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HOMEM TAMBÉM TEM CADEIRA: AS INSTÂNCIAS DO PODER

MASCULINO DENTRO DO CANDOMBLÉ - ESTUDO DE VIDA DO


BABALORIXÁ KABILA DE OXOSSI1

Danilo de Souza Serafim2

1. INTRODUÇÃO

Os estudos acerca do Candomblé sempre dão ênfase à imagem das Yalorixás3 e do


legado matriarcal, onde muitas vezes o homem não é bem visto como sacerdote.
Representações foram criadas em torno do Candomblé, onde predominam a das grandes
“mães de santo” da Bahia, deixando de lado o homem no exercício do sacerdócio dentro das
religiões afro brasileiras. Algumas dessas inquietações serão levantadas ao longo da presente
pesquisa, que visa mostrar o destaque que os Babalorixás têm conquistado dentro da religião
dos Orixás.

Essa pesquisa não tem intenção de desmerecer a importância das grandes Yalorixás do
Candomblé, que são de grande importância na preservação da religião. Através da pesquisa
será possível abordar as transformações e adaptações que a religião tem sofrido para se
adequar a realidade dos seus adeptos, tendo como objetivo analisar a participação do homem
na religião dos Orixás, através do estudo biográfico acerca da vida e trajetória do Babalorixá 4
Kabila de Oxossi5, líder do Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn, situado na cidade de Barueri, zona
metropolitana de São Paulo. A proposta é realizar estudos dentro do Candomblé em torno da
figura masculina, ou seja, da imagem do Babalorixá, algo que vai contra a maioria dos
estudos sobre sacerdócio afro religioso, pois muito se pesquisa sobre a supremacia feminina

1
Projeto de pesquisa extraído do Trabalho de Conclusão de Curso que leva o mesmo título.
2
Graduando em História pela UNEB - Eunápolis
3
Yalorixá exerce a mesma função do Babalorixá, termo empregado às sacerdotisas, vulgo mãe de santo.
4
Babalórixá termo utilizado dentro do Candomblé referindo-se ao sacerdote masculino, vulgo pai de santo.
5
O senhor Wladimir de Carvalho, mais conhecido como Kabila de Oxossi é residente na cidade de Barueri na
região metropolitana de São Paulo, onde está situada a sua casa de Candomblé, o Ilê Alaketu Asé Odé Akuerãn.
dentro da religião, as grandes Yalorixás, as grandes Egbons, e pouco se fala sobre os grandes
sacerdotes que o Candomblé possui.

A casa escolhida para pesquisa fica na região sudeste do Brasil situada na região
metropolitana de São Paulo na cidade de Barueri, O Ilê Alaketu Asé Odé Akuerãn, distante
das casas tradicionais da Bahia que são alvos de pesquisa, o Candomblé liderado pelo
Babalorixá Kabila tem um calendário de festas anual onde são louvados os Orixás, seguindo
as tradições dos candomblés baianos.

Será possível observar, em linhas mais amplas, o destaque que alguns homens têm
alcançado, resgatando o poder masculino que fora perdido em meio à diáspora africana no
Brasil. O que levou esses homens adentrarem no Candomblé e atingirem o status de “pais de
santo” é uma das inquietações que norteiam essa pesquisa, pois, é regido somente por
mulheres, e ainda hoje, em algumas casas tradicionais, é perceptível uma melhor aceitação
dentro do sacerdócio a figura da mulher, ou seja, tradição hierárquica feminina.

A pesquisa está fundamentada sobre a oralidade, onde os dados serão colhidos na


forma de entrevistas ao Babalorixá que serão dialogados com autores que versem sobre a
temática, como por exemplo o livro de João José Reis intitulado “Domingos Sodré Um
sacerdote Africano” que conta a história de vida do Babalorixá Domingos Sodré vivido no
século XIX, mostrando que no já existia homens que exerciam o sacerócio nos Candomblés
da Bahia oitocentista. Também será utilizada a obra de Ruth Landes “A Cidade das Mulheres”
que será o ponto de contraposição à presente pesquisa, pois trata do poder das mulheres, a
saber, o matriarcado das sociedades afro religiosas soteropolitanas do anos de 1930.
Entrevistas com cargos da casa, principalmente mulheres a fim de analisar como este poder
masculino, a saber a autoridade do Babalorixá Kabila exerce influências dentro e fora do Ilê.

