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Faculdade de Psicologia
Belo Horizonte
2019
Marcos de Araújo Ângelo
Belo Horizonte
2019
Marcos de Araújo Ângelo
A minha orientadora, Profa. Joana d’Arc, por acolher a ideia deste trabalho.
As colegas Ana Márcia e Ludmila por compartilhar e auxiliar na construção deste trabalho.
[...] buscar o “si mesmo” com o olho dessa racionalidade (analítica) “é o maior de todos os
erros. [...] Quanto mais se falar sobre o ‘si mesmo’, mais longe se ficará da verdade deste”
(SENGSTAN, 1975 apud VAUGHAN; WALSH, 1997, p. 28)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
multiparadigmática, que mantivesse os núcleos das DCNs (o que é básico para o aluno e
manter
a flexibilidade e inovação) e procurando manter as bases em que a Psicologia se formou e
ainda mantem, quando verificamos que a mesma possui mais de um objeto de estudo, sendo não
uma somente, mas Psicologias.
No capítulo seguinte, são colocados os diferentes conceitos sobre espiritualidade,
religião e religiosidade e também as contribuições de autores que procuram demonstrar através
de seus estudos, a importância da espiritualidade e religiosidade na vida das pessoas, em seu dia
a dia e em tratamentos de suas doenças.
No capítulo quatro, traçamos um paralelo entre a formação multiparadigmática, a
importância da espiritualidade/religiosidade e subjetividade. Sendo que a perspectiva de
subjetividade, se dá como processo e não algo fixo e por tanto sua fonte é mutável, pertencente
a dimensão espiritual. Se a subjetividade, aqui denominada subjetivação, é um processo e não
fixa, fazendo parte da integralidade do ser humano, por tanto, uma formação
multiparadigmática em Psicologia, que incluísse a espiritualidade/religiosidade, seria
condizente com uma visão de ser humano, não separado do meio ambiente e único em sua
diversidade.
Pesquisas sobre o interesse de alunos do curso de Psicologia, sobre a temática
espiritualidade e religiosidade demonstram que: “86% dos participantes da pesquisa disseram
ter uma religião e 83,8% tem o interesse no espiritual e 77,9% tem o interesse em falar sobre o
assunto em sua formação acadêmica.”, segundo Costa et al (2008).
Além de existir núcleos dentro de universidades, como o Grupo Psi-Alfa-Ômega,
(DORNELES et al, 2004) com pesquisas sobre fenômenos da memória extracerebral e
paranormalidade.
Os referenciais teóricos foram as Psicologias Transpessoais, a Logoterapia de Viktor Frankl
com sua teoria sobre a Ontologia Dimensional e a teoria multiparadigmática.
Como metodologia de exploração, após averiguação sobre o tema e questões sobre
tempo e espaço, utilizou-se do levantamento bibliográfico, que será melhor exemplificado no
capítulo destinado a metodologia.
2 SURGIMENTO DA PSICOLOGIA NO ÂMBITO NACIONAL
Décadas à frente, em 1932, acontece uma transformação feita por Anísio Teixeira1 na
Escola Normal do Rio de Janeiro, que passou a ser o Instituto de Educação. Fazendo fronteira
com a área da Educação, possibilitou uma maior flexibilização da Psicologia, mesmo com os
parâmetros positivistas da época. Já que para Anísio Teixeira, o mundo está em transformação
e necessita de seres humanos preparados para tais mudanças, e segundo Teixeira citado por
Ferrari (2008): “uma educação em mudança permanente, em permanente reconstrução”.
Segundo Lourenço Filho (2004, p.87), “cursos de especialização e aperfeiçoamento
para diretores e orientadores de ensino”, são lecionados no Instituto de Educação, entre os
quais também são lecionadas disciplinas de Psicologia. A Psicologia passa a fazer parte do
ensino superior, na década de 30, quando foi criada a primeira universidade do País,
Universidade de São Paulo (USP). Em 1934, na USP, a Psicologia passa a ser disciplina
obrigatória durante os três anos dos cursos de Pedagogia, Ciências Sociais e Filosofia, além
desses cursos, a disciplina de Psicologia passa a fazer parte de todos os cursos de licenciatura.
