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A abertura dos portos do Brasil em 1808: dos factos à doutrina

Article  in  Ler Historia · May 2008


DOI: 10.4000/lerhistoria.2342

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1 author:

José LuÍs Cardoso


University of Lisbon
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A abertura dos portos do Brasil em 1808: dos factos à doutrina https://journals.openedition.org/lerhistoria/2342

54 | 2008 :
A Corte Portuguesa no Brasil
Dossier: A Corte Portuguesa no Brasil

A abertura dos portos do Brasil


em 1808: dos factos à doutrina
L’ouverture des ports du Brésil en 1808 : des faits à la doctrine
The Opening to Trade of Brazil’s Ports in 1808, from Doctrine to Facts

JOSÉ LUÍS CARDOSO


p. 9-31

Resumos
Português Français English
A primeira medida decretada pelo Príncipe Regente D. João quando chegou à Bahia em
Janeiro de 1808 foi a abertura dos portos do Brasil ao comércio das nações amigas. Para esta
tomada de decisão, e para a justificação da sua legitimidade e importância, José da Silva
Lisboa desempenhou papel relevante. Este acontecimento oferece testemunho inequívoco de
mudanças profundas nas formas habituais de se lidarem e de se pensarem as relações
económicas entre a metrópole e a sua principal colónia. Por isso, a explicação dos
fundamentos doutrinais e das implicações práticas deste processo de abertura dos portos
reveste importância decisiva para a compreensão dos dilemas que se tecem ao longo da
permanência da corte portuguesa no Brasil.

La première mesure décrétée par le Prince Régent D. João lors de son arrivée à Bahia, en
Janvier 1808, fut l’ouverture des ports du Brésil au commerce des nations amies. José da Silva
Lisboa joua un rôle de premier plan, défendant l’importance de cette décision et la légitimant.
Cet évènement offre un témoignage clair des profonds changements dans les manières
habituelles de diriger et de penser les relations économiques entre la métropole et sa
principale colonie. C’est pourquoi, expliquer les fondements doctrinaux et les implications
pratiques de ce processus d’ouverture des ports permet de mieux comprendre les dilemmes
qui se nouent tout au long de la permanence de la cour portugaise au Brésil.

The first decree of Regent Prince D. João when he arrived in Bahia, in January 1808, was the
opening of Brazilian ports to trade with friendly nations. For this decision making, and to the
justification of its legitimacy and importance, José da Silva Lisboa played a relevant role. This
event offers unmistakable evidence of deep changes in the usual forms of dealing and thinking
the economic relationship between the metropolis and the main colony. Therefore, that is why
the explanation of the doctrinal principles and practical implications of this process is still of
decisive importance for the comprehension of the dilemmas along the Portuguese Court stay
in Brazil.

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Entradas no índice
Mots-clés : ouverture des ports, cour au Brésil, José da Silva Lisboa, libéralisme économique
Keywords : ports opening, court in Brasil, José da Silva Lisboa, economic liberalism
Palavras chaves : abertura dos portos, corte no Brasil, José da Silva Lisboa, liberalismo
económico

Texto integral

1. Preâmbulo
1 Meados de Novembro de 1807. A azáfama junto ao cais de Belém é indício certo
dos preparativos de uma partida anunciada. Nos bastidores de Mafra e da Ajuda,
acertam-se detalhes e compromissos diplomáticos, discutem-se as notícias que dão
por certa a entrada de Junot em território nacional. Capitular ou resistir, ceder ou
partir, são alternativas que obrigam a ponderar os equilíbrios precários em que a
nação portuguesa se movia, acossada entre dois fogos.
2 Do lado francês, a ameaça napoleónica constitui-se em represália de facto, perante
o não cumprimento do bloqueio decretado contra a presença inglesa em portos
europeus; era ainda uma oportunidade para a concretização de uma vertigem
expansionista a que faltava uma porta rasgada e um seguro porto no Atlântico. Do
lado inglês, a pressão para que fossem mantidos os compromissos de uma velha
aliança transforma-se em aviso de ataque em caso de cedência ou fuga; era também a
derradeira ocasião para conter a onda de triunfos franceses que tinham conhecido o
seu auge em Austerlitz e que, após a paz de Tilsit, colocavam a Península Ibérica sob
especial atenção.
3 A opção de retirada da corte para o Brasil acaba por prevalecer e triunfar. E no dia
29 de Novembro de 1807 a numerosa frota portuguesa largou o Tejo e fez-se ao
Atlântico, sendo afinal escoltada, na tormentosa travessia, pelos navios ingleses que
inicialmente se destinavam à prevenção activa de uma cedência derradeira ao
ocupante francês. Como sempre, a oportunidade fez o momento.
4 Com o Príncipe Regente D. João e família real viajou sua corte e séquito, assim
como importante número de pessoas e bens. Relatos coevos dão conta de uma
primeira vaga de saída de cerca de 10.000 pessoas, de todas as ordens e condições. E
também muito ouro e prata, milhares de livros da Biblioteca Real e documentos de
arquivo, tesouros e preciosidades. E até duas carruagens e a maquinaria
indispensável à fundação de uma tipografia.
5 A esquadra era composta de oito naus, três fragatas, três brigues, uma escuna e
uma charrua. Foi acompanhada por vinte navios mercantes, pelo que o cenário do
êxodo suscitou inevitável comoção e presumível encanto, conforme se lê no relato do
espectador privilegiado José Acúrsio das Neves:

«Ao ouvir-se o sussurro confuso e melancólico do povo, e ao ver neste dia e no


seguinte coberto o Tejo de uma infinidade de embarcações, todas empregadas
em conduzir fato, o largo de Belém entulhado de caixas, camas, fardos,
carruagens e mil objectos que tornavam mais fúnebre esta cena, dir-se-ia que
Lisboa inteira passava instantaneamente a ser evacuada» (Neves, 1810, p. 226).

6 A visão emocionada de quem presenciou a cena e a registou para a posteridade,


com o intuito deliberado de legitimar a nobreza do gesto do rei que se vê obrigado a
deixar os seus súbditos para continuar a reinar, não faz esquecer o significado
objectivo e frio, testemunhado no próprio momento da partida: «e é desta forma que
vai navegando para o Ocidente o primeiro dos soberanos da Europa que executou o

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projecto que alguns outros tinham formado de transportar-se às regiões do novo


mundo» (Neves, 1810, p. 229).
7 Sabe-se que o início da viagem foi recheado de contratempos e peripécias, em
grande parte motivadas por ventos e tempestades que se abateram sobre a esquadra,
em parte também devido à falta de preparação e adequação de quem era forçado a
viajar durante dois meses e meio, partilhando com cerca de mil pessoas o espaço de
cada nau, em condições físicas e psíquicas muito adversas. No rescaldo final, apesar
das doenças, extravios e estragos menores, parece seguro afirmar que a travessia
marítima da corte foi uma operação logística bem sucedida1. E abriu um caminho de
decisiva viragem na história portuguesa e brasileira.

2. Da transferência da corte à abertura dos


2
portos
8 A partida ou retirada do Príncipe Regente D. João, com sua família e corte, foi o
culminar de um longo processo de envolvimento de Portugal na conjuntura de forte
beligerância entre os principais Estados europeus, polarizados em torno da França e
da Inglaterra. A política de neutralidade e equilíbrio que Portugal procurou
sistematicamente manter, desde o ensinamento proporcionado pelo malogro das
operações militares do Rossilhão e Catalunha entre 1793 e 1794, deixava agora de ser
viável ou exequível. Ciente da precariedade de alianças momentâneas, negociadas a
troco da manutenção da paz, Portugal percebeu nesse tardar de ano de 1807 que era
inevitável e inadiável a escolha do campo e do lado da batalha3.
9 As actas das dez reuniões do Conselho de Estado realizadas entre 19 de Agosto e 24
de Novembro de 1807, oferecem um fiel testemunho das tensões que importava gerir
e das opções que urgia tomar4. O problema já não era o de uma simples disputa ou
animosidade entre António Araújo de Azevedo, futuro Conde da Barca, e D. Rodrigo
de Souza Coutinho, futuro Conde de Linhares, os dois mais influentes e capazes
homens políticos que giravam na órbita do Príncipe Regente e que, alternadamente,
tinham feito pender para o lado francês ou para o lado inglês, a orientação
estratégica da política externa portuguesa. A matéria tornava-se agora motivo de
sobrevivência e questão de soberania.
10 A sucessão de episódios e compromissos diplomáticos contraditórios que
ocorreram no final do mês de Outubro de 1807 é um claro sintoma do estado a que
chegara a deriva diplomática e demonstra bem as dificuldades em manter uma
impossível neutralidade5. Com efeito, em 20 de Outubro é publicada a Carta Régia
que formalmente constitui a adesão de Portugal ao Bloqueio Continental, na
sequência de um compromisso previamente assinado pelo Secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros, António Araújo de Azevedo. Mas em 22 de Outubro é
assinada uma convenção secreta com a Grã-Bretanha pelo representante português
em Londres, D. Domingos de Souza Coutinho, procurando regular as relações entre
os dois países e que funcionava como aconchego perante os rumores de intenção de
ocupação inglesa da Madeira e perante a necessidade de auxílio de escolta da
marinha britânica em caso de transferência da corte para o Brasil. Escassos dias
depois, a 27 de Outubro de 1807, é assinado em Fontainebleau um tratado secreto
entre a França e a Espanha, no qual se declarava extinto o reinado da dinastia de
Bragança em Portugal e se apresentavam soluções de partição do país em 3 parcelas
que caberiam à França, à Etrúria (onde então reinava Maria Luísa, filha de Carlos IV
de Espanha, com quem Napoleão pretendia manter aliança durável) e pela Espanha
(mais precisamente por Godoy, o Príncipe da Paz, que assim veria consagrada a sua
ambição de governar Portugal, ou uma parte dele).
11 Quase em simultâneo, Portugal contemporiza com a França e promete aceitar as
condições do bloqueio, encena uma falsa declaração de hostilidade para com a