O presente projeto visa apresentar dados parciais já obtidos no campo da pesquisa.


Alguns dados já colhidos em campo serão lançados e dialogados com fontes teóricas, a fim de
identificar na biografia do Babalorixá Kabila elementos que culminem na compreensão acerca
do poder masculino dentro das instâncias afro religiosas em contraposição ao matriarcado
imposto por nossas ancestrais séculos atrás.
1. O BABALORIXÁ KABILA DE OXÓSSI

Wladimir de Carvalho, conhecido por Pai Kabila, nasceu no ano de 1950 na cidade de
Osasco, região metropolitana de São Paulo. Na época, Osasco ainda não era uma cidade, mas
sim um subdistrito pertencente à São Paulo. Filho de imigrantes europeus, Pai Kabila possui
ascendência portuguesa e italiana e formação católica. Chegou a ser coroinha na igreja de São
Jorge, situada em Vila Isabel.
Desde cedo, sua espiritualidade começou a dar sinais. Segundo o Babalorixá:

“Eu me lembro bem que era um domingo de Ramos a gente estava segurando a
bandeira da Cruzada Eucarística, e todo mundo na igreja segurando os ramos porque
o padre defumava naquele tempo costumava-se defumar os ramos pra por atrás das
portas e essa coisa, e aquela defumação foi entrando dentro de mim foi me deixando
tonto, foi me deixando tonto... E eu acho que desmaiei no meu interior eu achava
que eu tinha desmaiado e na verdade não era isso, o padre disse que quando me
levaram pra sacristia tinha alguém no meu corpo que falava uma língua diferente
que era um caboclo, foi o caboclo que me pegou pela primeira vez eu ia fazer sete
anos na Cruzada Eucarística na igreja de São Jorge. E ali começou praticamente a
minha trajetória espiritual ainda não fiz santo nessa época não porque era criança e
meus pais católicos jamais aceitariam o Candomblé ou qualquer outra religião a não
ser a religião Católica, mas aquilo foi despertando realmente dentro de mim que eu
tinha alguma coisa diferente.” (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de
Souza Serafim em 23/10/2013).

Segundo a fala do entrevistado, a família não aceitava que ele fosse iniciado no
Candomblé. Até que o primeiro contato direto com o Candomblé aconteceu.

“Com doze pra treze anos eu conheci uma senhora chamada dona Lindaura que
morava na rua de casa, e ela era feita de santo ela tinha a digina de Obá Tunkué que
ela era filha de Xangô, iniciada em Xangô, e ela olhou pra mim e disse assim,
Wladimir você tem problema espiritual um dia vou te levar no Terreiro pra mãe de
santo ver o que você tem, e daí isso foi feito, daí um dia ela me convidou pediu pra
minha mãe, se podia me levar numa festa de criança, como minha mãe não sabia
nada desse negocio de festa de Erê, de festa de São Cosme e Damião falou que
podia me levar, e eu fui com ela cheguei lá era no Terreiro era festa de Cosme e
Damião e eu passei mal, passei mal e vim achando de novo que tinha desmaiado,
não na verdade eu já tinha bolado foi quando eu bolei pela primeira vez, pra poder
fazer o santo Oxossi pedindo minha feitura e daí foi que eu iniciei no Candomblé,
daí sim que comecei minha iniciação no Candomblé.” (Wladimir de Carvalho.
Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013)
Mesmo sendo um homem branco e de ascendência europeia, onde ele destaca
que até o momento das manifestações do Caboclo não havia nenhum contato seu ou de sua
família com as religiões afro-brasileiras o Babalorixá Kabila de Oxossi, começa a adentrar o
Candomblé, até mesmo pra entender esses “fenômenos”, que serve de ingresso pra iniciação
na religião dos orixás.

