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Esquizoánalise

SOCIUS
Sobre o socius, eu prefiro pensar segundo a formula deleuze-guattariana
de que só existem duas coisas: o desejo e o socius. O desejo é o que pulsa e produz
(corte e fluxo, máquinas desejantes, formação=funcionamento), espécie de élan vital
bergsoniano (ou o id freudiano). O socius é o que regula, desvia, contabiliza etc
(codificação, sobrecodificação, axiomatização). Desejo é produção e socius é relação.
Coração (repetição) e cérebro (diferença). Assim, o socius não seria “algo” substantivo,
mas sim uma certa configuração mais ou menos estável de algo que tem mais o estatuto
de um movimento do que de um movente (não é algo, mas sim algo que se faz com algo;
socius como movimento de associação).

MÁQUINAS SOCIAIS

Segundo entendo, o socius não evolui, ele se transforma ou “involui”, ele ganha e perde
camadas. A Máquina Capitalista Civilizada (MCC) não vem “depois” da Máquina Despótica
Bárbara (MDB) e da Máquina Territorial Primitiva (MTP). Elas todas coexistem e prevalecem
em graus variados em cada caso (a MCC já era conjurada pela MTP e a MTP é constantemente
desterritorializada pela MCC). Cada máquina promove um socius diferente, um corpo pleno
diferente. Boa parte da força da tipologia deleuze-guattariana de O Anti-Édipo deriva do
evolucionismo que ela empresta da sua origem morganiana. Mas são eles mesmos que falam
que as máquinas já coexistem desde sempre, e isso se evidencia nas ressonâncias de seu
pensamento com o de Clastres. O Estado, segundo Clastres, é pressentido pelo selvagem e
por isso é conjurado. O mesmo se pode dizer do capital. A MCC é uma virtualidade da MTP,
assim como a MDB, e tudo isso reciprocamente. E de fato, foi essa não-linearidade das
máquinas sociais que D&G acabaram privilegiando em Mil Platôs (Clastres, vale lembrar,
está no meio: ele cita O Anti-Édipo em A sociedade contra o estado e depois é citado em Mil
Platôs).

MÁQUINA DESEJANTE

Uma máquina desejante não evolui, ela simplesmente produz sua própria realidade. Não
entendo que uma máquina desejante/acoplamento sofra transformações ao longo do
tempo. Vejo as máquinas desejantes como constituintes do tempo, do espaço, e como
operando todas as transformações. A existência desejante é uma coincidência do formar
e do funcionar. Não existe “forma” para ser transformada, só “formação-como-
funcionamento”.

CORPO PLENO e CORPO SEM ÓRGÃOS

Quanto ao corpo pleno, eu diria que o território é o corpo pleno da MTP, o déspota é o
corpo pleno da MDB e o capital é o corpo pleno da MCC. O corpo pleno de cada uma
das três máquinas sociais corresponde à palavra do meio de seu nome:
MTP=”territorial”=território, MDB=”despótica”=déspota, MCC=”capitalista”=capital.
Já o corpo sem órgãos é outra coisa, é outra estória. O corpo sem órgãos é o fantasma de
todo corpo pleno existente. Ele assombra todas as máquinas sociais. E ele é também o
gozo delas. Assim, o território, o déspota e o capital (os corpos plenos existentes)
podem funcionar como corpo sem órgãos, mas apenas colocando em risco suas próprias
organizações. Acho que o corpo sem orgãos corresponde ao que Deleuze e Guattari
chamam de plano de consistência ou de imanência no Mil Platôs. É o grau-zero do real,
onde MONISMO=MULTIPLICIDADE.

MATÉRIA, NATUREZA, REALIDADE etc.

E quanto à matéria, eu a entendo como uma maneira (histórica e dominante) de


representar a resistência do mundo, mas que não precisa (e nem deve, na minha opinião)
ser projetada sobre todo o mundo (lembro-me aqui da “concretudo mal-colocada” de
Whitehead). Tenho a mesma opinião sobre outras palavras do mesmo tipo, como, por
exemplo, “natureza” ou “realidade”.