Como exposto, a Psicologia estava inserida nos cursos superiores, mas ainda não tinha
um caráter profissionalizante, segundo Rosas et al (1988, p.33), a disciplina era um elemento
a mais nos cursos, sendo um saber que complementava.
No ano de 1946, começa a ocorrer mudanças nesse cenário da Psicologia, sendo não
uma profissão mas uma disciplina complementar. Com a Portaria nº 272, referente ao
Decreto-
1 FERRARI, Márcio. Anísio Teixeira, o inventor da escola pública no Brasil. [S.l.]: Nova Escola, 2008.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1375/anisio-teixeira-o-inventor-da-escola-publica-no-
brasil>. Acesso em: 20 dez. 2018.
Lei nº 9.902, que segundo Soares (1979/2010, p.20) “institucionalizou, pela primeira vez na
história brasileira, a formação profissional do psicólogo”.
Com a institucionalização da profissão através do Decreto-Lei nº 9.092, houve uma
grande disseminação de profissionais, que segundo Rosas et al (1988, p.33): “Consultórios,
gabinetes, serviços, institutos, centros destinados a diversos campos da Psicologia aplicada
vinham funcionando em quase todo o Brasil ou vinham sendo instalados nos anos
subsequentes”. Com a grande expansão dos profissionais em Psicologia, mesmo ainda sem
uma regulamentação específica, passos para firmar ainda mais a institucionalização no meio
acadêmico foram dados: “Em 1952, Madre Cristina Sodré Dória criou o primeiro curso de
Psicologia Clínica no Brasil, estabelecido na Faculdade de Filosofia do Instituto Sedes
Sapientiae e, em 1958, iniciou- se o curso de graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia
da Universidade de São Paulo”, segundo Nico e Kovac (2003, p.53).
Com essa grande disseminação de profissionais sem uma regulamentação adequada, a
Associação Brasileira de Psicotécnica (ABP) e o Instituto de Seleção e Orientação Profissional da
Fundação Getúlio Vargas (ISOP/FGV), em 1953, elaboram um anteprojeto de Lei, em que o
curso seriam de três anos de Bacharelado, os quais teriam a função de embasar teoricamente com
os fundamentos da Psicologia incluindo a Biologia, Sociologia entre outras e mais dois anos de
Licenciatura, de uma formação técnica e prática, segundo os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica
citado por Esch e Jacó-Vilela (2012, p.5-6).
Podemos perceber aqui um movimento da Psicologia saindo de um aspecto mais teórico e
buscando estar inserida na sociedade de forma prática. Em seus primórdios lidando com áreas
especulativas do significado e sentido e agora buscando materializar seus conhecimentos.
A formação em Psicologia se daria então em dois momentos, um teórico e outro
prático. A formação teórica ficaria a cargo de faculdades de Filosofia e a formação prática
mediante mandato universitário, por instituições dedicadas somente a aplicação, segundo
Esch e Jacó- Vilela (2012, p.7).
Em 1957, o anteprojeto é substituído, através de uma comissão, pelo Conselho Nacional
de Educação. Os cinco anos de formação seriam nas faculdades de Filosofia, mantendo o caráter
técnico e de pesquisa na licenciatura, mas de acordo com interesses coorporativos da medicina, a
prática clínica só se daria com o aval de algum médico:
Não cuida no entanto o anteprojeto, da regulamentação de especialistas em Psicologia
Clínica, dado que julgou a Comissão que essa parte deve ser do âmbito da
regulamentação da profissão médica com a qual tem relações muito estreitas. A
Comissão formula um voto no sentido de que as Faculdades de Medicina estabeleçam
logo que oportuno as bases de estudos necessários disciplinando a especialidade.
(ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA, citado por JACÓ-VILELA,
2012, p.7-8).
Pode-se perceber que desde seu surgimento, a Psicologia luta para ser uma área de
conhecimento autônoma, não cortando os laços com as demais áreas de conhecimento da qual foi
seu berço, mas estabelecendo limites de sua área de atuação.
Após várias reformulações, a maneira de conciliar a Psicologia e Medicina, foi a
substituição do: “exercício da prática psicoterápica pela solução de problemas de
ajustamento, esta última assumindo a feição de função privativa do psicólogo”, segundo Esch
e Jacó-Vilela (2012, p.8). Já em 1962, mudanças referentes a profissão e formação tiveram
início, “[...] a profissão de psicólogo foi reconhecida pela Lei 4.119, de 27.8.62, que também
versava sobre os cursos de formação em Psicologia, e sua regulamentação se deu pelo Decreto
53464/64, [...]”, segundo Nico e Kovac (2003, p.53).
Podemos observar que a Psicologia buscando ser autônoma dentro dos outros saberes
em que surgiu, avanço de suma importância para os profissionais da Psicologia, foi se
fragmentando também, o qual no surgimento dos primeiros currículos havia um embate sobre
a prevalência do conhecimento da Psicologia embasar-se exclusivamente na Filosofia ou
embasar-se exclusivamente do conhecimento cientifico positivista. O qual Radecki citado por
Esch e Jacó-Vilela (2012, p.9), exprime a valorização do conhecimento advindo
exclusivamente da Filosofia e frisando que a disciplina de estatística não deveria fazer parte
do currículo. Já para Mira y Lópes, a estatística deveria ser obrigatória no currículo do curso
de Psicologia e fazendo um contraponto com Radecki, defendia a exclusão da Filosofia, por
entender que a Psicologia deveria intervir e ser prática, segundo Esch e Jacó-Vilela (2012,
p.9).
Tais questionamentos sobre a fragmentação da formação em Psicologia ainda se dá até
os dias atuais e também da tendência de preparar o estudante somente em uma área ou
negligenciar outros referências teóricos, de acordo com Nico e Kovac (2003):
1. Tendência nacional de preparar o estudante de Psicologia para atuar em apenas uma área: a
clínica. Mais do que isto, mesmo quando era oferecida ao estudante a oportunidade de
aprender a atuar em outras áreas, o ensino era conduzido de modo a reproduzir o modelo
de atuação clínico, ou seja, baseado no atendimento individual;
2. Negligência no ensino dos múltiplos referenciais teóricos que compõem a Psicologia e
tendência nacional de abordar, quase que exclusivamente, o estudo do referencial
psicanalítico. (NICO; KOVAC, 2003, p.54)
Como descrito até aqui, a Psicologia teve seu surgimento em meio a vários outros
saberes, sendo desde seu início interdisciplinar. Sua fase embrionária estava em contato com
saberes sobre o corpo humano (medicina), o social (direito) e psíquico, com caráter
espiritual/religioso (Teologia). Sofrendo mudanças para atender a novas propostas de visões
de um ser humano concreto e mensurável e de mundo mecânico e controlável.
No próximo capítulo, será abordado de maneira geral a formação em Psicologia no
Brasil nos tempos atuais e de que forma a mesma pode aproximar-se de uma formação
multiparadigmática, em uma perspectiva que abarque as dimensões biológicas, psíquicas,
sociais e espirituais do ser humano.