Com sua saúde abalada, a irmã carnal do então menino Wladimir o levou para ser
iniciado na nação de Angola6 no ano de 1970 pela Yalorixá Sambauè7 de Oxum, na cidade de
Osasco em São Paulo, onde permaneceu até o falecimento de sua mãe de santo. O
entrevistado afirma:

“Eu fiz santo na casa de Angola chamada Sociedade Senhor do Bonfim Rei Nagé de
Obaluaiê, dirigida pelo Babalorixá Alaixè de Oxalá, e a Yalorixá Sambaué de
Oxum, que foi ela que me raspou junto com pai Olegário, que era o patriarca do Axé
vindo de Recife do Sitio do Pátio do Terço de Recife ele era filho de santo de lá, e
foi nessa família que eu me iniciei no Candomblé.” (Wladimir de Carvalho.
Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013)

Com a morte da Yalorixá Sambaué, ele da continuidade as suas obrigações8 com Pai
Oyá Miké da nação de Ketu filho de mãe Menininha do Gantois, com quem tomou obrigação
de sete anos, dando inicio a sua casa de Candomblé e passa por uma fase de transição, onde
antes ele pertencia a nação de Angola, sendo assim passa a integrar a nação de Ketu, onde
começa iniciando os seus primeiros filhos de santo o que lhe outorga direitos de exercer o
sacerdócio. Com o falecimento do seu Babalorixá Oyá Mike, Pai Kabila procura sua amiga a
Yalorixá Nilzete de Yemanjá com o propósito de continuar dentro da religião, ele se torna
filho de mãe Nilzete e passa a fazer parte do Ilê Axé Oxumarê Araká Axé Ogodô 9, onde está
até os dias atuais.
Atualmente, o Babalorixá Kabila de Oxóssi é um militante da causa afro religiosa
dentro do estado de São Paulo, no objetivo de preservar os valores culturais da religião afro-
brasileira. Sua casa de Axé, o Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn situada na cidade de Barueri,

6
Candomblé de origem Banto.
7
Nome que o neófito recebe depois da iniciação, Orunkó ou Digina, isso varia de acordo com a nação.
8
Etapas que são cumpridas depois da iniciação até atingir a maioridade dentro da religião após a obrigação de
sete anos.
9
Casa de Candomblé tradicional situado em Salvador Bahia.
recebem pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo onde o Babalorixá atende filhos e
clientes, a casa tem um calendário litúrgico onde festas são realizadas durante alguns meses
do ano em louvor aos orixás.
O ano se inicia no Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn com a reverência aos ancestrais, no
intuito de louvar os fundadores do Candomblé, e pedir permissão pra dar inicio as obrigações
da casa essa cerimônia é restrita aos filhos do Ilê, e sempre é realizada no inicio do mês de
janeiro. A primeira festa é em louvor a Oxalá, orixá considerado pai de todas as divindades do
panteão afro-brasileiro, essa festividade acontece no final de janeiro. No mês de fevereiro é
realizada a festa em louvor ao patrono do Ilê Alaketu Asé Odé Akueran, o orixá Oxossi,
divindade que o Babalorixá Kabila foi iniciado, sendo que essa é a principal festa do egbé. Na
sequência de festividades anuais, no mês de abril são louvados os orixás Ogum e Oxossi
sendo essas duas divindades consideradas irmãos, portanto são reverenciados no mesmo
período. Em julho a festa é em louvor a Xangô divindade dos trovões e da justiça. Já no mês
de agosto a festa é em homenagem ao orixá Omolu, divindade relacionada com a saúde e as
doenças. A ultima festa que encerra o ciclo de festividades anual é a festa das Yabás, onde são
louvadas as divindades femininas Oxum e Yemanjá, essa festa recebe o nome de encontro das
águas, fechando assim o ativo calendário litúrgico do Ilê.
Ao todo, são seis as festas que compõe o calendário litúrgico do Ilê. As datas em que
são agendadas as festas seguem o calendário da Casa Matriz, o Axé Oxumaré em Salvador.
Segundo o Babalorixá Kabila, as festas de seu terreiro são feias em períodos em que não haja
o choque de datas com a Casa Matriz. Assim, o Babalorixá demonstra respeito e submissão à
hierarquia religiosa. Contudo, mesmo fora do ciclo festivo, a casa do Babalorixá está sempre
em função de alguma atividade religiosa através de consultas, trabalhos, obrigações e outros
afazeres.

