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Uma Leitura Adventista Atualizada

André Reis, Ph.D.


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m artigo recentemente publicado suas línguas originais, a fim de reconstruir o hebraico, a língua dos judeus até o final do
no blog Adventist Today sobre o significado pretendido pelo autor nessas livro. Além disso––diferente dos animais
“chifre pequeno” de Daniel 8 passagens. imundos que dominam Daniel 7––os animais
provocou um debate acalorado. Clifford em Daniel 8 provêm dos rituais do santuário:
Goldstein, o principal apologeta da Pressuposto #1: Daniel 8 só pode ser um bode e um carneiro. Estes importantes
interpretação profética adventista de Daniel entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7 detalhes indicam que os judeus são agora o
8, tentou refutar a conclusão de Winston Lido da forma mais direta possível, Daniel 8 foco do livro de Daniel.
McHarg de que Antíoco IV Epifânio é o baseia-se nos princípios da domínio mundial Na visão, o bode (Grécia, v. 21) derrota o
chifre pequeno em Daniel 8.1 Em sua réplica, e afronta ao Senhor também encontrados nos carneiro (Medo-Pérsia, v. 20). No auge de seu
Goldstein sai da largada na direção errada capítulos 2 e 7, mas os aplica especificamente reinado, o “grande chifre” do bode se rompe e,
com um conjunto de suposições sobre Daniel à história do povo judeu. Daniel 8 oferece em seu lugar, aparecem quatro chifres que
8 quando escreve: uma visão aérea de um futuro ataque contra o crescem para os quatro ventos do céu (v. 8).
povo de Deus e seu santuário, mas para tanto, Então, “de um deles”, isto é, de um dos quatro
[Daniel 8] vem depois de dois capítulos não depende de Daniel 2, 7. Como veremos, chifres (v. 9) surge um “chifre pequeno”. O
paralelos, Daniel 2 e 7, que ajudam a definir
o capítulo contém informações suficientes grande chifre aqui é unanimemente
o pano de fundo para interpretar Daniel 8. A
ligação entre esses três capítulos, e este para se sustentar sozinho sem depender de interpretado como Alexandre, o Grande, e os
princípio de amplificação entre eles, não é certas pressuposições interpretativas que a quatro chifres, seus quatro generais:
uma invenção adventista; outros estudiosos interpretação Adventista tradicional aplica a Cassandro, Lisímaco, Seleuco e Ptolomeu.
viram isso. E não é de admirar; ela é obvia. Daniel 2 e 7. Essa falha é o calcanhar de Como mais tarde interpretado por Gabriel,
Aquiles desta abordagem. este “chifre pequeno”/sexto rei grego surge na
Em seguida, Goldstein afirma que Daniel 8 Primeiro, façamos uma breve visão geral do “última parte [’aharît]” do reinado dos quatro
“não aparece em um vácuo” mas que é capítulo. generais gregos (v. 23).
“paralelo” a Daniel 2 e 7. Por conseguinte, suas A visão de Daniel 8 se concentra em como Continuando ainda com os temas do
conclusões são baseadas nesta premissa e os judeus e, em particular, seu santuário, santuário judaico, Dan 8:10–11 concentram-
repetem a mesma linha tradicional de sofrem sob um certo poder político, o infame se no altar do santuário: o “chifre pequeno”
argumentação em favor de Roma como sendo “chifre pequeno”. A visão culmina com monta uma afronta contra “o exército do céu”
o “chifre pequeno”. eventos circunscritos à “terra gloriosa” (8:9), (v. 10), lança abaixo as “estrelas”, remove os
Vamos nos concentrar neste e em outros isto é, Jerusalém––enquanto Daniel 2 e 7 sacrifícios diários (tamîd) e “lança por terra”
pressupostos que sustentam a abordagem de lidam com eventos que afetam “toda a terra” todo o santuário e pisoteia sobre eles (v. 11);
Goldstein (que também se sobrepõem à (2:35; cf. 7:17). Note como Gabriel dedica “por causa da “rebelião”, o “exército dos
abordagem de Marvin Moore e outros mais tempo à trajetória do chifre pequeno do santos” (o povo de Israel, v. 24) é posto sob
intérpretes adventistas). Este artigo propõe o que à da Medo-Pérsia e da Grécia (8:15-26). poder do “chifre pequeno” e a “verdade” é
método “leitura próxima” (atendo-se ao Para tanto, Daniel 8 finaliza a seção aramaica lançada por terra (v. 12). Estes são todos
contexto imediato) do texto de Daniel em de Daniel (2:4-7:28), retornando para o

André Reis, Ph.D., tem títulos em teologia, música e graduou-se com um Ph.D. em Novo Testamento na Universidade Adventista de Avondale, Austrália, especializando-se
em literatura apocalíptica. Seu livro O Dia da Expiação no Apocalipse é uma revisão da sua tese doutoral e será publicado em breve.

