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Ambiente 33

Espacialidades, Comunicação, Estética e Tecnologias


Grupo de Pesquisa Interunidade FAU-FAC/CNPq

DISCIPLINA 2019.2 – ESTUDOS ESPECIAIS EM TEORIA,


HISTÓRIA E CRÍTICA

Professor responsável: Dr. Miguel Gally (gally@unb.br)

I.Título do curso: Introdução ao pensamento decolonial: estética e crítica


política da epistemologia

II. Apresentação

Como e o que pensam, agem e em que condições se deixam perceber aqueles que
levantam ou levantaram o manto colonialista que cobre pensamento e percepção do
mundo? Epistemologia, ética e estética a partir da crítica política do
decolonialismo/pós-colonialismo/anti-colonialismo são os temas centrais deste conjunto
de encontros que temos pela frente. Outras são ainda as portas de entrada nessa
temática: como a abordagem econômica, religiosa, tecnológica, artística e suas
complexas combinações. A provocação principal, entretanto, para se enfrentar tal tema
é a absurda atualização do pensamento, práticas e estéticas (neo)colonialistas, mas
também, por outro lado, um surgimento e amadurecimento inédito de reação e
resistência, tanto no mundo das artes visuais e da reflexão como no cotidiano em suas
mais variadas práticas. É dentro dessa grande sala panorâmica que pretendemos apontar
para algumas dessas portas temáticas e construir uma introdução geral ao problema.

O processo colonizatório no ocidente foi uma prática política de expansão territorial que
implicou em ocupação, saques, sequestros e guerras contra os habitantes originários e
suas respectivas culturas. É marcado, sobretudo, por uma desproporção bélica e ética
entre as partes envolvidas, cuja armas foram a tecnologia, a imunização biológica, a
ganância, a truculência, etc. Numa análise mais severa, o processo de colonização das
Américas, por exemplo, foi marcado pelo maior extermínio de etnias jamais visto na
história recente do homo sapiens, daí o termo genocídio não ser suficiente para abarcar
tamanha tragédia, nem tampouco o de limpeza étnica. Etnocídio implica o
desaparecimento de culturas inteiras, cujos saberes, práticas, línguas, estéticas jamais
conheceremos, porque foram povos apagados da história e da memória coletiva. Esse
processo é marcado, no melhor dos casos, por um profundo despreparo, por parte desse
grupo, quanto a como lidar com o radicalmente diferente, sobretudo porque essa era

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uma questão que não existia no início dos primeiros contatos do processo de
colonização (XVI), nem na sua atualização (neocolonialismo) em pleno século XIX
com a revolução industrial e o loteamento da África. Este ano a ONU celebra as línguas
indígenas do mundo e lembra que muitas ainda estão em franco processo de
desaparecimento, continuando sofrendo o mesmo processo iniciado com toda sua
barbaridade sobretudo no século XVI pelos europeus.

A revisão dessa fase da história e sua exposição detalhada precisa ainda ser consolidada
dentro dos livros de história dos países colonizados e colonizadores, assumindo um
lugar inquestionável e patrocinado pelo poder público. Esse ponto de partida é decisivo
para o início do próprio curso. Numa etapa seguinte, será preciso levar em conta os
processos de reação e resistência, que incluem apropriações das culturas invasoras por
parte daqueles que sobreviveram, reconstrução de culturas transplantadas, críticas
dirigidas a políticas públicas e a processos de construção de conhecimentos
herdados/impostos. Para tanto contaremos, de maneira introdutória, com trechos dos
livros de Eduardo Galeano (Veias abertas da América Latina, Memórias do Fogo) e
Darcy Ribeiro (O povo Brasileiro, Processo Civilizatório), Ailton Krenak (Ideias para
adiar o fim do mundo), Davi Kopenawa (Queda do céu), e com o filme documentário
The Colonial Misunderstanding, de Jean-Marie Teno.

Essa revisão histórica, que diz respeito, em última instância, a uma crítica dirigida a
uma filosofia da história cuja narrativa supervalorizou a história dos colonizadores, será
trabalhada com uma compreensão de política oferecida por Han em Que é poder?,
segundo a qual são as formas mais imperceptíveis de dominação, as mais poderosas e
eficientes, assim como aquela oferecida por Mbembe em Necropolitica. A proposta
seria visitar os autores que propuseram um descobrimento dessas formas de dominação
ou de colonização, tanto de uma perspectiva da construção do conhecimento e das suas
teorias (epistemologia e “colonialidade do saber”) quanto da perspectiva da construção
de “regimes estéticos ou sensível”, que se mostram tanto no cotidiano em suas inúmeras
práticas (religiosa/econômica/acadêmica/administrativa/etc.) quanto no mundo das
artes.