2. AS INSTÂNCIAS DO PODER MASCULINO NO CANDOMBLÉ

O Candomblé gerido por homens chama atenção pelo fato de romperem com as casas
tradicionais10, criando terreiros11 onde são recriados e preservados ritos oriundos de suas

10
Entende-se por Casas Tradicionais, os terreiros mais antigos considerados matrizes do Candomblé, e
geralmente são liderados por mulheres.
11
Palavra empregada para dar nome as Casas de Candomblé, a comunidade o egbé.
raízes culturais afro-brasileira. O terreiro se torna um espaço de elaboração e transmissão
cultural, onde a memória e a continuidade se tornam as prioridades de todo egbé, onde o
sacerdote é o guardião e transmissor dos saberes relacionados à religião.

Através da função sacerdotal o homem vem se destacando no Candomblé, exercendo o


posto de Babalorixá, esses sacerdotes ascendem na hierarquia dos terreiros conquistando
respeito e autoridade religiosa, esse fenômeno é sinalizado por João José Reis em seu livro
“Domingos Sodré Um sacerdote Africano”, nessa biografia Reis enfatiza as relações de poder
exercidas pelo adivinho Domingos Sodré, mostrando que homens já ocupavam o sacerdócio
dentro do Candomblé e isso conferia aos sacerdotes uma posição de destaque nos campos
religioso e social.

O Babalorixá Kabila de Oxossi fala como se tornou um sacerdote no Candomblé:

“(...) Eu na verdade eu nunca quis ser Babalorixá, nunca tive nos meus planos de ter
uma casa de Candomblé e cuidar das pessoas, e aconselhar e ajudar as pessoas a
trilharem suas vidas dando explicações e ensinamentos, mas é o que eu falei eu
nasci pra ser Babalorixá eu acho que nasci mesmo pra ser sacerdote, se eu não fosse
sacerdote da religião afro-brasileira, com certeza eu seria sacerdote de uma outra
religião eu nasci pro sacerdócio e graças a Oxalá a todos os Orixás que é da religião
afro-brasileira, que é realmente onde eu me encontrei”. (Wladimir de Carvalho.
Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013)

Podemos observar na entrevista citada acima que o papel do Babalorixá é o mesmo


exercido pelas Yalorixás, o de liderança religiosa, conselheiro espiritual e guardião dos
ensinamentos da ritualística do Candomblé. Sendo que na hierarquia religiosa tanto o
sacerdote ou sacerdotisa ocupam a mesma função dentro do universo da religião dos orixás
onde se tornam provedores de suas comunidades (egbé).

A comunidade religiosa presente no Candomblé remonta o quadro familiar, onde o


centro da estrutura é a figura paterna ou materna. No cenário religioso em questão, o
Babalorixá encontra-se no cerne do egbé, tendo em torno de si o poder de comando e a
responsabilidade de manter e organizar a famiília espiritual. Toda essa responsabilidade é
subdividida através da organização hierárquica do Ilê. Este aspecto está presente no espaço
dirigido pelo Babalorixá Kabila. Segundo sua fala:

“Já foram delegados os postos a algumas pessoas pelo tem que me acompanham que
tem de trinta a quarenta anos, já de iniciados são pessoas da minha extrema
confiança, e tudo a gente não pode fazer sozinho, você veja bem o Papa tem os
Cardeais, os Bispos, os Padres os Seminaristas então precisa de todas aquelas
pessoas pra poder ele comandar a Igreja, e como Babalorixá também pra poder
comandar ele precisa daquelas pessoas todas de confiança na volta dele pra poder
ajuda-lo, que o Candomblé é uma religião de muito detalhe, é uma religião de
muitos detalhes, então pra que você não esqueça nunca os detalhes, você qualifica
uma pessoa pra determinada função, assim pras coisas saírem certas não ter o perigo
de você for fazer uma obrigação, uma iniciação e as coisas darem erradas não serem
completadas” (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim
em 25/06/2014)

Observando a fala do sacerdote, a subdivisão de funções dentro da casa de Candomblé


garante a extensão de seu poder, logo a extensão de seu conhecimento. O Babalorixá repassa
para os membros escolhidos, segundo seu tempo de iniciação e capacidade de aprendizado,
parte do seu conhecimento a fim de facilitar o desenvolvimento da ritualística dos orixás. Por
se tratar de uma casa de Candomblé ampla e que abrange um grande contingente humano, se
faz necessária esta subdivisão hierárquica. No entanto, a autoridade maior da casa continua se
concentrado em torno do Bablorixá, detentor absoluto da soberania máxima do Ilê.

