outros funcionários: funcionários da economia
(1890), Ministério da Guerra (1891), Arsenal de Marinha da Capital Federal (1892), da Estrada de
Ferro Central do Brasil (1890), Casa da Moeda (1911) e dos Portos do Rio de Janeiro (1912), à estes
dois últimos era garantido quinze (15) dias de férias remuneradas (1889).

Com a abolição da escravatura, o estabelecimento da República, e os ventos sociais trazidos dos


arcabouços jurídicos europeus, criou-se um cisma no parlamento brasileiro entre incluir ou não
incluir normativos reguladores das relações de trabalho. Um primeiro bloco que defendia uma
implantação gradual de uma legislação que casasse os interesses do Estado, com o desenvolvimento
da indústria sem mudar o princípio da liberdade do trabalho e instituir uma indenização por
acidente de trabalho, aplicada na França em 1898. O segundo bloco que defendia a harmonia entre
empregados e empregadores; e o terceiro bloco contrário a qualquer tipo de legislação social. Isso
explica por que a legislação que trata de acidentes de trabalho no Brasil foi apresentada em 1904, e
só foi promulgada em 1919, quinze anos depois. Tal querela fez-se presente na Constituição de 1891,
e só após a reforma de 1926 veio trazer em seu bojo, de forma muito suave, em seu item 28 do art.
34, que é atribuição do Congresso Nacional legislar sobre o trabalho.

Boschetti18 faz uma avaliação deste período de nascedouro das políticas de Seguridade Social no
Brasil, no século XX:

Não é surpreendente que, no início dos anos 1920, as iniciativas governamentais


fossem tão tímidas em matéria de proteção do trabalhador e do cidadão.
Recém saído do regime do Império (1889) e com a economia e a sociedade

18 Boschetti, Ivanete. Seguridade Social e Trabalho. Ed UnB. 2006. p. 13-14

22
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

fundadas, até recentemente, na escravidão (1888), o país entrou no século


XX sob a supremacia, ao mesmo tempo, da ideologia econômica liberal e do
clientelismo político19 .

O ano de 1923 pode ser considerado o ano de nascimento da Seguridade Social Brasileira como instituição
pública, pois neste ano foi criado o Decreto-Lei no 4.682, de 24 de janeiro20 (Lei Eloy Chaves), que
determinava a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões nas empresas ferroviárias existentes.
Ela marca o início da fase de vinculação à Seguridade Social por empresa. Em 1937 já existiam cento
e oitenta e três (183) Caixas de Assistência, mas a maioria sem um número mínimo de segurados que
justificassem a sua sustentabilidade, com isso o governo alterou o formato das Caixas de Assistência, e
passou a vinculá-las não mais a uma empresa, mas a uma categoria funcional, passando a denominá-los
de Institutos de Pensão, o que garantiu a escala necessária para sua sustentabilidade econômica
financeira. Assim, surgiram os seis principais Institutos de Pensão: Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Industriários – IAPI (1938)21, Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos
– IAPM (1933)22, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transporte e Cargas –
IAPETC(1945)23, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários – IAPC (1934)24, Instituto
de Pensões e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE (1938)25, e o Instituto de Aposentadorias
e Pensões dos Bancários – IAPB (1934)26; com isso foram estendidos virtualmente a todos os
trabalhadores urbanos e boa parte dos autônomos uma cobertura previdenciária.

Em 1930, por meio do Decreto no 19.433, de 26 de novembro, foi criado o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, que entre as suas atribuições estava a de orientar e supervisionar a Previdência
Social. Sobre este tema o Jornal do Brasil noticiava em 3 de março de 1967, em Matéria de Alceu
de Amoroso Lima, “[...] deu a Revolução de 1930 um significado social que correspondia, de fato,
uma nova fase na evolução política nacional: a ascensão irreversível do proletariado provocada pela
industrialização, refletindo nas políticas do trabalho, incluindo as de Seguridade Social.”

A Constituição de 1934, promulgada em 16 de julho, abordou este tema em seus artigos 5o e 121,
in verbis:
Art. 5o - Compete privativamente à União:
[...]
XIX – Legislar sobre:
[...]
c) normas e fundamentos do direito rural, do regime penitenciário, da
arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária e das
estatísticas de interesse coletivo;

19 Embora existam algumas nuanças discordantes entre os autores a respeito do período em que o liberalismo começou a
declinar, os historiadores e analistas de políticas sociais concordam em caracterizar o período anterior a 1930 como uma
época de predominância das relações privadas entre trabalhadores e empregadores e de fraca intervenção estatal. Mas duas
observações são necessárias: em primeiro lugar, o liberalismo econômico predominava no setor urbano, ao passo que na
área rural predominavam relações de trabalho próximas da servidão, já a mobilidade do trabalhador não era completamente
assegurados; em segundo lugar, ainda que as legislações sociais, sobretudo após 1923, não colocassem em xeque a ideologia
liberal, elas impunham limites à livre regulação do mercado de trabalho.
20 Hoje está data é considerada “O Dia da Previdência Social”.
21 Lei no 367, de 03 de janeiro.
22 Decreto no 22.872, de 29 de junho.
23 Decreto-Lei no 7.720, de 09 de julho.
24 Decreto no 24.272, de 22 de maio.
25 Decreto no 34.586, de 12 de novembro.
26 Decreto no 24.015, de 01 de julho.

23
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

[...]

Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições


de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do
trabalhador e os interesses econômicos do País.

§ 1o – A legislação do trabalho observará o sequintes preceitos, além de outros


que colimarem melhorar as condições do trabalhador:

[...]

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a


esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego,
e instituição de previdência mediante contribuição igual da União, do
empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade
e nos casos de acidentes do trabalho ou morte.

Os preceitos estabelecidos na Constituição de 1934 são a base de nossa Seguridade Social atual, se
mesclam a assistência social, a saúde e a previdência.

A Constituição Outorgada de 1937 foi mais concisa que a anterior no que se refere a Seguridade
Social, in verbis:

Art 16 – Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes


matérias:

[...]

XVI – o direito civil, o direito comercial, o direito aéreo, o direito operário, o


direito penal e o direito processual.

[...]

Art. 137 – A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes


preceitos:

[...]

l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta,


sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto;

m) a instituição de seguros de velhice, invalidez, de vida e para os casos de


acidentes do trabalho.

A Constituição de 1946, promulgada em 16 de setembro, foi fortemente modificada entre a proposta


de projeto e a que foi promulgada, in verbis:

Art 5o - compete à União:

[...]

XV – Legislar sobre:

24
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, aeronáutico e do trabalho;

normas gerais de direito financeiro; de seguro e de previdência social; de defesa


e proteção da saúde; e de regime penitenciário.

[...]

Título V
DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

[....]

Art. 157 – A legislação do trabalho e a da Previdência Social obedecerão aos


seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos
trabalhadores:

[...]

XIV – assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva ao


trabalhador e à gestante;

XV – assistência aos desempregados;

XVI – previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do


empregado, em favor da maternidade e contra assistência social consequências
da doença, da velhice, da invalidez e da morte;

XVII – obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os


acidentes do trabalho.

Assim, pela primeira vez foi realmente estruturado o seguro social brasileiro, incorporando
desde logo os acidentes de trabalho.

Com a promulgação da Carta Magna de 1946 e com o objetivo de diminuir as disparidades entre os
Institutos de Pensão27, foi promulgada a Lei no 3.807, de 26 de agosto de 196028, que ficou sob análise
do Congresso Nacional por quatorze (14) anos, e que teve como grande mérito a uniformização
das contribuições e os planos de benefícios dos diversos institutos. A implementação da Lei saiu
fortalecida com a criação, em 21 de novembro de 1966, do Instituto Nacional da Previdência Social
– INPS, reunindo os institutos de aposentadoria existentes.

A partir de 1963 são efetivadas políticas visando a incorporação, para o acesso a benefícios de
Seguridade Social, à parte da sociedade até então marginalizada, assim como ações para melhorar
a gestão do seguro social:

»» Criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – 1963;

»» Plano Básico para o trabalhador rural - 1969;

»» Inclusão dos empregados domésticos – 1972;

27 Institutos que representavam categorias profissionais de maiores salários obtinham os maiores recursos.
28 “Lei Orgânica da Previdência Social”

25
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» Inclusão de autônomos de forma compulsória – 1973;


»» Amparo previdenciário aos maiores de 70 anos de idade e aos inválidos não
segurados – 1974;

»» Extensão dos benefícios de previdência e assistência social aos empregadores rurais


e seus dependentes – 1976;

Com a medida de 1976 a Previdência Social brasileira, alcançou cem por cento das pessoas que
possuem renda.

Em 1966, com a desculpa de que a constituição de 1946 já havia recebido emendas em excesso e
que seguridade social já não atendia aos anseios do País, o Presidente da República em seu Ato
Institucional no 4, de 7 de dezembro, determinou que o Congresso Nacional aprecia-se e promulga-
se o projeto de Constituição elaborado pelo Poder Executivo.

O Congresso Nacional, por meio do Senador Antônio Carlos Magalhães, deu seu parecer favorável
sobre o texto de forma sucinta29, mas o Movimento Democrático Brasileiro posicionou-se pela
rejeição do texto e sua repulsa como fator de imposição do arbítrio sobre o movimento democrático.
Assim, a carta de 1967, restritiva perante a Carta de 1946, estabeleceu, in verbis:

Art. 8o - Compete a União:

[...]

XVI – Legislar sobre:

[...]

b) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, aeronáutico,


marítimo e do trabalho;

[...]

TÍTULO V

DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

Art. 158 – a constituição assegura aos trabalhadores, nos termos da lei, além de
outros, os seguintes direitos:

[...]

XV – assistência ao desempregado;

XVI – Previdência Social, mediante contribuição da União, do empregador e


do empregado para a proteção da maternidade e nos casos de doença, velhice,
invalidez e morte;

29 Parecer: a) guarda orientação conforme ao sistema social da eleição da grande maioria do povo brasileiro; b) respeita os
postulados democráticos; c) mantém assistência social instituições políticas que nos regem; d) satisfaz, de modo geral,
assistência social exigências do Estado moderno; e) consigna os direitos e a assistência social garantias individuais; f) assegura,
expressamente, assistência social conquistas sociais dos trabalhadores brasileiros; g) possibilita, se aprovado em globo, de
acordo com o Ato Institucional no 4 e assistência social decisões complementares da Presidência do congresso nacional e
desta Comissão, que se abram oportunidades bastantes para que sejam oferecidas emendas que reflitam o mais avançado
pensamento de aperfeiçoamento do regime burocrático.

26
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

XVII – Seguro obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho;

[...]

§1o – Nenhuma prestação de serviço de caráter assistência ou de benefício


compreendido na Previdência Social será criada, majorada ou estendida, sem
a respectiva fonte de custeio total;

§2o – A parte da União no custeio dos encargos a que se refere o no XVI deste
artigo será atendida mediante dotação orçamentária, ou com produto de
contribuições de previdência arrecadadas, com caráter geral, na forma da lei.”

Em 1977 foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS, em que cada
atividade vinculada a Seguridade Social era executada por um órgão específico: INPS: manutenção e
concessão de benefícios; Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS:
prestação de assistência médica; Instituto da Administração Financeira de Previdência e Assistência
Social – IAPAS: administração financeira e patrimonial do sistema; Legião Brasileira de Assistência
– LBA: assistência social; Fundação do Bem Estar do Menor – FUNABEM: amparo a menores
carentes e infratores; Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social – DATAPREV; e
a Central de Medicamentos – CEME.

Em 1987, foi criado o Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de


Saúde dos Estados – SUDS, que serviu de base para a criação do Sistema Único de Saúde – SUS,
que garantiu universalização e integralidade a todos os cidadãos brasileiros a assistência à saúde.

A seguridade social brasileira contemporânea

A Constituição Federal de 1988


A Carta Magna de 1988 avançou perante as Constituições anteriores no que tange a Seguridade
Social, pois estabeleceu um capítulo específico para o tema30. Determinando que a seguridade
social brasileira fosse pautada por três pilares: a Assistência à Saúde, a Previdência Social e a
Assistência Social31, e tem como objetivo primeiro a busca do bem-estar da sociedade, da justiça
social, e do indivíduo.

A Seguridade Social Brasileira vem inserida no Título VIII da Constituição Federal de 1988: “Da
Ordem Social”, assim entendido o social como contraposição ao individual, onde as necessidades de
um não pode suplantar a necessidade de muitos.

A “Ordem Social” complementa, ao mesmo tempo que norteia o Título VII da Constituição Federal
de 1988: “Da Ordem Econômica e Financeira”, que em seu art. 170 determina que a sociedade
brasileira deva estabelecer seus projetos econômicos baseados na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, com o objetivo de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames

30 Constituições: de 1824: Inciso II e XXIV do art. 179; de 1891: omissa; de 1934: arts. 115 e 116; de 1937: arts 145 e 146; de 1946:
arts. 5o, e 157; de 1967, art 157; de 1969: EC no 1 arts. 160 a 164.
31 Redação dada pela EC no 20 de 15.12.1998

27
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

da justiça social32, e o art. 19333 impõe que a ordem social tenha como base o primado do trabalho e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Verifica-se, deste modo, que as políticas econômicas
estão indissociadas das necessidades sociais, e que ambas, sendo a Ordem Econômica sustentáculo
da Ordem Social, visam ao atendimento dos direitos sociais do brasileiro, em cujo art. 6o de nossa
Carta Magna lista-os, in verbis:

“Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

A Seguridade Social brasileira deve, em seu conjunto, atuar na melhoria dos indicadores e dos
níveis dos direitos sociais dos brasileiros, não podendo ser tratada de forma estanque, separada
da sociedade, ou direcionada a um grupo específico. Neste contexto, o arcabouço jurídico vigente
garante direitos aos trabalhadores que visem à melhoria de sua condição social como regras que
preservem sua saúde e segurança no ambiente de trabalho, ou na participação dos lucros da empresa,
entre outros. A Seguridade Social deve sempre garantir que o interesse de muitos se sobreponha ao
do indivíduo, desde que esta política não atente contra a sua dignidade.

A Constituição Federal de 1988 ao sair do enfoque individual, no que se refere à Ordem Social, a
percepção do que é bem-estar (outro objetivo da ordem social), sai do campo do subjetivo, onde
o conceito e o entendimento de bem-estar varia de indivíduo para indivíduo, permitindo que o
Estado elabore políticas públicas objetivas voltadas para o bem-estar da sociedade, com aplicação
da justiça social.

Para garantir que as ações da Seguridade Social atinjam a sociedade brasileira de forma homogênea
e igualitária, não discriminando nenhum brasileiro, é prerrogativa privativa da União legislar sobre
a Seguridade Social.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXIII – seguridade social;

A Constituição Federal de 1988 expõem a Seguridade Social da seguinte maneira, in verbis:

Art. 194 – A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações


de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

Parágrafo Único34 – Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a


seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

32 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”
33 “Art. 193 – A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como o objetivo o bem-estar e a justiça social”
34 Objetivo da Seguridade Social

28
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações


urbanas e rurais;

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

V – equidade na forma de participação no custeio;

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante


gestão quatripartite, com a participação dos trabalhadores, dos empregadores,
dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

De modo sucinto, Cretella define “a Seguridade Social é o conjunto de medidas tomadas pelo poder
público e pelos cidadãos, em conjunto, ou separadamente, em prol dos direitos concernentes à
saúde, à previdência e à assistência social.”35

A Constituição Federal veda a aplicação de critérios em que haja discriminação de qualquer espécie
tornando a Seguridade Social um direito social que deve atingir a totalidade da população brasileira36.
E essa cobertura visa a atender todas as vicissitudes da vida que podem impor necessidades ao
cidadão brasileiro, e que deverão ser atendidas pela Seguridade Social.

Curiosidade
Considerando que a Seguridade Social é universal, tornou-se inútil distinguir
trabalhador urbano e rural presente no art. 7o da Constituição, ficando ai resquício
arqueológico da evolução jurídica brasileira.

Cretella.

Ao ter critérios de seletividade e de distributividade, a Seguridade Social indica em sua filosofia que para
dar acesso de forma igualitária aos benefícios da Seguridade Social é necessário tratar desigualmente
os desiguais, isto é, oferecer mais a quem tem menos, para que assim se alcance a justiça social. É
desta forma que os benefícios são estabelecidos no Regime Geral de Previdência Social, por meio da
Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, tendo para os servidores públicos estes benefícios tratados na Lei
no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e de forma geral apresenta os seguintes benefícios.

»» Quanto ao segurado:

a. aposentadoria por invalidez;

b. aposentadoria por idade;

c. aposentadoria por tempo de contribuição37;

35 Cretella Jr., J. Comentários À Constituição de 1988 – Tomo VII – p. 4.297.


36 Constituição Federal. Art. 5o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes [...]
37 Redação dada pela Lei Complementar no 123, de 2006.

29
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

d. aposentadoria especial;

e. auxílio-doença;

f. salário-família;

g. salário-maternidade;

h. auxílio-acidente.

»» Quanto ao dependente:

a. pensão por morte;

b. auxílio-reclusão.

»» Quanto ao segurado e dependente:

a. serviço social;

b. reabilitação profissional.

A irredutibilidade dos valores dos benefícios da Seguridade Social aferida no diploma constitucional,
objetiva que estes sejam concedidos baseados em determinado enquadramento legal e não tenham
seu poder de compra corroído38. Não vigora aqui o entendimento, corrente de alguns governantes,
de que a irredutibilidade dos benefícios se fixa tão somente em seu valor nominal.

Como um cidadão beneficiário da Seguridade Social, e assim o está por não


conseguir garantir o atendimento de suas necessidades, poderá se defender contra
a perda da capacidade de compra de seu benefício?

Outro aspecto que se impõe é que se garanta no limiar o piso do salário mínimo39, da mesma forma
que se garanta a correção dos valores de contribuição40 haja vista o sistema de Seguridade Social ter
de ser sustentável econômica e financeiramente.

A implantação de Políticas de Seguridade Social implica aporte de altas somas de recursos de


forma constante e como a Seguridade Social é destinada a todos os brasileiros, sem exceção,
todos devem financiá-las, utilizando novamente a filosofia de tratar desigualmente os desiguais,
para que se possa atender o preceito constitucional da equidade na forma de participação de
custeio. O custeio da Seguridade Social deverá ser flexível o suficiente para adaptá-las em
casos particulares, um ajustamento real, ao poder de financiamento de determinada categoria
da sociedade ou ramo de atividade econômica. Arturo Lentini, citado por Cretella, na Obra
Instituzioni di diritto amministrativo, vol. I, p. 30, no1, afirma:

38 Constituição Federal. Art. 201 §4o Assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o
valor real, conforme critérios definidos em lei.
39 Constituição Federal. Art. 201 §2o Nenhum benefício que substitua o salário contribuição ou o rendimento do trabalho do
segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
40 Constituição Federal. Art. 201 §3o Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente
atualizados, na forma da lei.

30
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

a equidade é configurada por Romagnosi na conhecida fórmula, segundo a


qual as relações entre cidadãos e o estado devem ser disciplinadas de tal modo
que se consiga o máximo de utilidade pública com a máxima vantagem ou com
o mínimo de sacrifícios privados.

“O que é equitativo é justo: é melhor que o absolutismo da letra da Lei”.

Aristóteles

Pode alguém estranhar o estabelecimento do seguinte paradoxo na forma de


financiamento do custeio? Como alguém que está tutelado pela Seguridade Social,
isto é, recebendo algum benefício (pois está em condição de não prover suas
necessidades) pode ainda assim participar de seu financiamento?

Atualmente, grande parte dos recursos destinados às políticas de Seguridade Social vem de impostos
indiretos, que desembocam no consumidor final, fazendo com que um beneficiado seja também um
financiador, quando de sua participação no consumo.

A Constituição, determinando que haja base de financiamento diversificada para a Seguridade Social,
torna a aplicação da diretriz de equidade mais fácil de ser efetivada, pois na prática determina que a
Seguridade Social seja financiada pelo Estado, pelo empresário e pelo empregado.

Por fim, há a demanda constitucional de que a Seguridade Social tenha uma gestão administrativa
democrática e descentralizada, o que reforça a determinação Constitucional que assegura a participação
dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses
profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação – art. 10o da Constituição
Federal de 1988.

Vale aqui observação de que somente com a criação do Fórum Nacional da Previdência Social,
por meio do Decreto no 6.019, de 22 de janeiro de 2007 – DOU de 22/1/2007, que se garantiu a
participação dos trabalhadores e dos empregadores nos ditames da política previdenciária. No âmbito
do serviço público, tal determinação legal só será levada a efeito quando da estruturação efetiva do
Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores da União, e que apesar da legislação de que trata
do tema ser de 1998, não foi até hoje objeto de demanda das entidades de classe que representam os
servidores públicos federais.

Na sequência, a Constituição Federal de 1988 determina, in verbis:

Art. 19541 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
seguintes contribuições sociais42:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,


incidentes sobre:

41 Financiamento da Seguridade Social


42 Remissão à CF, 240 – 239, § 4o – 149 – 195, I a III, §§ 6o e 8o – 249 – 250 – 154, I – 195, § 4o – 198, § 1o – 204

31
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados,


a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo
empregatício43;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro44.

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo


contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 20145.

III – sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele


equiparar.

§ 1o46 – As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas


à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o
orçamento da União.

§ 2o47 – A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma


integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência
social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes
orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos48.

§ 3o49 – A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como


estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios50.

§ 4o – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção


ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I51.

§ 5o – Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,


majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total52.

§ 6o53 – As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas
após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver
instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b54.

43 Remissão à CF, 167, XI – 195, § 11 – 239; LC 101, 2o, IV, a – 68, § 1o, II; I ADCT, 56
44 Remissão à CF, 201, §§ 1o e 7o – 212, § 5o – 8o, IV – 204 – 114, § 3o; LC 70 de 30.12.93
45 Remissão à CF, 114, § 3o – 167, XI – 40 – 195, § 11 – 239 – 40, § 12; LC 101, IV, a
46 Recursos dos Estados, DF e Municípios.
47 Proposta orçamentária
48 Remissão à CF, 165, § 5o, III
49 Impedimento dos devedores da seguridade social de contratar com o poder público
50 Lei 9.605, 21 (como exceção) – 155, § 2o, XII, g; Lei 8.212, 95, § 2o;
51 LC 84 de 18.0196; CF, 154 (competência residual) – 195, I e II - 249 - 250; (STF) RREE 146.733 e 138.284
52 Remissão à LC 101, 24
53 Exceção ao princípio da anterioridade
54 CF, 149 – 212, § 5o – 240; ADCT, 74 – 75, § 1o; Lei 8.212, 55, § 3o

32
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

§ 7o55 – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades


beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas
em lei56.

§ 8o – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador


artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em
regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para
a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da
comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

§ 9o57 – As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter


alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica
ou da utilização intensiva de mão de obra.

§ 10o – A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema


único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada
a respectiva contrapartida de recursos.

§ 11o58 – Vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de


que tratam os incisos I, a(folha de salários do empregador), e II (trabalhador)
deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar.

§ 12o – A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as


contribuições incidentes na forma dos incisos I, b (receita ou faturamento); e
IV (importador) do caput, serão não cumulativas.

§ 13o – Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual,


total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, (folha de
salários do empregador) pela incidente sobre a receita ou o faturamento.”

É no contexto deste artigo que se estabelece a base de financiamento da Seguridade Social Brasileira,
mas que não arvora a necessidade de ser única, podendo se apresentar na forma de diversos regimes
de previdência social. Esta omissão, se é que podemos assim denominar, vem com o intuito de
separar a Seguridade Social dos trabalhadores, da Seguridade Social dos servidores públicos, e
destes entre os Entes Federados, e que foi efetivado pelo art. 40 da Constituição Federal.

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é
assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante
contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos
pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial e o disposto neste artigo.

55 Isenções dadas às entidades beneficentes de assistência social


56 Remissão à CF, 146, II – 150, VI – 150, §§ 2o, 3o e 4o – 153, § 2o, I – 153, § 4o – 155, § 2o, X, a, b, c – 155, § 3o – 156, II
– 156, § 2o, I – 184, § 5o; ADCT,
57 Alíquotas e base de Cálculo
58 Remissão e Anistia

33
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Não obstante garantiu que independentemente do número de regimes previdenciários existentes,


eles têm de atender os mesmos preceitos constitucionais que estabelecem a operacionalização da
Seguridade Social.

No quesito de financiamento é permitida que as contribuições sociais tenham alíquotas ou base


de cálculos diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de
obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado, sendo este o amparo legal que se
aplica para diferenciar as alíquotas de contribuição dos segurados do Regime Geral de Previdência
Social e do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores da União, enquanto o primeiro
aplica uma faixa de alíquotas (7,65% a 11%)59, e a União uma alíquota fixa de 11%. E é também
sobre este amparo constitucional que a Lei no 10.170, de 29 de dezembro de 2000, que dispensa as
instituições religiosas do recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre o valor pago
aos ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou
de ordem religiosa.

Contribuição social: não pode ser denominada de tributo, mas mera contraprestação,
que mais se equipara às entradas públicas60 ; e constitui o quantum em dinheiro
pago pelo Estado, pelos empregadores e pelos trabalhadores a fim de custear a
Seguridade Social.

A contribuição social não tendo tido a sua natureza jurídica caracterizada como imposto pode
determinar que as alterações de sua base de financiamento sejam aplicadas no ano fiscal em curso,
e que no caso do imposto, o mesmo só pode ser cobrado em exercício financeiro posterior ao ano em
que foi publicada lei que o instituiu ou alterou61 .

Os incisos I a IV do art. 195, determina de onde a Seguridade Social obterá o seu financiamento.
Para o inciso I, a Lei Complementar no 70, de 30 de dezembro de 1991, institui a Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social – COFINS, que representa cerca de 79,1% do financiamento
da Assistência Social; 25,7% do financiamento para a Saúde; e de 24% para a Previdência Social.
No inciso II, contribuições sociais dos trabalhadores, a sua participação é retida diretamente de seu
pagamento, por intermédio do empregador, que atua como fiel depositário do recurso. CRETELLA
advoga que com

a evolução constante que o instituto da Seguridade Social está tendo no Brasil


deveria ser razão suficiente para excluir o trabalhador, economicamente fraco,
da incidência contributiva. No momento, entendemos que a contribuição
social a cargo do hipossuficiente deveria ser menos que proporcional à sua
situação financeira.

Por último inclui-se a receita de concurso de prognósticos62 como fonte de recursos para a
Seguridade Social.

59 Valores de referência para contribuição ao RGPS, Portaria MPS 142, de 11 de abril de 2007 (salário-contribuição x alíquota de
contribuição): até R$868,29 – 7,65%; R$868,30 a R$1.140,00 – 8,65%; R$1.140,01 a 1.447,14 – 9,00%; 1.447,15 a 2.894,28 –
11%.
60 Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1970, p. 68 e 568.
61 Constituição Federal de 1988 art. 150, Inciso III, letra b.
62 Por definição, jogos de azar.

34
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Para viabilizar a implantação da Seguridade Social, o art. 59 do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição Federal de 1988, determinou: “Os projetos de lei relativos à organização da seguridade
social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da
promulgação da Constituição ao Congresso Nacional, que terá seis meses para apreciá-los”63.

A maior inovação vinculada à Seguridade Social foi a criação de um orçamento global, do qual
deve se garantir os recursos para cada um dos pilares da Seguridade Social ao mesmo tempo que
implantou duas novas fontes de financiamento: contribuição sobre o faturamento e sobre o lucro
líquido das empresas.

É apresentado, a título de ilustração, no quadrp 2, o orçamento geral da Seguridade Social no ano


de 2005.

A atual Carta Magna promoveu a equiparação entre trabalhadores urbanos e rurais


e definiu o salário-mínimo como o piso dos benefícios de manutenção permanente,
vinculou a estrutura econômica e financeira do País à sua ordem social devendo
financiá-la. Colocou que este País respeita a dignidade da pessoa humana, no
primado do trabalho humano sempre visando o bem-estar social, sob a égide da
justiça social.

Quadro 2. Orçamento da Seguridade Social – 2005

Receitas da Seguridade Social R$ milhões Despesas da Seguridade Social R$ milhões


1. Receita de Contribuições Sociais 275.170,00 1. Benefícios Previdenciários 148.839,70
1.1. Receita previdenciária líquida 108.434,00 1.1. Benefícios previdenciários urbanos 119.649,90
1.2. COFINS 86.855,40 1.2. Benefícios previdenciários rurais 27.189,80
1.3. CPMF 29.001,20 2. Benefícios Assistenciais 9.335,10
1.4. CSLL 25.048,50 2.1 Benefícios assistenciais – LOAS 7.540,00
1.5. PIS/PASEP 21.382,50 2.2. Benefícios assistenciais – RMV 1.795,10
1.6. Concursos de prognósticos67 1.664,30 3. Ações e serviços de saúde e demais despesas do MS 34.517,40
2. Recursos Próprios dos órgãos e da
1.882,40 4. Ações de assistência social e demais despesas do MDS 1.715,80
Seguridade Social
2.1 Ministério da Previdência Social 797,60 5. Benefícios de transferência de renda 6.768,90
2.2. Ministério da Saúde 987,40 6. Custeio e pessoal ativo do MPS e INSS 3.404,10
2.3. Ministério do Desenvolvimento Social e
97,40 7. Outras ações68 2.489,40
Combate a Fome
3. Contrapartida devida do Orçamento Fiscal 8. Benefícios e outras ações do Fundo de Amparo ao
1.052,00 11921,60
para a EPU – Benefícios de Legislação Especial Trabalhador – FAT
Receita Total 278.104,40 Despesa Total 218.992,00
Resultado final (receita total – Despesa Total) nominall

Fonte: ANFIP – adaptado. 6465

63 Lei no 8.212 de 24.7.91 e Dec. no 2.173 de 5.3.97 (Seguridade Social); Lei no 8.213 de 24.7.91 e Dec. no 2.172 de 5.3.97 (Previdência
Social). CF, 195, § 7o
64 Loterias da Caixa Econômica Federal
65 Executadas na educação, justiça, agricultura, integração, defesa e outros órgãos.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Com este capítulo da Seguridade Social, acredito que seja possível estabelecer a
importância e as consequências dos atos, das ações e dos programas de saúde
e de segurança no trabalho voltados para os trabalhadores, pois a falha deste
profissional ou a sua omissão tem influência direta na política de seguridade social
brasileira. A ocorrência de acidentes de trabalho, a concessão de aposentadorias por
invalidez, alguns casos de pensão por morte tem implicação direta na forma como o
especialista em segurança do trabalho atua.