2.1 Diretrizes Curriculares e proposições para uma formação integral do ser humano
Tais reflexões começaram também a fazer com que questionamentos quanto a base
teórica utilizada nos cursos de formação em Psicologia, tanto que Bastos citado por Nico e
Kovac (2003, p.55), diz que os debates sobre a formação também discutiam se o termo
generalista, mesmo buscando ampliar a prática além de uma especialidade apenas, não estaria
também restringindo ao aluno quanto a utilização de somente uma base teórica, daí
questionou- se o termo pluralista, e se o mesmo, não seria mais adequado. Tal tentativa de
deixar o currículo mais generalista e pluralista, incluindo novas áreas de atuação, mais
disciplinas teóricas e mais estágios, acabou fragmentando o curso, segundo Bastos citado por
Nico e Kovac (2003, p.55). Com esse impasse sobre um currículo por demais generalista ou
por demais especialista, propuseram diretrizes que fossem mais flexíveis ao invés de uma
diretriz por demais rígida, como foi o caso do currículo mínimo, tendo em vista que a
Psicologia é uma ciência não- paradigmática, segundo Nico e Kovac (2003, p.55), sendo
várias Psicologias, cada qual com uma visão de ser humano.
Após diversas comissões, sobre como deveria ser a formação em Psicologia, no ano de
1996, extinguiu-se os currículos mínimos, e deixou a cargo da Psicologia formular suas
diretrizes, conforme Nico e Kovac (2003, p.56): “[...] foi promulgada em 20 de dezembro de
1996 - Lei 9394/96. O artigo 53, § 2º, atribui às universidades a fixação de novos currículos a
partir de diretrizes definidas por área de formação superior.” Com a publicação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996 os currículos mínimos deixaram de
existir e assim cada área do saber ficou responsável por organizar como o ensino superior
deveria ser estruturado, de acordo com Yara Nico e Roberta Kovac (2003, p.56).
Tais discussões e estudos continuaram até o ano de 1999, ao qual ainda duas perguntas
não tinham sido respondidas com um mínimo de consenso, que eram: “o que é básico na
formação do psicólogo?”, e, “como configurar possibilidade de concentração em domínios da
Psicologia, garantindo flexibilidade e inovações nos currículos sem correr os riscos de uma
especialização precoce?”, (NICO e KOVAC, 2003, p.57).
De acordo com Nico e Kovac (2003, p.57), para a primeira questão, foi proposto um
Núcleo Comum organizado por seis eixos: os quais são: fundamentos epistemológicos e
históricos; fenômenos e processos psicológicos básicos; fundamentos metodológicos;
procedimentos para a investigação científica e a prática profissional; interfaces com campos
afins do conhecimento e práticas profissionais. Para a segunda questão, as Diretrizes
Curriculares foi a resposta, tendo a possibilidade de aprofundar em algum campo da
Psicologia, através de uma ênfase, e assim desenvolver competências e habilidades.
A divisão entre núcleo comum e ênfase não pretende fazer uma separação entre teoria
e prática, tema o qual essa pesquisa busca levantar, a fragmentação do ser humano, e trazer
propostas para uma visão bio-psico-social e espiritual. Segundo Bastos (2002), citado por
Seixas (2014, p.117), ressalta que com essa divisão, auxilia numa maior variabilidade e menos
enrijecimento nos cursos e para além, atender os anseios da instituição superior e as demandas
da sociedade. E essa demanda posta pela sociedade é um dos embasamentos utilizados nesse
levantamento bibliográfico, para entender melhor a dimensão espiritual do ser humano, tendo
como um dos elementos de sua trama cultural (a sociedade) a religiosidade/espiritualidade,
sendo por tanto, algo a ser estudado, ouvido e acolhido por nós psicólogos.
Tal preocupação em tentar traçar paralelos entre a formação em Psicologia nos moldes
que se apresenta nos dias atuais com a espiritualidade/religiosidade é de expandir e integrar as
dimensões corporais, emocionais, mentais, sócio-culturais e espirituais. E tais experiências
sendo vividas na formação em Psicologia de acordo com Cunha (2017, p.32), podem
contribuir para desenvolver valores humanos que vão além do indivíduo separado do
ambiente e capacidade de inovar e ser criativo perante as mudanças no seu dia a dia.