As relações hierárquicas presentes no Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn ocorrem de forma
espontânea onde a influencia e autoridade exercida pelo Babalorixá Kabila abrange toda
comunidade em que as pessoas que exercem postos, os Egbons e os Yawos o reverenciam não
apenas por ver no sacerdote a figura de pai espiritual, mas principalmente pelo conhecimento
que possui juntamente com sua idade iniciática, o que lhe confere o status de detentor da
sabedoria ritual e guardião dos segredos religiosos do Candomblé.

A influência do Babalorixá Kabila de Oxóssi vai além dos limites de sua casa de Axé.
Sua dedicação aos Orixás, sua militância em prol dos valores afro-religiosos e com seu
profundo conhecimento acerca do Candomblé o dão propriedade para angariar títulos e
comendas, recebidos ao longo dos anos das instâncias de poder político do estado de São
Paulo. Por este motivo, o sacerdote já participou de eventos, congressos e até programas de
televisão em que defende o Candomblé, sempre com a propriedade de quem entende do
assunto.

Algo marcante no Candomblé em geral se relaciona com a preservação da memória, tanto


coletiva quanto individual. Todos os ritos e preceitos são repassados através da oralidade,
através do pai ou mãe-de-santo os ensinamentos são repassados pra a comunidade (egbé), a
fim de perpetuar a herança cultural e religiosa afro-brasileira. O Babalorixá ou a Yalorixá
tornam-se guardiões da tradição, a ponto de serem tratados como pais e mães, que zelam pelo
bem estar de seus filhos e de todo egbé. A memória não é apenas um ato de recordar o
passado, é a reconstrução de vivências, experiências e emoções e estão intimamente ligadas
com o presente.

No que tange ao conhecimento adquirido através da oralidade afro-religiosa, o


Babalorixá Kabila possui um vasto conhecimento e uma grande dedicação à causa afro
religiosa. Isto faz com que o mesmo seja visto como um “ícone” do Candomblé paulistano.
No entanto, o sacerdote demonstra humildade em afirmar que:

“Eu não me sinto um ícone não, ao contrário eu acho que ainda tenho muito que
aprender, porque dentro do Candomblé, o Candomblé essa religião africana essas
coisas do Orixá, Orixá é a natureza, e a natureza não tem uma definição, não é uma
matemática, não é uma coisa exata, então a cada dia a gente aprende uma coisa, é
muito mais fácil quando você sabe que um mais um é dois, dentro do Candomblé
essa matemática não funciona, então cada dia a gente se depara com uma situação ou
com alguma coisa que o Orixá nos determina, então a cada dia a gente está
aprendendo alguma coisa, então eu acho que não existe ninguém supremo dentro do
Candomblé, todos os sacerdotes e as sacerdotisas do Candomblé estão a cada dia
aprendendo alguma coisa que os Orixás a natureza nos ensina a cada dia.”
(Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em
23/10/2013)

O que pode ser observado é que para o Babalorixá, todo aprendizado acerca da religião
do Candomblé, são influenciados pelas divindades africanas (Orixás), e que todo sacerdote ou
sacerdotisa está sob a influência dessas forças divinas, sujeitando assim seus atos e decisões
aos desígnios das divindades. Dessa forma é possível assimilar que, dentro do candomblé, a
única autoridade que está acima da do Sacerdote é somente o Orixá.

No entanto, o posto de chefia e liderança exercido por homens dentro da religião do


Candomblé não é bem visto por todos os seus adeptos. Ainda existem casas antigas que
guardam em seu estatuto hierárquico a ideia de que somente as mulheres eram dignas e aptas
a exercerem o posto de Sacerdotisa de um Ilê. O Babalorixá Kabila fala sobre este assunto:

(...) As mulheres, as Yalorixás sim; veem os Babalorixás de olho diferente. Percebo


porque aqui no Brasil até mesmo se criou essa fama que o Candomblé tem que ser
dirigido por mulher que é matriarcal, e não é verdade porque na África segundo o
que eu sei, eu nunca fui na África mas segundo o que eu sei quem governa quem é o
sacerdote é o homem então o Candomblé na verdade na África é patriarcal esse
negócio de matriarcal é coisa do Brasil. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a
Danilo de Souza Serafim em 05/07/2014)

Através da fala do Babalorixá Kabila é possível observar que ele busca na


ancestralidade africana uma forma de se legitimar como sacerdote sendo que ele expressa que
em África os homens que exercem o sacerdócio no culto aos orixás, e que aqui no Brasil as
mulheres assumem um papel que antes era ocupado por homens, e que os Babalorixás não são
aceitos por uma grande parte das Yalorixás.

Todavia, a ascensão masculina dentro do Candomblé, que se constitui num fenômeno


dentro da estrutura religiosa, fornece a não a quebra desta tradição feminina, mas a possibilita
que homens e mulheres, Babalorixás e Yalorixás caminhem lado a lado, dedicando suas vidas
aos Orixás e ao egbé12.

3. CONCLUSÕES PARCIAIS E OBJETIVOS EM VISTA

A relação entre Brasil e África pode ser observada dentro dos Terreiros de Candomblé,
que na sua organização recriaram os reinos africanos, através da religião que rememora os
aspectos político e social, onde a figura do rei é substituída pelo Babalorixá e Yalorixá que
são os senhores de suas comunidades, onde preservam os ensinamentos e tradições ancestrais.
O Babalorixá torna-se líder do seu egbé, conselheiro espiritual e o elo entre as divindades
(Orixás), e os seus filhos.

O Babalorixá Kabila de Oxóssi mostra-se como uma rica fonte de pesquisa, pois os
múltiplos saberes, temas e propostas metodológicas que cercam a sua biografia faz com que a
cada nova entrevista, o interesse em desvendar os enigmas deste poder masculino aumente a
fim de trazer à tona uma problemática um tanto abafada em meio à dominação feminina no
Candomblé, não sendo aqui a intenção de desmerecer a importância das mulheres na
preservação e perpetuação do legado religioso afro-brasileiro.

12
Palavra de origem Iorubá cujo significado está associado à comunidade ou uma organização social.
Sua abrangência sacerdotal transcende aos limites físicos do Ilê Alaketu Asé Odé
Akueràn, exercendo suas influências religiosas a filhos e clientes de outros estados e até
mesmo de fora do país. A subdivisão de poderes dentro do Ilê denota a confiança que o
Babalorixá deposita em seus cargos de confiança, sendo que a maioria dos cargos é exercida
por mulheres, o que culmina numa fragmentação do conhecimento litúrgico aprendido e
repassado por meio da oralidade.

Na busca de conclusões, alguns dos objetivos pretendidos ao término desta pesquisa


buscam entender as relações de poder patriarcal dentro do Candomblé a partir do Estudo de
Vida do Babalorixá Kabila, percebendo assim de que forma esses sacerdotes contribuem para
preservação da religião.Dessa forma, será possível estudar as representações de poder e da
hierarquia através da religiosidade afro-brasileira identificando as modificações que o
Candomblé tem sofrido, e quais espaços da religião o homem vem ocupando.

A pesquisa aqui desenvolvida contribuirá de forma significativa para o entendimento


da formação da religião do candomblé e as mudanças que foram necessárias para que
ocorresse a inserção do homem como sacerdote. O mesmo ocorre com a entrada do branco,
uma vertente posterior para pesquisa, que independente de gênero, mostra que o candomblé é
uma religião que é aberta a todos e não apenas aos que descendem de negros.

REFERÊNCIAS:

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

BENISTE, José. Dicionário Yorubá - Português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
LEITE, Fábio Rubens da Rocha. A Questão Ancestral: África Negra. São Paulo: Palas
Athena: Casa das Áfricas, 2008.

SILVEIRA, Renato da. O Candomblé da Barroquinha: Processo de constituição do primeiro


terreiro baiano de Keto. 2ª Edição. Salvador: Maianga, 2006

PRANDI, Reginaldo. Os Candomblés de São Paulo: A velha Magia na Metrópole Nova. São
Paulo: Hucitec, 2001

REIS, João Jose. Domingos Sodré um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé
na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.

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