Para se aprofundar nas três esferas da seguridade social e com isso balizar melhor
seu estudo, busque na biblioteca o texto “As três vertentes da Seguridade Social”.

Da Constituição da República à Saúde do


Trabalhador66
A Constituição de um Estado nasce de um pacto entre diversificados valores sociais, ideias, aspirações,
interesses diferenciados e, até mesmo, antagônicos. Mesmo se supondo que a Constituição tivesse
por intuito retratar um consenso fundamental, ela não teria a capacidade de aplainar as saliências e
reentrâncias do pluralismo e antagonismo das ideias que motivaram a celebração do pacto. Choques
de valores sempre existirão, e isso em nada desnatura o Estado Democrático de Direito; ao contrário,
faz florescer e amadurecer a democracia.

A saúde do trabalhador brota desses conflitos, sob o prisma constitucional, como novo ramo de
Direito Público, voltado à integridade física e mental do trabalhador67.

A inclusão do Direito Sanitário à atual Carta Magna possui duas características importantes: a
relevância do reconhecimento do direito à saúde e a definição dos princípios que regem a política
pública da saúde.

A caracterização da saúde como direito fundamental ocorre, pela primeira vez na história
constitucional brasileira, em 1988.

A saúde consta como um dos direitos sociais reconhecidos no art. 6o, que abre o Capítulo II (“Dos
Direitos Sociais”), do Título II (“Dos Direitos Fundamentais”) da Constituição de 1988; além
disso, o caput do art. 196 define a saúde como “direito de todos e dever do Estado”. Essa forma de
constitucionalização acarreta quatro importantes consequências que destacaremos a seguir.

Não apenas o empregado tem direito à saúde!


O texto constitucional anterior reconhecia, em seu artigo 165, XV, no Título III, “Da Ordem Econômica
e Social”, o direito à “assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva”, nos termos da lei. Isso
permitia, na legislação infraconstitucional, a separação entre o sistema de saúde dos segurados da

66 Paulo Rogério Albuquerque Oliveira


67 Assim é entendido o trabalhador sob qualquer denominação, subordinação ou vinculação, inclusive os desocupados.

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Previdência Social integrantes do mercado formal de trabalho e a maioria da população, que não
tinha acesso a esse sistema. Ou seja, quem tivesse Carteira Profissional – CTPS , teria direito aos
serviços de saúde; ao contrário, aqueles que não a tivessem, ficariam à míngua. Com a definição da
saúde como direito fundamental, abre-se o caminho para que todos os cidadãos brasileiros possam
dela usufruir, tendo em vista que passa a constituir um direito público subjetivo, que é garantido
pela existência do Sistema único de Saúde (SUS).

Direito à saúde: direito fundamental irreformável


Direito à saúde como cláusula pétrea da Constituição. As chamadas “cláusulas pétreas” são limitações,
impostas pela Constituição original, ao poder reformador, que impedem os congressistas de alterar
a própria Constituição. Ou seja, a Constituição petrificou algumas matérias, eliminando qualquer
possibilidade de reforma. Por exemplo, a cláusula sobre a forma federativa do Brasil é pétrea, por
conseguinte, é inadmissível qualquer emenda constitucional tendente a alterá-la.

A saúde está disposta dentre os direitos e as garantias individuais, na qualidade de direito


fundamental, portanto, se inclui na definição de “cláusula pétrea”, de acordo com o inciso IV, do art.
60, § 4o, da CF. Deve-se observar que, na aplicação desse dispositivo, o intérprete não deve se pautar
pelo critério literal, já que o reconhecimento de todos os direitos fundamentais é uma decisão do
poder constituinte, que não pode ser alterada pelo poder reformador, ou seja, aquele que tem a
condição de alterar, modificar leis.

Direito objetivo à saúde


Direito à saúde como valor: os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição não possuem
apenas uma dimensão subjetiva, que atribui direitos aos cidadãos, mas também uma dimensão
objetiva, na qual se estabelecem os valores ou bens jurídicos principais, que devem ser protegidos
pelo Estado e pela sociedade.

Portanto, mesmo não havendo violação direta do direito subjetivo à saúde, os operadores do direito
devem verificar se o bem jurídico, saúde, está sendo afetado por ações ou omissões dos poderes
públicos. Isso justifica, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo
que venha a contrariar o direito à saúde.

Regras verticais e horizontais


Direito à saúde e efeitos sobre terceiros: apesar dos direitos fundamentais terem sido concebidos, na
sua origem, como direitos oponíveis ao Estado, admite-se, contemporaneamente, que eles também
incidem nas relações jurídicas entre particulares. Assim, os direitos fundamentais produzem efeitos
não apenas na relação Estado-cidadão (efeitos verticais), mas também na relação cidadão-cidadão
(efeitos horizontais ou sobre terceiros). Em um primeiro momento, cabe observar que é mais
provável que ocorra a violação de certos direitos no âmbito dessas últimas relações, como ocorre
com o direito à privacidade e o direito à honra.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

No campo do direito à saúde, esta noção impõe aos Poderes Públicos a obrigação de proteger a saúde
no âmbito das relações privadas, devendo o legislador estabelecer leis adequadas a essa proteção
e os tribunais interpretarem as normas do Direito Privado de acordo com a Constituição, inclusive
declarando-as inconstitucionais quando violarem o bem jurídico da saúde.

Alguns exemplos dessa ideia:

I. anulação de cláusulas contratuais dos planos de saúde, tendo em vista o prejuízo


que acarretam à saúde do usuário;

II. intervenção do SUS no âmbito do meio ambiente do trabalho, quando ele não
oferecer condições salubres.

Observe que os direitos constitucionais da saúde do trabalhador se consagram em quatro grandes


pilares, citados nos tópicos acima, e são direito de todos e dever do Estado!

Em todos os campos do Direito, observa-se a importância dos princípios, que hoje são
consensualmente considerados autênticas normas jurídicas, vinculando os poderes públicos e os
particulares às suas disposições. Sem esquecer a aplicabilidade de outros princípios constitucionais
ao campo do direito sanitário, como os referentes à administração pública (art. 37) e os princípios
gerais da ordem social (art. 193), passamos a examinar os princípios constitucionais da seguridade
social (art. 194) e da saúde (art. 196 e 198). Todos da CRFB 1988.

A análise desses dispositivos demonstra que eles estabelecem as diretrizes que devem ser observadas
pelos Poderes Públicos no cumprimento de suas obrigações. Dessa forma, os princípios impõem um
conjunto de objetivos ao Estado, cujo alcance é o vetor que deve orientar o desenvolvimento das
políticas públicas, limitando o campo da discricionariedade.68

Os princípios permitem verificar a constitucionalidade e a legalidade materiais das políticas públicas,


tanto no que se refere às suas atividades-fim quanto às suas atividades-meio. A leitura combinada
dos arts. 194, 196 e 198, da CRFB-88, destaca os seguintes princípios.

»» Universalidade (art. 194, I; art. 196, caput): essa diretriz rompe com a divisão que
existia anteriormente entre os segurados do sistema de previdência social e o resto
da população. Como direito de todos, a saúde não requer nenhum requisito para
sua fruição, devendo ser universal e igualitário o acesso às ações e serviços de saúde,
“em todos os níveis de assistência” (art. 7o, I, da LOS).

»» Caráter democrático e descentralizado da administração, com participação da


comunidade (art. 194, VII; art. 198, I e III): é uma redistribuição das responsabilidades
pelas ações e pelos serviços de saúde entre os vários níveis de governo, a partir da ideia
de que, se a decisão for tomada por agentes envolvidos no contexto apresentado, mais
chance haverá de acerto. Deverá haver uma profunda redefinição das atribuições dos
vários níveis de governo, com um nítido reforço do poder municipal no tocante à saúde.

68 Assim entendida a capacidade de escolha do agente político ou da autoridade, em função da oportunidade e conveniência do ato
administrativo, quando permitido por lei. A promoção de uma campanha de vacinanação está no campo da discricionariedade;
empossar servidor efetivo, apenas mediante concurso público é ato vinculado por lei, não há escolhas, apenas concurso

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo


dos serviços assistenciais (art. 198, II): este princípio impõe a articulação e a
continuidade do conjunto das ações e dos serviços preventivos e assistenciais ou
curativos, em todos os níveis do sistema. A integralidade implica, ainda, que os
serviços de saúde devem oferecer atendimento que contemple o indivíduo em
todas as dimensões humanas, submetido às mais diferentes situações de vida e de
trabalho, que o levam a adoecer e morrer.

O indivíduo deve ser entendido como um ser social, cidadão que biopsico-socialmente está sujeito
aos riscos inerentes à vida. Dessa forma, o atendimento deve ser feito para a sua saúde e não
somente para as suas doenças. Isso exige que o atendimento seja feito também para erradicar as
causas e diminuir os riscos, além de tratar os danos. Portanto o SUS deve garantir o acesso às ações
de promoção, que busquem eliminar ou controlar as causas das doenças e os agravos, envolvendo
ações também em outras áreas.

»» Regionalização e hierarquização (art. 198, caput): este princípio busca permitir


um conhecimento maior, por parte da rede de serviços do SUS, dos problemas
de saúde da população de uma área delimitada, favorecendo ações de vigilância
epidemiológica, sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além das ações
de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade. Dessa
forma, o acesso da população à rede deve dar-se por intermédio dos serviços
de nível primário de atenção, que devem ser e estar qualificados para atender e
resolver os principais problemas que demandam serviços de saúde. Os que não
podem ser resolvidos nesse nível deverão ser encaminhados para os serviços de
maior complexidade tecnológica.

Além desses princípios, o já citado art. 7o, da Lei no 8.080/1991, enumera outros, a saber:

»» preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral,


o que significa o respeito à capacidade do indivíduo de tomar decisões, inclusive
elegendo o procedimento a ser adotado, desde que eficaz para a preservação da sua
saúde ou da comunidade (art. 7o, III);

»» direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde (art. 7o, V);

»» divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização


pelo usuário (art. 7o VI);

»» utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de


recursos e a orientação programática (art. 7o, VII);

»» integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento


básico (art. 7o, X);

»» conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União,


dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de
assistência à saúde da população (art. 7o, XI);

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência, isto é,


capacidade dos serviços de saúde na resolução dos problemas que lhes forem
apresentados (art. 7o, XII);

»» organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins
idênticos (art. 7o, XIII).

Fica claro, portanto, que tais diretrizes foram ativadas de vários ramos do direito, submetidos a um
mesmo tronco da Saúde do Trabalhador, dentro de um bem jurídico maior: a saúde. Daí a denominação
Direito Sanitário. A ativação dos vários ramos se dá de modo expresso. Vejamos a seguir.

»» Direito Tributário – ao determinar o recolhimento compulsório do SAT, por parte


das empresas, nos termos do inciso XXVIII, art. 7o.

»» Direito Civil – ao referenciar indenização, por parte do empregador, quando do


acidente do trabalho, nos termos do inciso XXVIII, art. 7o.

»» Direito Penal – ao vincular e definir consequências à pessoa do empregador, quando


da ocorrência de ato culposo ou doloso, nos termos do inciso XXVIII, art. 7o.

»» Direito Trabalhista – ao criar adicional de remuneração para as atividades penosas,


insalubres ou perigosas, nos termos do inciso XXIII, art. 7o.

»» Direito Sanitário – ao atribuir ao SUS competência ampla e plena, inclusive


nominando, inaugurando juridicamente a nomenclatura saúde do trabalhador, nos
termos do inciso II, art. 200.

»» Direito Ambiental – ao incluir o meio ambiente do trabalho na definição


constitucional dada pelo art. 225 de meio ambiente, nos termos do inciso VIII,
art.200.

Aspectos Constitucionais da Saúde do Trabalhador – CRFB 1988

Sanitário Previdenciário Tributário Penal Civil Trabalhista

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CAPÍTULO 3
Legislação trabalhista

Existem basicamente dois tipos de categoria de trabalhadores no Brasil: os segurados ao Regime


Geral de Previdência Social – RGPS que é gerenciado pelo Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS, e os trabalhadores vinculados a Regimes Próprios de Previdência Social – Regime Próprio de
Previdência Social, regimes estes que são gerenciados por entes federativos que possuem regime de
contratação de pessoal estatutário69 . São segurados obrigatórios do RGPS todos os trabalhadores
urbanos e rurais que exercem atividades remuneradas não sujeitas a regime próprio de previdência
social (dos servidores públicos), a partir dos 16 anos de idade. São eles: empregados com carteira
assinada, domésticos, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais (empresários e autônomos)
e especiais (trabalhadores rurais em regime de economia familiar).

Vide o texto: “O que é Previdência Social” na biblioteca ou no link: <http://bvsms.


saude.gov.br/bvs/publicacoes/previdencia_social.pdf>.

Assim, a atuação legal do especialista em segurança do trabalho e seu alcance dependerão a que
regime de previdência social estará vinculado os trabalhadores aos quais irá atuar: Regime Geral de
Previdência Social ou Regime Próprio de Previdência Social.

Isto posto, em função desta dicotomia legal abordaremos principalmente as questões frente aos
segurados do Regime Geral de Previdência Social, e analisaremos como se processa no âmbito do
serviço público a questão.

Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho regula as relações de trabalho para os vinculados ao RGPS, bem como a
aplicação das normas de proteção ao trabalhador.

É uma matéria de competência exclusiva da União, não podendo estados e municípios legislar sobre
Direito do Trabalho, e apresenta uma série de princípios que a distingue de outras fontes do direito.

São princípios do Direito do Trabalho:

1. Princípio da Proteção: como uma relação trabalhista por si só já é uma relação desigual
sendo o trabalhador o seu lado mais frágil, o direito configura a primazia jurídica ao empregado/
trabalhador, que na pratica se desdobra no axioma “in dubio pro operário”70, e consequentemente
na aplicação mais benéfica ao trabalhador e a utilização da norma mais favorável. Trazendo para o
campo da segurança ocupacional, reside ai a necessidade de TODOS os procedimentos realizados

69 Dicionário Caldas Aulete Digital: Diz-se de funcionário que tem a situação trabalhista regulada por um estatuto específico.
70 Na dúvida, deve o juiz aplicar a lei na forma mais favorável ao empregado/trabalhador.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

terem registros fidedignos, pois em caso de dúvida a sentença favorecerá ao trabalhador, mesmo
que a empresa e/ou engenheiro de segurança tenha tomado todas as medidas de proteção.

2. Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas: não pode por princípio o


empregado/trabalhador abrir mão de qualquer direito, tornando nula de direito esta renuncia.

3. Princípio da Primazia da Realidade: Tem maior valor para o juízo o fato real do que consta
em documentos formais, pois se trabalha com o princípio de como a relação é desigual o trabalhador/
empregado pode ter sido coagido a assinar qualquer documento com a ameaça implícita de demissão
caso não realize o procedimento. Assim, para a justiça, cabe o que realmente acontece, tornando
mais difícil a vida de um especialista em segurança do trabalho, pois frente a justiça trabalhista
não ganha corpo o profissional de gabinete, que gerencia a segurança por meio de papel e não com
ações reais de intervenção no processo produtivo e na organização do trabalho visando a proteção
do trabalhador.

4. Princípio da Continuidade do Contrato de Trabalho: O contrato de trabalho tem prazo


indeterminado.

Ressalto que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que regem os trabalhadores, explicita em
seu artigo 8o, que caso não exista amparo direto legal para determinada questão poderá o magistrado
se valer da jurisprudência71, da analogia, da equidade, os princípios e normas do direito, direito
comparado e ainda aos usos e costumes (direito consuetudinário).

Contrato de trabalho
A vinculação do trabalhador a uma empresa (qualquer empresa) ocorre por meio do estabelecimento
de um contrato individual de trabalho, no qual o empregado se compromete a realizar serviços
sob a subordinação do empregador de forma habitual e permanente, mediante pagamento de salário.

Nossa legislação reconhece o contrato individual de trabalho: escrito, verbal ou tácito72.

O contrato de trabalho por definição tem prazo indeterminado, mas caso haja a necessidade e a
possibilidade jurídica de se fazer um contrato de trabalho por tempo determinado, o mesmo deve ser
escrito e cuja natureza ou transitoriedade do serviço justifiquem a determinação de prazo incluindo
ai o contrato de experiência (CLT, art. 443, §2o).

No contrato de trabalho por prazo determinado se permite a prorrogação/renovação somente por


uma única vez, por igual período, não podendo ultrapassar o período de 24 meses e no caso do
contrato de experiência o tempo máximo é de 90 dias. Se ocorrer a dispensa do trabalhador sem justa
causa antes do término do contrato, o empregador será obrigado a pagar ao empregado indenização
equivalente a metade da remuneração que faria jus até o final do contrato (CLT art. 479).

71 Interpretação da lei baseada em decisões de julgamentos anteriores, que formam uma tradição de decisões sobre causas
semelhantes.
72 Quando alguém passa a prestar serviços a outrem que, sabendo, não se opõem.

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Exame médico admissional


Na admissão do trabalhador, ele deve passar por exame médico ocupacional, às expensas do
empregador. No exame médico, é emitido o Atestado de Saúde Ocupacional – ASO, em duas vias.
A primeira via fica arquivada no local de trabalho73 e a segunda via é entregue ao trabalhador
mediante recibo.

Nesta matéria é extremamente comum o comércio fácil deste tipo de avaliação médica, pois muitos
empregadores, para se livrarem deste custo, jogam a responsabilidade de apresentação do ASO para
o empregado/trabalhador. Tal procedimento pode gerar sérios problemas para o empregador.

Por trás do exame médico admissional há uma lógica que visa a proteger o trabalhador e
indiretamente o bom empregador. Senão vejamos: o exame médico admissional é composto
por uma série de exames clínicos e/ou laboratoriais que visam a identificar se aquele potencial
empregado possui condições de saúde que suporte a atividade laboral que irá desenvolver e os riscos
ambientais/ocupacionais envolvidos.

O bom exame médico admissional poderá impedir a entrada de trabalhadores que por alguma razão
colocariam em risco sua integridade física e mental se fossem exercer esta atividade. Mas para a
realização de um bom exame admissional, alguns condicionantes devem ter sido efetivados. Para
se identificar quais os exames devem ser solicitados e em que se deva atentar o exame clínico, é
necessário o conhecimento profundo do posto de trabalho (processos laborativos e organização de
trabalho), e os riscos a que este posto de trabalho ou função está submetido. Quem oferece estes
subsídios são: o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e o Perfil Profissiográfico
Previdenciário – PPP. Com base nas informações geradas por estes documentos, elaborar-se-á
o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO que estruturará os exames:
admissionais, periódicos, de mudança de função e demissional. Pode-se verificar a importância da
execução desta cadeia para a proteção do trabalhador. A imposição de que o empregador arque com
o custo do exame se deve ao fato de que somente ele tem condições de se determinar o risco a que
estará submetido o empregado.

Caso real
DADOS: Pequeno mercado de uma cidade satélite de Brasília contratou funcionário
para atuar como repositor de estoque – por presunção o mesmo carregaria peso. A
empresa não cumpriu os requisitos de Proteção ao trabalhador: não possuía PPRA e os
funcionários que providenciavam os ASO, na clínica ou médico que quisesse.

EVENTO: Após concluído o período de experiência o funcionário a carregar uma


caixa teve o braço direito “travado” perdendo permanentemente os movimentos. O
funcionário é demitido sem justa causa. Na sequencia o funcionário entra na justiça
e pede indenização, pois ficou inválido trabalhando para este mercado.

SENTENÇA: Depois de transitado em julgado o funcionário recebe todos os seus


direitos e é indenizado em cerca de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).

73 Para acesso e disponibilização para os órgãos de fiscalização e não arquivadas junto ao contador.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

BASE DA DECISÃO: O ASO é de responsabilidade do empregador, se ele aceitou ASO


por clínica/médico estranho a sua confiança, é por que reconheceu como válida
(mesmo não tendo conhecimento dos riscos a que estaria submetido o funcionário), e
como não tem PPRA por presunção cabe todos os riscos, assim o acidente que tornou
inválido o funcionário ocorreu por única e exclusiva culpa do Mercado.

O QUE NÃO FOI VISTO: O empregador, ao abrir mão da avaliação médica de seu futuro
funcionário, não avaliou se este tinha aptidão física e mental para o exercício da
função de estoquista. Assim, o exame médico admissional foi feito superficialmente
e o profissional não constatou uma bala alojada no ombro do funcionário, que com
a atividade se deslocou e rompeu um dos nervos principais, fazendo-o perder seus
movimentos.

PERGUNTO: haveria necessidade de arcar com este nível de indenização, se o sistema


de proteção ao trabalhador estive funcionando?

Poderes do empregador
»» Poder de Direção: o empregador possui ascendência laboral sobre o empregado,
determinando as atividades a serem realizadas (desde que amparados no contrato
de trabalho e a função exercida), sua organização e a fiscalização.

»» Poder Disciplinar: o empregador poderá aplicar penalidades ao empregado que


não cumpre o contrato de trabalho estabelecido, podendo culminar com a demissão
por justa causa. São as penalidades previstas na legislação trabalhista: advertência
(escrita ou verbal), suspensão por até 30 dias e demissão por justa causa. Ressalta-
se que não há obrigação de impor penalidade de advertência e de suspensão antes
de se aplicar a demissão por justa causa.

»» Poder Controlador: O empregador poderá promover a fiscalização das atividades


do empregado, permitindo inclusive a revista pessoal, desde que tal procedimento
não atinja a dignidade da pessoa humana, isto é não cause vexame e ofensa à
integridade moral, sendo vedada a revista íntima – CLT art. 373ª inciso VI.

Salário e remuneração
O dicionário Aulete Digital define salário como “remuneração paga ao empregado em troca do
seu trabalho, também denominado de ordenado e/ou recompensa prestada em troca de serviço
encomendado”. Amauri Mascaro Nascimento define que “salário é a totalidade das percepções
econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento, quer retribuam
o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada
de trabalho.”

Os salários podem ser pagos por produção, por tarefa ou por tempo e mediante diversos meios,
como em cheque, em dinheiro, em utilidades, entre outros.

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

O salário por produção é permitido desde que respeitado/assegurado o pagamento no final do mês
do salário mínimo.

O salário por tempo considera o tempo em que o trabalhador fica a disposição do empregador sem
considerar o resultado do trabalho. Este tempo pode compreender uma jornada máxima de trabalho de
44 horas semanais, acrescidos de forma excepcional de mais duas horas por dia de forma suplementar
– horas extras.

O salário por tarefa é uma mescla da remuneração por produção conjugada com o tempo.

O sistema Gantt, indica que se o trabalhador terminar a tarefa no menor tempo ele
estará dispensado da jornada de trabalho mais cedo. O sistema Halsey e Rowan
estabelece o tempo habitual gasto em uma determinada operação/atividade e
se o empregado conseguir concluir em menor tempo receberá parte do valor
economizado – produtividade.

Ainda pode ocorrer o que se denomina salário complessivo, que é estipulado desde o começo
englobando todas as atividades, verbas acessórias, adicional noturno, sem que seja possível
identificar exatamente qualquer uma delas.

O pagamento do salário deverá ser efetivado em moeda corrente do país (Real), o que é efetivado em
moeda estrangeira é considerado como não efetivado, podendo ser feito deposito em conta corrente,
pagamento em cheque, desde que o trabalhador possa descontá-lo imediatamente, ou ainda na
forma de utilidades. O salário em utilidades pode corresponder a no máximo 70% do seu valor,
30% devem ser necessariamente pagos em pecúnia. A utilidade é para o caso em que o empregador
oferece alimentação, habitação, vestuário e outras prestações in natura – o desconto máximo para
habitação e alimentação é de até 25% do salário contratual (CLT, art. 458, §3o). Tanto da refeição
preparada pelo próprio empregador como da fornecida na empresa pode-se descontar até 25% do
salário-mínimo.

O salário por presunção é impenhorável74, somente poderão ser descontadas as “obrigações”


expressamente previstas em Lei.

A legislação permite os seguintes descontos:

1. Imposto de renda retido na fonte.

2. Contribuição previdenciária.

3. Adiantamentos.

4. Falta injustificada e respectivo descanso semanal remunerado vinculado àquele dia.

5. Reparação por dano doloso.

6. Reparação por dano culposo.

7. Pensão alimentícia.

74 Novas jurisprudências indicam a permissão de se penhorar até 30% do salário.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

8. Prestação de alimentos.

9. Pagamento de multa criminal.

10. Prestações da casa própria.

11. Compensação por falta de aviso prévio.

12. Contribuição sindical.

13. Planos de saúde associativos.

14. Estorno de comissão já paga, verificada a insolvência do comprador.

15. Empréstimos consignados.

Horas Extras
Toda a atividade que ultrapasse a jornada normal de trabalho diária ou semanal é considerada hora
extraordinária, que deve ser remunerada com 50% do valor normal (art. 7o, XVI, da CF), ressalva-se
que o trabalho em hora extraordinária é voluntário, não podendo o empregador obrigar o empregado
a prestar o serviço (art. 61 da CLT).

Deve-se ressaltar que as horas extras executadas em período noturno, isto é entre as 22h e as 5h
devem ter adicional noturno sobre o valor da hora extra.

Empregados com contratos de regime parcial não pode ser computado horas extras.

O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu


retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de
trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não ser servido
por transporte público, o empregador fornecer a condução. (art. 58, §2o da
CLT, acrescentado pela Lei no 10.243/2001 – enunciado 90 do TST).

Trabalho da mulher e do menor

Trabalho da mulher
Com a promulgação da Constituição de 1988, vários dispositivos discriminatórios, com relação ao
trabalho da mulher foram extintos, como o que dava ao marido o poder de rescindir o contrato de
trabalho de sua esposa, ou que ela só trabalharia se o marido autorizasse.

Mas o trabalho da mulher apresenta algumas singularidades que devem ser respeitadas.

»» É proibida a contratação para a realização de serviços que demandem força muscular


superior a 20 quilos, para o trabalho contínuo, e de 25 quilos, para o ocasional –
CLT art. 390.

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» É proibida a exigência de teste, de exame de perícia, de atestado médico ou de


declaração relativos a realização de processo de esterilização ou para verificar se a
mulher está ou não gravida (Lei no 9.029/1995, art. 2o – pena de um a dois anos de
detenção e multa).

»» É assegurado o direito a dois descansos diários de meia hora cada um para a


empregada amamentar o próprio filho do final da licença maternidade até os seis
meses de idade da criança, salvo se a empresa optar pela licença maternidade de
seis meses. (CLT art. 396).

»» A empregada grávida possui estabilidade provisória no emprego de cinco meses


após o parto (incluindo o período de gestação) – Constituição Federal – ADCT art.
10, inciso II item “b”.

»» É proibido o trabalho da grávida no último mês de gravidez e nos dois primeiros


meses após o parto.

»» A licença gestante é de 120 dias, podendo a empresa optar pelo período de 180 dias,
sendo garantido o emprego e o salário.

»» Empresas com mais de 30 empregadas devem oferecer apoio às empregadas mães


para a guarda e a amamentação dos filhos, ou por meio de uma creche interna ou
por convênio com uma ou, até, por meio do pagamento de um reembolso-creche.

Trabalho do menor
A legislação vigente considera trabalhador menor aquele que possui menos de 18 anos. O menor dos
16 aos 18 anos pode trabalhar, entre 14 e 16 anos pode ser admitido como menor aprendiz e entre 10
e 14 anos, em situações muito especiais e específicas, pode trabalhar em regime de economia familiar.

O trabalhador menor de 18 anos precisa de autorização prévia e expressa de seu responsável, sendo
presumida se o menor possuir a Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS75. O menor pode
dar contrarrecibo dos salários recebidos, mas não pode receber a indenização de rompimento de
contrato de trabalho sem a assistência de seu responsável. Não pode o menor realizar trabalho
noturno, perigoso e insalubre, (CF, art. 7o, inciso XXXIII) sendo vedados também serviços
prejudiciais a sua moralidade (CLT, art. 405, inciso II).

Serviços externos só podem ser realizados por menores com autorização prévia de magistrado da
infância e juventude.

O menor trabalhador pode ser vinculado em um Estágio (Lei no 6.494/1977), isto é menores
discentes que estiverem frequentando cursos profissionalizante de Ensino Médio, ou escolas de
educação especial podem ser contratados como estagiários. Vale lembrar que o estágio não cria
vínculo empregatício de qualquer natureza e o estagiário poderá receber bolsa, ou outra forma
de contraprestação que venha a ser acordada, devendo o estudante, em qualquer hipótese, estar

75 Para a emissão deste documento é necessária a autorização do responsável.

47
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

segurado contra acidentes pessoais. O estágio também se estende ao aluno que frequenta curso de
nível superior.

A CLT determina em seu artigo 427 que todo empregador que contratar menor é obrigado a conceder-
lhe o tempo que for necessário para a frequência às aulas. O trabalhador menor, estudante, terá
direito a fazer coincidir suas férias com as férias escolares. A prestação de serviço extraordinário
pelo trabalhador menor somente será permitida em caso excepcional, por motivo de força maior e
desde que o trabalho do menor seja imprescindível ao funcionamento do estabelecimento.

Trabalho da mulher e do menor vinculados aos


regimes próprios de previdência social
Nos regimes próprios de previdência social não há tratamento diferenciado entre os gêneros,
mantendo-se basicamente a diferenciação nas regras de aposentação e o direito da licença
maternidade, os demais direitos concedidos às mulheres vinculadas ao regime geral de previdência
não são aplicados.

No caso específico de menores, não há possibilidade legal de se ter menores contratados no serviço
público, pois o acesso a este é realizado por meio de concurso público em que se exige idade mínima
de 18 anos e, nos casos de estagiários, o vínculo deles é com as escolas e seguem legislação específica,
incluindo a de proteção do menor.

Legislação sindical
A palavra sindicato é definida como a associação de pessoas de uma mesma categoria profissional
ou que atua no mesmo setor econômico. O sindicato dos empregados e trabalhadores defendem os
interesses dos trabalhadores e o sindicato patronal o interesse dos patrões.