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símbolos do povo judeu e do santuário que a justaposição de gêneros é um fenômeno masculino “seu governo” em 8:23. A
terrestre. muito comum no hebraico bíblico; por implicação aqui é que, semelhante a Dan 7:8,
A duração da agressão é definida no v. 13: exemplo, substantivos femininos podem 24, parece que Daniel já tinha em mente os
“Até quando durará a visão do sacrifício tomar sufixos masculinos quando no plural– quatro “reis” de 8:23 ao descrever os “quatro
contínuo [tamîd], e da transgressão –talvez o exemplo mais inusitado seja chifres” de 8:8, dos quais o “chifre pequeno”
assoladora, para que sejam entregues o “mulheres”, que toma um sufixo plural surge. À luz dessa análise, o seguinte padrão
santuário e o exército, a fim de serem masculino, nashim. Outro exemplo é Gên começa a emergir: Daniel parece antecipar
pisados?” (ACF). A resposta é, “Até 2.300 31:55: “E levantou-se Labão pela manhã de detalhes da interpretação da visão quando
tardes e manhãs”, referindo à remoção do madrugada, e beijou seus filhos e suas filhas e descreve a visão. É bom lembrar que Daniel
tamîd mencionado no v. 13, ou seja, 1.150 dias abençoou-os e partiu; e voltou Labão ao seu redigiu este capítulo depois que a visão foi
de dois sacrifícios por dia, um ao anoitecer e lugar”; como em português, o pronome “os” é dade e interpretada por Gabriel, o que explica
outro de manhã.2 Após esse período curto, a masculino no hebraico, embora inclua ambos porque ele teria incorporado na descrição da
“transgressão assoladora” do “chifre pequeno” os gêneros. visão detalhes e gêneros que pertencem à sua
é quebrada, o povo de Deus liberto e o Estudiosos do hebraico definem esse interpretação. Estas podem ter sido pistas
santuário “reconsagrado” (NVI; ARA fenômeno de masculinizar formas femininas postas no texto quanto ao significado dos
“purificado”) ou “vindicado” (nisdaq, v. 14). como “marcação zero”. Geoffrey Khan símbolos nestes capítulos, conectando-os
Aí está, de uma vez, a essência de Daniel 8. explica: “O hebraico concede às formas com a sua interpretação. (A Tabela 1 nos
Goldstein, no entanto, tem outra leitura do masculinas ‘precedência, prioridade’” pois as ajuda a visualizar o padrão aqui).
capítulo, pois vê a necessidade de separar o considera “mais potentes”.3 A presença de Finalmente, visto que Dan 8:9 e 8:23 estão
“chifre pequeno” dos quatro chifres gregos e o artigos mistos em Dan 8:8–9––chifres (fem.), em paralelo verbal e temático, podemos
vê saindo de um dos “quatro ventos”. Em ventos (fem.) e céu (masc.) ––pode apontar na facilmente interpolar a expressão “de um” de
apoio para essa leitura, ele capitaliza sobre direção da preferência por pronomes 8:9 para 8:23 e ter: “na última parte [de um] de
certas características peculiares do capítulo. masculinos. Além disso, mesmo que a seus reinos”, conectando assim firmemente a
Primeiramente vem a questão da origem do expressão “de um deles” fosse feminina––de ascensão do “chifre pequeno”/sexto rei aos
“chifre pequeno”. Há a notória confusão de uma “delas”––a expressão ainda seria cinco reis gregos anteriores.
antecedentes pronominais no texto original ambígua porque tanto chifres quanto ventos É curioso que a interpretação tradicional
hebraico. Goldstein diz que “de um deles” são femininos em hebraico. Portanto, de um adventista tenha posto grande peso neste
(8:9) deve apontar para “ventos” ao invés de ponto de vista puramente gramatical, há aparente conflito de gênero e proximidade
“chifres”, porque “ventos” está sintaticamente realmente pouca relevância o uso de um anterior em Dan 8:9 para argumentar, contra
mais próximo de “chifre pequeno”. Além gênero masculino para formas femininas em toda lógica, que o “chifre pequeno” deve
disso, existe o problema do pronome “um Dan 8:9 e a origem do “chifre pequeno” não realmente sair de um dos quatro ventos do
deles”, que é masculino, enquanto ambos os deve depender desse argumento. céu, quando na verdade o mesmo conflito de
ventos e chifres são femininos no hebraico. Mais significativamente, dito fenômeno gênero ocorre com a origem do “chifre
Essas características “misteriosas” do texto pode ser observado já em Daniel 7, onde um pequeno” em Dan 7:8, e ainda assim, Clifford
recebem grande peso tanto por intérpretes conflito de gênero semelhante ao que vemos não argumenta que o “chifre pequeno” saiu de
adventistas. Este chifre estranho e em Dan 8:9 ocorre em uma passagem que outro lugar que não seja dentre os chifres do
desencarnado, voando sozinho pelo céu, também envolve um “chifre pequeno”! Em quarto animal. Este é um exemplo de defesa
aponta misteriosamente para o surgimento de Dan 7:8 um “chifre pequeno” surge “entre especial. O argumento tradicional se tornaria
um poder ainda desconhecido––Roma––que eles” (bênêhôn, masculino, plural) mas inexpugnável se, em vez disso, surgisse dos
o conecta ao pequeno chifre de Daniel 7. De “chifres”, qarnayya, é feminino, plural o “quatro ventos” um “vento pequeno”––na
fato, a interpretação Adventista dessa requer um pronome feminino, plural. verdade, a figura de um “vento pequeno” que
passagem depende inteiramente da Quando o “chifre pequeno” surge, os três cresce em força poderia ser igualmente eficaz
veracidade dessa leitura, o que os leva a gritar primeiros “chifres” (fem.) são “arrancados” como símbolo na visão. Mas isso não é o que
“Imunda!” a qualquer outra interpretação do (et’qarû, masc., pl.). Em Dan 7:24, o “chifre lemos.
“chifre pequeno” que não seja Roma. pequeno” surge depois dos “três reis” (malkîn, O fato permanece––e agora com forte
Como explicar essas aparentes discrepâncias masculino, plural). Em resumo, os “três evidência filológica––de que o padrão
no texto? chifres” (fem., pl.) em Dan 7:8 recebem a tipológico nas visões de Daniel 7 e 8 é
Vários argumentos podem ser propostos mesma forma verbal que os três “reis” em 7:24 consistente: chifres estão sempre ligados a