Ou seja, a proposta deste curso é montarmos um quadro de análise em um sentido


tripartido: 1) tanto investigando pensadores (filósofos, artistas, etc.) que tem denunciado
e criticado uma colonialidade do saber, da sensibilidade e da memória, promovendo
regimes próprios; 2) quanto levantando aspectos colonialistas que perpassam outros
tantos pensadores e discursos presentes no mundo público da sociedade (de autoridades
públicas, escritores, jornalistas, em comentários feitos em redes sociais com alcance
aberto por internautas, etc.); 3) quanto, ainda, analisando obras de arte e projetos
curatoriais que lidam com a questão decolonial. Nesse primeiro momento do curso
(2019.2) será feito um grande levantamento de temas e seus alcances incluindo a
própria legitimidade dessa abordagem como campo de pesquisa dentro das
universidades (tradicionais).

Questões importantes que precisaremos enfrentar e situar dentro dessa contextualização


que o curso pretende realizar, é o lugar da escrita, da oralidade e do áudio-visual digital,
não apenas como mídias comunicativas, mas como estruturas que moldam ou
interferem no modo como se apresenta o pensamento. A dimensão da coletividade
versus egoísmo/individualismo dentro e fora da cultura econômica hegemônica nos dias

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de hoje. A crítica dirigia à estética como instrumento e aplicação de uma racionalidade
moderna, servindo ao projeto colonial. A padronização estética. O outro. Etc.

III. Conteúdo programático e cronograma:

1. Apresentação do curso e formulação preliminar do contexto das investigações


propostas (1/15): 20.08

2. Breve introdução do contexto de revisão histórica (2-3/15): 27.08 (Eduardo


Galeano e Darcy Ribeiro); 03.09 (Ailton Krenak e Davi Kopenawa)

3. Breve introdução a definições de política: Han (Que é poder?) e Mbembe


(Necropolítica) (4-5/15): 10.09; 17.09

4. Maldonado-Torres/ Walter Mignolo: pensamento e estética decolonial (6-10/15):


24.09; 01.10; 08.10. 15.10 (Origens em F.Fannon e A.Cesaire)

22.10 não haverá aula (ABRE, Ouro Preto, participação e organização)

Enrique Dussel e o problema da invenção do sujeito/discurso moderno 29.10.

5. Análise de definições de arte de cunho político problematizadas/questionadas


desde uma abordagem pós-colonial/decolonial/anti-colonial: (Nicolas Bourriaud,
Jacques Rancière, Martin Seel, Georg Bertram, Gregory Shollete) (11-13/15):
05.11 (+2hs); 12.11 (+2hs);

6. Arte pública e as artes espaciais (definições), monumentos e memoriais


(patrimônio) e sua re-contextualização diante das artes/estéticas decolonial/pós-
colonial/anti-colonial (14/15, 19.11).

IV. Avaliação

Preparação do material em pesquisa para os encontros em formato de resenhas críticas.


Redação e apresentação de texto próprio (3000-3500 palavras) no último encontro
(15/15: 26.11).

V. Metodologia

Seminários de pesquisa e leitura partindo do conteúdo programático (trechos a


selecionar). Discussões e produções de resenhas críticas, traduções, ensaios, artigos.

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VI. Referências preliminares

Livros:

ANDRADE, J.M. Tavares. Mitologia da mata ao sertão. Recife: UFPE, 2013.