O sindicato é uma entidade de direito privado, isto é, não possui influência ou controle estatal.
Tem como área de atuação mínima um município (podendo atuar em mais de um). A Federação é a
união de no mínimo cinco sindicatos da mesma categoria ou atividade econômica, ficando restrito
normalmente ao Estado. A Confederação é a associação de no mínimo três federações, organizada
em caráter nacional, com sede em Brasília – DF.

Ainda existe, na estrutura sindical brasileira, as Centrais Sindicais, reconhecidas pela Lei no 11.648,
de 31 de março de 2008.

Cabe aos sindicatos:

»» representar administrativamente e judicialmente seus sindicalizados;

»» promover assistência;

»» representar os sindicalizados nas negociações coletivas;

»» promover a arrecadação das contribuições de seus sindicalizados.

48
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Visão sanitária da saúde do trabalhador76


A primeira, e talvez a mais importante, dimensão da saúde do trabalhador é a sanitária. Aqui a
saúde é apresentada como estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente
a ausência de doença ou enfermidade. Segundo o prisma constitucional, há uma organicidade
voltada à integridade física e mental do trabalhador - aqui entendido sob qualquer denominação,
subordinação ou vinculação, incluindo os desocupados.

A partir da promulgação da CRFB-88, o tema Saúde do Trabalhador sai do campo do Direito


Privado, da relação patrão-empregado, e entra no campo da saúde pública. A Lei no 8.080/1991 –
que passa a organizar todo o sistema sanitário nacional, inclusive o do trabalhador – regulamenta
o SUS como um todo e estabelece, no art. 6o, que a saúde do trabalhador está incluída no
campo de atuação do SUS. Tem-se, portanto, um novo marco legal-administrativo da saúde do
trabalhador, que vai do Direito Privado do Trabalho (contratualista) para uma dimensão de Direito
Público (sanitário).

Diz-se Direito Público porque os interesses difusos e coletivos se sobrepõem aos privados. Por
exemplo, o Direito Privado assegura inviolabilidade do patrimônio, pois ninguém adentra uma
empresa sem a permissão do dono; por outro lado, sob o Direito Público sanitário, cabe ao Estado,
por intermédio do SUS, empreender um combate a uma epidemia de lesão por esforços repetitivos
e distúrbio osteomusculares relacionados ao trabalho – LER/DORT – numa determinada empresa.

No exemplo, prevalecerá o interesse coletivo, mesmo contra a vontade do empregador, que se


sujeitará às determinações da vigilância sanitária do SUS.

Nesse contexto, a saúde do trabalhador tem como pano de fundo as contradições entre capital e
trabalho, intrínsecas ao sistema capitalista. Essa constatação não resulta de uma visão maniqueísta,
na qual se divide a sociedade entre forças do bem e do mal, mas do reconhecimento da existência de
tal contradição. Não existe neutralidade nesse campo. Por isso é que a CRFB-88 deslocou a relação
do capital-trabalho para o Estado-capital, pois ao Estado foi atribuído comum conjunto de direitos
e deveres que limita o poder do capital.

Muitos se esqueceram ou não viveram o período pré-constituinte; portanto, não sabem avaliar a
importância da universalidade, da integralidade e da equidade da atenção à saúde, que são princípios
básicos do SUS.

O SUS é responsável pela maior reforma de Estado em andamento e a única política pública
realmente universalista e igualitária do Brasil. Apesar disso ou por isso, é ignorado ou desprezado
pelas elites, até mesmo por boa parte dos sindicatos de trabalhadores, que, embora dispondo de
planos de saúde privados, subsidiados pela sociedade, são beneficiados pelas ações do SUS nos
atendimentos de urgências e emergências, nos tratamentos de alto custo e de alta complexidade
(atendimento integral para portadores de HIV, renais crônicos e pacientes com câncer; cirurgias
cardíacas; transplantes de órgãos etc.) e, cotidianamente, pela vigilância sanitária e epidemiológica,
que garantem a qualidade dos alimentos e dos medicamentos, o controle de epidemias etc.

76 Paulo Rogério Albuquerque Oliveira

49
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

A legislação referente ao Seguro por Acidente do Trabalho determinava, até pouco tempo, que o
atendimento aos acidentes de trabalho fossem realizado exclusivamente por hospitais privados,
credenciados pela Previdência Social. Se um trabalhador acidentado fosse atendido num serviço
público, por exemplo, correria o risco de perder o direito aos benefícios previstos na legislação. Se
fosse um trabalhador sem registro em carteira, o atendimento seria negado na rede privada. No
entanto, hoje, constatam-se muitos avanços, tanto na rede pública de saúde como na assistência
aos trabalhadores adoecidos ou acidentados do trabalho. Hoje o atendimento pode ser feito
em qualquer serviço – público e privado, não havendo nenhum tipo de discriminação na rede
do SUS.

Obsoletismos jurídico e científico da Medicina e da


Engenharia de Segurança do Trabalho
Quando o constituinte dispõe de modo diverso sobre norma jurídica existente à época da promulgação
da nova Carta Magna, diz-se que a nova Constituição não recepcionou a ordem jurídica anterior.
Isso aconteceu com a CRFB-88, que elegeu as normas de higiene, de saúde e de segurança como os
novos ferramentais para fins de prevenção dos riscos inerentes ao trabalho, nos termos do inciso
XXII, art. 7o. Ao contrário, quando a nova Carta não trata da matéria, diz-se que o direito anterior
foi recepcionado pela nova ordem.

À época da CRFB-88, a ordem jurídica em vigor sobre a matéria de prevenção laboral era dada pelo
Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que definia as disciplinas Segurança do
Trabalho e Medicina do Trabalho como referenciais que guiariam as práticas prevencionistas.

Com o advento da CRFB-88, em especial do inciso XXII, art. 7o, tem-se uma alteração expressa,
de modo que aquelas disciplinas deixaram de operar efeitos jurídicos como ferramentas, ao tempo
que perderam sua instrumentalidade para os novos e robustos aportes científicos, carreados,
conjuntamente, pelas disciplinas: Higiene, Saúde e Segurança.

Caso o constituinte originário optasse por recepcionar tais disciplinas em vigor à época, bastaria
silenciar quanto à instrumentação do inciso XXII, art. 7o, que poderia ser assim redigido: “redução
dos riscos inerentes ao trabalho” (recepção tácita). Ou expressamente nominá-las, como: “redução
dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de Medicina do Trabalho e da Engenharia de
Segurança do Trabalho” (recepção expressa), dando sobrevida aos termos dispostos no Capítulo V
da CLT.

A nova carta maior confere notável ultrapassagem de paradigmas científicos, jurídicos e, até mesmo,
político-ideológicos. Quanto à abordagem prevencionista, são dois momentos, portanto, antes e
depois da CRFB-88.

Antes de 1988, em regime puramente celetista, os conhecimentos edificados pela Engenharia e


pela Medicina do Trabalho, com base em método Taylorista de produção, impunham a necessidade
do operário sadio, com baixo índice de absenteísmo e alta produção; selecionavam os mais aptos
e praticavam o atendimento “in locu” àqueles “acometidos”, com vistas ao pronto retorno e,
principalmente, viam o trabalhador como mero fator de produção (daí o termo “do trabalho”,

50
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

adjetivando a Medicina e a Engenharia), um objeto, juntamente com as matérias-primas e com os


insumos, desprovido de dignidade humana.

Antes e depois da CRFB-88. Antes, nós tínhamos a Medicina do Trabalho e a


Engenharia de Segurança do Trabalho, que se preocupavam apenas com a saúde
do trabalho - aqui entendido como fator econômico, no processo produtivo, tal qual
a matéria-prima e os insumos. Depois, tais disciplinas são substituídas por saúde,
segurança e higiene, que redireciona o olhar para o trabalhador.

Essa substituição vai muito além da mudança de nome. Ela estabelece novos referenciais jurídicos
e teóricos, a partir dos quais a prevenção deve acontecer e ser perseguida. Das restritas Medicina e
Engenharia de Saúde privadas se evolui para ampliadas dimensões da higiene, saúde e segurança
em termos de saúde coletiva. Sob a égide da CRFB-88, no ordenamento sanitário laboral, presente
na Lei Orgânica da Saúde – LOS, dentro do campo dos Direitos Sociais, há uma conotação dialética
na relação estabelecida entre o trabalhador e o meio ambiente do trabalho, e, por conseguinte, com
o patrão, segundo a qual o trabalhador resgata o polo ativo da relação, como sujeito de direitos (ao
menos tenta abandonar a passividade), exigindo e indicando o que deveria ser mudado, seguindo
novos princípios e referenciais, tais como: não delegação da saúde; validação consensual; não
monetização do risco; grupo homogêneo de risco e de vigilância sanitária e epidemiológica, no
campo da saúde coletiva, caracterizada pelas premissas seguintes.

»» A possibilidade (diante da necessidade) de mudança dos processos de trabalho,


suas condições, seus ambientes, em direção à sua humanização.

»» Entendimento de que a responsabilidade pela saúde não deve ser delegada ao


patrão nem ao médico.

»» Valorização cognitiva e política da “subjetividade operária”.

»» Confronto coletivo; a luta primordialmente voltada à prevenção e ao saneamento do


ambiente do trabalho.

»» Participação sindical como elemento fundamental para a democratização das


instituições sanitárias.

»» Compreensão das relações (do nexo) entre o trabalho e a saúde-doença.

Uma atualização curricular nos títulos e na própria grade programática dos cursos de
Medicina do Trabalho e de Engenharia de Segurança do Trabalho se faz necessária,
dada sua desatualização jurídica e científica, pois é sabido que o tema saúde do
trabalhador vai muitíssimo além da seara dessas duas importantes disciplinas.

Nova configuração sanitária laboral


A Lei no 6.229, de 1975, instituiu o Sistema Nacional de Saúde. Em 1987, o Decreto no 94.657 criou
os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde – SUDS nos Estados, com o propósito de passar

51
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

para as unidades federativas (Estados e Municípios) as ações de saúde. Posteriormente, a Constituição


de 1988 tratou a Saúde como uma das áreas da Seguridade Social (art. 194, caput) e instituiu o
Sistema Único de Saúde – SUS, cujas ações e serviços públicos constituem uma rede regionalizada e
hierarquizada, organizada de acordo com as diretrizes previstas nos incisos do art. 198.

Por sua vez, a Lei no 8.080, de 19/9/1990, denominada Lei Orgânica da Saúde, revogou a Lei
no 6.229/1975 e regulamentou o SUS. Por fim, em 1993, pela Lei no 8.689, foi extinto o Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, o que veio a consolidar o modelo
preconizado pela Constituição.

De acordo com a Lei no 8.212/1991, relativa à Organização da Seguridade Social e ao seu Plano de
Custeio, no seu art. 2o, “a Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Verifica-se, pois, que a saúde é um direito público subjetivo, que pode e deve ser exigido do Estado,
que, em contrapartida, tem o dever de provê-lo. Trata-se de um dos direitos sociais do cidadão (art.
6o da CF), reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, celebrada pela ONU, em
1948 (art. 25, primeira parte).

O Sistema Único de Saúde envolve ações preventivas e curativas (art. 198, II da CF) e poderá contar
com a ajuda da Medicina Privada, de forma supletiva (art. 199, § 1o da CF). Será financiado com
recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, que inclui recursos fiscais da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e as contribuições sociais arroladas nos
incisos I, II e III, além de outras fontes.

Pelo nosso sistema, a União é a responsável pela regulamentação, fiscalização e


pelo controle das ações e dos serviços de saúde, pois a ela compete estabelecer
normas gerais e partilhar da competência concorrente com os Estados e o Distrito
Federal, pois que está previsto no art. 24, inciso XII, e parágrafos, da Constituição
da República.

Lei Orgânica da Saúde – novo referencial prevencionista


Esse conjunto de bem-estar físico, mental e social preconizado como exigência da sociedade
brasileira, foi positivado expressamente pela CRFB-88 e regulamentado pela Lei no 8.080/1991,
no § 3o do Art. 6o, ao especificar a Saúde do Trabalhador como um conjunto de atividades que
se destina, por meio das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e à
proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e à reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

Nessa definição, incluem-se a:

»» assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença


profissional e do trabalho;

52
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde, em estudos,


pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes
no processo de trabalho, bem como da normatização, da fiscalização e do controle
das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição
e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que
apresentam riscos à saúde do trabalhador;

»» avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

»» informação ao trabalhador, à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre


riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como
resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão,
periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

»» participação na normatização, na fiscalização e no controle dos serviços de saúde do


trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

»» revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho,


tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais;

»» garantia ao sindicato dos trabalhadores do direito de requerer ao órgão competente


a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho,
quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.

Definição de vigilância epidemiológica e sanitária


Como visto no caput do artigo 6o, instrumentaliza-se a saúde do trabalhador por intermédio de dois
sistemas de vigilância: sanitária e a epidemiológica.

Art. 6o, § 1o – A vigilância sanitária é um conjunto de ações capaz de eliminar,


diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários
decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação
de serviços de interesse da saúde, abrangendo:

I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem


com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao
consumo;

II – o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente


com a saúde.

A vigilância epidemiológica é um conjunto de ações que proporcionam o


conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores
determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade
de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou
agravos (§ 2o do art. 6o).

53
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

As duas definições se complementam, pois, enquanto a epidemiológica gera informação e


conhecimento, a sanitária concretiza ações de erradicação das causas ou mitigação dos efeitos
danosos. Em outras palavras: informação para ação.

A figura seguinte apresenta uma abordagem panorâmica sobre as interfaces da saúde do trabalhador.
Observe as várias conexões institucionais decorrentes da Lei no 8.080/1990. Se você deseja obter
maiores detalhes, sugerimos a leitura da própria lei e das demais informações constante do Ministério
da Saúde.

Competências das Unidades da Federação quanto


à saúde do trabalhador
No campo das competências concorrentes entre Estados, DF, Municípios e a União todos têm
competência para exercer as vigilâncias de forma plena, conforme decisão TRF-SP, não mais
apenas o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), como ocorria antes da CRFB-88. Para não
ficar enfadonho, uma vez que a Lei no 8.080/1991 pode ser consultada, na íntegra, pelo leitor mais
acurado, faz-se aqui uma chamada ao art. 16, que lista as atribuições da direção nacional do SUS.

Dentre outras, possui o SUS federal a competência de participar na formulação e na implementação


das políticas (II, “c”) relativas às condições e aos ambientes de trabalho; definir e coordenar os
sistemas de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária (V, “b”, “c”); participar da definição de
normas, critérios e padrões para o controle das condições e dos ambientes de trabalho e coordenar
a política de saúde do trabalhador (V); coordenar e participar na execução das ações de vigilância
epidemiológica (VI); elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em

54
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

cooperação técnica com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal (XVIII). Esses incisos são
autoexplicativos. Outro destaque está no parágrafo único do art. 16o, que diz:

A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em


circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde,
que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de
Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional.

Exemplo típico do caso em que o SUS, ao nível federal, poderá exercer poder de polícia (fiscalização,
interdição, lavraturas administrativas em geral) sobre os empregadores que apresentarem
indicadores epidemiológicos (acidentes, doenças e mortes do trabalho), cujos arranjos técnicos,
políticos e geográficos envolvidos constranjam ou impossibilitem o Município ou, até mesmo, o
Estado de atuarem.

Diante da dispersão geográfica, do peso político-econômico e da complexidade


técnica, para enfrentar uma endemia de LER/DORT, causada pelas entidades
financeiras, necessariamente, a União Federal deve capitanear as ações de
vigilância, em articulação com demais entes da federação, pois dificilmente esses
Estados ou Municípios que circunscrevem tais empresas teriam êxito no combate
dessa endemia. Por isso a Lei no 8.080/1991 criou o parágrafo único do art. 16,
citado anteriormente.

Visão previdenciária da saúde do trabalhador


Pode-se dizer que em resumo, a saúde do trabalhador brasileiro acha-se amparada pela Previdência
Social, seja sob a forma preventiva, recuperadora, como também reparadora, que podem, assim,
ser explicadas:

»» Forma preventiva: pela Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre
os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, preveem-se
medidas preventivas de educação laboral, no art. 119, que dispõe: Por intermédio
dos estabelecimentos de ensino, sindicatos, associações de classe, Fundação Jorge
Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO,
órgãos públicos e outros meios, serão promovidas, regularmente, a instrução e a
formação, com vistas a incrementar costumes e atitudes preventivos em matéria de
acidente, especialmente do trabalho.

»» Forma recuperadora: é constituída pelos benefícios substitutivos de salários ou


renda, como a aposentadoria por invalidez (art. 42/47 da Lei no 8.213/1991, c.c os
art. 43/50, do Decreto no 3.048/1999); o auxílio-doença (art. 59/63, da Lei, c/c os
art. 71/80, do Decreto), pagos ao(à) segurado(a); e pensão por morte (art. 74/1979,
da Lei, c/c os art. 105/115, do Decreto), paga aos dependentes do(a) segurado(a);
e o serviço de reabilitação profissional (art. 89/92, da Lei, c/c os art. 136/140, do
Decreto), destinado tanto ao segurado como aos seus dependentes (art. 18, III, “c”,
da Lei, c/c o art. 25, III, do Decreto).

55
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» Forma reparadora: tem-se o benefício denominado auxílio-acidente, de natureza


indenizatória, somente pago ao(à) segurado(a), portador(a) de sequelas decorrentes
de acidente de trabalho (art. 86, da Lei , c/c o art. 104, do Decreto). Este benefício
se restringe ao segurado empregado – com exceção do doméstico –, ao trabalhador
avulso e ao segurado especial.

Há, ainda, outro direito: estabilidade provisória do acidentado no emprego. Esse instituto – estabilidade
– decorre da Lei Previdenciária (art. 118, da Lei no 8.213/1991) e deve ser concedido a todo o segurado
da Previdência Social que sofreu acidente de trabalho, pelo prazo mínimo de doze meses, a partir
da cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
Observe, então, que é vedada a dispensa do trabalhador com ou sem justa causa. Por esse direito, fica
vedada a demissão arbitrária ou sem justa causa do empregado acidentado urbano ou rural pelo seu
empregador, sob pena de indenização com valor igual ao da soma dos salários decorrentes do período
da estabilidade. Destaca-se que tal direito não é de natureza trabalhista, mas sim previdenciária.

Diante do exposto, como assegurar a concretude dessa proteção social acidentária


e a justiça tributária?

A resposta está relacionada aos patrões, aos governos e à cidadania em geral, pois depende
essencialmente de vontade política (empresarial e governamental), bem como de mecanismos de
controle social. Vistos, estes últimos, como princípios basilares de saúde pública.

Nesse sentido, dada a complexidade inerente às possíveis abordagens, discutem-se, a seguir, a bases
que sustentam a atual Política Nacional da Saúde do Trabalhador, a partir da qual se vislumbram
várias respostas à pergunta formulada.

Política Nacional de Saúde do Trabalhador

O ano de 2003 trouxe consigo a pauta e premência de mudança quanto ao tema


Acidente do Trabalho. Existia um“quê”de mudança em direção à reafirmação da saúde
do trabalhador como questão de saúde pública. A bandeira em punho tremulava
no sentido da ideia de acidente de trabalho, alinhado aos mandamentos do SUS,
em conjunto à Previdência Pública de qualidade, sob a égide da saúde pública, no
campo do Direito Público,e sob a égide dos Direitos Sociais fundamentais, enfim. O
símbolo disso está na própria figura física do ex-Presidente Lula, que teve um dedo
amputado por acidente do trabalho.

É questão pacífica, entre todos os agentes políticos e sociais, que o sistema até então em vigor estava
esgotado, como visto nos tópicos interiores. Algo diferente deveria ser feito, segundo outro referencial
teórico: o coletivo, de saúde pública. Não mais sob a visão estreita do Direito Privado Trabalhista.

Nesse sentido, desde a eleição de 2003, houve muita efervescência política em ambiente fértil de
grandes debates e confrontações ideológicas no bojo da reforma da previdência – EC no 41(alteração

56
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

de regras de aposentadorias), EC no 45 (transfere competência judiciária acidentária à Justiça


Trabalhista) –, das comissões no âmbito do Conselho Nacional de Saúde – CNS e do Conselho
Nacional de Previdência Social – CNPS.

A partir de 2004, o Governo Federal põe em marcha a Política Nacional de Saúde do Trabalhador,
com vistas à redução dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, mediante a legitimação das
ações de promoção, reabilitação e vigilância da saúde do trabalhador.

Essa legitimação vem com o chamamento, em 2005, por parte do Governo Federal, da terceira
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (III CNST), com mais de 3.000 delegados, de
todas as representações, em amplo, democrático e eficaz debate, que definiu os rumos das ações
a serem tomadas.

Por exemplo, destaca-se a criação de diretrizes gerais quanto à saúde do trabalhador, descritas na
Portaria no 1.125 do Ministério da Saúde, de 6 de julho de 2005, como a de atenção integral à saúde,
a articulação intra e intersetorial, bem como a estruturação da Rede de Informações em Saúde do
Trabalhador – RENAST, o apoio a estudos e pesquisas, a capacitação de recursos humanos e a
participação da comunidade na gestão dessas ações.

A Política Nacional Saúde do Trabalhador tem as seguintes diretrizes e compreende:

I – Ampliação das ações, visando à inclusão de todos os trabalhadores brasileiros no


sistema de promoção e proteção à saúde;

II – Harmonização das normas e articulação das ações de promoção, proteção e


reparação da saúde do trabalhador;

III – Precedência das ações de prevenção sobre as de reparação;

IV– Estruturação de rede integrada de informações em Saúde do Trabalhador;

V – Reestruturação da formação em Saúde do Trabalhador e em Segurança no


Trabalho e incentivo à capacitação e à educação continuada dos trabalhadores
responsáveis pela operacionalização da política;

VI – Promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em Segurança e Saúde


do Trabalhador.

Especificamente quanto à previdência social, registre-se à Resolução no 45 do Relatório Final da III


Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, que estabeleceu:

Garantir a implementação, imediata e irrevogável, do nexo epidemiológico na


realização das perícias, adotando conceitos de prevalência e incidência de doenças
para fundamentar a concessão de benefícios previdenciários acidentários, de
forma transversal e integral, tanto para o trabalhador do setor privado como
para o servidor público.

57
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

A implementação do NTEP já ocorreu e a do FAP aconteceu em 2010. Funcionam como instrumentos


que promovem melhoria efetiva do meio ambiente do trabalho e diminuição de burocracias
à concessão de beneficio acidentário. Esses itens serão tratados mais à frente. A fígura a seguir
apresenta as interfaces que relacionam a saúde do trabalhador à Previdência Social.

Visão penal da saúde do trabalhador77


Do momento político, social e cultural que vive um determinado Estado depende o conceito de
juízo de reprovação do comportamento e atitudes do seu povo. À época da escravidão, chicotear
o trabalhador fazia parte das técnicas de administração, com a evolução sociocultural, hoje, tais
práticas (escravizar e chicotear) são abomináveis, ao tempo que expor ao risco a saúde do trabalhador
ou assediá-lo moralmente constitui crime.

A sociedade, em um dado momento, diante de seus valores, passa a considerar reprovável


determinada conduta. O avanço de uma sociedade é balizado pelo aperfeiçoamento da teoria da
culpabilidade, que por sua vez mede o progresso do Direito Penal, e de resto, o estágio evolutivo
de um povo. A reprovabilidade é de tal monta que o legislador se vê obrigado a criar norma que
objetive proteger tais valores (o valor social torna-se um bem jurídico protegido por todos pelas
forças atribuídas ao Estado por essa mesma sociedade).

É o que, por exemplo, ocorreu recentemente com os crimes ambientais. A sociedade entendeu que a
proteção ao meio ambiente estava a exigir uma intervenção jurídico-penal com o intuito de prevenir
danos ambientais. Com isso, o legislador penal passou, por meio de lei, a considerar criminosas
condutas que até então eram penalmente lícitas.

77 Oliveira-Albuquerque, PR. Uma Sistematização da Saúde do Trabalhador: Do Exótico ao Esotérico. Editora LTr 2011. 1ª Edição.
São Paulo-SP.

58
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

A forma que a sociedade espera que tais valores sejam assegurados é autorizando o Estado a julgar
e aplicar uma pena àquele membro incauto, omisso, estabanado, desgarrado. Normas penais são
criadas para coibir conduta indesejada quando valores sociais relevantes são afrontados.

O sentido moral de obediência é considerado e faz correspondência à categoria filosófica do medo,


de forma que as pessoas de uma sociedade obedecem à ordem geral colocada por dever ético, mas
também por medo. Medo da reprovação, medo de receber uma pena. É neste momento que se
estabelecem as figuras do crime (ou delito) e da contravenção penal.

A Estátua da Justiça, erigida em Brasília, na Praça


dos Três Poderes, em frente ao Supremo Tribunal
Federal, lembra Pallas Atenae, a deusa da Justiça.
A estátua é concepção e execução do escultor
mineiro Alfredo Cescchiati. Tal representação
mostra a “Justiça” com olhos vendados, “A justiça
é cega”, tal frase quer dizer que perante a justiça
todos são extremamente iguais

Diz-se que contravenção penal é um “crime” causador de menores danos e com sanções de menor
gravidade. Assim, o traço distintivo mais importante é a cominação de pena, pois para o crime se
aplicam reclusão ou detenção, isolada, alternativa ou cumulativamente à multa; enquanto que para
contravenção, aplicam-se prisão simples e multa, combinadas ou não.

As condutas reprováveis (crime e contravenção), no tocante à saúde do trabalhador (termo amplo


que engloba integridade física, mental e o completo bem-estar), são regradas por quatro grandes
linhas, acompanhadas de seus respectivos objetos (bem jurídico tutelado):

»» criminal (penal, estrito senso) – seu objeto é a integridade da pessoa humana,


conforme norma promulgada pela sociedade, por intermédio do Congresso
Nacional, cujos julgamentos se dão no campo do poder judiciário (justiça comum);

»» administrativa – seu objeto é a ética profissional sob domínio normativo,


fiscalizatório, processual e punitivo das autarquias públicas federais (conselhos de
profissão), tais como OAB, COREN, CREA e CRM;

»» tributária – voltada à arrecadação de recursos financeiros supridos pela sociedade


com vistas a garantir a proteção social e solidária como preconiza a CRFB-88. A
contribuição social relativa ao Seguro Acidente do Trabalho – SAT, pago pelas
empresas, espécie de tributo, destinado ao custeio dos benefícios acidentários
pagos pelo INSS – cuja administração e fiscalização estão a cargo da Receita
Federal do Brasil, ficando ao Poder Judiciário Federal a incumbência de dizer o
direito quando da ocorrência de crime, como, por exemplo, ocorrer um caso da
sonegação fiscal;

59
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» ambiental – salvaguarda o objeto amplamente difuso e transcendente (o meio


ambiente equilibrado), pois alcança cada um dos membros da sociedade, durante
todo o tempo, nesta e nas próximas gerações. Analogamente à linha criminal,
possui regramento dado pelo legislativo (nas três esferas), mas apenas a União, por
intermédio da Justiça Federal, tem competência para julgar.

Observe a relevância dos bens jurídicos tutelados (objetos) criminal, administrativo, tributário e
ambiental, com os respectivos códigos jurídicos, destacados na figura a seguir.

Normas gerais
Para fins didáticos, considerando aquele leitor não familiarizado com a ciência jurídica, faz-se,
daqui em diante, uma apresentação das definições que guardam relação, e interfaceiam, com o
campo da saúde do trabalhador, de forma que ao final do tópico, o leitor consiga entender o básico
da disciplina em tela. Tais definições aplicam-se, como norma geral, às quatro linhas dispostas na
figura anterior.

A lei é o único instrumento (fonte) utilizado pelo Estado para dar conhecimento do que é o Direito
Penal. Nela estão contidas as normas que definem crimes, contravenções e cominam penas. A
norma é o conteúdo da lei e por meio dela se manifesta. A norma penal em sentido estrito é aquela
que define o crime e impõe uma sanção. Está dividida em duas partes distintas:

»» tipo – preceito primário, onde está definida a conduta típica.

»» sanção – preceito secundário, onde está prevista a pena cominada.

A norma penal incriminadora é imperativa e geral (dirige-se a todos, inclusive aos inimputáveis),
regula apenas fatos futuros e não tem lacunas. As normas penais não incriminadoras ou permissivas
ocorrem quando o ordenamento jurídico permite ou deixa de punir a prática de um fato, ainda
que definido como crime, sob algumas condições específicas. Essas situações são reguladas pelas
normas permissivas. Como exemplo, tem-se a lesão corporal, que é crime, porém, deixa de ser
punível (situações permissivas) como legítima defesa. No geral, podemos, estruturar as definições
penais da seguinte forma:

»» Crime (formal) é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de pena.
Entende-se por crime a conduta típica, ação ou omissão (tipicidade), culpável
(culpabilidade) e ilícita (ilicitude).

60
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» Punibilidade – imposição da pena – não está dentro do conceito de crime, mas,


antes, pressupõe a existência dele. É a consequência do crime.

Assim, os elementos essenciais do crime são a tipicidade, a culpabilidade e a ilicitude, que formam o
triunvirato de pressupostos à aplicação da sanção penal. A seguir, veremos esses três pontos.

Tipicidade

A correspondência entre a conduta criminosa e a descrição do delito contida na lei penal


incriminadora é chamada de tipicidade. Conforme a importância do bem jurídico a ser protegido
pela sociedade, tem-se a tutela do direito mediante a tipicidade para assegurar as regras de
convivência social e as respectivas sanções em caso de violação. Na seara prevencionista do meio-
ambiente do trabalho, tratando-se da vida humana e da saúde, especificamente a do trabalhador,
há alguns tipos penais dispostos no Código Penal brasileiro – CP, o que evidencia a importância
dessas relações para a sociedade em geral.