Pensar na formação em Psicologia por si é fragmentar o ser humano, já que além de
formar para uma área de conhecimento, deve-se ter como base a Formação Humana, que
conforme Freitas (2010b,), citado por cunha (2017, p.33): “a formação humana configura-se
como um campo de experiências marcado pela multidimensionalidade”. E tal
multidimensionalidade é embasada na visão de Röhr citado por Cunha (2017, p.33) em que o
ser humano tem as dimensões fisiológicas, sensoriais, emocionais, mentais e espirituais.
Conforme os autores citados acima e entendendo estar de acordo com as propostas das
Diretrizes Curriculares de ter uma formação que busque o básico para um Psicólogo,
mantendo a flexibilidade e inovação, a Formação Humana Multiparadigmática é uma das
propostas que busca auxiliar na busca do que é único para o ser humano em meio a
multiplicidade, visa por tanto o que é básico em meio a diversidade de conteúdos. O básico,
não só para o futuro profissional da Psicologia, visa ir além do profissional, mas atingir o(a)
mesmo(a), justamente por serem seres humanos.
De acordo com a tese de Cunha (2017, p.33), para uma formação humana ser
construída, são necessários entre outros, o desenvolvimento do conhecimento das relações
intersubjetivas, entender as emoções, colocar em prática valores e virtudes, vivenciar a
autoformação até levar a uma consciência espiritual e social na escola e nessa monografia
discute-se a vivência no âmbito acadêmico também. Além desses elementos, Cunha (2017,
p.33) propõe uma participação dos educadores também nesse processo, para tanto, os
mesmos devem ter uma visão integral do ser humano, em suas dimensões bio-psico-social-
espiritual.
O termo educador utilizado acima, expande-se além dos professores, mas à todos os
profissionais que colaborem no processo do desenvolvimento do ser humano com focos nas
“relações interpessoais e aos processos de autoconhecimento”, segundo Santos-Neto (2013,
p.13), ao qual também entende-se como objetivo dos profissionais da Psicologia.
Corroborando com a tese de Cunha (2017), de uma formação integral, que abarque o
educador e o educando, Santos-Neto (2013), propõe uma Educação Transpessoal que lute na
construção de uma educação que busque a inteireza do ser humano:
Tal termo foi cunhado por Ken Wilber (criador do campo de Estudos Integrais) 2, que busca
um conceito inclusivo e holístico, abarcando também as religiões. Em que o processo de
crescimento do ser humano se dá numa dimensão horizontal e outra vertical. O qual, no
campo horizontal estão as religiões, que oferecem significado para as pessoas, e na dimensão
vertical está a “espiritualidade autêntica, pois exerce a função de transformação radical nos
indivíduos”, Wilber (2000 apud SILVA; FERREIRA, 2016, p. 111).
Assim, de maneira sintética, a espiritualidade, apresenta-se como: “por tudo aquilo que
desmonta as sólidas estruturas identitárias e aponta para a natureza criativa, aberta e sem
limites da subjetividade.”, segundo Silva e Ferreira (2016, p.106). O que apresenta-se de
comum em meio aos vários conceitos, é a transformação da relação da pessoa com ela mesma
e com o mundo, não sendo possível continuar com a vida da mesma maneira.
A religião está no campo do institucional, como dito anteriormente que a espiritualidade
está além da religião e não necessariamente a dimensão espiritual relaciona-se com uma
religião.
2 INSTITUTO INTEGRAL BRASIL. Ken Wilber. São Paulo, 2019. Disponível em: <
[...] contribui com a convicção de que existe uma dimensão maior, responsável pelo
controle sobre as contingências presentes na vida, capacitando o indivíduo a lidar
com os acontecimentos de forma mais tranquila, confiante e reduzindo o estresse e a
ansiedade. (GOMES et al, 2014, p.110).
E ao tocar em um tema tão polêmico, que é a busca pela verdade, o mesmo cita que tal
encontro se dá em: “Aquele ponto de iluminação, aquele ponto de completude, aquele
momento da transfiguração do sujeito pelo ‘efeito de retorno’ da verdade que ele conhece
sobre si mesmo, e que transita, atravessa, transfigura seu ser, [...]”, Foucault (2006, p.23).