__________Terapias Panteístas. Recife: Ed. Maçangana, 2010.
BERTRAM, Georg. Kunst als menschilische Praxis: Eine Aesthetik. Frankfurt (A.Main):
Suhrkamp, 2014.
BISHOP, Claire. Artificial Hells: Participatory Art and the Politics of Spectatorship. London/New
York: Verso, 2012.
BOAL, A. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Funarte/Garamond, 2009.
BOURRIAUD, N. (2001) Esthétique relationnele. Paris : Les Presses du réel.
_____________(2008) Estética relacional. Trad. D. Bottmann. São Paulo: Martins Fontes.
CÉSAIRE, Aimé. Discours sur le Colonialism. Paris: Ed. Présence Africaine, 1955.
GALEANO, Eduardo. Veias abertas da América Latina [1978]. Trad. S.Faraco. Porto Alegre: LPM,
2015.
________Memória do fogo. Vol.1: Os Nascimentos. S.Paulo: Ed. Expressão Popular, 2012.
GALLY, M. “Política a partir de arte & tecnologia: Provocações para compor um debate”. In: Viso:
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DUSSEL, Enrique. “Meditações anticartesianas sobre a origem do antidiscurso filosófico da
modernidade”. In SANTOS, B.S. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.FANON, Frantz.
Pele negra, máscaras brancas [1952]. Salvador: Ed. UFBA, 2008.
HAN, B. Que é poder? Petropólis: Vozes, 2019.
________A salvação do belo. Petrópolis: Vozes. 2019.
HEIN, Hilde. (1996) “What is Public Art? Time, Place, and Meaning”. Journal of Aesthetics and
Art Criticism, Vol. 54. No.1 (Tradução por Tiago Mendes e Miguel Gally, Viso – Cadernos de
Estética AplicadaN.22/ 2018). Disponível: http://revistaviso.com.br/visArtigo.asp?sArti=236
KOPENAWA, Davi e ALBERT, Bruce. Queda do Céu: Palavras de xamã yanomami [2010]. Trad.
B. Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, 3ed.
KREKAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
____________“Pensando com cabeça na Terra”. In. Anais da VI Reunião de Antropologia da
Ciência e Tecnologia (Inst. Estudos Brasileiros – USP, 16 a 19 de maio de 2017). São Paulo.
____________ “Paisagens, territórios e pressão colonial”. In Espaço Ameríndio. Porto Alegre, v.9,
n.3, pp.327-343 (Jul/Dez 2105).
MAGALHÃES, Aloisio. [João de Souza leite Org.]. Bens culturais do Brasil, um desenho projetivo
para a nação. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2017.
MALDONADO-TORRES, Nelson. “A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento.
Modernidade, império e colonialidade”. In SANTOS, B.S. Epistemologias do Sul. São Paulo:
Cortez, 2010
MBEMBE, Achile. “Penser le monde à partir de l’Afrique”. In MBEMBE, A. et
________Necropolítica [2006] Trad.do Francês E.F.Archambault. Madrid: Melusina, 2011.
MIGNOLO, Walter. Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidade, lógica de la
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MIGNOLO, W. e VAZQUEZ, R. “Decolonial AestheSis: Colonial Wounds/Decolonial Healings.
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https://socialtextjournal.org/periscope_article/decolonial-aesthesis-colonial-woundsdecolonial-
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______________ “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina” em Lander, Edgardo
(org.) La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas
(Buenos Aires: CLACSO/UNESCO, 2000).
RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Trad. M.C.Netto, S.Paulo :
Ed.34, 2009.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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__________Teoria do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
__________Entrevista Programa Roda Viva (17.04.1995), Disponível em 01.08.2019:
https://www.youtube.com/watch?v=AAFzOemlAbg
SANTOS, Boaventura de Souza. “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes”. In SANTOS, B.S. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010
SANTOS, Milton. “O lugar e o cotidiano”. In SANTOS, B.S. Epistemologias do Sul. S.Paulo:
Cortez, 2010.
SARR, Felwine. “Écrire les humanités à partir de l’Afrique”. In MBEMBE, A. et SARR Felwine.
Ecrire L’Afrique-Monde (Les Ateliers de la pensée – Dakar et Saint-Louis-du-Senegal). Dakar:
Philipe Rey/Jimsaan, 2017.
SCHOLETTE, Gregory. Delirium and Resistance: Activist Art and the Crisis of Capitalism.
London; Pluto Press, 2017.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
________. An Aesthetic Education in the Era of Globalization. Cambridge/MA: HUPress, 2103.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais. São Paulo:Cosac Naify, 2015.
___________A inconstância da alma selvagem. São Paulo:Cosac Naify, 2012
VERGÈS, Françoise. “Utopies émancipatrices”. In MBEMBE, A. et SARR Felwine. Ecrire
L’Afrique-Monde (Les Ateliers de la pensée 2016 – Dakar et Saint-Louis-du-Senegal). Dakar:
Philipe Rey/Jimsaan, 2017.

Filmes/Curtas/Entrevistas:

1)Ailton Krenak e o Sonho da Pedra (2018), por Marco Altberg:


Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=xm7geCZDxwM
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=gd1467rd9J4
Parte 3: https://www.youtube.com/watch?v=vmnIUpvxHBE
(incompleto em formato gratuito até 14.08.2019).

2)Darcy Ribeiro, Entrevista Programa Roda Viva (17.04.1995)


https://www.youtube.com/watch?v=AAFzOemlAbg

3)The Colonial Misunderstanding (2015) de Jean-Marie Teno (Vimeo).

4) Afronte de Marcos Vinícius A. de Mesquita (Vimeo).

5) Entrevista com Walter Mignolo por Aïcha Diallo, Março de 2018– Estética/Estesia tornou-se um
conector transversal...08.03.2018: http://amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/argentine-
semiotician-walter-mignolo/

Artistas/Críticas/Projetos Curatoriais:

Paulo Nazareth
Desmantelando o poder colonial (crítica): http://amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/paulo-
nazareth-ica-miami/

Akosua Adoma Owusu


Beleza e força na cultura do cabelo negro (crítica)
http://amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/akosua-adoma-owusu-black-hair/

Catálogo da exposição Esteticas Decoloniais (2010):


https://issuu.com/paulusgo/docs/esticasdecoloniales_gm

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