A tipicidade tem a função de garantir o princípio da legalidade (a definição do tipo tem de estar
descrita em lei) e da presunção de antijuridicidade (tem presunção de contrariar a ordem jurídica –
conduta típica –, como atirar com arma de fogo contra alguém). Admitem-se, porém, exclusões da
presunção de antijuridicidade, quando ocorrerem uma das quatro hipóteses excludentes (norma de
permissividade):

»» estado de necessidade – configura-se quando o risco ao interesse jurídico só


pode ser evitado mediante a lesão de outro, desde que tal seja imprescindível.
Ex.: furto do esfomeado; antropofagia no caso de pessoas perdidas. O estado de
necessidade pode ser: defensivo (contra a coisa de que suscita o perigo) ou agressivo
(contra coisa diversa);

»» legítima defesa – fundamenta-se na existência de um direito primário do homem


de se defender, retomando a faculdade de defesa que cedeu ao Estado;

»» estrito cumprimento do dever legal – quando alguém age cumprindo


regularmente um dever, amparado na lei, não pode ser punido. O executor
deve ser funcionário ou agente público. Ex.: policial que executa mandado de
prisão, carrasco que mata o condenado, soldado que mata o inimigo durante
uma batalha;

»» exercício regular de direito – assim entendendo que toda pessoa pode exercitar
um direito subjetivo, excluindo-se a ilicitude, se o indivíduo está autorizado por
lei àquela prática típica. Ex.: direito de correção dos filhos pelos pais, prisão em
flagrante pelo particular. Esta excludente, por exemplo, abrange os fatos típicos
cometidos durante a prática de esportes, desde que dentro das regras, bem como as
intervenções médicas e cirúrgicas.

61
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

A figura seguinte indica os tipos com as respectivas fundamentações legais, de acordo com o Código
Penal – CP –, no tocante ao tema saúde do trabalhador.

Culpabilidade

Culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica que liga o homem a um fato típico e antijurídico. A
culpabilidade recai sobre o fato e não sobre o agente. A reprovação incide sobre o comportamento
do sujeito, e não sobre ele, isoladamente. Reprova-se o agente porque a ele cumpria conformar a
sua conduta à norma. Pela culpabilidade se exprime a contradição entre a vontade do sujeito e a
vontade da norma.

Só há culpabilidade se o sujeito, de acordo com as sua condições psíquicas, puder estruturar


sua consciência e vontade de acordo com o direito (imputabilidade); se estiver em condições de
compreender a ilicitude da sua conduta (possibilidade de conhecimento da ilicitude); se for possível
a exigência, nas circunstâncias, de conduta diferente da adotada (exigibilidade da conduta diversa).

Entende-se por imputabilidade a capacidade que o agente tem de compreender a ilicitude do fato
e de determinar-se de acordo com esse entendimento; a potencial consciência da ilicitude é a
possibilidade de se conhecer o caráter ilícito do fato, ou seja, o agente, para que seu comportamento
possa ser reprovável, devia ter, no momento da ação ou omissão, a possibilidade de saber que
sua conduta era proibida; e finalmente a exigibilidade de conduta diversa. Só pode ser censurada
penalmente a conduta de quem poderia ter realizado outro comportamento conforme o Direito.
Há situações em que não se pode exigir do agente comportamento diverso, porque a situação fática
impõe a prática de uma conduta típica e ilícita

São estes os três elementos da culpabilidade.

Imputabilidade é a capacidade que o agente tem de compreender a ilicitude do


fato e de determinar de acordo com esse entendimento; a potencial consciência
da ilicitude é a possibilidade de se conhecer o caráter ilícito do fato, ou seja, o
agente, para que seu comportamento seja reprovável, deve ter, no momento da
ação ou omissão, o conhecimento de que sua conduta é proibida; e, finalmente,
a exigibilidade de conduta diversa. Só se pode penalizar a conduta de quem

62
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

poderia realizar outro comportamento conforme o Direito. Às vezes, não se pode


exigir do agente comportamento diverso, porque a situação fática impõe a prática
de uma conduta típica e ilícita.

Ação penal

O processo penal brasileiro tem como princípio a forma acusatória, segundo a qual se separam
as três funções (acusação, defesa e julgamento), atribuindo essas funções a pessoas diferentes
(Ministério Público, advogado e juiz).

O inquérito policial é o procedimento administrativo prévio, não sujeito ao contraditório – iniciado


por portaria da autoridade policial competente ou por prisão em flagrante - que se destina a apurar
as infrações penais para fundamentar denúncia ou queixa. A petição inicial da ação penal pode ser
denúncia – quando partir do Ministério Público – ou queixa – quando oriunda do ofendido, desde
que subscrita por advogado.

A ação penal pode ser pública ou privada. A pública bifurca-se em incondicionada (exercida pelo
Ministério Publico) e condicionada (exercida também pelo Ministério Público, todavia depende de
representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça). A ação penal privada divide-se
em exclusiva (exercida por queixa do ofendido, do seu representante legal ou sucessor), subsidiária
(exercida por queixa do ofendido, quando da inércia do Ministério Público) e personalíssima
(exercida somente por queixa do ofendido).

Aponta-se, por exemplo, ação penal pública condicionada contra empregador por crime de sonegação
fiscal da contribuição social devida à Previdência Social, relativa ao custeio da aposentadoria
especial (acréscimo do SAT), por ocasião de exposição do trabalhador a agentes ambientais nocivos
à saúde de modo permanente. É pública porque o titular é o Ministério Público e condicionada
porque depende de representação do ofendido, que, no caso, é a União.

A União, mediante lavra de auto de infração do Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, representa
ao Ministério Público Federal, dada a competência do Poder Judiciário Federal por conta da esfera
federal a que se vincula esse o tributo. Caberá ao Ministério Público, por intermédio do Procurador
da República, denunciar ou não; e, ao Juiz Federal, admitir ou não a ação penal. Admitida essa ação
penal, há aqui um exemplo de ação sem inquérito policial, pois todos os elementos do crime estão
dispostos nas peças fiscais integradas à denúncia.

A Lei no 9.983/2000 incluiu o art. 337-A no CP ao restringir a três condutas o crime


de sonegação de contribuição previdenciária: i)omitir de folha de pagamento da
empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária
segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo
ou a este equiparado que lhe prestem serviços;ii)deixar de lançar mensalmente nos
títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados
ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;iii)omitir, total ou
parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e

63
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias. A pena cominada


para o crime em tela é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Penalização (sanções penais)

No Direito Penal, detenção e reclusão são penas impostas a uma pessoa física. A pena é a medida
aplicada a quem viola a Lei Penal. Ela é dividida em: privativa de liberdade, restritiva de direito e
multa. Os regimes de cumprimento de pena são: fechado, aberto e semiaberto.

Penas de privação de liberdade são as de reclusão e detenção. A diferença entre reclusão e detenção
é o regime. A pena de reclusão é mais severa e deve ser cumprida em regime fechado, aberto ou
semiaberto.

A pena de detenção pode ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, exceto quando há a
necessidade de transferi-la para regime fechado. A detenção é também uma forma de prisão
preventiva.

Em regime semiaberto, a execução da pena se dá em colônia penal agrícola, industrial ou em outro


estabelecimento similar. Em regime aberto, cumpre-se a pena em casa de albergado ou outro lugar
adequado para isso.

Na reclusão, o regime de cumprimento de pena mais severo é o fechado, enquanto


que, na detenção, o mais rigoroso será o aberto. A prisão preventiva acontece nos
crimes apenados com reclusão; já os crimes apenados com detenção são, de regra,
afiançáveis. A pena de reclusão deverá ser executada em primeiro lugar, ou seja, com
prioridade sobre a de detenção. A prisão simples, por sua vez, deve ser cumprida
sem o rigor conferido ao recluso ou detento, devendo o prisioneiro ficar separado
desses outros.

Responsabilização penal

A responsabilização por um acidente ou por uma enfermidade do trabalho repercute na esfera civil,
com a imposição de indenização por danos materiais e morais, e, na esfera penal, submetendo o
agente causador do acidente-doença à penas privativas de liberdade (reclusão, detenção e prisão),
multa ou penas restritivas de direitos. A responsabilização diz respeito à pergunta implícita ao
objeto jurídico tutelado, qual seja: quem é o culpado?

Há uma conotação da terminologia culpa (lato sensu) em sentido largo, extenso, geral, que devemos
discernir, pois abrange inclusive o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de causar algum dano a
outrem, que é diferente da culpa stricto sensu (no sentido restrito, literal), que abrange apenas as
três modalidades da culpa: imprudência, negligência ou imperícia.

A responsabilidade subjetiva pressupõe a vontade ou, pelo menos, a consciência da


possibilidade de causar o dano. Mas, o que é dolo? O que é culpa?

64
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Caso para avaliar


Analisaremos, aqui, um caso hipotético, que será utilizado como exemplo-âncora:

Um engenheiro de segurança do trabalho, ao atestar (em laudo de insalubridade) ou identificar,


reconhecer, avaliar ou monitorar (em programa de prevenção do risco ambiental) a existência de
ruído (grave e contínuo) além da dose unitária78 (limite máximo permitido por norma brasileira),
poderá responder criminalmente por lesão corporal79, decorrente de perda auditiva, irreversível,
bilateral, neurossensorial de trabalhador, desenvolvida no ambiente de trabalho?

Responsabilização Penal Dolosa

De acordo com o Inciso I do artigo 18 do Código Penal Brasileiro, crime doloso ocorre quando o
agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Na primeira parte do artigo acima, a lei refere-se ao chamado dolo direto, presente nos crimes em
que o autor queria o resultado obtido. Na segunda parte, a lei refere-se ao chamado dolo eventual,
que não pressupõe a existência da vontade do agente em atingir o resultado, mas se caracteriza pela
consciência do agente de que poderia atingir tal resultado e, mesmo assim, pratica o crime.

Na primeira parte, o legislador adotou a teoria da vontade (vontade de realizar a conduta e produzir
o resultado); e, na segunda, teoria do assentimento (vontade de realizar a conduta, assumindo o
risco da produção do resultado).

Desejo e vontade se diferenciam. O desejo é um sentimento interior, psíquico, já a vontade tem de se


exteriorizar através de um comportamento. Normalmente, quando há vontade, existe desejo. Exemplo
de vontade sem desejo seria quando, sob coação moral irresistível, um ilícito é praticado; por outro
lado, pode existir desejo sem vontade, na situação do indivíduo que tem um tio rico e deseja sua morte
para herdar sua fortuna, porém consegue se conter, nada faz para isso, ficando apenas no desejo.

Dolo é a consciência de vontade na realização da figura típica. Os elementos do dolo são:

»» consciência da conduta e do resultado (cognitivo);

»» consciência do nexo causal (cognitivo);

»» vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (volitivo). Nota-se que o dolo


é natural e, por isso, não contém a consciência da ilicitude, que se situa no âmbito
da culpabilidade.

Apenas para fins didáticos – não há essa distinção na lei –, apresentaremos as espécies de dolo
ligadas à matéria prevencionista:

a. direto – (teoria da vontade) o agente quer determinado resultado;

78 Equivale a 85dB (A) para uma jornada de 8h.


79 Lesão corporal – art. 129: Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. § 2° Se resulta: I - Incapacidade permanente
para o trabalho. Pena - reclusão, de dois a oito anos.

65
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

b. alternativo – (tipo de dolo indireto) o agente quer um ou outro resultado. Ex.: matar
ou ferir;

c. eventual – (teoria do assentimento) o agente não quer o resultado, mas realiza o


comportamento, sabendo da possibilidade de sua ocorrência;

d. de dano – o agente quer ou assume o risco de causar uma lesão efetiva;

e. de perigo – o agente quer ou assume o risco de expor o bem jurídico a um perigo de


dano, mas não quer o dano propriamente dito.

Para as espécies de dolo, a distinção mais importante é entre dolo direto e dolo eventual, pois,
no primeiro, se quer diretamente o resultado; no eventual, ocorreria quando o autor assumisse o
risco de produzir o resultado. Segundo Mirabete, justifica-se a equiparação do dolo direto ao dolo
eventual na legislação penal porque arriscar-se conscientemente a produzir um resultado vale tanto
quanto querê-lo.

Há uma proximidade muito grande entre dolo eventual e culpa consciente, porque, em ambos, o
autor consegue prever o resultado, porém, no dolo eventual, o autor assume o risco de produzi-lo,
com ele não se importando; já na culpa consciente, esse mesmo autor acredita e não quer que o
resultado aconteça. Apesar de próximos, tais tipos diferenciam-se em muito quanto às consequências
processuais e penas cominadas, pois o primeiro poderá ir a júri popular (crime doloso contra a
vida), com pena de reclusão, daí o inquérito policial e a denúncia do Ministério Público serem
determinantes ao desenrolar e ao desfecho do caso.

A maioria das responsabilizações, afora a culposa, dos profissionais prevencionistas recai no dolo
eventual, pois, em sã consciência, ninguém quer acidentar-adoecer trabalhador algum.

Retoma-se o exemplo-âncora quanto à responsabilização do Engenheiro de Segurança do Trabalho,


abrindo as primeiras possibilidades de respostas (tocantes, por enquanto, apenas ao dolo) à
pergunta: responderá criminalmente?

»» Sim. Na condição de acusado por crime doloso (eventual), pois é especialista no


assunto, plenamente cônscio do desequilíbrio e da agressividade ao meio ambiente
do trabalho, sonoramente poluído, mas não tomou providência alguma no sentido
de saneá-lo. Apesar de não querer o resultado, esse engenheiro conhecia – tanto é
que atestou isso nos laudos – sobre o nexo de causalidade entre a energia acústica
descontrolada e a perda auditiva, mas, mesmo assim, assumiu o risco de produzi-lo
ao não fazer nada em termos preventivos.

»» Sim. Na condição de acusado por crime doloso (eventual), em circunstâncias


iguais ao item anterior, assume risco, e, por isso, pode ser acusado, ainda que tome
providências, que, ao final, sejam inapropriadas e ineficazes. Como, por exemplo,
prescrever, isoladamente, o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI),
medida paliativa e de “fachada”, apenas para ficar bem com o patrão e dar um
“ar” de proteção ao trabalhador. Tais EPIs só devem ser prescritos como medidas
individuais, complementares àquelas de natureza administrativa ou coletiva e,

66
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

mesmo assim, inseridas e concatenadas em um sistema de gestão e de prevenção


de riscos.

Responsabilização penal culposa

O conceito de culpa, estrito senso, posto pelo ordenamento jurídico brasileiro, extrai-se da redação
do Inciso II do artigo 18 do Código Penal Brasileiro, que diz: “crime culposo, quando o agente deu
causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.

Diz a doutrina que o dolo está na cabeça do agente, assim como a culpa, na do juiz. Apenas na cabeça
do agente se passa o dolo (natureza psicológica). A culpa depende do cotejamento do julgador
(natureza normativa). Em outras palavras, a norma de culpa nasce de uma comparação entre a
conduta realizada pelo agente e aquela conduta do homem de prudência média que estivesse no
lugar do agente, sob as mesmas condições. O juiz, imaginando esse homem-modelo no lugar do
agente, poderá absolvê-lo, se perceber que o homem-modelo faria a mesma coisa que o agente.

No crime doloso, quando presenciado por algumas pessoas, não existe dúvida sobre o dolo do agente.
Já no crime culposo, igualmente presenciado, haverá uma divergência de opiniões, não estando a
conduta do agente tão clara quanto no tipo doloso.

O crime culposo é aquele cuja conduta voluntária (ação ou omissão) produz resultado antijurídico
não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que poderia, com a devida atenção, ser
evitado. Cinco são os elementos do crime culposo:

a. a conduta – é o elemento do fato típico culposo, não importando o fim do agente,


mas o modo como ele atua;

b. a inobservância do dever de cuidado objetivo – (imprudência, negligência e


imperícia). Quem vive em sociedade deve atuar com cuidado de modo a não causar
danos a terceiros; caso contrário, responderá por ter faltado com o dever de cuidado
objetivo exigível do homem comum;

c. o resultado lesivo involuntário – sem resultado, não há crime culposo, ainda


que o agente tenha agido de forma descuidada. Em si mesma, a inobservância do
dever de cuidado não constitui conduta típica, porque é necessário outro elemento
do tipo culposo: o resultado. Só haverá ilícito penal culposo se da ação contrária ao
cuidado resultar lesão a um bem jurídico;

d. a previsibilidade – se o fato for previsível, pode o agente, no caso concreto,


prevê-lo ou não. Não tendo sido previsto o resultado, existirá a chamada culpa
inconsciente; se previsto, pode ocorrer culpa consciente ou dolo eventual.
Inexistente a previsibilidade, não responde o agente pelo resultado, ou seja, inexiste
o crime culposo. A previsibilidade (prever o resultado de seu ato) só pode ser aferida
sob a ótica do sujeito nas circunstâncias em que se encontrava. A condição mínima
de culpa em sentido estrito é a previsibilidade; ela não existe se o resultado vai além
da previsão;

67
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

e. a tipicidade – é determinada pela comparação entre a conduta do agente


e o comportamento presumível que, nas circunstâncias, teria uma pessoa de
discernimento e prudência ordinários. É típica a ação que provocou o resultado
quando se observa que o agente não atendeu ao cuidado e à atenção adequados às
circunstâncias. Observe que a culpa, à semelhança do dolo, é uma atitude contrária
ao dever; portanto, reprovável da vontade.

Dessas definições, destacam-se algumas importantes regras. O crime culposo não admite tentativa,
o agente atinge um resultado por ele não desejado. Já na tentativa, o agente não consegue atingir
o resultado. Outro ponto diz respeito ao caráter de excepcionalidade do culposo, pois, em geral, os
tipos são dolosos. Para tipificação, o culposo tem de estar expressamente previsto.

Há três modalidades de culpa (formas de manifestação da falta do cuidado objetivo):


imprudência (prática de um fato perigoso); negligência (ausência de precaução ou
indiferença em relação ao ato realizado) e imperícia (falta de aptidão para o exercício
de arte ou profissão).

Na imprudência, realiza-se uma conduta que a cautela indica que não deve ser realizada. Na
negligência, o sujeito deixa de fazer alguma coisa que a prudência impõe. A doutrina ensina que a
imprudência é positiva (o sujeito realiza uma conduta) e a negligência, negativa (o sujeito deixa de
fazer algo imposto pela ordem jurídica).

Em outras palavras, a imprudência é a falta de cautela, a precipitação do agente em contradição com


as normas do procedimento racional. Negligência significa desprezo, desatenção, falta de diligência
na realização de um ato. Em termos jurídicos, pode-se concluir pela omissão ou não observância de
um dever a cargo do agente, compreendido nas precauções necessárias para que fossem evitados
danos não desejados e, por conseguinte, evitáveis.

Imperícia (do latim imperitia, de imperitus) significa inexperiente, não hábil. Em termos
jurídicos, corresponde à falta de prática ou à ausência de conhecimentos necessários ao exercício
de determinada profissão ou de alguma arte. Espera-se que o eletricista, o motorista, o médico,
o engenheiro, o farmacêutico, entre outros, possuam aptidão teórica e prática para o exercício de
suas atividades80.

É possível que esses profissionais, em face de ausência de conhecimento técnico ou de prática, no


desempenho de suas atividades, venham a causar danos a interesses jurídicos de terceiros, mas
imperícia não se confunde com erro profissional.

O erro profissional é um acidente justificável e, normalmente, imprevisível, que não depende do uso
correto e oportuno dos conhecimentos e das regras da ciência. Ele não decorre da má aplicação de regras
e princípios recomendados pela ciência. Deve-se à imperfeição e à precariedade dos conhecimentos
humanos, operando, portanto, no campo do imprevisto e transpondo os limites da prudência e da
atenção humanas.

80 A inabilidade para o desempenho de determinada atividade fora do campo profissional ou técnico tem sido considerada na
modalidade de culpa imprudente ou negligente.

68
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Embora o profissional não tenha carta branca, não pode, ao mesmo tempo, ficar limitado por
dogmas inalteráveis. Tendo agido racionalmente, segundo os preceitos fundamentais geralmente
aceitos ou quando deles se afastar por motivos justificáveis, não terá de prestar contas à justiça
penal por eventual resultado fatídico. Essa ousadia responsável e consentida é o preço que se paga
à evolução das práticas e saberes humanos.

Enquanto a imperícia é um erro grosseiro, que a média dos profissionais de


determinada área não cometeria, em circunstâncias normais, o erro profissional faz
parte da precariedade dos conhecimentos humanos, pois nem todos possuem o
mesmo talento, a mesma cultura e idêntica habilidade. O erro é resolvido na esfera
civil. A culpa por imperícia recai na esfera penal, com repercussões cíveis.

Resta-nos, agora, diferenciar duas espécies de culpa afetas aos profissionais da área prevencionista:

»» culpa inconsciente existe quando o agente não prevê o resultado que é previsível;

»» culpa consciente (também chamada culpa com previsão) ocorre quando o agente
prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que não ocorra.

A culpa consciente se avizinha ao dolo eventual, mas não são sinônimos. Na culpa, o agente,
mesmo prevendo o resultado, não o aceita como possível (se continuar dirigindo assim, é possível
matar alguém, mas se acredita que isso, embora possível, não ocorrerá). No dolo, o agente prevê
o resultado, não se importando que venha ele a ocorrer (se continuar assim, pode matar alguém,
mas não importa; se acontecer, tudo bem!). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo
eventual o agente diz: não importa, enquanto na culpa consciente supõe: é possível, mas não vai
acontecer de forma alguma.

Pela Lei Penal, estão equiparadas a culpa inconsciente e a culpa consciente (com previsão), pois
tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela,
mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá. Já o dolo eventual se integra
por estes dois componentes – representação da possibilidade do resultado e anuência a que ele
ocorra –, assumindo o agente o risco de produzi-lo. Igualmente, a lei não o distingue do dolo direto
ou eventual, punindo o autor por crime doloso.

Lembre-se: a culpa deve ficar provada, não são aceitas presunções ou deduções que
não se alicercem em prova concreta e induvidosa.

Voltando ao exemplo-âncora (Engenheiro de Segurança do Trabalho) no tocante agora à culpa,


avançaremos quanto às possibilidades de respostas à pergunta: responderá criminalmente?

»» Sim. Na condição de acusado por crime culposo (imprudência), na espécie de culpa


consciente, pois, a despeito de consistente história de exames auditivos alterados,
o engenheiro age sem a cautela devida ao prescrever indiscriminadamente EPI
auriculares para todos os setores ruidosos, sem tomar o cuidado de estudar o meio
ambiente do trabalho em profundidade. A seleção dos EPIs depende desse estudo

69
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

sobre o mapeamento dinâmico das bandas de frequências, em função de ritmo e


peculiaridades de produção, bem como dos tempos e movimentos dos trabalhadores
separados em grupos homogêneos de exposição – GHE, para fins de apuração de
dose. Só depois de elaborar o espectro acústico, seria possível, em tese, discriminar
os EPIs, mesmo assim, como medida excepcional e complementar, restrita apenas
aos poucos ambientes com ruído agudo, pois a maioria, como dito no enunciado,
era de natureza grave (grande comprimento de onda) e, portanto, não se combate,
em regra, com EPI.

»» Sim. Na condição de acusado por crime culposo (negligência). Pois, ao receber


os relatórios do programa de monitoramento biológico dos trabalhadores com os
resultados dos exames audiométricos alterados, não adotou medidas administrativas
nem coletivas que a situação exigia, tais como: solicitar paralisação das atividades
até que medidas assépticas efetivas fossem implementadas ou, nesse ínterim, caso
persistisse a produção, definir escala de trabalho cuja dose acumulada para cada
trabalhador (GHE) não ultrapassasse a unitária.

»» Sim. Na condição de acusado por crime culposo (imperícia), pois, cometeu dois erros
grosseiros de avaliação acústica ambiental: i) referente a manuseio, parametrização,
seleção e interpretação equivocados da aparelhagem de audiosimetria (deficiência
prática), juntamente com falhas algébricas nas operações de cálculo diferencial
das curvas de fons, elaboradas a partir da leitura desses instrumentos (deficiência
teórica), combinado com o segundo erro; ii) a enviesada estratégia de coleta de
amostras, uma vez que desconsiderou, para seleção dos GHEs, as peculiaridades de
produção, tais como ritmo e flutuação de carga processada, tempo e movimentos dos
trabalhadores, matéria-prima processada, turno de trabalho, sazonalidade, ruídos
de fundo e reverberação, entre outras, prejudicando inexoravelmente a conclusão
dessa avaliação, embora, por sorte, tenha acertado quanto à insalubridade, que
atribuiu ao ambiente um perfil ruidoso do tipo agudo, quando, em verdade, era do
tipo grave.

Nosso exemplo-âncora desconsidera uma gama de elementos e detalhes que são fundamentais à
convicção de materialidade do crime. Todavia, comparando as definições com as respostas acima,
fica clara a presença dos cinco elementos de crime culposo (conduta, inobservância do dever de
cuidado, resultado lesivo, previsibilidade e tipicidade).

Observe que a linha fronteiriça entre as respostas-âncoras 2 e 3 é muito tênue. Trata-se de um crime
por dolo eventual ou por culpa consciente por imprudência? A verdade está em algum ponto entre
os extremos de uma grande interseção existente entre esse dois conjuntos de representação penal.

Se, de um lado extremo, o agente simplesmente não se importa com o resultado; de outro, não
acredita que ele ocorra. É preciso entrar na esfera personalíssima do engenheiro: ele não se importou
ou não acreditou? Daí a importância de um competente inquérito policial.

Sem dúvida, há um sujeito passivo, há uma lesão corporal (vítima) produzida por ruído ambiental
decorrente da conduta do engenheiro de inobservância dos cuidados necessários à prevenção de

70
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

lesão corporal, tecnicamente previsível e passível de prevenção, de causalidade cientificamente


provada e conexa, biologicamente esperada, cuja tipicidade (imprudência, negligência e imperícia)
está dada pelo inciso II do artigo 18 do Código Penal.

Resta dúvida quanto à autoria, pois não se sabe se o engenheiro agiu sozinho, se houve culpa
concorrente de outros agentes, nas linhas hierárquicas superiores e inferiores, e, até mesmo, na
horizontal. Vejamos, a seguir, a questão da autoria (sujeito ativo).

Porém, devemos lembrar que, antes mesmo do (resultado) crime de lesão corporal ser consumado
(diagnóstico de perda auditiva, irreversível, neurossensorial e bilateral), em que o bem jurídico
ofendido foi a integridade física do trabalhador, houve violação da norma penal em outros dois
tipos penais. Coloquemos mais tempero no exemplo-âncora para responder à pergunta: poderia ser
imputada ao engenheiro a autoria de outros tipos penais?

»» Sim. Na condição de acusado por crime de periclitação da saúde de outrem, pois é


razoável concluir que, em momentos anteriores à lesão corporal (dolosa ou culposa,
a depender das evidências colhidas no inquérito policial), houve exposição ao
fator de risco ruidoso descontrolado, até porque a lesão, nesse caso, não acontece
traumaticamente, dado que só se consuma depois de acumulação de doses além da
tolerada. Nessa situação, diz o código penal, no artigo 132, que expor a vida ou a
saúde de outrem a perigo direto e iminente constitui crime punível com detenção,
de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave.

»» Não. Nesse caso, o sujeito passivo é a empresa. Materialmente houve contravenção


penal por deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do
trabalho, nos termos do parágrafo 2o do art. 19 da Lei no 8.213/1991, quando, no
exemplo-âncora, antes mesmo de ultrapassar a dose unitária, se alcançou 50% da
dose81, patamar sonoro – nível de alerta, chamado pela norma de prevenção de
nível de ação82 – que determina atitudes concretas, exatamente para se evitar o
pior: ultrapassar o nível máximo permitido. Excepcionalmente, o sujeito ativo – o
agente – deste tipo penal é a empresa. Nesse caso, não se cogita, pelo texto legal, a
possibilidade de imputação ao engenheiro, apenas à empresa, como discutiremos
a seguir.

Sujeito ativo e sujeito passivo da infração penal

Sujeito passivo é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado. O Estado, titular do mandamento
proibitivo violado, é sempre lesado pela conduta criminosa. Diz-se, neste caso, que ele é sujeito
passivo constante ou formal. Sujeito passivo é a pessoa física que sofre os efeitos do delito (vítima
do crime). A pessoa jurídica (entidade) pode ser sujeito passivo de crime, pois tem patrimônio,
reputação (difamação), imagem e bens intangíveis. Sujeito ativo ou agente é a pessoa que comete o
crime. Normalmente, só o ser humano, maior de 18 anos, pode ser responsabilizado (sujeito ativo
de uma infração). Há, porém, exceções, como veremos a seguir.

81 Equivale a 80 dB (A) para uma jornada de 8h


82 Alínea “b” do item 9.3.6.2 da NR 09 - <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>.

71
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Pessoa jurídica como sujeito ativo de infração penal

A CRFB-88 inovou e trouxe a pessoa jurídica para a sujeição ativa de crimes no tocante à conduta
e às atividades lesivas ao meio ambiente83 . Posiciona-se, assim, a empresa como infratora,
sujeita a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar dano. Esse
dispositivo foi regulamentado pela Lei no 9.605/1998, que efetivou a responsabilidade penal da
pessoa jurídica que cometer crime ambiental.

A doutrina tem se inclinado a considerar que a pessoa jurídica é capaz de vontade, caracterizada
pela reunião, deliberação ou pelo voto da assembleia-geral de seus membros, sendo essa vontade
coletiva capaz de cometer crimes. É claro que a empresa por si só não comete os atos delituosos.

Ela o faz por meio de alguém. Só poderá haver persecução penal contra a pessoa jurídica se presentes
os seguintes requisitos:

I. a infração individual há de ser praticada no interesse da pessoa coletiva;

II. a infração individual não pode situar-se fora da esfera de atividade da empresa;

III. a infração cometida pela pessoa física deve ser praticada por alguém que se encontre
estreitamente ligado à pessoa coletiva e iv) a prática da infração deve ter o auxílio do
poderio da pessoa coletiva.

Lembre-se de que o meio ambiente do trabalho está contido no tipo penal ambiental. As penas
são aquelas compatíveis com a sua condição: multa e proibição de contratar com Poder Público,
entre outras.

Vimos, com base no parágrafo 2o do art. 19 da Lei no 8.213/1991, que há responsabilidade penal da
pessoa jurídica pelo descumprimento das normas de Segurança e Medicina do Trabalho punível com
multa, em consonância ao art. 49 do Código Penal, no que tange à pena pecuniária. Fica evidente
a responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito pátrio, regulamentada, nesta matéria, no
parágrafo 5o do art. 173 e no parágrafo 3o do art. 225 da CRFB-8884. Esse texto legal não deixa
dúvidas quanto à responsabilização penal da pessoa jurídica. O conceito de meio ambiente inserido
no citado dispositivo engloba o ambiente de trabalho, conforme propugna o inciso VIII do art.
200 da CRFB-8885.