Nesse capítulo, redigimos sobre conceitos de espiritualidade, religiosidade e como
pode trazer certa dificuldade para falar sobre, caso não situe de qual conceito irá partir, e
como as mesmas podem estar interligadas ou não. Também de que maneira as vivências
espirituais e religiosas podem afetar a vida e saúde do ser humano e como a medicina,
utilizando-se de pesquisas sobre o tratamento de doenças, através da oração e meditação, tem
encontrado correlação na melhora ou até a cura.
E levantando um adendo, ao falar da relação entre medicina e espiritualidade e
religiosidade, tal conflito entre a espiritualidade/religião e medicina, começou no século XIX,
sendo em sua grande maioria mitos e que a relação entre espiritualidade/religião e medicina
tem sido mais positiva do que negativa, Numbes (2009 apud MOREIRA-ALMEIDA;
STROPPA, 2012, p.36).
O próximo capítulo será a síntese do que discorremos sobre uma formação que incluísse a
dimensão da espiritualidade/religiosidade, a importância dessa dimensão espiritual e religiosa na
subjetivação do ser humano e quais possíveis vínculos para uma formação em Psicologia que
enxergue um ser humano biopsicossocioespiritual.
4 ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA:
POSSÍVEIS VÍNCULOS
Figura 1
Na figura apresentada, o cilindro seria o ser humano em sua unicidade radical, mas ao
projetá-lo na parede ou no chão, geram-se figuras distintas, na projeção feita na parede forma-
se um retângulo e no chão um círculo. Sendo que não seria adequado afirmar que o cilindro é
composto por um retângulo e um círculo, por tanto: “assim também o homem não se compõe
de corpo, alma e espírito. Trata-se, antes, no que tange ao corporal, ao psíquico e ao espiritual,
de dimensões do homem”, Frankl segundo Pereira, (2015, p.8).
Devemos então, para tentarmos alcançar a superação das contradições entre o físico,
psíquico e espiritual, não explica-los a partir dos mesmos, já que são projeções ou partes de
um todo. E seria na dimensão espiritual que compreenderíamos a “espacialidade do
fenômeno, isto é, integra e eleva as contradições surgidas com as operações projetivas”,
segundo Pereira (2015, p.8). Frankl citado por Pereira (2015), complementa a noção de
unicidade pela não exclusão, mas sim pela inclusão, no seguinte trecho:
A dimensão do homem é superior à do animal, e isso significa que ela contém a dimensão
inferior. A identificação de fenômenos especificamente humanos no homem e o
reconhecimento simultâneo de fenômenos sub-humanos nele não se contradizem de forma
nenhuma, pois, entre o humano e o sub-humano, não existe uma relação de exclusão mas sim
– se eu assim posso dizer – de inclusão. Frankl (1991 apud PEREIRA, 2015, p.8).
A segunda lei da Ontologia Dimensional vai tratar da projeção de uma dimensão mais
complexa para outra menos complexa. Gerando diferentes fenômenos, mas que devido
estarem numa dimensão mais complexa, são lidos da mesma maneira, sendo que são
ambíguos, Frankl (1988 apud PEREIRA, 2015, p. 9). Tal definição será demonstrada na
figura 2, abaixo:
Figura 2
Como exemplo, duas pessoas, uma sendo esquizofrênica e a outra Joana D’arc. As
duas pessoas tem alucinações visuais, daí que no campo dos fenômenos físicos, ela seria
tratada simplesmente como psicótica. O que para Viktor Frankl, a alucinação em si, não seria
condição de dizer que é ou não um conteúdo de uma dimensão espiritual, Frankl citado por
Pereira (2015, p.9). Por tanto: “Ser portadora de um transtorno mental – defende Frankl – não
denega, não prejudica sua importância em outras dimensões. E vice-versa: o fato de ela ser
uma santa em nada modifica, para Frankl, a existência de sua patologia.”, segundo Frankl
citado por Pereira (2015, p.9).