para explicar as discrepâncias de gênero nessa (masc., pl.). Da mesma forma, em Dan 8:9, o animais, apenas cabeças geram chifres, apenas
passagem. Primeiramente, devemos salientar masculino, plural “eles” corresponde ao plural chifres geram chifres. O “chifre pequeno” em
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Daniel 7 surge entre os chifres do quarto
animal, e, em Daniel 8, de um dos quatro
chifres gregos do bode.
E ainda há um argumento final da estrutura
de Daniel 8 para apoiar uma origem grega
para o “chifre pequeno”. Devemos perguntar
se faria sentido que a visão tratasse de um
bode (Grécia) com um grande chifre
(Alexandre) seguido de quatro chifres
igualmente gregos, apenas para que, no final
das contas, Gabriel virasse para Daniel e
dissesse: “Daniel, esqueça o bode e os cinco
reis gregos que surgem dele, eles não têm
nenhuma relevância para a profecia das 2.300
tardes e manhãs. Ainda há um sexto rei que
virá num futuro distante que não tem nada a
ver com os cinco primeiros reis gregos, um
reino desconhecido agora, cujo nome eu não
posso lhe dar. Preste atenção nele!” Mas é da lei e mudassem todas as ordenanças. Mosaico
E de Alexandre, o Grande (100 a.C.) em Pompéia.
(segundo Goldstein) de Daniel 7, Roma (o
justamente isso que o argumento de um acrescentou: ‘E quem não obedecer a ordem quarto animal segundo ele) deveria estar aqui
do rei, morrerá’. E no décimo quinto dia de
“chifre pequeno” romano quer. De fato, a claramente, assim como a Medo-Pérsia e a
Quislev, no ano cento e quarenta e quinto, eles
única razão pela qual a visão e sua erigiram uma abominação desoladora no Grécia estão. Mas, como veremos, tal
interpretação giram quase que altar do holocausto. conclusão se baseia em raciocínio circular.
exclusivamente em torno da Grécia (15 dos 27 A interpretação tradicional vê Roma aqui
versos) é porque o “chifre pequeno” deve A alusão a Daniel na passagem acima porque lê Daniel 8 com as mesmas lentes de
surgir do mesmo bode, a Grécia. estabelece uma firme tradição judaica Daniel 7. Mas os símbolos das potências
A análise acima apresenta evidências de que conectando o “chifre pequeno” ao rei grego mundiais em Daniel 7 não são os mesmos de
o “chifre pequeno”/sexto rei de Daniel 8 Antíoco IV Epifânio, quem pôs uma estátua Daniel 8: vemos um leão com asas de águia,
surgiu dos quatro chifres/reinos Gregos e do deus grego Zeus e prostitutas cultuais um urso, um leopardo com quatro cabeças e
jamais de “ventos”. Eruditos são virtualmente dentro do templo judaico (cf. 2 Mac 6:1–12). um animal terrível e espantoso com dez
unânimes nessa leitura, e com muito boas Daniel chama a abolição do tamîd, ou seja, “os chifres em Daniel 7; Daniel 8 por sua vez, tem
razões. sacrifícios diários” (v. 8:13) e a profanação do um carneiro e um bode. O único elemento
Voltando-nos ao relato histórico, lemos lugar Santíssimo por parte de Antíoco IV compartilhado pelos dois capítulos é o tal
sobre profanações muito semelhantes às do Epifânio de “transgressão assoladora” ou “chifre pequeno”, mas em Daniel 7 ele surge
“chifre pequeno” de Daniel 8 em 1 Macabeus “abominação desoladora” (Dan 8:13; cf. dentre os dez chifres do quarto animal
1:41–50, 57 escrito cerca de 100 a.C.: 11:31). enquanto em Daniel 8 ele surge dentre um dos
À luz do ataque grotesco de Antíoco contra chifres do bode (Grécia), como já
Então o rei escreveu a todo o seu reino que os judeus, seria mesmo razoável que Deus os estabelecemos anteriormente. Mas por causa
todos deveriam ser um só povo, e que todos
tivesse deixado desinformados em relação a de seu método interpretativo em estilo texto-
deveriam abandonar seus costumes
particulares… sacrificassem a ídolos e essas agressões, omitindo esses eventos das prova, a interpretação considera o “chifre
profanassem o sábado… mandou que profecias de Daniel? É muito improvável. pequeno” de Daniel 8 como sendo a mesma
seguissem costumes estranhos à terra, para Visto sob este prisma, Antíoco IV Epifânio entidade histórica em Daniel 7, Roma. Isso
que se proibissem holocaustos e sacrifícios, e parece o candidato invicto aqui. cria um impasse para sua interpretação:
beber libações no santuário, e profanassem os enquanto o “chifre pequeno” surge dentre os
sábados e festas, contaminassem o santuário
Pressuposto #2: O “chifre pequeno” de Daniel dez “chifres” do quarto animal em Dan 7:8,
e os sacerdotes, edificassem altares e
8 é romano. este deve necessariamente sair de um dos
santuários para ídolos, sacrificassem porcos e
outros animais imundos, e para deixarem Roma não é representada em nenhum lugar “ventos” em Dan 8:9 para que seu argumento
seus filhos incircuncisos. Eles deveriam de Daniel 8 e tampouco faz parte da tenha sentido. Logicamente, então, devemos
tornar-se abomináveis por tudo o que é explicação de Gabriel. Por que devemos ver escolher uma das duas opções: (1) ou o “chifre
imundo e profano, para que se esquecessem Roma aqui? Se Daniel 8 é uma “amplificação” pequeno” sai da mesma entidade em Daniel 7
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e 8 ou; (2) o “chifre pequeno” refere-se a oposto da profecia de Daniel 8. E não só isso,
entidades distintas nestes capítulos. quando Roma destruiu o templo e a cidade de
Mas vamos, por um momento, aceitar a Jerusalém em 70 A.D., estes já não tinham
proposta de que Daniel 8 “amplifica” Daniel 7 mais nenhum significado; a cidade
e que eles tratam do mesmo “chifre pequeno”. rejeitara ao Messias crucificando-o, o véu
Começando com a amplificação em Daniel 8, do Santíssimo se rasgou de alto abaixo,
como estabelecemos acima de dúvida, o anulando os rituais e o templo nunca foi
“chifre pequeno” deve invariavelmente sair do “restaurado”, falhando assim a profecia de
bode, a Grécia. Como Daniel 8 fornece a Dan 8:14. A referência enigmática de Jesus
“chave” para o capítulo 7, de acordo com à “abominação da desolação” de Daniel ao
Goldstein, agora precisamos sobrepor predizer a profanação do Segundo Templo
retroativamente a origem do “chifre pequeno” em 70 A.D. (Mat 24:15) parece ter sido uma