Apesar do avanço nesse campo do direito, convive-se, ainda, com a insuficiência de critérios de
quantificação da pena pecuniária previstos no código penal e, portanto, inadequados, para a
proporcional penalização da pessoa jurídica. A ausência de um maior detalhamento ou de disposição
acerca da forma de punição da empresa é o indicador mais veemente da impossibilidade de aplicação

83 A possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime existe na Constituição Federal, mais precisamente nos arts. 173, §
5o e 225, § 3o. Com o advento da Lei no 9.605/1998, se institui responsabilidade penal da pessoa jurídica.
84 Art. 225, § 3o – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art. 173, §5o – “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica
e financeira e contra a economia popular.
85 “Colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

72
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

deste dispositivo para puni-la criminal e penalmente. Não é possível aplicar à empresa os critérios
utilizados para penalização da pessoa física, do indivíduo; pelo menos não de forma absoluta.
.

Discussão sobre foro penal trabalhista:


qual justiça?
A justiça do Trabalho, desde a sua criação, vem ajustando-se para melhor
solucionar os conflitos decorrentes das relações de trabalho que estão a cada dia
mais complexas, abrangendo o direito substancial intimamente relacionado com
os conflitos sociais decorrentes da relação capital versus trabalho. Dentre essas
matérias, deslocadas para a justiça do Trabalho com a Emenda Constitucional
no 45/2004, que alterou as regras de competência desse ramo do Poder Judiciário,
encontram-se as lides de natureza jurídica penal trabalhista, objeto de intenso
debate na doutrina nacional. Com efeito, os principais argumentos utilizados para o
deslocamento de competência penal para a justiça do Trabalho são:

a. a modificação do critério subjetivo, empregador e trabalhador, para o


objetivo, relação de trabalho;

b. a existência de previsão constitucional expressa para o julgamento do


habeas corpus, ação constitucional de caráter penal;

c. a aplicação da Súmula do extinto TFR no 115, determinando a competência


da justiça Federal para o julgamento dos crimes contra a organização do
trabalho coletivamente considerados;

d. o deslocamento da competência para julgar os conflitos decorrentes da


greve das justiças Comuns, Estadual e Federal, para a justiça do Trabalho,
atraindo consigo a competência para o julgamento de matéria criminal.

Efetivamente, a reforma do judiciário, realizada pela EC no 45/2004 modificou o critério


de competência da justiça do Trabalho para o julgamento das relações de trabalho, lato
sensu consideradas, conforme o inciso I do art. 114 da Constituição Federal, o que de per
si já configura uma cláusula de abertura ao julgamento de outras matérias.

Nesse aspecto, a doutrina e a jurisprudência são unânimes. Os Ministros do Supremo


Tribunal Federal decidiram, em modificação do entendimento anterior, que os
conflitos decorrentes do acidente do trabalho, envolvendo trabalhadores e seus
tomadores de serviço, empregadores ou não, serão julgados na justiça do Trabalho
(CC no 7.204), considerando essa a interpretação adequada do inciso VI, do art. 114
da Constituição Federal, antes e depois da modificação de sua redação pela EC
no 45/2004, o que somente não tinha sido declarado anteriormente pela Corte
Constitucional em virtude da influência das interpretações das Constituições da
República anteriores.

Assim, apesar da atual rejeição unânime da atribuição de competência penal à


justiça do Trabalho, nada impede que a Corte reformule o seu entendimento, tal

73
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

como ocorreu com o precedente mencionado, mesmo porque a decisão liminar


na ADI no 3.684/2006 excedeu os limites impostos pelo ordenamento pátrio às
interpretações realizadas pela Corte Constitucional.

Direito Penal Administrativo

As atividades profissionais podem ser exercidas por qualquer pessoa, exceto se houver algum fato
contrário à lei e que expressamente venha a proibir o exercício profissional. A CRFB-8886 (CF, art.
5o, inciso XIII) prevê as limitações para o exercício das profissões regulamentadas, cujas atividades,
para serem exercidas, terão de obedecer à legislação específica, que se destina a zelar pela fiel
observância dos princípios da ética e da disciplina da classe profissional.

Embora afirme que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, faz restrição quando se trata do exercício profissional e diz que é livre
o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer.

Ser livre para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, como determina a primeira parte
do mandamento constitucional, significa que qualquer cidadão, no gozo dos seus direitos civis e não
estando impedido por legislação específica, pode escolher a atividade profissional de sua preferência.
Entretanto, essa liberdade, para ser exercida, carece de alguns pré-requisitos, sobretudo quando se
tratar de profissão legalmente regulamentada.

Algumas atividades profissionais podem ser exercidas sem dificuldades quanto às questões formais,
não se exigindo legalmente, nesses casos, qualquer documentação ou diploma oficial. Se, por
exemplo, alguém deseja ser eletricista, basta conhecer alguns princípios básicos da eletricidade e
dedicar-se para adquirir prática. O próprio interessado assume a condição de profissional da sua
área, intitulando-se eletricista. Nesse caso, temos as chamadas profissões livres, cujo exercício não
depende de autorização legal, basta conhecimento técnico.

A segunda parte do mandamento estabelece a possibilidade da restrição legal da liberdade para o


exercício de certas profissões, quando diz atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer. Assim, as profissões legalmente regulamentadas, ou seja, aquelas que foram criadas
por lei que define as condições, prerrogativas, atribuições etc., para o exercício destas atividades.
Exemplos: advogado, médico, engenheiro, enfermeiro (criadas e regulamentadas por legislação
federal). Para esse tipo de profissão, não basta aprender ou ter habilidade de fato para desempenhar
o trabalho. É indispensável que se conquiste o direito de exercer tais atividades mediante formação
acadêmica e registro do diploma no respectivo Conselho ou Órgão Fiscalizador da Profissão. Tem-se
que atender às qualificações profissionais que a lei específica estabelecer.

As leis que criam as profissões geralmente preveem autonomia administrativa e financeira aos
respectivos Conselhos, deixando expresso que eles são dotados de personalidade jurídica de direito
público, sendo que outras leis preferem apontá-los, desde logo, como autarquias federais.

86 “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

74
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

É possível, agora, aprofundarmo-nos na questão penal relativa ao exercício profissional, que está
inserida no campo do Direito Penal Administrativo, por força do poder normativo, disciplinar e
de polícia, definido por lei, segundo o qual, há um órgão de fiscalização específico (conselho de
profissão) para assegurar idôneo tal exercício, bem como os serviços por esses profissionais
prestados à sociedade: eis o bem jurídico tutelado.

O Direito Penal Administrativo, não se constitui matéria penal, mas um ramo paralelo dela. Afinal,
a natureza da pena administrativa tem duplo caráter (reparador e preventivo). Enquanto a coerção
do Direito Penal busca exclusivamente a prevenção especial, o resto da ordem jurídica procura a
reparação. O poder disciplinar dos Conselhos é instrumentalizado pelas sanções disciplinares87
em sede administrativa, que não se confunde com a sanção penal, em sede judicial.

Todavia, há comunicação dos efeitos do penal no penal administrativo, pois, havendo condenação
penal transitado em julgado, repercutirá na cassação de habilitação do profissional nos respectivos
conselhos de profissão, com base em uma redação-geral dessas leis profissionais, que diz que a
condenação criminal transitada em julgado por crime diretamente relacionado ao exercício
profissional receberá a sanção cassação ou cancelamento.

Assim, o engenheiro do exemplo-âncora, além de reclusão ou detenção (sanção penal), recebe pena
de cassação de registro (sanção administrativa). Mesmo não havendo a sanção penal, poderá receber
demais sanções administrativas, conforme lei específica da profissão.

A figura a seguir indica a hierarquia das normas penais administrativas, desde a lei até as resoluções
dos conselhos, passando pelos respectivos códigos de ética.

Visão civil da saúde do trabalhador88


Um dos principais objetivos deste trabalho é sensibilizar o profissional prevencionista para a
importância da apropriação e da apreensão da lei, pois ela é seu principal instrumento de trabalho

87 Em regra, as penalidades aplicáveis por esses conselhos são: advertência escrita reservada; censura pública; multa; suspensão
temporária do registro e cassação do registro.
88 Oliveira-Albuquerque, PR. Uma Sistematização da Saúde do Trabalhador: Do Exótico ao Esotérico. Editora LTr 2011. 1ª
Edição. São Paulo-SP.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

no tocante à garantia da saúde do trabalhador. Se no Direito Penal o enfoque é a (responsabilização)


sanção pelo cometimento de ilicitude; no direito civil busca-se a (responsabilização) reparação das
perdas e danos (in demne, do latim). Daí a terminologia “indenização”.

Essa responsabilidade civil está vinculada ao direito obrigacional, uma vez que o dever de reparar o
dano é o resultado central da prática do ato ilícito, obrigação essa de caráter pessoal que se resolve
em perdas e danos.

Obrigação entendida como o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir
do devedor o cumprimento de determinada prestação. A característica principal
da obrigação consiste no direito conferido ao credor de cobrar o pagamento da
prestação. É o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações . Essa
obrigação advém da vontade humana, mediante contratos, declarações de vontade
ou de atos ilícitos, ou ainda por força de lei (vontade do Estado).

Portanto, aquele que causa um dano, por meio de uma ação ou omissão, tem o dever de ressarcir o
lesado do prejuízo, que nem sempre é material apenas, podendo caracterizar-se por uma ofensa moral,
conforme art. 186 do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

A responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora


de reparar o dano causado por conduta que viole um dever jurídico (preexistente
implícito ou expresso na lei) de não lesionar.

Nesse sentido vale a pena discorrer, ainda que superficialmente, sobre as 04 modalidades de
responsabilização civil em matéria acidentária, como desdobramento das teorias do risco, adiante
discutidas, a saber:

»» a responsabilidade objetiva do INSS para com os benefícios;

»» a responsabilidade objetiva da empresa para com acidentado, ou seus dependentes,


quando consumar em acidente do trabalho o riscos inerentes ao seu meio ambiente
do trabalho;

»» a responsabilidade subjetiva do empregador para com o acidentado ou seus


dependentes, quando aquele agiu com dolo ou culpa;

»» a responsabilidade subjetiva da empresa para com o órgão previdenciário, que


pagou o benefício de forma objetiva, mas que prova a negligência da empresa, e,
nesse caso, reclama em juízo o retorno (direito regressivo89), uma vez que o
seguro social ampara o acidentado, porém regride contra a empresa que descuidou
do meio ambiente do trabalho. Inclui-se nessa modalidade o direito de regresso
89 Não raro, pessoas são obrigadas a suportar ônus resultantes de situações que foram causadas, total ou parcialmente, por
terceiros. Estes ônus lhes cabem, a princípio, pela responsabilidade objetiva a que estão sujeitos ou simplesmente pela situação
de fato que se impõe.
Apesar de, num primeiro momento, arcarem com os ônus de tal fato, a lei lhes dá o direito de, regressivamente, receber do
verdadeiro culpado aquilo que despenderam.
Esta regressividade se pela chamada ação regressiva.

76
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

da empresa contra os profissionais prevencionistas responsáveis por essas atitudes


que culminaram no acidente.

É importante que se tenha clara a distinção entre as quatro possíveis formas de responsabilidade
civil na legislação acidentária. Cada uma delas parte de fundamentos legais diversos e se baseiam
em circunstâncias que não se comunicam. A imputação pode ser por responsabilidade subjetiva
ou objetiva. A subjetiva baseia-se na comprovação da culpa por parte do agente causador do dano.
Já a objetiva dispensa essa apuração, basta a existência do fato em si, nos termos da lei. Para fins
indenizatórios, se há uma lesão corporal em trabalhador decorrente de risco não específico do meio
ambiente do trabalho, esse operário tem a necessidade de apurar e provar a culpa da empresa,
responsabilidade subjetiva. Porém, se esse operário opera uma unidade de energia nuclear e
sofre lesão por contaminação radiativa, dessa forma, para aferição da obrigação de indenizar,
bastará a simples constatação do dano e o fato de que ele se verificou a serviço do empregador –
responsabilidade objetiva.

Teorias do Risco: Evolução Jurídica

Para melhor compreensão da figura anterior, faz-se necessário percorrer a evolução normativa
brasileira nesse tocante.

Tudo começou em 1919, como precursora da atual Previdência Social, quando a ordem jurídica
brasileira90 introduz o seguro acidentário mediante o instituto de compensação financeira
acidentária, restrita aos trabalhadores submetidos aos processos industriais, instituindo
obrigatoriedade, por parte da empresa, de sustentar um Seguro de Acidente do Trabalho a ser
pago ao acidentado. Nesse estágio, tinha-se a teoria do risco profissional. Só recebia o seguro quem
reclamasse à autoridade policial. Era caso de polícia. Práticas nesse campo estavam voltadas ao
infortúnio (não à prevenção).

Pela teoria do risco profissional há o dever de indenizar, que decorre da atividade ou


profissão do lesado; não há responsabilidade civil do empregador, pois havia pago
um seguro para se isentar totalmente das consequências do sinistro.

90 Decreto legislativo no 3.724, 15 de janeiro de 1919.

77
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Essa modalidade perdurou até 1963, quando, formalmente91, a responsabilização civil do


empregador nasce, segundo a teoria do risco subjetivo doloso, restrito, somente, aos casos de dolo.
De 1963 até 1988, por força de súmula do STF , ampliam-se as situações que, além do dolo, incluem
também a culpa grave92.

Por essa teoria, a culpa do empregador aparece como elemento central da obrigação de indenizar,
conhecida também como teoria da culpa ou subjetiva, pois a prova da ação culposa passa a ser
pressuposto necessário para a caracterização do dano indenizável. Logo, a responsabilidade do
causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. A gênese da responsabilidade
subjetiva está no conceito do desvio de conduta. Foi criada para alcançar as ações contrárias ao
direito. O ato ilícito deve submeter o agente (lesante) à satisfação do dano causado a outrem (lesado).

Deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando
a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito desse. Esse comportamento
(comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por
culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito
civil) ou uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato). Repare que é o ilícito
figurando como fonte geradora de responsabilidade.

No entanto, com as transformações sociais, a industrialização, a evolução dos meios de transporte


e comunicações, as relações humanas à distância, os modos e as práticas organizacionais, ficou
evidente que a comprovação da vontade do agente, ou seja, da culpa, estava cada vez mais difícil
de ser demonstrada – principalmente pelo escalonamento: grave, média leve e levíssima –, e, em
muitos casos, a vítima ficava sem a devida reparação.

Seria justo ou legítimo que a pessoa que se beneficiou do trabalho de um


empregado, por anos a fio, fosse absolvida de qualquer responsabilidade pelo dano
que vitimou o obreiro quando se encontrava trabalhando em prol da acumulação
de riqueza do seu empregador? Caberia ao empregado assumir a responsabilidade
pelo risco do empreendimento, sobretudo numa hipótese em que o acidente
acarrete a impossibilidade de trabalho do empregado? Prevalecendo a tese da
responsabilidade subjetiva, como ficaria o princípio da dignidade do ser humano?
Onde estaria a observância ao princípio da valorização do trabalho?

O constituinte ordinário compreendeu a angústia e a injustiça geradas por esse sistema, ao ponto de
pacificar, na CRFB-88, o alcance desses direitos do trabalhador, ao determinar que dolo ou culpa,
em qualquer grau, suscitam indenização93.

Não foi por outra razão que parte da doutrina e da jurisprudência, de há muito, vem firmando a
posição da responsabilidade objetiva do empregador para indenizar o dano sofrido pelo empregado
no exercício de seu trabalho, fundada na teoria do risco, isto é, aquele que se beneficia da atividade
de outrem deverá arcar com eventuais danos sofridos pelo trabalhador na prestação de tal atividade.
91 DL no 7.036/1944 – Art. 31 – começa 1944 e se estende até 1963.
92 STF Súmula no 229 – Indenização Acidentária – Exclusão do Direito Comum – Dolo ou Culpa Grave do Empregador – A
indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.
93 Art. 7o, XXVIII da CRFB-88 - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este
está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

78
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Aliás, a CLT, em seu art. 2o, atribuiu ao empregador o risco decorrente de sua atividade – o chamado
princípio da alteridade94.

Finalmente, em 2003, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, tem-se a consagração da teoria
do risco objetivo.

Responsabilidade objetiva – indenização:


acidentado x empresa

Na responsabilidade civil objetiva, o empregador arca com a indenização, independentemente de


culpa ou dolo, basta que sua atividade econômica seja de risco à saúde do trabalhador ou tenha
disposição legal expressa95. Pela redação legal do art. 927, fica clara a distinção das teorias
objetiva por definição legal, na primeira parte do parágrafo único, bem como, também, objetiva por
inerência do risco ao dano, na segunda na parte96, conforme veremos a seguir:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente


de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.

A razão para essa nova elaboração da teoria da culpa, voltada à objetivação, é apontada por Sebastião
Geraldo de Oliveira, em artigo publicado na Revista LTr, de abril de 2004:

No entanto, a complexidade da vida atual, a multiplicidade dos fatos de riscos,


a estonteante revolução tecnológica, a explosão demográfica e os perigos
difusos ou anônimos da modernidade acabaram por deixar vários acidentes
ou danos sem reparação, uma vez que a vítima não lograva demonstrar a
culpa do causador do prejuízo, ou seja, não conseguia se desincumbir do ônus
probatório quanto ao fato constitutivo do direito postulado.

Para as situações em que o agravo à saúde do trabalhador tem relação com os riscos inerentes
ao meio ambiente do trabalho, basta que o trabalhador, ou seus dependentes, em juízo, reclame
o pagamento da indenização indicando que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano (empresa) implicar, por sua natureza, risco97 para os direitos de outrem (no caso do
trabalhador acidentado).

A teoria do risco (responsabilização objetiva do empregador) se apoia em alguns argumentos


doutrinários baseados no risco98, assim entendido a probabilidade de uma situação, coisa ou

94 Significa a necessidade de colocar-se na posição do outro para poder compreendê-lo.


95 Atividade econômica aeronáutica ou nuclear são alguns exemplos de responsabilização objetiva por definição legal.
96 Enunciado no 38 do CEJ do CJF: A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do
parágrafo único do art. 927 do novo CC, configura-se quando a atividade, normalmente desenvolvida pelo autor do dano,
causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.
97 Como referência usar as listas colocadas no anexo II do Regulamento da Previdência Social , com destaque para NTEP
discutido em capitulo próprio, bem como para os protocolos de doenças do trabalho definidos pelo Ministério da Saúde.
98 Probabilidade de um perigo se consumar em dano.

79
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

condição potencialmente capaz de produzir um dano, venha a se consumar. Nesse sentido, é possível
identificar, conforme ensina Prof. Sebastião Oliveira as seguintes classificações.

»» Proveito do risco sempre que o responsável pelo empreendimento tirar o proveito


da atividade; onde está o ganho, reside o encargo.

»» Risco criado99 pelo funcionamento de uma atividade qualquer, cujo


empreendimento responde pelos danos gerados por essa atividade. Desnecessário
haver proveito ou vantagem para o autor, bem como é dispensável a investigação
sobre normalidade ou não da atividade, dado que esta, por si só, é geradora de dano.

»» Risco Excepcional100 por atividades perigosas – cabe a reparação quando o


dano decorre de um risco excepcional: rede elétrica de alta tensão, energia nuclear,
materiais radioativos etc.

»» Risco integral101 – basta o dano para gerar a indenização, independentemente


dos motivos do seu aparecimento. É a teoria objetiva de modo extremado.

Nas palavras de Sebastião Oliveira:

pouco a pouco, o instrumental da ciência jurídica começou a vislumbrar nova


alternativa para acudir as vítimas dos infortúnios. Ao lado da teoria subjetiva,
dependente da culpa comprovada, desenvolveu-se a teoria do risco ou objetiva,
segundo a qual basta o autor demonstrar o dano e a relação de causalidade
para o deferimento da indenização. Os riscos da atividade, em sentido amplo,
devem ser suportados por quem dela se beneficia.

É comum, ainda hoje, situação tormentosa tal, que o dano sofrido pela vítima
é de realidade objetiva indiscutível, mas a falta ou a dificuldade de prova do
elemento subjetivo da culpa impede o pagamento da indenização. No caso do
acidente do trabalho, tem sido frequente o indeferimento do pedido por ausência
de prova da culpa patronal ou por alegação de ato inseguro do empregado ou,
ainda, pela conclusão da culpa exclusiva da vítima. O que você acha?

Responsabilidade objetiva – previdenciária:


acidentado x INSS

A responsabilidade do Seguro Social – INSS, relativamente aos beneficiários (segurados e dependentes),


diz-se objetiva porque se baseia no chamado risco social, inaugurado, no Brasil, em 1967, pela Lei
no 5.316, de 1967.

Pelo risco social (princípio da solidariedade), há o pressuposto de que todos os membros da sociedade
(e não exclusivamente o empregado ou a empresa) devem suportar as contingências sociais que
afligem o trabalhador acidentado, independentemente da existência de culpa da empresa. Em outras
99 É nesse risco criado que se aplaca a presunção entre agravo e doença do trabalho por intermédios dos nexos profissional e do
trabalho (NTP) e epidemiológico (NTEP).
100 Por expressa definição legal.
101 No Brasil, não há aplicação da teoria do risco integral à luz da legislação vigente.

80
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

palavras, todos pagam para algumas empresas adoecerem e acidentarem mais, pois, sabidamente,
possuem um maior potencial acidentário (risco econômico-ambiental), daí o nome seguro social.

Esse seguro, chamado de social, imposto pelo Estado, administrado pela Receita Federal do Brasil
– RFB e financiado por toda a sociedade, direta ou indiretamente, tem por objeto o pagamento de
prestações previdenciórias, quer em dinheiro (benefícios), quer em utilidades (serviços), que não
têm, a rigor, natureza indenizatória: destina-se à manutenção das condições de subsistência do
trabalhador e de seus familiares, verificadas antes da ocorrência do acidente.

Aqui não tem a menor relevância a perquirição de culpa da empresas, para que o INSS conceda o
benefício ao trabalhador acidentado, pois basta comprovar a ocorrência de acidente do trabalho e a
perda ou redução da capacidade laborativa.

Detalhe importante diz respeito ao contrato de seguro privado feito pela empresa empregadora, por
fundos de pensão dos trabalhadores ou pelos próprios trabalhadores para cobrir o poder aquisitivo
do trabalhador para além do teto fixado pelo INSS nos casos acidentários. Vale essa mesmíssima
regra de objetivação da responsabilidade de indenizar, ou seja, basta a conexão dos fatos, independe
de apuração ou prova de culpa.

Responsabilidade subjetiva – indenização:


acidentado x empresa
.

Para as situações não cobertas pela responsabilização objetiva aquelas em


que o agravo à saúde do trabalhador não tem relação com os riscos inerentes
ao meio ambiente do trabalho e nem há previsão legal expressa – comparece
a responsabilização subjetiva da empresa, segundo a qual há necessidade de
verificação de existência de culpa por parte da empresa. Veja que só nesse caso
passa a ser relevante a culpa.

Cabe ao acidentado ou a seus dependentes produzir as provas contra a empresa, para fins de
cobrança, em juízo, do pagamento de indenização com base em sua responsabilidade subjetiva,
assim entendida porque se funda na existência de culpa da empresa.

O pagamento dessa indenização independe do recebimento de benefício acidentário pago pelo INSS
(vale dizer, pode ser cumulada com este) e não visa ao recebimento de prestações previdenciárias,
mas à verdadeira indenização pelos danos causados pelo acidente. Tal hipótese está atualmente
prevista no art. 7o, XXVIII, da CRFB-88: “[...] sem excluir a indenização a que este está obrigado,
quando incorrer em dolo ou culpa” e também no art. 121 da Lei no 8.213/1991102.

Responsabilidade subjetiva – ressarcimento: INSS x empresa

Desde a Lei no 8.213/1991, encontra-se regulada, de forma expressa, em nosso ordenamento jurídico
(artigo 120), a possibilidade do INSS se ressarcir, perante as empresas, das despesas ocasionadas

102 Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da
empresa ou de outrem.

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UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

com acidentes do trabalho (vincendas e vencidas), que tenham ocorrido em virtude da negligência
quanto às normas básicas de higiene e segurança do trabalho. Trata-se de um importante mecanismo
de prevenção de inúmeros acidentes do trabalho e de ressarcimento dos gastos deles consequentes.

A responsabilidade de que trata essa ação regressiva é subjetiva, porque carece de verificação de
culpa da empresa, especificamente quanto à negligência na observância das normas de segurança e
higiene do trabalho. Encontra-se regulada expressamente pelo artigo 120 da lei no 8.213/1991, que
dispõe: “Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho,
indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra
os responsáveis”.

Os danos gerados ao INSS a partir desses acidentes não podem e não devem ser suportados por toda
a sociedade, na medida em que, no risco repartido entre os membros da coletividade (risco social),
não se admite a inclusão de uma atitude ilícita da empresa que não cumpre as normas protetivas da
higidez do ambiente de trabalho.

Depreende-se que a finalidade dessas ações regressivas representa, de um lado, a recuperação


daqueles recursos que passaram a ser despendidos a partir da ocorrência dos eventos sociais
acidentários, que poderiam ter sido evitados, bastando, para isso, que tivesse sido cumprido o
dever legal de proteção ao local de trabalho; e, de outro lado, percebe-se claramente a vontade do
legislador de que sejam estimuladas as práticas de saneamento do meio ambiente do trabalho.

Em outras palavras, o seguro acidentário público e obrigatório, não pode servir de alvará para que
empresas negligentes com a saúde e com a própria vida do trabalhador, fiquem acobertadas de
sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso estímulo a essa prática
socialmente indesejável.

Ademais, o uso desse expediente por parte do INSS contra as empresas que deliberadamente
acidentam constitui um modo de valorizar e prestigiar as boas empresas (aquelas que acidentam e
adoecem muito menos, pois investem em prevenção e praticam preços de seus produtos ligeiramente
superiores, exatamente porque investem), dado que, dessa forma, a conta acidentária tenderia a se
nivelar: quem investe não sofre ação regressiva; quem acidenta e adoece tem de ressarcir o INSS.

Responsabilidade subjetiva – ressarcimento: empresa x


profissional prevencionista

Como visto, o direito de regresso pode ser acionado por quem quer que tivesse despendido pecúnia
por fato cuja culpa, total ou parcialmente, pudesse ser atribuída a outrem, conforme dispõe o Código
Civil, nestes artigos.

»» Art. 934: Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver
pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu,
absoluta ou relativamente incapaz.

»» Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

Seguindo o raciocínio subsumido nessa instrumentação legal, a empresa poderá cobrar do profissional
prevencionista todo e qualquer ônus assumido em função das suas atitudes (incompatíveis)
profissionais.

Assim, o enfermeiro que não monitora – ou monitora sem disparar os alertas necessários – os exames
clínicos, laboratoriais e complementares, conforme Programa de Controle da Saúde dos Trabalhadores
(PCMSO); ou médico que prescreve bateria de exames desnecessária, porque simplesmente não
há risco ambiental correspondente ou, se há, diante dos resultados suspeitos, não interveio no
processo produtivo de forma a mitigar tais efeitos, enquanto se investigasse melhor e coletivamente
o quadro desse e dos demais colegas pertencentes a um grupo homogêneo de exposição; ou ainda,
um engenheiro, que especifica de modo inadequado um captador de pó. Todos esses são alvos, em
potencial, de ações regressivas por parte da empresa, devido às despesas tributárias, previdenciárias,
patrimoniais, entre outras, por eles imputadas, direta ou indiretamente, a ela.
.

A responsabilidade civil acidentária na ordem jurídica atual manteve a tradição


no que diz respeito à responsabilidade subjetiva, inclusive de regresso, porém
ampliou o rol dos responsáveis pelos danos causados e acolheu a teoria do risco
(responsabilidade objetiva). Tem-se, portanto, um leque de possibilidades teóricas,
desde a teoria do risco-proveito, risco-criado, risco-excepcional (responsabilidade
objetiva), até a responsabilidade subjetiva, perante os vários sujeitos passivos e
ativos, conforme as ações cíveis indenizatórias, previdenciárias ou ressarcitórias a
serem instauradas.

Responsabilidade penal do profissional prevencionista:


repercussão cível

O Código Civil estabelece a independência dessas responsabilidades, ainda que sentença penal
condenatória definitiva vincule a decisão cível. A condenação penal implica pagamento de
indenização, mas nem toda indenização é determinada pela condenação penal. A jurisprudência
caminhou para o seguinte entendimento.

»» Sentença criminal que absolve o réu, sem negar a autoria e a materialidade do fato,
face à insuficiência de prova da culpabilidade, não implica extinção de indenização
por ato ilícito.

»» A absolvição no crime, por ausência de culpa, não veda a indenização.

»» Para efeito de indenização, não se debate a existência do fato e a sua autoria no juízo
cível, quando tais questões tiverem sido decididas no juízo criminal.

De volta às respostas 1 a 6 do exemplo-âncora, considerando condenação penal transitado em


julgado, o engenheiro responde duplamente: cumprindo pena (pessoalmente) e ressarcindo ao
patrão os valores de indenização que este pagará à vítima (subsidiariamente). Definida a sentença

83
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

condenatória do engenheiro, a empresa, depois de pagar a indenização ao trabalhador, poderá exigi-


la do engenheiro, mediante ação civil regressiva, como visto.

Diferenciação entre a responsabilidade civil e a penal

A diferenciação quanto à responsabilidade civil ou penal encontra-se unicamente no tipo de norma


jurídica infringida pelo sujeito. Será penal quando o ilícito cometido tiver origem na transgressão de
uma norma penal, de Direito Público, enquanto, no ilícito civil, a norma violada é de Direito Privado.

Ou seja, quem comete um ilícito penal lesa a sociedade como um todo, dado o caráter público e
interesse geral da norma violada; já no ilícito civil, o interesse diretamente lesado é de uma pessoa, do
particular, dimensão privada, e ao prejudicado a norma concede a faculdade de pleitear a reparação.