Tal concepção é completada, quando Frankl (1978 apud PEREIRA, 2015, p.9), cita:
“Joana D’arc e a esquizofrênica –, no plano da psiquiatria, apareceriam sob a mesma forma
ambígua de uma circunferência, ‘como as sombras que não sou capaz de identificar ou não
posso determinar se pertencem ao cilindro, ao cone ou à esfera’”. Tais concepções seriam
ferramentas também para lidarmos no campo da saúde mental.
Um adendo a ser feito sobre a concepção do que seria patologia ou não, mas trazendo
para o campo da singularidade de cada pessoa. Nos dias atuais, a questão sobre normalidade
já é bem discutida e a partir das reformas psiquiátricas e da luta antimanicomial, entende-se
que uma pessoa com esquizofrenia existe de maneira singular no mundo, não mais portando
uma patologia. Mas responde de sua maneira, uma determinada configuração de mundo,
Deleuze e Guattari citados por Baremblitt (2003, p.53), falam que o pensamento
Esquizofrênico, mas: “não o dizem referindo-se à Esquizofrenia entendida como enfermidade
mental, senão à Esquizofrenia como a característica essencial desse processo de produção
caótico” e tal pensamento é uma manifestação de algo novo e drástico.
A dimensão espiritual para Viktor Frankl, constitui o aspecto da liberdade: “Por
definição, o espiritual é só o livre no homem. (...) chamamos ‘pessoa’ só aquilo que pode
comportar-se livremente, sejam quais forem as circunstâncias”, Frankl (1995 apud PEREIRA,
2015, p.7). É nessa dimensão que o ser humano é capaz de deixar de ser automático para ser
autônomo. E somente nessa dimensão que se dá a integralidade do ser humano, sua totalidade,
segundo Pereira (2015, p.7): “[...] ‘onde” o homem aparece enquanto tal, não podendo afirmar
que ‘possui’ um espírito, assim como pode dizer que ‘possui’ (no sentido particular que
trabalhamos acima) um corpo ou um psiquismo.”.
Nessa dimensão estão: “as decisões pessoais de vontade, intencionalidade, interesse
prático e artístico, pensamento criativo, religiosidade, senso ético e compreensão do valor”,
Lukas (1989 apud PEREIRA, 2015, p.7). E voltando o foco para a dimensão
espiritual/religiosa, no sentido de vivencias que incluem o físico, psíquico, social, mas que
vão além dos mesmos, Frankl citado por Pereira (2015, p.11), diz: “Inevitavelmente, a
unidade do ser humano (...) não pode ser achada em suas faces psicológica, nem biológica,
mas deve ser procurada em sua dimensão noológica, da qual o homem foi, de início,
projetado”.
Levanta-se uma hipótese, pois, indiretamente Frankl fala de uma dimensional
espiritual que abarca a do sentido. Já que a dimensão noológica foi projetada, por tanto, por
uma dimensão além dessa.
Viktor Frankl, buscou embasar sua visão de unicidade radical do ser humano e da
impossibilidade de falar do corpo físico sem fazer menção a mente ou ao espirito, a não ser
como abstração teórica. Agora, iremos tratar da subjetivação e da noção de “eu”, em que tal
noção é um processo, apesar das identificações na qual uma pessoa pode agarrar-se. E o que
pode-se chamar de subjetividade, é um campo totalmente aberto, no qual a Psicologia
Transpessoal vai denominar, Espiritual.