de Daniel 8 para Daniel 7. O que nós temos? reaplicação dos princípios da profecia Moeda de Antíoco IV Epifânio
O “chifre pequeno” em Daniel 7 surge da cumprida nos tempos dos Macabeus e serviu
Grécia, e não de Roma. Portanto, a Grécia principalmente como um sinal para os personagens aqui; Dan 8:4 diz que carneiro
deve ser o quarto animal naquele capítulo. A cristãos “deixarem a Judéia”, e não constitui “cresceu” (wehigdîl, 8:4) sem nenhum
tensão que essa conclusão cria para a estrutura necessariamente um cumprimento primário modificador de intensidade. Por sua vez, o
interpretativa tradicional é intolerável e, no da profecia de Daniel. Em última análise, bode “se engrandeceu sobremaneira” [higdîl
entanto, essas são as implicações lógicas de Jerusalém e o Templo não foram derrubados ad-me’od]” (ACF)––note aqui o importante
sua abordagem hermenêutica. (Ressalto que pelos romanos em 70 A.D. devido a alguma advérbio hebraico de intensidade me’od. Por
não estou reinterpretando Daniel 7 aqui). Não perseguição religiosa, mas por repetidas último, o “chifre pequeno” “cresceu”
admira que haja tanta insistência em que o insurreições políticas por parte dos judeus [wattigdal-yeter]” (NVI; completaremos a
“chifre pequeno” seja romano nos dois contra o domínio e taxação romanos.4 tradução abaixo). A diferença marcante entre
capítulos––apesar de Roma não estar em as três expressões de grandeza é que me’od
Daniel 8––caso contrário toda a estrutura Pressuposto #3: O “chifre pequeno” é “maior” (“abundantemente, sobremaneira”)5 descreve
entra em colapso! do que a Medo-Pérsia e a Grécia. apenas o bode, e nunca o carneiro ou o “chifre
Além disso, se considerarmos a hipótese de A objeção de que Antíoco simplesmente pequeno”. Esse fato é de extrema importância
um “chifre pequeno” romano que atua muito não foi “grande” o suficiente para ser o “chifre porque me’od é o advérbio hebraico de
tempo depois do término dos quatro reinos e pequeno” é outro exemplo de raciocínio intensidade por excelência. Note o seu uso em
não durante o reinado grego (Dan 8:23) circular que assola a interpretação tradicional. outras partes da Bíblia: tudo na terra recém-
vemos aqui uma grande contradição: quando A expectativa é de que este é o mesmo “chifre criada é tov me’od, “muito bom” (Gên 1:31); as
Roma finalmente subjugou o último dos pequeno” de Daniel 7, entendido como Roma águas do dilúvio elevaram-se me’od me’od,
quatro reinos gregos em 63 a.C., ela já não era que operava desde o século IV a.C. O “excessivamente, poderosamente” (Gên 7:18);
nenhum “chifre pequeno”, mas sim um problema é que a interpretação adventista Israel se multiplicou bime’od me’od
imenso império que se estendia de Portugal tradicional faz teologia baseado na tradução “grandemente” no Egito (Êxo 1:7). Assim,
até a Ásia Menor, da Palestina ao norte da inglesa King James e não no texto original com a ausência de me’od na descrição do
África. Roma falha aqui novamente como o hebraico. Naquela versão, há uma progressão poderio dos outros personagens de Daniel 8,
“chifre pequeno”. de grandeza dos animais e chifres em Daniel 8 resta que o bode (Grécia) é o maior poder
Ainda mais problemático para a hipótese de que culmina com o “chifre pequeno”, que “se nesse capítulo e consequentemente o “grande
um “chifre pequeno” romano é o fato de que, engrandeceu sobremaneira”. Assim, segundo chifre” (Alexandre, o Grande) representa a
quando o domínio romano finalmente intérpretes adventistas, o “chifre pequeno” é “altura de seu poder” (v. 8).
alcançou Jerusalém em 63 a.C., os romanos muito maior do que os reinos anteriores Agora vemos porque a tradução de Dan 8:9
não profanaram o santuário judeu, mas combinados e, portanto, não pode ser da King James “se engrandeceu
permitiram que os judeus continuassem com Antíoco IV, um rei selêucida insignificante. sobremaneira” bem como as versões em
suas práticas religiosas. Na verdade, Herodes, Porém, um estudo comparativo dos termos português, “se tornou muito forte” (ARA;
um vassalo romano, liderou os judeus em originais hebraicos para descrever a ascensão ACF: “cresceu muito”) é questionável. A
uma vasta expansão do Segundo Templo que do carneiro, o bode e do chifre pequeno, tradução ACF inclusive adiciona “se
se tornou conhecido como o Templo revela algumas características importantes. engrandeceu” em Dan 8:11 mas o verbo ali é
Herodiano, de modo que a experiência dos Primeiramente, o hebraico utiliza a raíz simplesmente “crescer”. O problema na
judeus sob Roma parece ter sido exatamente o gadal (“crescer, grande”) para descrever os tradução ocorre porque a palavra yeter na
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expressão wattigdal-yeter usada para exército do céu”, “engrandeceu-se contra o poder”; ACF: “E se fortalecerá o seu poder,
descrever a ascensão do “chifre pequeno” em príncipe do exército” (ACF)––também não mas não pela sua própria força”). Mas há um
Dan 8:9 pode significar “resto, excesso, contêm nenhum intensificador no original problema na tradução deste verso: a maioria
preeminência, superioridade, corda”.6 De hebraico e simplemente se referem à atuação das versões traduz a expressão welo bekohô no
fato, yeter é usado principalmente com o deste chifre contra Israel e seu santuário verso 24 como sendo uma referência à força
sentido de “resto, excesso” no Antigo simbolizados aqui por “estrelas”, “príncipe” e do próprio “chifre pequeno”. No entanto, a
Testamento (68/94 vezes). O léxico hebraico “exército” (cf. 8:24: “povo santo”). A objeção frase “mas não com a sua força [welo bekohô]”
Brown-Driver-Briggs apenas define yeter de que ele cresceu “para o exército do céu” (v. em 8:24 é uma cópia exata de 8:22 onde se
como “muito” em Dan 8:9! O Manual 10), por isso deve ter sido realmente enorme, refere à força do “grande chifre”. Logicamente
Teológico do Antigo Testamento traduz yeter não é uma conclusão necessária. As portanto, a mesma frase “mas não com a força