A responsabilidade penal é pessoal e intransferível, sendo necessária a adequação do fato concreto


ao tipo penal, cuja sanção é a privação de liberdade, devendo ser cercada de garantias contra o
Estado, pois o incumbe de reprimir o crime e arcar sempre com o ônus da prova.

O foco da responsabilidade civil é a vítima. Consequentemente, em certos casos, a lei possibilita a


inversão do ônus probatório, podendo qualquer ação ou omissão gerar a responsabilidade, desde
que viole direito e cause dano a outrem e, ainda, a culpabilidade é mais abrangente, porquanto até
a culpa levíssima obriga a indenizar.

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CAPÍTULO 4
Adicionais

O trabalhador, independentemente do regime previdenciário a qual está vinculado, faz jus a diversos
tipos de adicionais em função do ambiente do trabalho e do reconhecimento de acidentes ocorridos
em função da atividade laboral exercida.

Com relação aos adicionais, existe uma similaridade entre os tipos de adicionais concedidos para
o regime geral de Previdência Social e os regimes próprios de Previdência Social, inclusive sendo
vedada a concessão de adicional aos trabalhadores/servidores dos regimes próprios diferente dos
concedidos no regime geral, mas podem ter base de concessão diferenciada.

Adicional de trabalho noturno


Faz jus ao adicional noturno o trabalhador que execute atividades entre as 22h de um dia até às 5h
do dia seguinte, no qual neste período a remuneração terá um acréscimo de 20%, calculado sobre
a hora diurna. Sendo que a hora noturna é menor do que a diurna, sendo computados a cada 52
minutos e 30 segundos.

A lógica da concessão deste adicional está inserida na manutenção da integridade laboral do


trabalhador e na preservação do convívio familiar, isto é, a aplicação compulsória deste adicional
a qualquer trabalhador que labore nestas horas é uma forma de coerção econômica do estado
frente a atividade econômica, com o objetivo de inibir a aplicação contumaz e habitual da prática
do horário noturno.

Adicional de insalubridade
É o chamado “adicional por morte lenta” e é o que durante muitos anos, e ainda hoje, tem arraigado
na cultura de segurança do trabalho o seguinte: Vários empregadores e empregados veem o
profissional de segurança do trabalho como o responsável por responder às seguintes questões: Meu
trabalho é insalubre? Faço jus ao adicional? Tenho direito à aposentadoria especial? E esquecem as
consequências de uma atividade em ambiente insalubre.

A lógica do adicional por morte lenta é baseado no fato de que a literatura técnica e a consolidação de
estudos indicam que determinado ambiente ou função possuem condições e/ou características que
provocarão dano à saúde ou à integridade física do trabalhador, com possibilidade real de redução
da expectativa vida do trabalhador. Um exemplo são os mineiros das minas de carvão subterrânea,
em que a expectativa de vida laboral é de cerca de no máximo 15 anos para cada mineiro, e que em
sua maioria (no início do século XX) não conseguia nem chegar a este tempo.

A caracterização do adicional de insalubridade é devido à caracterização de no mínimo uma das três


categorias de riscos: físicos, químicos e biológicos.

85
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

A forma de identificação e caracterização destes riscos é consequência direta do desenvolvimento deste curso, não merecendo atenção nesta
disciplina.

Estes riscos, seus limites e a forma de caracterização estão amparados nas Normas Regulamentadoras
do Trabalho, em especial na Norma Regulamentar no 15, regulamentada por meio da Portaria
no 3.214/1978.

O pagamento do adicional de insalubridade dependerá primeiro da caracterização da insalubridade


e de seu grau (mínimo, médio e máximo). Para os trabalhadores do RGPS o adicional varia de 10%,
20% e 40% respectivamente do salário-mínimo, que irá reverberar na alíquota do FGTS recolhido
pela empresa, no seguro de acidente de trabalho – SAT, e na concessão de uma aposentadoria
especial a estes trabalhadores. Para os trabalhadores/servidores vinculados aos Regimes Próprios
de Previdência Social o adicional varia de 5%, 10% e 20% do vencimento do cargo efetivo do servidor
(art. 12 da Lei no 8.271/1991).

Ressalta-se que o pagamento deste adicional cessa-se com a eliminação ou mitigação dos riscos
dentro dos limites de tolerância.

Apesar de a jurisprudência ter começado a dar novo entendimento, ainda é comum caracterizar que
se o empregador reconhecer a insalubridade e pagar o adicional, nada mais deve ao trabalhador,
mesmo em caso deste adoecer em função do ambiente ou função insalubre executada.

Deve o engenheiro de segurança do trabalho considerar que o estabelecimento


de um ambiente insalubre pode ou não gerar um adicional, pois nem todos os
riscos estão contemplados nas Normas Regulamentadoras do Ministério do
Trabalho e Emprego, e quando estão alguns parametros estão defasados, frente
a novos estudos.

Assim insalubridade não necessariamente é igual a adicional de insalubridade!

Adicional de periculosidade

São classificadas para a percepção do adicional de periculosidade as atividades que envolvam


“contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado” (art. 193
da CLT); a Norma Regulamentadora no 10 incluiu as atividades de eletricidade de alta tensão e a
Norma regulamentadora no 16 incluiu também a radiação ionizante.

A lógica deste caso diz respeito à definição de risco, pois diferentemente do adicional de insalubridade,
em que se pressupõem a redução da expectativa de vida, o adicional de periculosidade indica o risco
de perder a vida, pois em caso de acidente com explosivos, líquidos inflamáveis e eletricidade de
alta tensão, a chance de o trabalhador vir a óbito é extremamente elevada. Assim, o adicional de
periculosidade pode ser comparado grosso modo com um seguro prestamista que se incorpora na
remuneração do trabalhador ativo.

86
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

A concessão do adicional de periculosidade está amparada nas Normas Regulamentadoras no 10


e no 16 do Ministério do Trabalho e Emprego. Para os segurados do RGPS, diferentemente do
adicional de insalubridade, o adicional equivale a 30% do salário base do trabalhador, e para os
trabalhadores vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social o adicional equivale a 10% do
vencimento básico.

A percepção do adicional de periculosidade não indica a possibilidade de concessão de aposentadoria


especial.

É vedada a percepção de mais de um adicional, em caso do trabalhador fazer jus ao adicional de


insalubridade e também ao de periculosidade deverá optar por um deles.

Ressalta-se, como no caso da insalubridade, que o pagamento deste adicional cessa-se com a
eliminação do risco.

Não devemos confundir o pagamento deste adicional de periculosidade amparado pela CLT e pelas
Normas Regulamentadores do Trabalho com as diversas gratificações de periculosidade pagas a
policiais e atividades que implicam risco a integridade física, pois apesar de ter nomes semelhantes
possuem base técnica e legal distintas.

Adicional de penosidade
Trata-se de adicional reconhecido pela Constituição Federal (art. 7 inciso XXIII), mas que até a
presente data, não foi amparado por qualquer legislação infraconstitucional, as legislações que
tratam deste adicional a muito foram revogadas e tinham como mote a localização geográfica, isto
é, atividades em fronteiras.

Atualmente, o Estado Brasileiro reconhece como atividade penosa a atividade de ensino, mas com
reconhecimento apenas nas regras diferenciadas de aposentadoria, e não em ganho pecuniário por
meio de pagamento de adicional.

Adicional de irradiação ionizante


Este adicional é direcionado aos vinculados a diversos regimes próprios de Previdência Social,
garantindo o pagamento de 10% sobre o vencimento básico aos servidores expostos a irradiação
ionizante. Os beneficiários deste benefício fazem jus compulsoriamente a dois períodos de férias
de 20 dias por semestre, sendo vedada a vinculação a mais de um emprego, com exposição à
irradiação ionizante.

Para os vinculados ao RGPS vale o adicional de periculosidade.

87
CAPÍTULO 5
Visão acidentária da saúde
do trabalhador

Os acidentes do trabalho constituem o maior dos agravos à saúde dos trabalhadores brasileiros
e diferentemente do que o nome sugere, eles não são eventos acidentais ou fortuitos, mas sim
fenômenos socialmente determinados, previsíveis e preveníveis. Desde 1970, quando começam os
registros sistemáticos em âmbito nacional, mais de 30 milhões de acidentes foram comunicados,
provocando mais de 100 mil óbitos evitáveis entre brasileiros jovens e produtivos.

Definição de agravo à saúde do trabalhador


e acidente do trabalho
A definição de agravo103 é bem ampla e englobadora, vale para toda a população, independe se há
ou não incapacidade vinculada e inclui o acidente do trabalho. Agravo104 à saúde do trabalhador,
qualquer que seja, é entendido como lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou
síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive
morte, independentemente do tempo de latência.

Por sua vez, acidente do trabalho é mais restrito e depende dos requisitos colocados pela lei
previdenciária, nos termos dos artigos 19 e 20 da Lei no 8.213/1991. Acidente do trabalho (art. 19)
é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho do
empregado, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a
redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Ou seja, tem de ter incapacidade
e vale apenas aos empregados105.

Curiosidade: Se o acidente na mina San José, no Chile, em 5 de agosto de 2010, que


deixou confinado 33 mineiros em um refúgio a 700 metros abaixo da superfície,
durante 37 dias, fosse no Brasil não seria considerado acidente do trabalho
exatamente pelo fato de não ter havido incapacidade para o trabalho. Nesse caso,
não se ativaria norma previdenciária (o INSS não seria obrigado a pagar qualquer
espécie de benefício), cabendo à empresa empregadora dos mineiros pagar
salários normalmente. O direito ativado nesse caso foi o civil de ir e vir, jamais
o acidentário.

103 Definição do art. 1o da Portaria no 104, de 25 de janeiro de 2011 que faz alinhamento terminológico ao Regulamento Sanitário
Internacional 2005 (RSI 2005) afirma: I. Doença: significa uma enfermidade ou estado clínico, independentemente de origem
ou fonte, que represente ou possa representar um dano significativo para os seres humanos; II. Agravo: significa qualquer dano
à integridade física, mental e social dos indivíduos provocado por circunstâncias nocivas, como acidentes, intoxicações, abuso
de drogas e lesões auto ou heteroinfligidas; III. Evento: significa manifestação de doença ou uma ocorrência que apresente
potencial para causar doença.
104 Definido pelo art. 337 do Decreto no 6.042/2007.
105 Os trabalhadores avulsos (inciso VI) e os segurados especiais (inciso VII), ambos do artigo 11 da Lei no 8.213/1991, também
estão protegidos quanto às incapacidades decorrentes do acidente do trabalho. As considerações acidentárias feitas nesta obra
aos empregados se estendem a esses trabalhadores

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LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

No escopo acidentário (art. 20) estão contidas as doenças profissionais, as do trabalho e as concausais,
bem como, aquelas situações outras havidas no local e no horário do trabalho em consequência de
força maior, casos fortuitos, ação de terceiros, entre outros.

A figura a seguir demonstra esses conjuntos e definições legais.

Acidente de
Trabalho

Agravo a saúde do trabalhador


Definido pelo art. 337 do Decreto no 6.042/2007.

Agravo
Definido pelo art. 1o da Portaria no 104, de 25 de janeiro de 2011 do MS que faz
alinhamento terminológico ao Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005).

Notificação compulsória
As ações que visam à redução dos agravos relacionados ao trabalho dependem primordialmente
de informação; fundamental, portanto que todo trabalhador tenha a notificação e o registro do seu
agravo à saúde. Diz-se compulsória porque tal notificação deve ser feita, obrigatoriamente, por força
da legislação:

»» pela rede SUS, por força dos arts. 7o e 8o, da Lei no 6.259, de 30 de outubro de
1975, regulamentado pela Portaria no 104, de 25 de janeiro de 2011, cujo art. 7o
diz: A notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de saúde
médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários, biólogos, biomédicos,
farmacêuticos e outros no exercício da profissão, bem como os responsáveis por
organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e de ensino, para
todo e qualquer usuário do sistema;

»» pela empresa, por força do art. 22, Lei no 8.213/1991; para os segurado empregado,
trabalhador avulso e segurado especial;

»» pela empresa, por força do art. 169 da CLT, para os casos de trabalhador empregado.

89
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Existem três formas e determinações legais para notificar acidentes do trabalho, conforme ilustra a
figura seguir.

SINAN
§2 e §3 do art. 6o, Lei no 8.080/1990
o o

Art. 7o e 8o, Lei no 6.259/1975


CAT Previdenciária CAT Trabalhista
Port. 104 GM/MS, 25/1/2011
Art. 22 – Lei no 8.213 Art. 169, Lei no 6.514/1977
Art. 336 e § 2o do artigo 203 do RPS Alínea “a” do 7.4.8 da NR-7 – MTE
Inciso VII do art. 291 da IN 970 – RFB Anexo 13-A da NR-15 – MTE

Notificação
Compulsória

A figura demonstra que no Brasil existe uma sobreposição de três sistemas de notificações
(previdenciário, trabalhista e sanitário). Pela regra previdenciária, art. 22 da Lei no 8.213/1991,
existe o sistema restrito aos empregadores, o CAT-Web (Comunicação de Acidente do Trabalho –
CAT-INSS). Pela regra sanitária o SINAN-Net (Sistema de Informação de Agravos de Notificação),
no âmbito do SUS. O Ministério do Trabalho106 absteve-se elaborar um específico e adota o sistema
previdenciário (INSS). Discute-se a seguir os dois existentes.

Notificação compulsória – SINAN-Net


Como visto nos tópicos anteriores, a Lei no 8.080/1990 (LOS), veio regulamentar o SUS e dispor
sobre suas competências e, entre elas, a Atenção à Saúde do Trabalhador no Brasil. Dispositivos
emanados do Ministério da Saúde foram estabelecidos para instrumentalizar, especificamente as
notificações dos agravos em geral e aqueles relativos à Saúde do Trabalhador107.

O SINAN-Net, discutido na 3a CNST, em 2005, consiste em um sistema de vigilância epidemiológica


de base de dados da saúde do trabalhador implantado e gerenciado pelo Ministério da Saúde,

106 O Ministério do Trabalho, ainda que tenha competência de legislar nessa matéria, conforme artigo 169 da CLT, nunca definiu
seu sistema. Adota a regra previdenciária da CAT, inclusive usando a mesma sigla CAT.
107 Conforme: Os parágrafos 2o e 3o do art. 6o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes; A Lei no 10.778,
de 24 de novembro de 2003, que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a
mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados; O inciso I do art. 8o do Decreto no 78.231, de 12 de agosto
de 1976, que regulamenta a Lei no 6.259, de 30 de outubro de 1975, que dispõe sobre a organização das ações de vigilância
epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças;
O Decreto Legislativo no 395, de 9 de julho de 2009, que aprova o texto revisado do Regulamento Sanitário Internacional
2005, acordado na 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde, em 23 de maio de 2005; O Regulamento Sanitário
Internacional 2005, aprovado na 58ª Assembleia Geral, da Organização Mundial da Saúde, em 23 de maio de 2005; A Portaria
no 2.259/GM/MS, de 23 de novembro de 2005, que estabelece o Glossário de Terminologia de Vigilância Epidemiológica no
âmbito do Mercosul; A Portaria no 399/GM/MS, de 22 de fevereiro de 2006, que aprova e divulga as Diretrizes Operacionais do
Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS – com seus três componentes – Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão;
A Portaria no 2.728/GM/MS, de 11 de novembro de 2009, que dispõe sobre a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (Renast); A Portaria no 3.252/GM/MS, de 22 de dezembro de 2009, que aprova as diretrizes para execução e
financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e, finalmente, Portaria no
104, de 25 de janeiro de 2011.

90
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

alimentado a partir de informações coletadas pelos municípios e transferidas para o nível estadual
e federal. Tem por objetivo reunir, organizar, transferir e divulgar informações e dados dos
acidentes de trabalho, que são analisados e utilizados para permitir a tomada de decisão integrada
e descentralizada nos diversos níveis do sistema de saúde, bem como desenvolver projetos e ações
em Saúde do Trabalhador no campo da vigilância sanitária.

A partir desse sistema de notificação, faz-se a investigação de casos de doenças e agravos que constam
da lista nacional de doenças, agravos e eventos de notificação compulsória, conforme determina a
Portaria no 104, de 25 de janeiro de 2011, mas é facultado a estados e municípios incluir outros
problemas de saúde importantes em sua região.

Sua utilização efetiva permite a realização do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um evento


na população; podendo fornecer subsídios para explicações causais dos agravos sob notificação
compulsória, além de vir a indicar riscos aos quais as pessoas estão sujeitas, contribuindo, assim,
para a identificação da realidade epidemiológica para determinada área geográfica, grupo etário,
gênero, entre outros estratos.

O seu uso sistemático, de forma descentralizada, contribui para a democratização da informação,


permitindo que todos os profissionais de saúde tenham acesso à informação e as tornem disponíveis
para a comunidade. É, portanto, um instrumento relevante para auxiliar o planejamento da saúde,
definir prioridades de intervenção, além de permitir que seja avaliado o impacto das intervenções.

O SINAN é utilizado no nível administrativo mais periférico, ou seja, nas unidades de saúde, seguindo a
orientação de descentralização do SUS. A maioria das notificações é digitada nas Secretarias municipais
de saúde. Se o município não dispõe de computadores, os dados são incluídos no sistema nas regionais
de saúde.

A Ficha Individual de Notificação108 (FIN) é preenchida pelas unidades assistenciais para cada
paciente quando da suspeita da ocorrência de problema de saúde de notificação compulsória ou
de interesse nacional, estadual ou municipal. A comunicação das SES com a SVS deverá ocorrer
quinzenalmente, de acordo com o cronograma definido pela SVS no início de cada ano.

Caso os municípios não alimentem o banco de dados do SINAN por dois meses consecutivos, são
suspensos os repasses de recursos do SUS109. O sistema, além da Ficha Individual de Notificação (FIN)
e da Ficha de Notificação Negativa (FNN), ainda disponibiliza a Ficha Individual de Investigação
(FII), um roteiro de investigação, que possibilita a identificação da fonte de infecção, os mecanismos
de transmissão da doença e a confirmação ou descarte da suspeita.

Os agravos relacionados à Saúde do Trabalhador de notificação compulsória estão


listados na Portaria no 104, de 25 de janeiro de 2011. No Anexo II de forma geral e no
Anexo III de forma específica.

108 Há também o formulário de notificação negativa, que tem os mesmos prazos de entrega, serve para demonstrar que os
profissionais e o sistema de vigilância da área estão alertas para evitar a subnotificação
109 Há também o formulário de notificação negativa, que tem os mesmos prazos de entrega, serve para demonstrar que os
profissionais e o sistema de vigilância da área estão alertas para evitar a subnotificação

91
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Lista 1: Listagem de agravos de notificação


compulsória relacionados à Saúde do
Trabalhador

ANEXO II
Lista de Notificação Compulsória Imediata – LNCI

[...]

6. Outros eventos de potencial relevância em saúde pública, após a avaliação de


risco de acordo com o Anexo II do RSI 2005, destacando-se:

a. alteração no padrão epidemiológico de doença conhecida,


independentemente de constar no Anexo I desta Portaria;

b. doença de origem desconhecida;

c. exposição a contaminantes químicos;

d. exposição à água para consumo humano fora dos padrões preconizados


pela SVS;

e. exposição ao ar contaminado, fora dos padrões preconizados pela


Resolução do CONAMA;

f. acidentes envolvendo radiações ionizantes e não ionizantes por fontes


não controladas, por fontes utilizadas nas atividades industriais ou
médicas e acidentes de transporte com produtos radioativos da classe 7
da ONU.

ANEXO III

Lista de Notificação Compulsória em Unidades Sentinelas – LNCS

1. Acidente com exposição a material biológico relacionado ao trabalho.

2. Acidente de trabalho com mutilações.

3. Acidente de trabalho em crianças e adolescentes.

4. Acidente de trabalho fatal.

5. Câncer relacionado ao trabalho.

6. Dermatoses ocupacionais.

7. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho – DORT.

8. Influenza humana.

9. Perda auditiva induzida por ruído – PAIR relacionada ao trabalho.

92
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

10. Pneumoconioses relacionadas ao trabalho.

11. Pneumonias.

12. Rotavírus.

13. Toxoplasmose adquirida na gestação e congênita.

14. Transtornos mentais relacionados ao trabalho.

O SINAN-Net alcança uma maior população de trabalhadores, pois, além dos empregados, são
notificados casos de servidores públicos, autônomos, desempregados, militares etc. Assim, do ponto
de vista quantitativo, é praticamente impossível comparar os dados notificados no SINAN-Net com
a CAT-Web, que, por sua vez, do ponto de vista qualitativo, é impróprio devido ao frequente não
registro no CAT-Web decorrente da negligência quanto à investigação clínica para esclarecimento
da origem dessas doenças.

A título de exemplo indica-se a ficha de LER-DORT preenchida no SINAN-Net, disponível em


<http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/index.php>, conforme a figura a seguir.

Figura: Ficha de LER-DORT preenchida no SINAN-Net

Notificação compulsória – CAT-Web


A CAT110 é o instrumento de registro dos casos de acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao
trabalho, porém de registro limitado, pois compreende apenas os trabalhadores em regime celetista
110 Art. 22 da Lei no 8.213/1991 – A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1o (primeiro) dia
útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o
limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada
pela Previdência Social.

93
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

(CLT), sendo excluídos empregados domésticos, servidores públicos, militares, autônomos, grande
parte dos trabalhadores rurais e todos aqueles do mercado informal de trabalho.

O sistema CAT-Web foi determinado pelo § 2o do artigo 203 do Regulamento da Previdência Social
que diz: O Instituto Nacional do Seguro Social, com base principalmente na comunicação prevista
no art. 336, implementará sistema de controle e acompanhamento de acidentes do trabalho ao
atender ao art. 22 da Lei no 8.213/1991.

O fluxo da CAT até seu registro no INSS depende, em grande parte, de ato voluntário do empregador;
do preenchimento do atestado médico contido no item II do formulário pelo médico que atendeu o
acidentado; e do seu encaminhamento à agência do INSS da área de ocorrência do acidente.

O sistema CAT-Web tem um vício de origem que o faz reconhecidamente ineficaz, em decorrência,
principalmente, da sonegação de emissão. Um obstáculo para o planejamento e a implementação de
políticas de prevenção de acidentes do trabalho é a precária validade destas informações.

Historicamente, por vários motivos e distintas naturezas aqui discutidos, a doença incapacitante,
por mais de 15 dias, teve reduzida sua vinculação ao trabalho. O sistema acidentário modelado pelo
legislativo Brasileiro em 1967 para a Previdência Social, a partir do risco social tem na CAT a sua
fonte primária, cuja sonegação é indiscutível.

A sonegação da CAT está enraizada e demarcada por aspectos políticos, econômicos, jurídicos e
sociais, a seguir relacionados.

»» O acidente-doença ocupacional é considerado pejorativo, por isso as empresas


evitam que o dado apareça nas estatísticas oficiais.

»» Para evitar início do reconhecimento da estabilidade no emprego – que é de um


ano de duração a partir do retorno –, bem como a liberdade de poder despedir o
trabalhador a qualquer tempo.

»» Para não se depositar a contribuição devida de 8% do salário, em conta do FGTS,


correspondente ao período de afastamento.

»» Para não se reconhecer os fatores de riscos de doença ocupacional e com isso não
recolher a contribuição específica correspondente ao custeio da aposentadoria
especial para os trabalhadores expostos.

»» A CAT emitida pela empresa é considerada palavra final e inquestionável sobre o Nexo
Técnico Previdenciário – NTP, quando na verdade é somente um ato administrativo
que carece de verificação, investigação e julgamento a partir de outras evidências.
A CAT é tida como ato médico – o INSS historicamente não aceita CAT sem a seção
do atestado médico, ainda que não esteja na lei, na qual o médico tem palavra final,
embora se saiba do caráter multidisciplinar do tema da saúde do trabalhador.

»» A CAT, sob o prisma do empregador, funciona como confissão de culpa com


consequências penais, cíveis, previdenciárias e trabalhistas; as doenças do trabalho
têm múltiplos fatores etiogênicos que concorrem entre si e complicam a afirmação

94
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

do diagnóstico. Agravado pelo não imediatismo entre a exposição e a doença, no


qual a manifestação mórbida (sinal, sintoma, distúrbio ou doença) ocorre dias,
meses, anos, às vezes, vários contratos de trabalho depois da exposição inicial.

»» O afastamento é ocupacional ou não? Diante da dúvida é mais confortável para a


Medicina do Trabalho afirmar que é não ocupacional – não emitir a CAT –, isso
porque é mais fácil atribuir a causalidade da doença a outros fatores que não o
trabalho, considerando que o trabalho pode ser causa suficiente, mas não necessária.

Em 2006, foram registrados no Brasil 503.890 acidentes e doenças do trabalho em uma população
de 26.576.068, tendo um coeficiente de incidência correspondente a 1,89%. No mesmo ano, na
Argentina, foram registrados 600.000 acidentes e doenças do trabalho em uma população segurada
de 6 milhões de trabalhadores, com um coeficiente de incidência de 10%.

Os dados oficiais publicados pelo Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS de 1990 a 2005
sugerem a subnotificação dos acidentes do trabalho. A tabela abaixo destaca cinco dos 16 anos desse
período, quanto à concessão de benefício auxílio-doença. Evidencia-se, em 2005, que apenas 8%
dos benefícios são acidentários, em que pese a definição amplíssima da definição acidentária.

Tabela 1: Distribuição dos benefícios por incapacidade temporária do INSS – 1990 a 2005 – MPS/AEPS – Brasil.

ANO AUXÍLIO DOENÇA AUXÍLIO – DOENÇA


PREVIDENCIÁRIO (B31) % ACIDENTÁRIO (B91)%
1990 88 12
1994 79 21
1998 81 19
2002 88 12
2005 92 08

Finalmente, em 1998, se inicia um movimento de integração. O Ministério da Previdência Social publica


o Decreto no 3.048/1999 com o Anexo II, ao acatar na íntegra a Portaria nº 1.339/GMv do Ministério
da Saúde, unificando assim listagem oficial das doenças originadas no processo de trabalho, com o
objetivo de tornar pública a Lista de Doenças relacionadas ao Trabalho. Dos 27 agentes patogênicos
relacionados identificam-se cerca de 200 entidades nosológicas específicas. Tal unificação colabora no
estabelecimento de políticas públicas no campo da vigilância da saúde dos trabalhadores.

A ficha modelo CAT está disponível em <http://www.mps.gov.br/conteudoDin


amico.php?id=297>.

Tipologia acidentária: critérios para atribuição


acidentária à incapacidade laboral
Nexo é a relação de causalidade (ou não), direta ou indireta, imediata ou mediata, que se estabelece
entre o meio ambiente do trabalho e o agravo à saúde do trabalhador em que esse trabalho foi ou é
realizado. De forma que se compreendem como nexos as situações segundo as quais o trabalhador

95
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

submetido ao meio ambiente do trabalho de alguma forma desenvolve (agudo ou crônico) um


agravo à saúde. Pode ser positivo ou negativo. Positivo quando há essa relação de causalidade entre
o meio ambiente do trabalho e o agravo; e, negativo, quando não houver essa relação.

Figura: Diagrama sobre nexo técnico entre meio ambiente do trabalho e agravo.

Meio Ambiente do AGRAVO À SAÚDE DO


NEXO TÉCNICO
Trabalho TRABALHADOR

Meio ambiente do trabalho engloba a forma como se organiza o empreendimento empregador ao


considerar os fatores químicos, físicos e biológicos intrínsecos ao processo produtivo, bem como as
características socioeconômicas e psicoergonômicas, inclusive de relacionamento interpessoal, as
quais está submetida à pessoa que trabalha.

Adjetiva-se de técnico o nexo porque o objeto de investigação científica que o define está circunscrito
às disciplinas demografia, economia, epidemiologia, engenharia, estatística, ciências da saúde, entre
outras. Daí a designação nexo técnico.

Antes, porém, de adentrarmos à discussão sobre essas espécies de nexo, para melhor compreensão,
vale a pena discorrer sobre a categoria causalidade dos eventos adversos à saúde – questão central
da epidemiologia e bastante complexa.

A epidemiologia em seus primórdios foi influenciada por conceitos unicausais da determinação


das doenças, derivados principalmente do desenvolvimento da microbiologia. De acordo com
essa concepção, a cada doença infecciosa deve corresponder um agente etiológico específico.
Por esse modelo, há uma conexão direta singela e singular entre um elemento predecessor
(agente) e um consequente (desfecho clínico ou agravo). No contexto de saúde do trabalhador,
legalmente falando, tem-se que um agente determina uma doença profissional, conforme mais à
frente discutido.

Já nas primeiras décadas do século XX, verifica-se que essa teoria não se adequava à compreensão
da maioria das doenças infecciosas ou não infecciosas, restringindo a sua aplicabilidade.

Evolui-se progressivamente à percepção de que vários agentes (fatores) e não somente uma única
causa – estavam relacionados com a ocorrência das doenças. Nesse modelo (multicausal) há uma
conexão indireta, complexa e plural entre alguns elementos predecessores (agente passa a ser
chamado de fator etiológico) e um consequente (desfecho clínico ou agravo).

Em outras palavras, na multicausalidade (causação indireta) o fator A causa a doença B, mas por
meio da interação de um ou mais fatores adicionais (fatores X, Y...), que podem ser entendidos
como fatores de risco. Na biologia humana, raramente o processo causal está associado diretamente
a um único fator. Na sequência da evolução do conhecimento humano, portanto, incorpora-se a
concepção multicausal à epidemiologia para fins de determinação do processo agravo-saúde, passa-
se a adotar a nomenclatura de perigo, risco e de fator de risco, segunda a qual:

96
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» perigo é a situação, coisa ou condição potencialmente capaz de gerar um dano


à saúde;

»» risco é a probabilidade de ocorrência de um particular agravo à saúde – probabilidade


desse perigo se consumar;

»» fator de risco é o elemento ou característica positivamente associado ao risco (ou


probabilidade) de desenvolver tal agravo.

Para melhor visualização, apresenta-se a seguir alguns diagramas. O que é mais perigoso, viajar de
ônibus ou de avião a jato? De supetão diríamos que é ônibus o mais perigoso a final quase todos os
dias há notícias envolvendo tragédias rodoviárias.