DEVIR

Eu frequentemente uso o hífen para especificar o devir ao qual estou me referindo


(devir-isso, ou devir-aquilo), mas acho importante nunca dar mais atenção ao lado
direito da expressão do que ao seu lado esquerdo. É o devir que importa, e não aquilo
que se devém (este último é mais propriamente o fim do devir, seu esgotamento). Além
disso, já fui criticado (corretamente) por ter usado a expressão “devir-branco” para me
referir aos índios que estavam usando as tecnologias modernas para fazer valer seus
interesses na sociedade capitalista contemporânea. O problema é que o devir é sempre
um devir minoritário, nunca majoritário. Existem devir-mulher e devir-criança, mas não
devir-homem e devir-adulto. Assim, devir-índio até poderia haver, mas não devir-
branco. Nada disso é certeza, pois o devir não obedece às leis. Mas eu tendo a achar
estranho qualquer devir majoritário, como um devir-ciência por exemplo. Aliás, eu
prefiro atualmente usar o devir intransitivamente. É devir e pronto.

Sociedade Primitiva
Formas de recalcamento (primitivas) da potência desejante.
Maquina territorial primitiva - Codificação - Produção de Habitos não naturais para
utilização das forças intensivas do homem.
Rituais de crueldade - produção de memória.
Circulação de práticas, divida, rituais.
Marcar e ser marcado, Investimento nos corpos e órgãos.
Produção de parentesco simbólico. (membros na família entrando em sistemas de credito
e dívida)
Em vez de casar com um parente, casa-se com outro grupo. Proibição do incesto. (Desejo
de natureza incestuosa e parricida (Freud).
A sociedade primitiva não quer o Estado
Caçadores/Chefe (o Chefe precisa reafirmar as práticas)
Poder Restrito.
Aliança e filiação e famílias alinhadas ao campo social (Sem privatização)
Aliança e filiação trocado pela relação de capital.
1º Marcar os corpos (marcado pelo coletivo; memória) 2º troca e dívida
A essência dos sócios como marcados de corpos, se apropriando das forças produtivas
Marcados e distribuição dos agentes de produção.
A maior parte da história como costume. Ato de fundação pelo qual o homem deixa de
ser biológico e se torna um corpo social cultural.
Sistema da crueldade: o movimento da cultura de mover os corpos, fazer dos homens,
peças da engrenagem social. A dívida como unidade de aliança. A aliança codifica os
fluxos.
Minimotecnia – impor a memória de palavras, signos. Recalcamento da Filiação direta
com o corpo pleno, com o cosmo, a terra, si mesmo, o deus de Spinoza.
A guerra para impedir o nascimento do Estado.
“Sentido e pressentido justamente para ser esconjurado. Se os primitivos eram sociedades
sem Estado e sem relações capitalistas não era por falta de desenvolvimento técnico ou
ainda evolutivo, teses etnocêntricas que perduraram ao longo da história, mas segundo
Deleuze e Guattari, e sem dúvida conjuntamente com Pierre Clastres, o Estado e o
capitalismo eram recusados.”
“Quando Deleuze e Guattari falam de máquina desejante ou produção desejante estão
falando da capacidade própria do desejo de ser um acoplador ou disjuntor de máquinas.
O desejo é aquilo que conecta e desconecta as máquinas.”
“A produção desejante que têm como característica fundamental acoplar, desligar ou
modificar o funcionamento de uma máquina em relação à apropriação que esta faz,
quando tem a produção social completamente inserida em seu funcionamento, acabando
por criar uma maneira específica de codificar este fluxo que ela produz e ao mesmo tempo
a atravessa e percorre todo o sistema social.”
“Atentando-se para a maneira com que cada formação social lidava com os fluxos de
desejo.”
“O capitalismo é uma máquina de descodificação dos fluxos, e as sociedades primitivas
sabiam para onde elas seriam arrastadas caso entrassem nessa descodificação. Era
imprescindível codificar os fluxos para não sucumbir na descodificação capitalista.”
“A produção desejante nada mais é que a capacidade de junção e disjunção dessas
máquinas, tanto enquanto corpos dos homens como corpos da terra. A produção social,
por sua vez, é a maneira como esta produção desejante acontece e retorna a acontecer
contínuamente numa formação social.”
“A dívida finita das sociedades primitivas são compostas por prestações e contra-
prestações assimétricas. Não há uma quantidade abstrata que nivela os bens materiais ou
prestígios, que no capitalismo, por exemplo, será o dinheiro (moeda) que determinará um
valor para cada coisa. Toda a questão do socius primitivo é, portanto, marcar os corpos
para que sejam capazes de pagar pela dívida, só sendo capazes, segundo Deleuze e
Guattari, se construírem nesses corpos inscrições suficientes, com a violência necessária,
para que eles sejam capazes de criar uma memória biocósmica: memória de palavras que
todo o corpo pleno da terra o atravessa.