com o significado de “preeminência” pelo referências ao céu aqui são simbólicas; note dele” em Dan 8:24 deve se referir à força do
menos uma vez, em Gên 49:3–4: “Rúben, tu és que os quatro chifres já estavam no “céu” (v. 8) “grande chifre” em comparação com a do
meu primogênito, minha força e o princípio e o chifre pequeno sai de um desses chifres “no “chifre pequeno”. A implicação é simples:
do meu vigor, o preeminente [yeter] em honra céu”, alcançando assim a “hoste do céu”. Isso assim como os quatro chifres, o “chifre
o preeminente [yeter] em poder. Impetuoso não implica necessariamente em um pequeno” não teve a mesma força do “grande
como a água, não serás o preeminente [raíz crescimento “extraordinariamente grande”. A chifre”. A leitura acima é a correta por três
yatar]”.7 linguagem aqui é claramente simbólica, não razões: (1) não há razão sintática e nem
Considerando então a gama de significado literal. indicadores contextuais para se traduzir a
de yeter, a tradução “se tornou muito forte” Aqui novamente, a história mostra que o rei mesma frase de forma diferente em tal
(ARA) não é um uso comum do termo.8 Tal grego Antíoco IV Epifânio realmente tomou proximidade (separadas por apenas dois
tradução deve ser mudada para “o chifre “preeminência” sobre o leste e o sul, e a versos); (2) faz mais sentido que a comparação
pequeno cresceu em preeminência”, ou, se Palestina, chegando até o Egito––embora com os reinos subseqüentes gire em torno do
usarmos o significado usual de yeter como com menos sucesso––mas não conseguiu “grande chifre” grego e em se tratando de reis
“resto”, poderia ser traduzido: “o chifre “crescer em preeminência” contra norte e que saem do mesmo animal, o bode; (3) a frase
pequeno cresceu o restante [do seu oeste. Suas profanações contra o povo judeu e “não por sua propria força” não faz sentido em
tamanho]”, isto é, “atingiu a maturidade.” De o santuário terrestre, o sacrifício contínuo e os uma passagem que descreve justamente os
fato, algumas versões da Bíblia traduzem yeter sacerdotes se encaixam nos ataques contra estragos feitos por este chifre. Assim, Daniel
em Dan 8:9 dessa forma: por exemplo, a Israel, os “poderosos”/“povo santo” (v. 24) deve ter tido o mesmo significado em mente
NTLH diz: “que foi crescendo e se estendendo simbolizados por “estrelas”, “príncipe” e para welo bekohô em toda a passagem e
em direção ao sul…”; NVI: “mas cresceu em “exército” (v. 10–11). compara os reis que vêm depois de Alexandre
poder na direção do sul…” O fato é que um Uma linha adicional de apoio à o Grande com ele. É assim que os leitores
chifre nunca pode ser maior ou mais forte que interpretação do “chifre pequeno” como originais teriam entendido essa expressão.
o animal que o carrega. Se o “chifre pequeno” sendo um rei grego está na comparação entre (Veja a Tabela 2 abaixo).
tivesse se tornado maior que o bode e o a força do “grande chifre” e os chifres A análise textual acima nos leva a algumas
carneiro juntos e simbolizasse outro reino, subseqüentes. Dan 8:22 compara a força dos conclusões importantes em relação à
este chifre deveria logicamente aparecer na quatro reinos com a do primeiro “grande magnitude do “chifre pequeno”: (1) nem os
visão como outro animal. É o que vemos nos chifre”/primeiro rei (Alexandre): “quatro “quatro chifres”/quatro reis que seguem o
capítulos 7 e 8: reinos diferentes aparecem reinos se levantarão deste povo, mas não com “grande chifre”, nem o “chifre pequeno”/sexto
como animais distintos. Parece então que a força igual à que ele tinha [welo bekohô]” rei tem a mesma força do “grande
wattigdal-yeter, quando traduzido como (ARA; ACF: “mas não com a força dele”; NVI: chifre”/primeiro rei ; (2) a posição inferior do
“cresceu em preeminência” junto com os “mas não tão poderosos como o primeiro”). “chifre pequeno” em relação ao bode,
marcadores geográficos no verso, enfatiza Esta expressão na terceira pessoa, masculina, conforme previamente argumentado, se
primordialmente onde o “chifre pequeno” singular, welo bekohô, é uma referência clara fortalece––se o “chifre pequeno” não tem a
tornou-se preeminente: para o leste, sul e à força do “grande chifre” em comparação mesma força do “grande chifre” do bode,
Palestina, e não quão grande ele se tornou. com os quatro reinos seguintes. Em então logicamente não poderá ser maior do
Muito menos deve este chifre ter crescido continuação, sobre o “chifre pequeno”, Dan que a Grécia e a Medo-Pérsia juntas––como
mais do que os outros animais da visão. 8:24 diz, literalmente: “e crescerá, mas não argumenta a posição adventista tradicional; e
Finalmente, as expressões em Dan 8:10 e 11 com a força dele” (cf. ARA: “Grande é o seu (3) a comparação da força dos quatro reis e do
sobre o alcance da atuação do “chifre poder, mas não de si mesmo”; NVI: “ Ele se sexto rei/ “chifre pequeno” em relação à do
pequeno”––“engrandeceu-se até contra o tornará muito forte, mas não pelo seu próprio
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“chifre grande” indica que todos esses reis têm Estudiosos freqüentemente chamam esse posteridade [’aharît]”(ACF). Observe como
a mesma origem: a Grécia.9 “fim” provisório e contextual de “horizonte ’aharît em Dan 11:4 tem o significado muito
Por estas razões, o argumento de que o escatológico” do profeta e não o “fim” restrito de “descendência” e não “fim”. De
“chifre pequeno” em Daniel 8 deve ter sido escatológico mas o “fim” dos eventos referidos acordo com Gabriel, essa visão é para o
maior do que a Medo-Pérsia e a Grécia juntas na visão. 10 “tempo do fim” mas este fim é
e só pode ser Roma é insustentável. Antíoco Os livros históricos de Macabeus (ca. 100 contemporâneo com o “fim do seu reinado”–
IV Epifânio––que se seguiu a Alexandre, o a.C.) indicam que o selo sobre Daniel já havia –isto é, o reinado dos quatro reis gregos que
Grande e seus quatro generais (a explicação sido removido, pois os judeus entenderam as surgem após a morte de Alexandre, o Grande
mais plausível para esses símbolos)––o último visões de Daniel como aplicando-se às em 323 a.C.