Todavia a resposta correta é de avião, pois as energias (potencial e cinética) relacionadas ao


deslocamento aéreo são milhares de vezes maiores que àquelas terrestres, situação que torna
milagre a possibilidade de haver sobrevivente pós-acidente aeronáutico.

Teoria do risco = perigo (mais ou menos danoso) x probabilidade (mais ou menos frequente),
na sequencia há um esquema para dimensionamento do risco com base nesses dois parâmetros:
severidade e probabilidade.

Quadro 3: Roteiro de dimensionamento do risco

SEVERIDADE (?) LIGEIRAMENTE DANOSO DANOSO EXTREMAMENTE DANOSO


Superficiais Lacerações; Amputação; fraturas maiores;
RISCO (?)
irritação... queimaduras doenças crônicas
BAIXA RARAS VEZES
PROBABILIDADE MÉDIA ALGUMAS VEZES
ALTA REPETIDAS VEZES

P\S LIGEIRAMENTE DANOSO DANOSO EXTREMAMENTE DANOSO


BAIXA RISCO TRIVIAL RISCO TOLERÁVEL RISCO MODERADO
MÉDIA RISCO TOLERÁVEL RISCO MODERADO RISCO IMPORTANTE
ALTA RISCO MODERADO RISCO IMPORTANTE RISCO INTOLERÁVEL
RISCO CONTIGÊNCIA
TRIVIAL Não se requer ação específica
TOLERÁVEL Manter prevenção atual; requer comprovação periódica; teste de eficiência
MODERADO Exige esforço de melhoria; investimento específico; cronograma determinado; se estiver associado a
extremamente danoso há necessidade de reestimar probabilidade para fins de melhora das medidas de
controle...
IMPORTANTE Não se deve começar o trabalho antes da redução do risco; necessidade de aporte de recurso para controlar o
risco; tempo inferior que o moderado...
INTOLERÁVEL Não se deve trabalhar; ainda que haja recurso ilimitado; impossível reduzir risco; PROIBIR

Destacam-se na doutrina científica quatro tipos de fatores que intervêm na causalidade dos agravos,
os quais atuam como causas necessárias ou como causas suficientes ou ambas, a saber.

»» Fatores predisponentes, como idade, sexo, existência prévia de agravos à saúde, que
podem criar condições favoráveis ao agravo.

97
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» Fatores facilitadores, como alimentação inadequada sob o aspecto quantitativo ou


qualitativo, condições habitacionais precárias, acesso difícil à assistência médica,
que podem facilitar o aparecimento e o desenvolvimento de agravos.

»» Fatores desencadeantes, como a exposição a agentes específicos e patogênicos que


podem associar-se ao aparecimento de um agravo.

»» Fatores potencializadores, como a exposição repetida ou por tempo prolongado a


condições adversas de trabalho, que podem acentuar um agravo já estabelecido.

Fatores de riscos à saúde do trabalhador


classicamente considerados
Classicamente, os fatores de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores,
presentes ou relacionados ao trabalho, podem ser classificados em cinco grandes
grupos:

»» físicos: ruido, vibração, radiação ionizante e não ionizante, temperaturas


extremas (frio e calor), pressão atmosférica anormal, entre outros;

»» químicos: agentes e substâncias químicas, sob a forma líquida, gasosa


ou de partículas e poeiras minerais e vegetais, comuns nos processos de
trabalho;

»» biológicos: vírus, bactérias, parasitas, geralmente associados ao trabalho


em hospitais, laboratórios e na agricultura e pecuária;

»» ergonômico e psicossociais: decorrem da organização e gestão do


trabalho, como, por exemplo, da utilização de equipamentos, máquinas
e mobiliário inadequados, levando a posturas e posições incorretas;
locais adaptados com más condições de iluminação, ventilação e
de conforto para os trabalhadores; trabalho em turnos e noturno;
monotonia ou ritmo de trabalho excessivo, exigências de produtividade,
relações de trabalho autoritárias, falhas no treinamento e surpervisão
dos trabalhadores, entre outros;

»» mecânico e de acidentes: ligados à proteção das máquinas, arranjo


físico, ordem e limpeza do ambiente de trabalho, sinalização, rotulagem
de produtos e outros que podem levar a acidentes do trabalhos.

Identificam-se diferentes fatores de risco para uma mesma doença, o que pressupõe a existência de
uma rede de fatores ligados à causalidade – a doença coronariana, que apresenta diferentes fatores
de risco, entre eles o estresse, o hábito do tabagismo, a hipertensão arterial, a vida sedentária, hábitos
alimentares. A força de cada fator como determinante do agravo pode ser variável. Da mesma forma,
existem fatores de risco associados a mais de um agravo – o tabagismo pode constituir fator de risco
para mais de uma doença, o câncer de pulmão e a doença coronariana.

98
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Pode-se compreender a categoria causalidade como um complexo de múltiplas condições propícias


que, reunidas em configurações adequadas, aumentam a probabilidade (ou risco) de ocorrência de
determinado agravo.

Adequando essa definição ao mundo empresarial que subordina a mão de obra para fins de geração
de riqueza é possível dizer que a causalidade dos agravos (acidente do trabalho, em sentido amplo
agudo e crônico) ao meio ambiente do trabalho está positivamente associada à forma como esse
trabalho é organizado pelos detentores do poder econômico; à exposição ostensiva e concorrente
aos fatores de riscos químicos, físicos, biológicos; à organização do trabalho que subliminarmente,
ou não, sujeita o trabalhador a medo, alterações de humor, sofrimento e assédio de toda ordem.

Adita-se que essa massa de trabalhadores é escolhida em função dos requisitos admissibilidade,
elaborados pela classe econômica, tais como socioeconômicos, acadêmicos, culturais, étnicos,
entre outros.

Fecha-se esse parêntese epistemológico indicando que essa teorização foi a base da positivação
sanitária laboral na legislação brasileira111 , conforme à frente esmiuçado, no contexto de saúde
112

do trabalhador de forma que um fator etiológico predispõe, facilita, desencadeia ou potencializa


uma doença do trabalho (modelo multicausal) enquanto o agente determina a doença profissional
(modelo unicausal).

Nexos Técnicos
A mecânica de concessão dos benefícios acidentários por parte do INSS passava, antes do advento
do NTEP, por pressupostos arraigados, de forma atávica, à Medicina do Trabalho, segundo os quais
era mais confortável dar o benefício previdenciário (B-31) sem vinculá-lo ao meio ambiente de
trabalho (não acidentário) que o contrário. Assim, fazia-se proteção social – afinal o incapaz tinha
um sustento mínimo – sem se indispor com o empresário.

O instituto da dúvida sequer era aventado, pois invariavelmente se questionava a etiogenia


acidentária quando o trabalhador não trazia consigo uma CAT. Era automático: sem CAT, concede-
se B-31. Subjazia o dogma de que trabalhar faz bem, chancelado pela afirmação de que “Deus ajuda a
quem cedo madruga”; ou, “o trabalho dignifica o homem”; ou, ainda, “fatalidade é obra do destino”.
O poderio neurolinguístico dessas épicas citações é avassalador.
.

Como a Medicina do Trabalho, nessa contracorrente ideológica, poderia afirmar


relação de causa e efeito entre a empresa e a doença de quem nela trabalha?

Para evitar o embate com os detentores do poder, seria necessário criar protocolos médicos bem
definidos, altamente sensíveis, que dessem cobertura113 à Medicina Pericial do INSS e à Medicina
111 Anexo II do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto no 3.048/1999.
112 Portaria do Ministério da Saúde no 104 (28 janeiro de 2011) que lista as doenças do trabalho, bem como disciplina a notificação
compulsória.
113 O autor entende por cobertura todo o arsenal político, ético e econômico, inclusive com uso de instrumentos protetivos da
corporação mediante resoluções do CFM, bem como sobre instruções normativas do INSS, que são levadas a se submeter,
indevidamente, àquelas resoluções. CFM e INSS são autarquias públicas federais e não devem subordinação uma à outra.

99
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Empresarial para essas situações de exceção, dada a ideologia dominante do não acidente; do falso-
negativo; na dúvida não é acidente do trabalho. Isso para acidente com derramamento de sangue.
Imagine-se, àqueles agravos não traumáticos! Eis o Nexo Técnico.

É desse caldo que nasce a teoria do Nexo Técnico, segundo a qual a Medicina Empresarial e a
Medicina Pericial do INSS só – e, tão somente – poderiam afirmar o acidente do trabalho se – e,
somente se – a procedimentalização técnica, construída por elas, correlacionasse, de forma rigorosa,
o agravo e o meio ambiente do trabalho numa relação de causa e efeito.

Tem-se o Nexo Técnico que consiste em estabelecer uma relação de causalidade entre empresa e
agravo (nexo) segundo referencial teórico da semiologia médica reportada ao indivíduo (técnico).
Assim, olhando um indivíduo doente, é impossível fazer o diagnóstico diferencial acidentário, pois
o olhar médico-clínico sobre apenas um indivíduo – e não sobre a população da qual ele se origina
– impossibilita de plano o desfecho clínico acidentário, salvo para as situações ululantes de fratura
exposta ou óbito (traumático).

Pronto. Fecha-se o circuito protetivo do acidente do trabalho à esfera corporativa médica; transforma-se
um documento meramente administrativo, a CAT, (de direito público) para fins estatísticos, em ato
médico (de direito privado); regula-se esse ato médico pelas resoluções do CFM e pelas orientações
internas do INSS, ambas produzidas pelas respectivas medicinas; subverte e traveste o sigilo do
paciente em sigilo do médico; por ser sigiloso não há controle social.

Moto contínuo, esse fluxo viciado explica a supernotificação de incapacidades, todavia não
acidentária (aquela do tipo “foi Deus que quis”) escancarada nos grandes números previdenciários
a expensas do Estado, conforme demonstra o comparativo de benefício previdenciário versus
acidentários apresentado na figura 4.

Figura 4. Prevalência dos benefícios – acidentários e previdenciários – permanentes e temporários.


2000 a 2006. Brasil.

100
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Estarrecedora a evidência de que 90,7% dos benefícios 114


(80,2% de B-31 mais 10,5% de B-32)
não são relacionados ao trabalho, já que as explicações da Medicina do Trabalho das empresas
e do INSS são baseadas na ideologia do falso negativo, como visto, a partir do singelo raciocínio
da clínica individual corroborada pela falta de provas por parte do trabalhador sob o mantra da
ausência de CAT.

É importantíssimo que se registre a deferência que o autor nutre por essas medicinas (pericial
do INSS e empresarial), principalmente pelo papel social e sua contribuição para o atual estado
da arte. De forma honesta é bom que se diga que a crítica feroz aqui desenvolvida diz respeito
apenas à estagnação científica e à resistência, muitas vezes velada, aos novos referenciais teóricos,
notadamente àqueles que embasam o NTEP, cujo suporte gnosiológico vai para muito além da
semiologia médica. Não há da parte do autor outro ânimo que não esse.

Com essa pavimentação ideológica e política sobre os procedimentos e a ética médicos, é possível
agora voltar para a discussão técnica sobre a tipologia acidentária com a ajuda de exemplos e
cenários, a saber.

Exemplo do João Dolorido: João tossia bastante enquanto trabalhava limpando piso de uma
seção numa indústria química e por desventura caiu, fraturando o braço. Prestado atendimento,
aproveitou-se para proceder à bateria de exames, inclusive laboratoriais. Verificou-se alteração no
resultado dos exames de sangue e urina, bem como quadro de dermatose alérgica e problemas
respiratórios, muito possivelmente decorrente das tarefas que o expõem às substâncias químicas e à
poeira em suspensão. Por tratar-se de duração maior que 15 dias foi feito encaminhamento à perícia
do INSS com registro da CAT (trauma).

A definição de agravo, apresentada no caso alcança as duas dimensões: aguda e


crônica – lesão, dermatose, alergia e asma. Entretanto, nesse caso de João, apenas o
agravo de lesão decorrente da queda o incapacitou e por isso é considerado acidente
do trabalho, pois a contaminação, apesar de ser um agravo, nesse exemplo, não
produziu incapacidade. Todavia as perguntas fundamentais são: lesão, dermatose,
alergia e pneumoconiose decorreram, direta ou indiretamente, do meio ambiente
do trabalho?

Essas respostas são dadas a partir do conhecimento e da aplicação dos tipos de nexo entre o trabalho
e o agravo, positivados pela Lei no 8.213/1991 entre os artigos 19 e 23, bem como pelo Anexo II do
RPS, Decreto no 3.048/1999, com força de lei por atribuição expressa do art. 20 dessa mesma lei,
didaticamente separados a seguir em oito tipos.

Tipo I – Nexo Técnico por lesão corporal aguda


É atribuído a partir da constatação de agravo abrupto e traumático produzido ou decorrente do
meio ambiente do trabalho, podendo ser agudo ou subagudo115. Tais ocorrências têm por condição o

114 Conforme discutido em capítulo próprio os benefícios destacados na tabela são: Auxílio Doença (Espécie – B31 previdenciário
ou B91 acidentário) e Aposentadoria por invalidez (Espécie – B32 previdenciário ou B92 acidentário).
115 Nomenclatura para intervalo assim medido do momento da exposição até o desfecho clinico: Aguda, até 3 dias; Subaguda, de
3 dias a 3 semanas e Crônica, para período superior a 3 semanas.

101
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

exíguo tempo entre a exposição e o desfecho clínico incapacitante. A conclusão afirmativa por esse
tipo de nexo é bastante facilitada exatamente pela proximidade temporal entre o ataque (exposição)
e o desfecho (lesão). Exemplo: trabalho a céu aberto, picada de cobra e náuseas/vômitos; operação
de pintura, queda em desnível e fratura; alimentação no trabalho e intoxicação alimentar.

Essa característica de presencialidade faz com que esse tipo de nexo seja de mais fácil atribuição
e por isso se tornou o mais comum, principalmente para lesão corporal com derramamento de
sangue, ao ponto de erroneamente a este se denominar acidente típico.

Diz-se errôneo chamar de acidente típico aquele acontecimento em que houve lesão corporal aguda
porque o que vincula a tipicidade é a relação meio ambiente do trabalho e agravo (nexo) e não o
desfecho (lesão).

Em outras palavras, é típico porque é estatisticamente normal que tais acontecimentos ocorram
para determinados meio ambiente de trabalho. Assim para trabalhadores de empresas financeiras
um transtorno mental é típico; enquanto uma entorse de tornozelo seria atípica. Eis um engodo do
referencial médico ocupacional fartamente usado na literatura e inclusive em formulários como a
CAT, que usam campo do tipo: “acidente típico”.

Tipo II – Nexo Técnico por doença profissional


É atribuído a partir das associações116 entre patologias (agravos à saúde) e exposições (agente
etiológico)117 constantes nas listas do anexo II do RPS, cuja etiogenia é específica, pois há uma
associação importante e direta entre a exposição e o desfecho clínico, segundo a qual a presença
da exposição (trabalhar) é necessária ainda que não suficiente, para o desenvolvimento do
agravo incapacitante.

Por exemplo, para o desfecho silicose, necessário se faz a exposição importante e consistente à sílica
(poeira de quartzo), ainda que seja possível que aquela não ocorra em casos análogos de exposição.

Tipo III – Nexo Técnico por doença do trabalho


É atribuído a partir das associações118 entre patologias (agravos à saúde) e exposições (fator de risco)
constantes nas listas do anexo II do RPS, cuja etiogenia é inespecífica, pois há uma associação indireta
entre a exposição (trabalhar) e suficiente, ainda que não seja necessária, para o desenvolvimento do
agravo incapacitante.

Por exemplo, para desfechos do tipo hipertensão arterial sistêmica, doença coronariana, distúrbio
osteomuscular, transtorno mental, câncer, varizes dos membros inferiores, diabetes não é necessário
trabalhar para desenvolvê-la, porém alguns processos produtivos são suficientes a tais desfechos.

116 Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença
profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e
constante da respectiva relação elaborada pelo MPS.
117 Agente etiológico é a denominação dada ao agente necessário, nem sempre suficiente, causador de um agravo à saúde do
trabalhador.
118 Art. 20 [...] II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que
o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

102
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Tipo IV – Nexo Técnico excepcional


É aquele definido segundo as evidências colhidas pelas Medicinas Assistencial e da Empresa, bem
como pela Pericial do INSS para situações excepcionais, segundo as quais a doença não incluída no
Anexo II do RPS (relação prevista nos incisos I e II do art. 20 da Lei no 8.213/1991) resultou das
condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência
Social deve considerá-la acidente do trabalho119.

Por exemplo, uma infecção urinária em trabalhadora cujo regime de trabalho não permite idas
livres e espontâneas, sem constrangimentos, ao banheiro.

Outro exemplo são as diabetes em ambientes de trabalho segundo os quais não há dieta alimentar
compatível, ou importante sedentarismo, ou ainda, de forma combinada ou não, a obesidade
decorrente dessa forma que o trabalho se organiza.

Esse é o grande desafio à ciência: tentar diminuir a distância entre o conhecimento e a realidade
mórbida, pois aquela sempre está atrasada em relação a esta.

Tipo V – Nexo Técnico aetiogênico


Quando por definição legal (art. 21 da Lei no 8.213/1991), há eventos que não guardam nenhuma
relação de causalidade (etiogenia) entre o meio ambiente de trabalho da empresa e o agravo à saúde,
mas por ficção legal, é considerado acidente do trabalho.

Como exemplo: aquele que ocorre no trajeto casa-empresa-casa, chamado acidente de trabalho
(trajeto ou intinere); a lesão durante prática esportiva ou ainda em curso (treinamento), patrocinados
pela empresa; ou mesmo decorrente de violência de outrem ou força maior. Nesses casos o nexo de
causalidade é administrativo e não etiogênico, pois basta a situação fática se enquadrar na descrição
legal para se efetivar a causalidade.

Tipo VI – Nexo Técnico concausal


Para aquelas situações em que o trabalho provoca distúrbio latente ou agrava doença já estabelecida
ou preexistente. Diz-se que há concausalidade do trabalhar com adoecer.

Exemplifica agravos concausados pelo trabalho com doenças alérgicas de pele, respiratórias ou
distúrbios mentais em função da forma como se organiza o meio ambiente do trabalho. Por definição
legal, equipara-se a acidente do trabalho.

Tipo VII – Nexo Técnico epidemiológico


previdenciário – NTEP
É atribuído a partir das associações entre patologias120 (agravos à saúde, conforme Classificação
Internacional de Doenças – CID) e exposições (fatores de riscos sintetizados pela Classificação
119 § 2o do art. 20 da Lei no 8.213/1991: Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos
incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a
Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
120 Art. 20 [...] II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que
o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

103
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Nacional de Atividade Econômica – CNAE) constantes do anexo II do RPS, inclusão dada pelos
Decretos no 6.042/2007 e 6.957/2009. Esta espécie de nexo será tratada em destaque mais
à frente.

Tipo VIII – Nexo Técnico acidentário negativo

É atribuído a partir de estudos, pesquisas e investigações que excluem absolutamente o meio ambiente
do trabalho como fator predisponentes; facilitador; desencadeante; potencializador ou determinante
do agravo.

Em outras palavras, como a ordem jurídica dispôs todos os tipos possíveis de nexos técnicos positivos
(os acima indicados), bem como, definiu em lista aberta e exemplificativa as possíveis associações
entre patologias e agentes etiológicos ou fatores de risco, cabe ao juiz da matéria – a Medicina
Assistencial, Medicina da Empresa, Medicina Pericial do INSS e Medicina da Empresa Seguradora
(plano de saúde/seguro privado), conforme o caso, asseverar de modo peremptório, devidamente
fundamentado, para cada caso, que determinado agravo não decorreu, absolutamente, do meio
ambiente do trabalho.

Para as situações em que o meio ambiente de trabalho possa ter contribuído direta ou indiretamente
para o agravo crônico (situações etiogênicas), a fim de se estabelecer o nexo técnico (exceto o Nexo
Tipo V121), a Medicina Assistencial (aquela que primeiramente atende ao trabalhador), a Medicina da
Empresa (diretamente contratado ou não) para os afastamentos até 15 dias, a Medicina Pericial do
INSS, do décimo sexto dia em diante e a Medicina da Seguradora Privada, têm que afirmar o tipo de
nexo entre o trabalho e o agravo, para tanto deverão perscrutar as possibilidades de enquadramento
a partir dos seguintes procedimentos, nessa ordem:

1. recorrer à lista exemplificativa de doenças profissionais ou do trabalho122, constante


no Anexo II do RPS (nexo técnico profissional ou do trabalho) – Nexos Tipo II e III;

2. recorrer às matrizes que estabelecem NTEP entre a atividade da empresa e a


entidade mórbida motivadora da incapacidade, constantes da Lista C do Anexo II
do RPS – Nexo Tipo VII;

3. promover investigação e análise do caso concreto, subsidiada pelo exame clínico,


pelos exames complementares, histórico laboral, estudo e análise do processo
produtivo e estrutura e forma organizacional, entre outros elementos para fins de
deslinde e diagnóstico diferencial – Nexos Tipos IV e VI.

O fluxograma para afirmação do nexo negativo seguindo a ordenação acima disposta de


procedimentos é basicamente aquele descrito na figura 5.

121 Excetua-se da abordagem da medicina apenas o estabelecimento do Nexo Tipo V, uma vez que este é de natureza administrativa,
por ficção legal.
122 Lista disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm>

104
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Figura 5: Fluxograma para tipologia das incapacidades

Bem, agora com essa pavimentação jurídico-teórica, tem-se condições de avançar na discussão e
retomar o exemplo-caso do Sr. João Dolorido.

Para a lesão corporal traumática (fratura do braço) o nexo atribuído é do tipo I. Em que pese não o
incapacitarem para o trabalho, os demais agravos terão nexos firmados segundo os tipos:

»» III (do trabalho), pois a alteração hematopoiética (sangue) tem associação com
substâncias químicas presentes no meio ambiente do trabalho da indústria química;

»» III (do trabalho), pois os problemas respiratórios (inclusive asma) têm associação
com poeiras em suspensão presentes no meio ambiente do trabalho da indústria
química e, finalmente;

»» VI (concausal), pois Joao Dolorido – com alergia preexistente – teve quadro alérgico
agravado quando saiu do escritório da empresa e passou a trabalhar no galpão.

Aproveitando o exemplo do Joao Dolorido, que durante algum tempo foi submetido a esforços
repetitivos, provenientes da atividade de escovação e vassouramento, desencadeou dorsopatia
(M54) incapacitante por 10 dias. Nesse ponto, configura-se como acidente do trabalho, atribuído
pelo Tipo III segundo o qual o trabalho foi um fator suficiente, porém não necessário ao agravo.

Detalhe: quem firmou o nexo foi a Medicina Assistencial confirmada pela Medicina da Empresa, sem
qualquer participação ou interface com o INSS. Cabe à empresa informar na Guia de Informação
à Previdência Social e Recolhimento do FGTS – GFIP o código de afastamento inferior a 15 dias
(código tipo – O3)123.

123 Vide manual GFIP – Aprovado pela IN RFB no 880, de 16/10/2008. Acidente do trabalho inferior a 15 dias. <http://www.
receita.fazenda.gov.br/previdencia/GFIP/GFIP3ManForm.htm>.

105
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Quanto ao fato de respirar poeiras de sílica (areia), tem a incapacidade por pneumoconiose
configurada como acidente do trabalho, todavia atribuído Nexo Tipo II (profissional), pois, na
verdade, a pneumoconiose é específica da sílica presente na poeira – silicose.

Como se depreende de tudo aqui exposto, para se firmar o Nexo Tipo VIII (negativo) só é possível
mediante exclusão da existência de todos os outros.

O dono do meio ambiente passa a constar do polo passivo das relações sociais e, nessa qualidade,
tem que prestar contas à sociedade. Essas contas são prestadas mediante a inversão do ônus da
prova, que passa ao contratante, quando seu empregado é acometido de doença incapacitante
associada ao CNAE respectivo.

Essa regra jurídica resgata a referência ambiental e assume o princípio de que quem tem os meios
de produzir as provas, tem o ônus; e, por conseguinte, confere a justiça social, ao tempo que diminui
a burocracia do INSS.

Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP


Meio ambiente do trabalho! Você é sadio? Do que adoece seu empregado?

Nesta sessão, adentra-se às definições envoltas ao mais novo dos nexos: o NTEP. Nele o legislador
brasileiro determinou que existe uma relação causal presumida entre a doença e a atividade
econômica do patrão à qual o trabalhador está submetido. Se nos outros nexos a pergunta é dirigida
ao trabalhador, no NTEP é direcionada ao empregador. Eis a novidade! Tem-se então o NTEP, como
espécie do gênero nexo técnico, que tem por objetivos:

»» estabelecer uma modelagem jurídico-previdenciária que seja capaz de salvaguardar


os interesses não apenas das empresas, mas, sobretudo, do Estado e dos
trabalhadores;

»» criar uma metodologia de aferição da morbidade laboral brasileira que seja


independente da vontade-poder do empregador, para fins de tributação flexível do
Seguro Acidente do Trabalho – SAT e concessão de benefícios acidentários;

»» diminuir a burocracia imposta ao trabalhador acidentado atendido pelo INSS;

»» assegurar efetividade dos direitos constitucionais previdenciários ao trabalhador


acidentado brasileiro.

Antes, porém, vale à pena percorrer algumas veredas ideológicas de forma a posicionar o leitor
nesse aspecto também. Com o NTEP, assume-se um novo referencial teórico no contexto do Estado
de Bem Estar Social ao se fazer a pergunta: a empresa está doente?

À primeira vista a pergunta parece descabida e chocante, pois, de um lado, fere os cânones da
epidemiologia clássica baseada na anatomia e fisiologia humanas e, de outro, choca por extrapolar
o caráter antropocêntrico da doença.

106
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Essa formulação parte de outra hipótese: será que não é o meio ambiente do trabalho, assim
entendido o empreendimento econômico sintetizado pela CNAE, que está doente e, por conseguinte,
adoecedor daquele que nele labora?

Rompe-se com o paradigma do nexo técnico individual entre o trabalhador e o agravo de sua saúde
ao trazer para o núcleo da investigação a figura do meio ambiente do trabalho como elemento
antecessor determinante ou condicionante do processo que agora passa a ser: meio ambiente do
trabalho/saúde/doença.

Toda a dinâmica que norteia os objetivos do NTEP diz respeito a estabelecer uma visão acidentária
referente ao meio ambiente do trabalho. Assim, a definição de acidente de trabalho alcança uma
dimensão maior e socialmente próxima da realidade do trabalhador segundo a qual se vislumbra a
pergunta ao patrão representado por sua atividade econômica (CNAE): ambiente de trabalho! Você
é doentio?

Estruturação científica do NTEP


Objeto de um estudo de doutoramento do autor, o NTEP é um dos critérios de NTP que consiste
em estabelecer uma relação de causalidade entre empresa e agravo (nexo) segundo o referencial
teórico da epidemiologia combinada com a semiologia médica reportada ao indivíduo coletivamente
percebido (técnico).

Assim, olhando uma coletividade de doentes/incapazes é possível fazer o diagnóstico diferencial


acidentário de um indivíduo participante de um grupo homogêneo de exposição, pois o olhar médico-
clínico (anatômico, fisiológico, semiológico) é complementado pela abordagem do adoecimento
diferencial populacional (epidemiológica) que avaliza o desfecho clínico acidentário, notadamente
para os agravos crônicos.

Em outras palavras, o NTEP consiste em estabelecer uma relação (nexo), ao se considerar o


conhecimento científico acumulado (técnico) entre as populações de incapacitados (acidentados-
adoecidos) com a respectiva população trabalhadora (epidemiológico) vinculada ao INSS
(previdenciário), de modo a definir uma matriz que correlacione a atividade econômica da empresa
(grupo homogêneo de exposição) com as entidades mórbidas de seus trabalhadores.

Fez-se, então, um delineamento epidemiológico124 com análise dos bancos de dados de benefícios
concedidos e de segurados do INSS ao longo de nove anos (2000 a 2008). A população de doentes
oriundas do Sistema Único de Benefícios – SUB do INSS, que registra a CID de cada segurado
em benefício e a população de empregados, constante do Cadastro Nacional de Informações
Sociais – CNIS, com a respectiva Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE
do empregador.

Tais registros são os pilares que permitem a construção da matriz referencial. A figura 6 apresenta
desenho epidemiológico do NTEP.

124 Analítico, observacional do tipo coorte, de natureza previdenciária, censitária, dinâmica, não concorrente, iniciada em
1/1/2000 e seguida até 31/12/2008.

107
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Figura 6 – Delineamento: analítico, observacional do tipo coorte, de natureza previdenciária, censitária, dinâmica,
não concorrente, iniciada em 1/1/2000 e seguida até 31/12/2008.

NTEP – Delineamento observacional do tipo corte previdenciário, censitária, dinâmica e


não concorrente (1/1/2000 a 31/12/2008).

Tempo
Direção do estudo

Doentes
Expostos
Não doentes

População Pessoas
sem doenças
Doentes
Não
expostos Não doentes

Pode-se dizer que o NTEP nada mais é do que um estimador de risco entre determinadas populações
de empresas e trabalhadores e certos agravos à saúde desses trabalhadores. Dada a condição de
pertencer à empresa a um CNAE, tem-se portanto o risco de desenvolver determinada doença. Toda
vez que há NTEP, há um excesso de risco de determinada doença para um específico CNAE, quando
comparado aos demais.