Memória orientada para o futuro

“O mercado primitivo procede mais por troca direta do que por fixação de um equivalente
que traria consigo uma descodificação dos fluxos e a derrocada do modo de inscrição no
socius. Voltamos ao ponto de partida: que a troca seja inibida e esconjurada, isto de modo
algum testemunha em prol de sua realidade primeira, mas ao contrário, demonstra que o
essencial não é trocar, mas inscrever, marcar.”
“Se com o Estado, inclusive contemporaneamente, mas já na máquina despótica, se faz
guerra para dominar um povo, mostrar superioridade, massacrá-lo e destruí-lo, a guerra
nas sociedades primitivas é o completo contrário. A guerra acontece quando uma tribo,
família ou clã recusa a aliança, guarda os bens materiais, dons e prestígios dado e
emprestado para si. Isso para as sociedades primitivas, como apontam Deleuze e Guattari,
precisa ser eliminado, visto que significa a possibilidade de acumulação de bens e
centralização de poderes que justamente iram possibilitar a “superioridade” econômica,
jurídica, política de uma tribo, família ou clã sobre a outra. A guerra se faz então contra
o Estado. Ela pressente o mesmo e se organiza para esconjurá-lo.”
Aprisionada no Estado para fins de domesticação “a terra devém um asilo de alienados”
(DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 255)
Mas não se trata de uma alienação da consciência num sentido de um marxismo comum,
e sim de uma alienação muito mais intensa. Com o Estado, começa a história da
décadence, o seu surgimento nas máquinas imperiais despóticas vem acabar com a
crueldade das sociedades primitivas e instaurar na terra uma violência completamente
diferente. Agora, os corpos estão alienados de suas forças e de suas potências. Acreditam
que estas não estão mais na Terra, da qual eles faziam parte, e que atravessam seus corpos-
máquinas. Agora, a força está com deuses, imperadores e chefes de Estado, além de todos
os valores morais estabelecidas produzidos e reproduzidos por esta classe, aponto de não
se acreditar que se possa mais existir sem eles.
Estado e do capitalismo.
Esse tempo é o porvir. Coexiste com presente, mas é justamente aquilo que lhe escapa
por produzir um outro tipo de vida, de socius, que não é decadente e histórico. Este porvir
é a dimensão intempestiva de toda criação intensa. Uma espécie de campo problemático
de instabilidades e potências. E porque não a pensar no âmbito ético-político? Deleuze e
Guattari diziam que um povo porvir “só pode ser criado em sofrimentos abomináveis”
(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 142).
Uma ética-política da crueldade contra a paz da submissão e da subserviência. Do ficar
calado e agir no limite do que pode determinado pelo Estado. Uma ética-política da
crueldade que tenha violência suficiente para destruir o Estado em todas as suas formas
que impregnam o pensamento, o nosso corpo e nossa vida. Enfrentar os limites da
legalidade, da disciplina e dos processos de subjetivação empurradas há séculos por esta
instituição, por esse malencontro como diria Clastres. Uma ética-política da crueldade,
guerreira e agressiva que possibilite inclusive a afirmação também das conseqüências
dolorosas de ousar enfrentar este “mais frio de todos os monstros frios” (NIETZSCHE,
2011, p. 48).

SEGUNDO MOMENTO – SOBRECODIFICAÇÃO DESPÓTICA

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