e importante rei do império selêucida, emerge profanações de Antíoco IV Epifânio no século Voltando a Daniel 8:23 e 11:4, uma vez que
aqui novamente como o principal suspeito. II a.C., especialmente a “abominação ambas as passagens são tematicamente
desoladora” prevista para o “tempo do fim” paralelas, a melhor tradução de ’aharît em
Pressuposto #4: O “tempo do fim” em Daniel (cf. Dan 9:27; 11:31, 35, 40; 12:11; 1 Mac 1:41– Dan 8:23 deveria ser “posteridade” ou
8 refere-se ao fim escatológico. 50, 57; 2 Mac 6:1–12). Esses eventos fornecem “descendentes” como em 11:4, em vez de
As interpretações adventistas baseiam-se um ponto de partida histórico para se “fim”; assim teríamos: “Na posteridade [o
na ideia de que as visões de Daniel 8 se referem entender o “tempo do fim” em Daniel. período dos descendentes] do reinado deles
ao “tempo do fim” escatológico e, portanto, [quatro reis gregos], quando a rebelião dos
não podem incluir Antíoco IV Epifânio, mas “Os dias por vir, futuro, última parte, ímpios tiver chegado ao máximo, surgirá um
apontam para o papado e suas atividades posteridade.” É importante notar que Daniel rei de duro semblante, mestre em astúcias”
pouco antes do fim de todas as coisas. Mas esta usa expressões diferentes para descrever (NVI). Estudiosos são unânimes em que esses
conclusão também provém de uma leitura em períodos em suas visões. Dan 10:14 diz: eventos apontam para a interseção da história
estilo piloto automático do livro de Daniel. “Agora vim, para fazer-te entender o que há de grega e judaica. Até um olhar superficial sobre
Aqui, novamente, o bom e velho hebraico acontecer ao teu povo nos derradeiros dias os eventos do segundo século a.C. parece
oferece a clareza necessária. [b’aharît hayamim]” (ACF); Dan 2:28 diz: “ele, indicar um impressionante cumprimento
pois, fez saber ao rei Nabucodonosor o que há dessa profecia na trajetória do rei selêucida
“O tempo do fim.” A expressão “tempo do de acontecer nos últimos dias [Aram. ’aharît (grego) Antíoco IV Epifânio, que se levantou
fim” aparece duas vezes em Daniel 8: “tempo yômayya].” O substantivo ’aharît, no entanto, em 175 a.C. e infligiu terríveis ataques ao povo
do fim”, et-qets (v. 17) e “ao determinado pode ter uma gama de significados como judeu e ao santuário. Depois que Alexandre e
tempo do fim [l’moed qets]” (v. 19). O “parte posterior, fim (lugar), última parte, seus filhos (’aharît) foram assassinados, seus
significado dessa expressão é aclarado pelo futuro (temporal), posteridade diadochoi, os quatro generais lutaram pelo
“tempo do fim” (et-qets, Dan 11:35; cf. 40), que (descendência), menor parte, parte de trás.”11 controle de diferentes regiões de seu império
ocorre juntamente com o surgimento da Os léxicos concordam que seu significado (8:8: “os quatro ventos do céu”, de 323–281
“abominação desoladora” no “fim do seu deve ser decidido pelo contexto; ’aharît a.C.). Quando os diadochoi morreram, seus
reinado” (8:23). Esse “tempo do fim” significa “posteridade, descendentes” em reinos foram passados para seus descendentes
reaparece duas vezes como et-qets em 12:4, 9 e várias passagens do Antigo Testamento (cf. (’aharît), chamados pelos historiadores de
seu significado é ainda mais elucidado por Prov 24:20; Salmo 37:37, 38; Amós 4:2, 9:1, epigonoi.12 Faz sentido então que a palavra
Gabriel: o “tempo do fim” é o período em que Dan 11:4; Ezeq 23:25) e também “futuro”, ’aharît em Dan 8:23 aponte para os
o livro de Daniel não estaria mais “selado.” como em Jer 29:11: “Porque sou eu que descendentes dos quatro reinos.13
Vemos essa abertura do livro de Daniel conheço os planos que tenho para vocês”, diz E mesmo se tomarmos ’aharît em Dan 8:23
predita para este “tempo do fim” ocorrendo o Senhor … planos de dar-lhes esperança e não como “posteridade” mas como a “última
quando os judeus começaram a ler e um futuro [’aharît]” (NVI; ACF: “para vos dar parte/fim de seu reinado”, Antíoco IV
compreender as profecias de Daniel, o fim que esperais”; cf. também Jó 8:7; 42:12; Epifânio também se encaixa aqui. Quando
provavelmente logo após o fim do cativeiro Jer 31:17; Prov 23:18; 24:14; Isa 41:22; 46:10). este subiu ao poder em 175 a.C., o império
babilônico ou, mais tardar, quando o livro de Dan 8:23 diz: “no ’aharît do seu reinado selêucida já estava em declínio acentuado,
Daniel tornou-se parte da Bíblia hebraica. [’aharît malkutam]”. Quando comparamos tendo perdido 80% do território que ocupava
Assim, a abertura de Daniel predita para o com a passage paralela em Dan 11:4––que desde 303 a.C. (perdera a Ásia Menor para os
“tempo do fim” é paralela ao “fim [última explica como o reino de Alexandre iria ser romanos em 188 a.C.). Além disso, Antíoco
parte posteridade] de seu reinado” (Dan 8:23), dividido––lemos:” Mas, estando ele em pé, o IV Epifânio é considerado o último rei
ou seja, o reinado dos quatro reis gregos que seu reino será quebrado, e será repartido para selêucida significativo pelos historiadores já
se seguem a Alexandre, o Grande (cf. 8:26). os quatro ventos do céu; mas não para a sua que os reis que o seguiram foram
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insignificantes. Depois de Antíoco IV, o sempre literais. Por exemplo, a visão do para sempre. Após um curto período de
império selêucida jamais recuperou sua força cativeiro babilônico registrada em Jer 29:10 tempo, o santuário terrestre seria restaurado.
e tornou-se cada vez mais desintegrado sob o trata de 70 anos literais de cativeiro, não 70 Este foi um evento tão importante para os
poder dos Partas (141 a.C.) e foi finalmente dias a serem convertidos em anos: “Assim diz judeus que até Jesus celebrou esta restauração
subjugado por Roma em 64 a.C. A derrota de o SENHOR: Logo que se cumprirem para a durante a Festa da Dedicação (Hannukah)
Antíoco IV na Revolta dos Macabeus (167- Babilônia setenta anos…” (ARA). como registrado em João 10:22. Podemos
160 a.C.) preparou o cenário para que a Judéia Outro detalhe importante é que Dan 8:26 concordar com Winston McHarg quando ele