Evolui-se do conceito individualista dos Nexos do Tipo I a VI para o coletivo do NTEP, ao se


acrescentar a dimensão epidemiológica ao aparato teórico de investigação. Essas evidências
epidemiológicas estão sustentadas nas seguintes premissas:

»» o trabalhador é admitido saudável pela empresa conforme exame admissional


“apto”;

»» população de trabalhadores expostos é aquela empregada em empresas pertencentes


a um segmento econômico, conforme a Classificação Nacional de Atividades
Econômicas – CNAE, e que possuem, portanto, processos produtivos e fatores de
riscos semelhantes ou equivalentes;

»» caso é o registro do benefício por incapacidade concedido pelo INSS – com e sem
CAT –, no qual se aproveita o número do capítulo da Classificação Internacional
de Doença – CID, aprovada pela OMS, prescrita para o atestado que suporta
o afastamento, (exceto os capítulos CID 15 e 16, referentes à maternidade) em
empregado formal, que seja incapacitante por mais de 15 dias;

»» o médico é o único profissional competente para diagnosticar, enquadrar a CID,


definir a terapêutica e conceder alta ao término da recuperação. Não há interferência
externa de empresa ou terceiros. O médico é soberano tecnicamente, ainda que seja
empregado. Erros nessa área serão julgados pelo conselho de ética do CRM;

108
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» o diagnóstico no qual se considera apenas o agrupamento – CID – é firmado por


milhares de médicos em todo território nacional;

»» a incapacidade é definida por milhares de médicos peritos do INSS;

»» faz-se o estabelecimento do NTEP entre capítulo CID e CNAE, a partir do estimador


de riscos Razão de Chances (RC) > 1, com 99% de confiança estatística;

»» presumem-se acidentários todos os benefícios por incapacidade requeridos a


partir 1/4/2007, cujo CID incapacitante que tenha NTEP com o CNAE da empresa
empregadora desse trabalhador. Cabendo a empresa o ônus de apresentar provas
em contrário à Previdência Social;

»» publicada matriz de NTEP pelo Decreto no 6.042/2007 (alterado pelo Decreto


no 6.957/2009), por força da Lei no 11.430/06 que instituiu o NTEP e inverteu
o ônus da prova ao empregador, pois, a partir de então, quem tem de provar que
não é acidente do trabalho é a empresa, uma vez que esse se presume pelo NTEP e
independe da CAT.

A figura 7 apresenta um diagrama que esquematiza o NTEP ao produzir diagnóstico diferencial


acidentário (CID) de um indivíduo participante de um grupo homogêneo de exposição (CNAE), sob
o olhar médico-clínico (anatômico, fisiológico, semiológico) complementado pela abordagem do
adoecimento diferencial populacional (epidemiológica) que avaliza o desfecho clínico acidentário a
partir da incapacidade percebida sob o prisma psicológico e sociológico, não apenas biológico, como
praxe costumeira da Medicina do Trabalho e Pericial do INSS.

Figura 7 – Diagrama com a estruturação científica do NTEP

Referencial Coletivo
Diagnóstico CNAE
Nexo Causal Incapacidade
Nexo Técnico Trabalhador
Diagnóstico
»» Patogênese Diagnóstico
»» Fisiopatologia Diagnóstico
»» Anatomoclínica Diagnóstico
»» Propedêutica
»» Semiologia
Prognóstico
Horizonte Holístico

DISEASE ILLNESS SICKNESS Altas


Clínica-Psíquica
Medicina Psicologia Sociologia
e Social

A figura 8 apresenta um diagrama que indica as fontes de dados (SUB e CNIS) para produção do
NTEP, bem como aponta os grandes números. Entre eles, destacam-se: apenas 2,4% das relações

109
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

possíveis (105.270) entre CNAE e CID apresentaram NTEP, que significa o conjunto de empresários
cujas atividades empresariais suscitam fator de risco para seus trabalhadores; em contrapartida aos
97,6% restantes que constituem fator de proteção para seus empregados.

Figura 8 – Grandes números decorrentes da aplicação do NTEP

2,4%
CNIS – EMPRESA
NTEP
SUB – EMPRESA

NIT - CNPJ NIT – SEGURADO

CNAE 1.182 605 59 17


CNAE 1.182 CID 12.423
subclasse CID  12.423 174 1.205 21 subcategorias

DIVISÃO (59) 14.683.988 105.270 71.095 357


Categoria 1.205
GRUPO (197) Família 21

Classe Agrupamento
606 174
2.572

97,6% CNAE faz bem


Figura 9 – Anuário Estatístico de Acidente do Trabalho – AEAT 2006

ACIDENTE DO TRABALHO – 2006


Quantidade de acidentes de Trabalho por motivo / situação
MOTIVO / SITUAÇÃO TOTAL %
Típico – com CAT 407.426 63,51
Trajeto – com CAT 74.636 12,03
Doença de Trabalho – com CAT 30.170 3,18
Sem CAT (NETP) 138.955 21,28
TOTAL 653.000 100,00

Incapacidade segundo qual prisma:


biológico, psíquico ou social?
Basicamente há duas classificações internacionais chanceladas pela OMS: A Classificação
Internacional de Doenças – CID que classifica as doenças e os problemas relacionados à saúde,
ora na 10a edição, sob o prisma eminentemente biológico e a Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF.

O Brasil adota na íntegra a CID em que pesem algumas impropriedades por apresentar problemas
de estatísticas de mortalidade que limitam as informações à causa de morte; bem como, para
estatísticas de morbidade por não permitir acompanhar a evolução dos quadros crônicos, isso
empobrece as ações de vigilância da saúde do trabalhador.

110
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

A CIF, por seu turno, ainda em fase incipiente no uso, inclusive nos prontuários estatais, é bem
mais indicada que a CID para fins de concessão de benefícios previdenciários, notadamente aqueles
por incapacidade; isso porque traz a funcionalidade, as atividades e a participação da pessoa na
sociedade, assim como o efeito dos fatores ambientais nessas condições.

A CIF faz parte da família de classificações da OMS e foi criada para classificar as consequências
das doenças a partir de modelo biopsicossocial da funcionalidade e incapacidade exatamente para
suprir as dimensões sociais e psicológicas ausentes na CID de forma a assistir ao desenvolvimento
de sistemas de estatística confiáveis em nível local, nacional e internacional, com o objetivo de
melhorar a situação de saúde e a atenção à saúde.

A CID e a CIF são complementares. As condições de saúde, fatores ambientais,


atividades e participação, fatores pessoais são objeto e estão no alcance da CIF,
enquanto as funções e estruturas do corpo ficam no campo da CID.

Qualquer que seja a classificação adotada, haverá sempre um questionamento basilar a essa
resultante a ser diagnosticada por uma CID ou por uma CIF. A pergunta fundamental é: qual é a
natureza da incapacidade para o trabalho? Biológica, psíquica ou social? Todas estão cobertas pelo
acidente do trabalho?

A incapacidade biológica é aquela subscrita ao campo da biologia, cuja patologia é atestada pelo
médico, ainda que o trabalhador se sinta bem (não há sintomas) ou que socialmente seja tido com
sadio. Essa também denominada disease.

A incapacidade psicológica é de índole pessoal, uma vez que o médico não identifica patologia e
a sociedade enxerga esse trabalhador como são, todavia ele (trabalhador) se sente incapaz para o
trabalho. Também denominada illness.

A incapacidade sociológica diz respeito à forma pela qual o trabalhador, sem qualquer sintoma, sem
nenhuma patologia prescrita por médico, é tido como doente pelo grupo social que o cerca. Também
denominada sickness.

A partir da incapacidade percebida sob o prisma psicológico e sociológico, não apenas biológico,
como praxe da medicina do trabalho e pericial do INSS. Assim, é possível configurar alguns cenários
de incapacidade:

»» cenário 1 – o trabalhador é declarado doente segundo a patologia (biológico),


todavia a população que o cerca (sociológico), bem como ele próprio (psicológico)
entendem perfeitamente capaz;

»» cenário 2 – o trabalhador sente-se incapaz (psicológico), todavia não é declarado


como tal segundo a patologia (biológico), nem é percebido como doente pela
população que o cerca (sociológico);

»» cenário 3 – o trabalhador é percebido como doente pela população que o cerca


(sociológico), todavia não é declarado como tal segundo a patologia (biológico), e
nem ele próprio (psicológico) se entende incapaz.

111
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Qualquer desses cenários pode efetivamente levar à incapacidade e deve ser protegida pelo Estado
e pela empresa, pois o bem jurídico tutelado é a incapacidade para o trabalho e não a doença, ainda
que o nome do benefício (auxílio-doença) sugira o contrário.

»» No cenário 1, tem-se o exemplo do trabalhador que se sente bem, é percebido pelos


colegas como sadio, todavia apresenta baixa de glóbulos brancos no sangue o que o
incapacita para a tarefa de operar sistemas industriais de petroquímica (disease).

»» No cenário 2, tem-se o exemplo do trabalhador que se sente mal devido uma forte
desavença conjugal, porém é percebido pelos colegas como sadio e apresenta
exames laboratoriais e clínicos compatíveis (illness).

»» Não basta não estar doente, se sentir bem, se os colegas de trabalho ou clientes
internos e externos às tarefas entendem que sim. Exemplo para cenário 3: garçom
que apresentam vitiligo nas mãos e passa a ser rejeitado pelos clientes125; ou
trabalhador deprimido que passa por manhoso perante os colegas de turno. Em
ambos os casos há incapacidade sob a perspectiva sociológica (sickness).

É bom que se diga, a despeito de toda essa teorização, que tais declarações de incapacidade
(psicológica, sociológica e, a mais comum, a biológica), só repercutirão no NTEP se o trabalhador
estiver segurado pelo INSS e tiver duração superior a 15 dias.

Mas, sem dúvida, é relevante para fins de proteção social e vigilância sanitária nacional o fato do NTEP
alcançar os benefícios relacionados aos transtornos mentais, e demais eventos crônicos, associando-os
ao trabalho por força da epidemiologia que considera o meio ambiente do trabalho como variável
potencialmente explicativa desses agravos.

Nesse sentido se manifestou a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados


Especiais Federais126 ao prolatar a seguinte ementa: segurado com 62 anos de idade, portador de
hipertensão arterial e doença degenerativa. Baixa escolaridade. Baixíssima perspectiva de reinserção
no mercado de trabalho. A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e a interpretação
sistemática da legislação que trata da incapacidade conduzem à aposentadoria por invalidez, ainda
que atestada a capacidade parcial do ponto de vista estritamente médico.

Inocentar o criminoso ou incriminar o


inocente?
Regra pacífica a que diz: em dúvida, não se incrimina ou quem acusa tem de provar o que se alega.
É preferível indevidamente inocentar um culpado por falta de provas a incriminar um inocente.
Pois bem, infelizmente, quanto aos agravos à saúde do trabalhador essa regra é aplicada em
sentido contrário.

125 Vitiligo é uma doença não contagiosa em que ocorre a perda da pigmentação natural da pele. Sua etiologia ainda não é bem
compreendida, embora o fator autoimune pareça ser importante. Contudo, estresse físico, emocional e ansiedade são fatores
comuns no desencadeamento ou agravamento da doença.
126 Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais. Diário da justiça – fls. 20 e 21. no 106,
segunda-feira, 7 de junho de 2010. Processo no 2007.70.50.016136-4. CIF. Visão médico social da incapacidade. Restrição à
avaliação exclusivamente por critério médico. Decisão de TNU.

112
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

Na prática, as relações de poder decorrentes da forma como o trabalho é organizado produzem o


absurdo lógico segundo o qual aquele que sofre o dano tem de provar à empresa, ao INSS e ao Juiz:
1) que sofre (sofreu) um agravo; 2) que esse agravo é (foi) incapacitante para o trabalho; 3) que essa
incapacidade decorre (decorreu) da forma como o meio ambiente do trabalho é (foi) organizado; e
4) o cúmulo do absurdo lógico: provar que é impossível provar o nexo de causa e efeito entre o meio
ambiente do trabalho e o agravo quando o detentor desses meios de provas – as empresas – não os
produz ou não os disponibiliza ao trabalhador lesionado/vitimado/agravado, notadamente para os
agravos crônicos.

Por essa lógica perversa, cria-se um circuito que não se fecha nunca, qual seja: a vítima tem de provar
que o causador do agravo (pretenso algoz) esconde as provas, não as possui, não as disponibiliza. Ou
ainda, na situação mais crítica e bastante comum: a vítima depara-se com o inexorável impedimento
dado que a prova não existe porque não foi produzida; ou, porque se desconhece qual seria (a prova)
do ponto de vista científico.

Até porque essa prova nada mais é que um liame de conexão que flutua do peremptório ao sugestivo.
Fratura exposta de fêmur em trabalhador rural que cai do cavalo ao tanger o gado, para além das
evidências clínicas visuais, há um registro de imagem em chapa radiográfica que atesta a fratura
(peremptório); mas ainda assim fica a dúvida, quanto ao momento da queda, se não houver uma
filmagem que capture o momento da queda, como em um rodeio televisionado (sugestivo).

Descartando a dúvida clínica, dado que nesse caso a chapa radiográfica afasta peremptoriamente a
simulação de dor ou outra a encenação qualquer por parte do trabalhador, remanesce a dúvida do
momento da queda, e, portanto, a prova peremptória se torna sugestiva, a partir do questionamento
por parte do fazendeiro quanto ao momento e o quê fazia o vaqueiro.

Se essa filmagem não existir, a única prova será testemunhal de si mesmo, pois ninguém mais além
do próprio trabalhador presenciou a cena. Esse relato serve de prova? Essa prova será suficiente
para suportar as consequências cíveis, trabalhistas, tributárias, penais, previdenciárias? Se dessa
queda resultar amputação de perna devido às complicações pós-cirúrgicas, essa prova basta para
a indenização?

Dá-se esse exemplo para demonstrar o absurdo lógico em situação incontroversa do ponto de vista
clínico cujo nexo causal se estabelece, quase por automático, dada instantaneidade entre a exposição
(trabalho em altura) e o desfecho clínico (fratura do fêmur).

A rigor, nesse caso, para fins de prova aceitável pela dogmática da Medicina do Trabalho, ter-se-ia
que desenvolver uma explicação plausível que fundamentasse o parecer de acidente do trabalho, cuja
linguagem técnico-erudita deveria dispor que devido à gravitação universal nos termos da mecânica
newtoniana, com base na cinemática e no balanço energético da quantidade de movimento, a massa
de 80Kg do corpo do vaqueiro na velocidade do cavalo de 7Km/h em altura de 1,75m produziriam
energias potencial e cinética capazes de fraturar o fêmur quando despenque o corpo em queda livre.

Como isso soaria soberba dada à obviedade física e considerando o fato comum de unicausalidade
(dimensão epidemiológica que elimina outros fatores de risco como genético, hormonal,
susceptibilidade, deficiência de cálcio, desnutrição, pré-fratura, entre outros) tal argumentação é

113
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

dispensada, bastando apenas que o vaqueiro, para provar à Medicina do Trabalho da Empresa,
Medicina Pericial do INSS ou Judicial, faça a narrativa coesa e coerente para que seja aceita como
prova, inclusive sem a chapa radiográfica.

Nesse exemplo do vaqueiro, o fazendeiro, baseado na Medicina do Trabalho, em que pese toda
a evidência, ainda poderia arguir a não existência de acidente do trabalho pelo lado clínico e
administrativo.

No lado clínico, alegando a multicausalidade (dimensão epidemiológica) ao invés da unicausalidade;


mitigando os efeitos, pois reconhece que houve a queda, todavia afirma que qualquer outra produziria
o mesmo efeito considerando a desnutrição, por exemplo, do vaqueiro; ou ainda, que o vaqueiro havia
fraturado no dia anterior (folga) quando jogava futebol com os demais peões. Pelo lado administrativo
questionando a coesão e coerência da narrativa mediante contraprovas que colocasse a fala do trabalhador
sob suspeita.

Caro leitor, pode parecer mordaz, mas imagine que se, ao invés de algo ostensivo (fratura exposta de
fêmur), cientificamente explicado, conhecido, de provas fáceis, de referencial teórico epidemiológico
que elimina os vieses de seleção, aferição e diagnóstico, fosse colocado para esse mesmo vaqueiro o
desfecho clínico de dorsopatia (hérnia de disco, também conhecida como bico de papagaio) devido
à carga laboral sobre o mesmo cavalo durante as jornadas de trabalho ao longo de dois anos?

Concorda-se que essa prova por parte do vaqueiro é impossível de se construir?

Assim, dada as incertezas, e multideterminações, envoltas aos agravos crônicos como hipertensão
arterial, transtornos mentais, dorsopatias, diabetes, cânceres, entre outros, será impossível, do
ponto de vista clínico e individual, a vítima provar algo diferente do absurdo lógico que aponta: a
vítima é algoz de si mesma, pois diante da dúvida quanto à autoria ser ou não do meio ambiente do
trabalho na qualidade de sujeito das ações empreendedoras, resta à vítima, ainda que objeto dessas
ações, resignar-se com a situação de doente e incapacitado, algoz de si mesmo ou do destino.

A resposta à pergunta do tópico se dá por obviedade. Prefere-se incriminar o inocente e inocentar


o criminoso no tocante aos crimes de lesão corporal, homicídio e periclitação à vida quando se
confronta duas realidades divisadas pelo meio ambiente do trabalho (empregador e trabalhador)
ante as incertezas científicas convencionadas pela Medicina do Trabalho contratada pela empresa
segundo referenciais clínicos e individuais, que inviabilizam o nexo de causalidade e que de resto
sustentam a dúvida à eternidade.

Pois, se o trabalhador, segundo esses referenciais, não consegue provar o nexo de causalidade do
meio ambiente de trabalho e seu agravo (afirmar o positivo); o empregador também não consegue
provar o contrário (negar o negativo), ou seja, não consegue eliminar o meio ambiente do trabalho
como fator facilitador, determinante ou condicionante do agravo do trabalhador. Se a dúvida é
intrínseca ao referencial clínico e individual da Medicina do Trabalho contratada pela empresa, essa
mesma dúvida sempre penderá para o lado de incriminar o inocente cuja pena é carregar os efeitos
do acidente de trabalho consigo.

A superação desse desvio passa necessariamente pela discussão não do princípio, mas do modelo
teórico de produção de provas baseado na clínica individual (semiologia) que diante das inusitadas

114
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

relações que se colocam – dos mais variados, complexos e dinâmicos mecanismos e processos
produtivos – sugerem um outro olhar (epidemiologia) sobre a investigação de causalidade
dos acidentes de trabalho, pois mantido o atual se privilegia o falso-negativo, como no tópico
seguinte discutido.

Em item próprio nesta obra se apresenta o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP
que alcança esse novo patamar teórico e contribui para diminuição desses desvios decorrentes
da obsoleta dogmática da Medicina do Trabalho baseada em evidências individuais sob o prisma
clínico isoladamente.

Benefícios acidentários
O trabalhador que por motivo de acidente e ou doença fica impedido de continuar com suas atividades
laborais faz jus, independentemente de sua vinculação ao regime de previdência, a percepção de
auxílio financeiro que lhe garantirá a sua subsistência até o retorno ao trabalho.

A grande diferença é a causa deste afastamento do trabalho. Se a causa não tem relação com o
processo laboral do trabalhador, ele fará jus a um auxílio-doença (desde que tenha cumprido os
requisitos de carência) que pode se estender por 18 meses após a demissão do trabalhador. Se a
causa possui relação com o processo laboral (acidentes e/ou doenças de trabalho), fará jus a um
auxílio-doença acidentário.

O auxílio-doença é devido ao trabalhador que não tem condições de trabalhar, fazendo jus a até 91%
do salário de benefício, a partir do 16o dia de afastamento do trabalho127.

O auxílio-acidentário é idêntico ao auxílio-doença, mas não há exigência de cumprimento de


carência, e o trabalhador faz jus à garantia de manutenção do emprego (não pode ser demitido) por
12 meses após a alta. Se, após a alta, o trabalhador apresentar sequela que reduz sua capacidade
laborativa, fará jus a um auxílio-acidente de caráter indenizatório, sendo cancelado quando da
concessão da aposentadoria de qualquer espécie.

Devemos ressaltar que o dano estético não é indenizável se não houver redução da capacidade
funcional vinculada.

Aposentadorias por invalidez


Os trabalhadores acometidos por doenças e ou acidentes que não mais tiverem condições de
trabalhar farão jus a uma aposentadoria por invalidez, na qual não se considera os requisitos de
uma aposentadoria normal.

A abordagem destes benefícios para os trabalhadores estatutários, vinculados


a regimes próprios de Previdência Social, é difícil, pois cada regime próprio tem
características distintas, não havendo uma padronização entre eles. Devendo-se
realizar pesquisa específica na legislação a qual está vinculada este trabalhador.

127 Os primeiros 15 dias são arcados pela empresa.

115
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

Normas trabalhistas
A organização do trabalho e a relação do trabalhador com seu ambiente de trabalho e com o seu
empregador são objeto de regulamentação e de fiscalização por parte do Estado brasileiro. Algumas
normas possuem poder regulamentador e são passíveis de fiscalização coercitiva por parte do Estado
e outras tem o objetivo de orientar as atividades e não são passíveis de fiscalização coercitiva por parte
do Estado.

Na prática da segurança do trabalho, temos como destaque as normas do sistema CREA/CONFEA;


as normas regulamentadoras do trabalho; normas e convenções da Organização Internacional do
Trabalho; normas internacionais; normas da saúde; normas da ABNT e do INMETRO; e as normas
da American Conference of Governamental Industrial Hygienists (ACGIH). Cada uma delas
possuem uma exigência legal diferente, com responsabilidades diferenciadas por parte da área de
saúde e segurança das empresas.

Normas do sistema CREA/CONFEA


O sistema CREA/CONFEA determina a atuação dos profissionais de segurança do trabalho, ela
possui foco na atuação do profissional, não podendo criar normas de segurança ou procedimentos
para as empresas.

Normas regulamentadoras do trabalho


Mais conhecidas como NRs, tem como escopo a determinação de parâmetros que as empresas
devem cumprir para garantir a segurança dos trabalhadores, apesar de serem estabelecidas por
meio de portaria, a legislação infraconstitucional delegou este poder ao agente do poder executivo
(art. 154 e 155 da CLT).

Ela forma um conjunto de 41 normas regulamentadoras, sendo cinco Normas Regulamentadoras


Rurais; e 36 Normas Regulamentadoras, assim divididas:

»» NR 01 Disposições Gerais.

»» NR 02 Inspeção Prévia.

»» NR 03 Embargo ou Interdição.

»» NR 04 Serviços Especializados em Eng. de Segurança e em Medicina do Trabalho.

»» NR 05 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.

»» NR 06 Equipamentos de Proteção Individual – EPI.

»» NR 07 Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional.

»» NR 08 Edificações.

»» NR 09 Programas de Prevenção de Riscos Ambientais.

116
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

»» NR 10 Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade.

»» NR 11 Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais.

»» NR 12 Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos.

»» NR 13 Caldeiras e Vasos de Pressão.

»» NR 14 Fornos.

»» NR 15 Atividades e Operações Insalubres.

»» NR 16 Atividades e Operações Perigosas.

»» NR 17 Ergonomia.

»» NR 18 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção.

»» NR 19 Explosivos.

»» NR 20 Líquidos Combustíveis e Inflamáveis.

»» NR 21 Trabalho a Céu Aberto.

»» NR 22 Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração.

»» NR 23 Proteção Contra Incêndios.

»» NR 24 Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho.

»» NR 25 Resíduos Industriais.

»» NR 26 Sinalização de Segurança.

»» NR 27 Revogada pela Portaria GM no 262, 29/5/2008.

»» NR 28 Fiscalização e Penalidades.

»» NR 29 Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário.

»» NR 30 Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário.

»» NR 31 Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura,


Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura.

»» NR 32 Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde.

»» NR 33 Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados.

»» NR 34 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção e


Reparação Naval.

»» NR 35 Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho – ainda em consulta.

»» NR 36 Trabalho em Altura – ainda em consulta.

»» NRR 01 Disposições gerais.

117
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» NRR 02 Serviços Especializados em Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural –


SEPATR.

»» NRR 03 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural – CIPART.

»» NRR 04 Equipamento de Proteção Individual – EPI.

»» NRR 05 Produtos Químicos.

Este conjunto de normas dá o escopo do trabalho tradicional dos profissionais da área de segurança
do trabalho, tendo como matiz elaborador a concepção prevencionista e de segurança estabelecida
na década de 1970. Muitas das normas regulamentadoras vigentes apresentam paradigmas de
segurança derrubados em estudos recentes, e os limites de segurança estabelecidos a muito se
mostrou defasado, mas é este conjunto de normas que se baseia e ampara a fiscalização e a inspeção
realizadas pelas Superintendências Regionais do Trabalho (antigas delegacias).

Várias empresas ainda tomam as normas regulamentadoras como teto da segurança do trabalho
no âmbito das empresas, isto é, garante-se o atendimento da legislação e o cumprimento da
segurança do trabalho, bastando cumprir o consolidado nestas normas regulamentadoras, o que
de certa maneira não deixa de ter certa fundamentação. Mas as normas regulamentadoras do
trabalho devem ser vistas como piso, isto é, a política de segurança dos trabalhadores promovidas
pelas empresas devem partir das premissas estabelecidas pelas normas regulamentadoras, mas
ampliando o seu escopo, valendo-se de novas metodologias de segurança ocupacional e tendo como
parâmetro os indicadores mais recentes, e não somente o estabelecido nas NRs, desvinculando
os ganhos pecuniários e indenizatórios (amparados em normas muitas vezes desatualizadas) da
política prevencionista (que se vale das normas e padrões mais recentes).

Normas e convenções da OIT e outras


normas internacionais
As normas e convenções internacionais estabelecidas pela OIT somente se aplicarão no Brasil se, e
somente se, forem recepcionadas pelo Estado brasileiro, em não sendo elas podem servir de orientação
para as políticas internas das empresas, o mesmo raciocínio vale para as normas internacionais.

Normas da saúde
O Sistema Único de Saúde por meio de sua Lei Orgânica (Lei no 8.080/1990) conferiu às Vigilâncias
Sanitárias dos Estados e Municípios o poder de realizar a fiscalização da saúde dos trabalhadores,
inovando na possibilidade de se valer de qualquer norma para garantir a saúde dos trabalhadores.
Esta competência está regulamentada na Portaria no 3.120/1998 do Ministério da Saúde, in verbis:

6.2 – A intervenção (inspeção/fiscalização sanitária)

A intervenção, realizada em conjunto com os representantes dos trabalhadores,


de outras instituições, e sob a responsabilidade administrativa da equipe da
Secretaria Estadual e/ou Municipal de Saúde, deverá considerar, na inspeção

118
LEGISLAÇÃO E NORMAS │ UNIDADE ÚNICA

sanitária em saúde do trabalhador, a observância das normas e


legislações que regulamentam a relação entre o trabalho e a saúde,
de qualquer origem, especialmente na esfera da saúde, do trabalho,
da previdência, do meio ambiente e das internacionais ratificadas
pelo Brasil.

Além disso, é preciso considerar os aspectos passíveis de causar dano à saúde,


mesmo que não estejam previstos nas legislações, considerando-se não só
a observação direta por parte da equipe de situações de risco à saúde como,
também, as questões subjetivas referidas pelos trabalhadores na relação de sua
saúde com o trabalho realizado.

Os instrumentos administrativos de registro da ação, de exigências e outras


medidas são os mesmos utilizados pelas áreas de Vigilância/Fiscalização
Sanitária, tais como os Termos de Visita, Notificação, Intimação, Auto de
Infração etc.

Normas da ABNT e do INMETRO


Aqui tem-se duas entidades normalizadoras distintas, com obrigação de aplicabilidade também
distintas. As normas elaboradas e publicizadas pela ABNT não tem por parte da empresa a
obrigação de cumpri-las, e nem os órgãos de controle e de fiscalização do trabalho a cobrança deste
cumprimento. A ABNT não é órgão integrante do estado brasileiro, é uma entidade de Direito
Privado, que visa a padronizar as atividades econômicas, permitindo a harmonização de processos
e fabricação de produtos, assim as NBRs publicadas têm o objetivo de orientar a cadeia produtiva,
e somente terá poder de norma a ser respeitada de forma condicional se o diploma legislativo
recepcioná-la. Por sua vez, o INMETRO, sendo órgão integrante do Estado Brasileiro, tem alçada de
competência para baixar normas e padrões de normalização para ser cumprido em todo o território
nacional (podemos usar como exemplo a obrigatoriedade da venda do pão em peso e não mais em
unidade e a troca do padrão de tomada no Brasil). A atuação mais forte do INMETRO é na regulação
da qualidade e características dos produtos de segurança fabricados e/ou importados no Brasil.

Normas da ACGIH
São normas que estabelecem os limites de exposição de trabalhadores para substâncias químicas
e agentes físicos – TLVs e os índices Biológicos de Exposição – BEIs. Não possuem obrigação de
serem cumpridos, mas servem de parâmetros para as ações de saúde e de segurança das empresas e
tem sido utilizadas como subsídio pelas côrtes no julgamento de ações de indenização por acidente
e doença do trabalho, em detrimento das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e
Emprego que estão desatualizadas.

Órgãos de fiscalização
Hoje, no Brasil, são competentes para realizar a inspeção/fiscalização dos ambientes de trabalho,
os seguintes órgãos.

119
UNIDADE ÚNICA │ LEGISLAÇÃO E NORMAS

»» Superintendências Regionais do Trabalho: promovem a inspeção


dos ambientes e locais do trabalho tendo como base unicamente as Normas
Regulamentadoras do Trabalho e as relações trabalhistas existentes entre
empregado e empregador sob o crivo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Atuam na verificação da formalização do processo de trabalho (carteira de trabalho
assinada), cumprimento de horas, horas-extras, recolhimento de PIS, FGTS etc.
e as exigências das normas de segurança. Valem-se da NR 28 para promover as
penalidades no âmbito da segurança do trabalho. Não atuam nos trabalhadores
vinculados a regimes próprios de Previdência Social.

»» Vigilâncias Sanitárias: promovem a avaliação das condições de produção e dos


profissionais/trabalhadores envolvidos no processo, verificam se ele é salubre na
sua concepção macro, não podem avaliar as relações trabalhistas, sendo restrita
ao ambiente e ao profissional. Pode-se valer de qualquer legislação ou norma para
promover a ação fiscalizadora, mas a penalidade somente é estabelecida na Lei
no 6.437/1977.

»» Fiscalização Ambiental: promove a fiscalização no ambiente de trabalho, não


pode atuar na relação de trabalho e nem em cima do processo laboral, o foco de
atuação é o ambiente em si. Utiliza-se das normas ambientais para aplicação da
penalidade.

»» Receita do Brasil: promove a fiscalização das relações de trabalho e verifica


o cumprimento da estabilidade para os trabalhadores que receberam alta em
acidentes de trabalho.

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Referências
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Previdência Social. <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1991/8213.htm>.

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relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília. 2001. 580
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______. STF. Súmula no 229 – 13/12/1963 – Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo


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CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. Parte Geral. v. 1, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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FONTES, L. S. Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime? Jus Navigandi,


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REFERÊNCIAS

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Sites
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