A Psicologia Transpessoal, surgida nos anos de 1960, alça a subjetividade do ser
humano como fundamentalmente espiritual, Maslow (1968 apud FERREIRA; SILVA;
SILVA, 2016, p.64). Sendo a subjetividade:
Aquilo que denominamos de “si mesmo”, como um modo possível de ação, relação,
pensamento; um espaço onde tudo isso é possível de acontecer e a capacidade de
tudo isso colocar-se em criação. Assim, o que caracteriza nossa subjetividade e
constitui nosso si mesmo não é um “eu” particular, sólido, fixo e fixado; é uma
potência criativa, compassiva e divina que dignifica a vida humana, deixando aberta
e sempre presente o mistério que é ser espiritualidade. (FERREIRA; SILVA;
SILVA, 2016, p.63)
II. A laicidade do Estado deve ser entendida como princípio pétreo, jamais pode ser
colocada em questão, pois é sob essa base, segura e inquestionável, que se assenta a
igualdade de direitos aos diversos segmentos da população brasileira, cuja
extraordinária diversidade cultural e religiosa, uma das maiores do planeta, constitui
um formidável potencial para resolução de inúmeros problemas da sociedade
contemporânea. (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA, 2014, p.15)
[...] a qualidade de vida pode ser entendida como constituída de três fatores: o bem-estar
subjetivo, que se refere à percepção do indivíduo, seus valores e crenças; saúde,
entendida como um estado de bem-estar físico, mental e social, e não meramente como
a ausência de doença; e em terceiro lugar, o bem-estar social, que se refere à situação da
pessoa em relação ao seu ambiente e sociedade. (COSTA et al, 2008, p.250)
[...] subdivididos pelos domínios físico (dor e desconforto; energia e fadiga; sono e
repouso; mobilidade; atividades da vida cotidiana; dependência de medicação ou de
tratamentos; capacidade de trabalho), psicológico (sentimentos positivos; pensar,
aprender, memória e concentração; auto-estima; imagem corporal e aparência;
sentimentos negativos; espiritualidade/religião/crenças pessoais), relações sociais
(relações pessoais; suporte- apoio- social; atividade sexual) e meio ambiente
(segurança física e proteção; ambiente no lar; recursos financeiros; cuidados de
saúde e sociais: disponibilidade e qualidade; oportunidades de adquirir novas
informações e habilidades; participação e oportunidades de recreação/lazer;
ambiente físico: poluição/ruído/trânsito/clima; transporte). Fleck et al (2000 apud
COSTA et al, 2008, p.250).
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no ano 2000, foi criado o
Núcleo Interdisciplinar de Estudos Transdisciplinares sobre Espiritualidade (NIETE), com as
seguintes propostas:
O NIETE também acolheu outra iniciativa de estudos sobre uma visão de ser humano
integral, o Grupo Psi-Alfa-Ômega, com uma gama de profissionais de diferentes áreas do
conhecimento. Teve inicialmente, os seguintes temas: “Ciência, Espiritualidade e Educação para a
Paz; O Ser Humano Psi e Educação para a Paz no 3º Milênio; Espiritualização e Espiritualidade na
visão das diferentes tradições filosóficas e religiosas; O Ser humano Psi, relações e Educação para
a Paz.”, (DORNELES et al, 2004, p.218). Além de linhas de pesquisa sobre: “Projeto Memória
Extracerebral; Projeto Percepção Extra-Sensorial abrangendo: paranormalidade humana e de
animais e demais.”, segundo Dorneles et al (2004, p.219).
Tal iniciativa, soa como um apoio para o intuito dessa monografia, da inclusão da
dimensão espiritual/religiosa na formação em Psicologia.
Por fim, trilhou-se um caminho desde os aspectos históricos do surgimento da Psicologia
e como desde seus primórdios, a mesma manteve ligações com demais áreas do conhecimento,
entre as quais a metafísica, que lidava sobre questões da espiritualidade e religiosidade e como
esses vínculos, possibilita uma formação mais ampla para a Psicologia, a qual aqui nessa
monografia, tal amplitude seria também, a inclusão da espiritualidade e religiosidade. E como
essas dimensões fazem parte do ser humano e por tanto cabíveis de serem acolhidas pela
Psicologia.
5 METODOLOGIA
BERNI, Luiz Eduardo V. Os diferentes usos do termo espiritualidade na busca por uma
definição instrumental para a psicologia. In: BERNI, Luiz Eduardo Valiengo
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