se tornasse um estado independente, indica que tanto a “tarde” como a “manhã” são diz que “a visão de Daniel 8 é provavelmente a
conforme evidenciado pela dinastia dos reis itens distintos na visão: “A visão da tarde e da mais clara em todo o livro”.
hasmoneus judeus, 140–64 a.C. Depois de manhã [umareh haerev w’haboqer], que foi Além disso, Daniel 8 também fornece
Antíoco IV, Israel nunca mais seria vassalo da dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão, princípios da luta entre o bem e o mal que são
Grécia; esse foi de fato, o “fim” de suas porque se refere a dias ainda mui distantes” aplicáveis a outros ataques contra o povo de
“transgressões” contra o povo de Deus (Dan (ARA). Novamente, cabe lembrar que o Deus até o fim da história humana, afinal, o
8:23).14 contexto trata do tamîd (8:13), o sacrifício pequeno chifre ataca a “verdade” (8:12), que é
diário que ocorria no santuário ao anoitecer e um princípio fundamental do reino de Deus.
“O fim dos tempos.” O fim escatológico no de manhã. Portanto, o v. 26 indica que a soma No entanto, em seu último artigo,
livro de Daniel é encontrado somente em total tanto das manhãs como das tardes é Goldstein não oferece nenhuma nova leitura
12:13: “Tu, porém, vai até ao fim; porque 2.300, sendo dois sacrifícios diários levando sobre o assunto desde que publicou 1844
descansarás, e te levantarás na tua herança, no assim a 1.150 dias. Simplificado, há mais de um quarto de século.
fim dos dias [qets hayyamîn]” (ACF). A frase Se Antíoco IV Epifânio é de fato o “chifre A ironia da abordagem “1844 para leigos”
qets hayyamîn significa literalmente “o fim pequeno”––segundo a tradição judaica––e oferecida por Goldstein é que ela não torna
dos dias”, isto é, “quando o tempo chegará ao considerando-se o período de 2.300 tardes e Daniel 8 mais simples de entender, pelo
fim” e aparece só aqui em todo o Antigo manhãs como 1.150 dias de dois sacrifícios contrário, ele se atravessa por uma tangente
Testamento, indicando claramente o dia em por dia, esse período cobre o ataque ao hermenêutica e aplica Dan 8:14 ao século XIX
que Daniel ressuscitaria e, portanto, refere-se próprio santuário, começando em outubro de e mais especificamente a um movimento
ao fim de todas as coisas (cf. 1 Cor 15:51-53; 167 a.C.–dez. 164 a.C. (um pouco mais de 3 apocalíptico nos Estados Unidos. A
Apoc 20:5). anos), o que novamente parece coincidir com interpretação adventista tradicional remove a
Em resumo, a expressão “tempo do fim” em as profanações de Antíoco IV Epifânio contra visão de Daniel de sua âncora contextual,
Daniel 8, 11 se aplica ao cumprimento dos o templo.15 O cerne da questão aqui é que esse anulando sua relevância para os leitores
eventos descritos na visão envolvendo a período duraria pouco e o santuário e o povo originais e catapultando seu cumprimento em
Grécia antiga, no período dos quatro reinos seriam eventualmente restaurados. um salto quântico de milênios no futuro,
gregos e sua “posteridade” e as agressões do Alguns consideram que a expressão se deixando os judeus no escuro sobre a agressão
“chifre pequeno” grego contra os judeus, refere a 2.300 ciclos de sacrifícios/dias literais, selêucida em Jerusalém e no santuário no
eventos esses que ocorreram no século II a.C.. que vão desde o assassinato do sumo século II a.C.. A a promessa de restauração do
Apenas uma vez no livro de Daniel a sacerdote Onias III em 170 a.C. (morte essa povo de Deus e seu santuário frente às infames
expressão “tempo do fim” se refere ao final que abriu as portas para as profanações de profanações do rei grego Antíoco IV Epifânio
escatológico do livro, Dan 12:13. Antíoco), até a revolta dos Macabeus em são efetivamente abortadas. Assim, o que é
Mas o que dizer das 2.300 “tardes e manhãs” dezembro de 164 a.C., que libertou os judeus talvez o mais espetacular cumprimento das
de Dan 8:14? de Antíoco IV Epifânio.16 Este ponto de profecias de Daniel é castrado a fim de
Essa é a verdadeira questão, não é? (Embora partida para a opressão de Antíoco tem o defender uma tradição interpretativa com fins
os adventistas raramente prestem atenção à apoio parcial de Josefo (cf. Guerras dos Judeus, de autopreservação doutrinária e
pergunta que Dan 8:14 responde! Procura-se 1:1). denominacional. Fazer isso é caro demais,
em vão por Dan 8:13 no livro O Grande exegética, teológica e eclesiologicamente
Conflito). Conclusão falando.
Primeiramente, é importante ressaltar que A evidência apresentada neste artigo indica E agora, cabe aqui um alerta final. Em se
não há base contextual para considerar as que, quando lido em seu contexto e com o tratando da interpretação das profecias
2.300 tardes e manhãs como “anos” usando-se mínimo possível de pressuposições externas, apocalípticas, a desconfirmação profética é
um suposto princípio “dia-ano”. Períodos de Daniel 8 oferece a esperança de que o freqüentemente a norma. Em outras palavras,
tempo em visões proféticas no Antigo hediondo ataque do “chifre pequeno” contra o que podemos pensar que são cumprimentos
Testamento nunca são simbólicos mas o povo de Deus e seu santuário não durariam sólidos, na verdade podem não ser. Há muitas
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coisas que ainda não entendemos em inflexíveis que acabam neutralizando sua corretos. Jesus nos alertou para não nos
Daniel e Apocalipse. A interpretação final significância duradoura, a “verdade presente”. preocuparmos com essas coisas mas em ser
dessas visões provavelmente nos escapará até Até então, podemos encontrar consolo em “suas testemunhas” (Atos 1:6–8).
que entremos na glória. Então, é melhor não que, considerando todas as profecias, Deus No final de tudo, Deus vence e eu quero
“acrescentar” coisas (Apoc 22:18) a essas tem estado à frente do seu povo, guiando-o a fazer parte dessa vitória! E você? ¢
profecias, impondo-lhes interpretações uma gloriosa vitória, embora não tenhamos
todos os detalhes, personagens e calendários

Tabela 1: Comparação entre conflitos de gênero em Daniel 7 e Daniel 8

Dan 7:8 O “chifre pequeno” surge entre (bênêhôn, masc., pl.) os chifres (fem., pl.)
Os “primeiros chifres” (fem., pl.) são “arrancados” (et‘qarû, masc., pl.)

Dan 7:24 O último rei surge “depois deles” (chifres, fem., pl.; ’aharêhôn, masc., pl.)

Dan 8:9 O “chifre pequeno” surge “de um deles” = chifres (fem., pl.) mêhem (masc., pl.)

Dan 8:23 O sexto rei surge “no final do reinado deles” = malkûtam (masc., pl.)

Tabela 2: Comparação entre o primeiro rei, os quatro reis e o “chifre pequeno” (Daniel 8)

Dan 8:22: “quatro reinos se levantarão ... mas não com a força dele” = do “primeiro rei”, Alexandre (welo bekohô, masc., sing.)

Dan 8:24: “e se fortalecerá… mas não com a força dele” = do “primeiro rei”, Alexandre (welo bekohô, masc., sing.)

Abreviações: NVI, Nova Versão Internacional; ACF, Almeida Revista e Corrigida Fiel; ARA, Almeida Revista e Atualizada; NTLH, Nova Tradução na Linguagem de Hoje; a.C., antes
de Cristo; cf., confira; ca., cerca de.

Referências:
1 Clifford Goldstein, “The Little Horn of Daniel 8”, Adventist Today blog available at https://atoday.org/the-little-horn-of-daniel-8/
2
Cf. C. F. Keil, Biblical Commentary on the Book of Daniel (Grand Rapids: Eerdmans, 1973), 302-304; S. J. Schwantes, “ʿEreb Boqer of Dan 8:14 Re-examined,” Andrews University
Seminary Studies 16 (1978): 375–85.
3
Geoffrey Khan, ed., “Gender Representation in Biblical Hebrew,” Encyclopedia of Hebrew Language and Linguistic, vol. 2 (Leiden, Brill: 2013), 20–22.
4
Veja Simon Sebag Montefiore, Jerusalem: the Biography (New York, NY: Vintage Books, 2012), 3–13.
5
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon, s.v., “‫אד‬ ֹ ‫”ְמ‬.
6
Em um só exemplo no Antigo Testamento vemos yeter usado com dois outros marcadores de intensidade, gadol e me’od podendo deduzir-se o significado “sobremaneira” em Isa
56:12: “Vinde, dizem, trarei vinho, e beberemos bebida forte; e o dia de amanhã será como este, e ainda muito mais abundante [gadol yeter me’od]” (ACF).
7
John E. Hartley, “936 ‫ָיַתר‬,” ed. R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., and Bruce K. Waltke, Theological Wordbook of the Old Testament (Chicago: Moody Press, 1999), 420.
8
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon, s.v., “‫”ֶיֶתר‬.
9
Cf. John E. Goldingay, Daniel, vol. 30, Word Biblical Commentary (Dallas: Word, Incorporated, 1998), 217, nota 24.a-a.
10
Cf. Carol Ann Newsom and Brennan W. Breed, Daniel: A Commentary (Louisville, KY: Westminster/John Knox Press, 2014), 63.
11
R. Laird Harris, “68 ‫ָאַחר‬,” ed. R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., e Bruce K. Waltke, Theological Wordbook of the Old Testament (Chicago: Moody Press, 1999), 33.
12
Cf. Droysen, Johann Gustav, Geschichte der Nachfolger Alexanders (Hamburg: Friedrich Perthes, 1836), 517.
13
Cf. Goldingay, Daniel, 217: “na parte final do seu reinado”.
14
Cf. Susan M. Sherwin-White, Amalie Kuhrt, From Samarkhand to Sardis: A New Approach to the Seleucid Empire (Berkeley, CA: University of California Press, 1993), 215–235.
15
Ibid., 229.
16
Stephen R. Miller, Daniel, vol. 18, The New American Commentary (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1994), 230.

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