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Inglaterra e combina em secreto com esta potência como proteger a retirada da


família real para o Brasil. Ao querer estar de bem com os dois rivais, Portugal
encontrava-se, afinal, na estranha situação de se declarar em guerra contra ambos. O
que, manifestamente, era um exercício de neutralidade que fazia temer o pior destino
ao seu território.
12 Portugal, em si mesmo, valia pela importância estratégica dos seus portos e pela
riqueza e potencialidades do seu império colonial, sobretudo brasileiro. A escassa
dimensão do seu poder económico ou bélico, à escala europeia, não lhe conferia
prerrogativas de nação arbitral. Porém, em contrapartida, a sua grandeza
ultramarina agravava a sina de se tornar objecto apetecido e alvo de ambições
estratégicas e rivalidades europeias que, definitivamente, deixava de poder evitar. E
se o território tinha que ser defendido, transferia-se a coroa e a sede da pátria para o
local onde era mais importante fazê-lo, o Brasil. Assim o decidiu o Príncipe Regente
D. João, fazendo as velas rumar pelo Atlântico em 29 de Novembro de 1807.
13 Tudo parece ter sido dito sobre o significado desse momento. Mas, apesar de ser
hoje inquestionável a interpretação histórica que sugere que a transferência da corte
foi uma inevitabilidade conscientemente assumida e estrategicamente decidida,
permanece ainda num certo imaginário popular, alimentado por uma imprensa
historiográfica de pendor sensacionalista, a ideia de fuga precipitada, de uma corte
em bolandas e à deriva, de um processo de capitulação perante o exército invasor.
Por isso, vale a pena recordar o testemunho pioneiro e já quase centenário de
Oliveira Lima, que inaugurou a modernidade na abordagem do tema ao declarar que:
«É muito mais justo considerar a trasladação da corte para o Rio de Janeiro como
uma inteligente e feliz manobra política do que como uma deserção cobarde» (Lima,
1909, pp. I-53); ou ter ainda presentes as palavras de Luís Norton quando afirmou
que «A transmigração fora o resultado inteligente de um plano preconcebido: o único
meio de fazer subsistir a monarquia portuguesa; a única solução impeditiva do seu
fatal desaparecimento» (Norton, 1938, p. 13).
14 Noutros momentos havia já sido equacionada a possibilidade de transferência da
corte para território brasileiro, à luz de uma uma visão imperial de carácter
mercantilista. De acordo com tal visão, a unidade política do império luso-brasileiro
sairia reforçada mediante a aceitação de um princípio de especialização produtiva em
que o centro europeu mantinha o exclusivo da produção manufactureira,
funcionando as colónias como local de extracção de matérias primas e mercado de
colocação de produtos acabados. A questão da deslocação da capital era matéria
táctica suscitada por vantagens políticas e pela avaliação da evolução da situação
diplomática internacional, para que nunca estivesse em risco a manutenção das
colónias como garantia essencial à permanência do império6.
15 O próprio D. Rodrigo de Souza Coutinho, um dos principais artífices da retirada
que se consumou em finais de Novembro de 1807, havia sustentado tal tipo de visão
dez anos antes, quando exercera o cargo de Ministro e Secretário de Estado da
Marinha e Domínios Ultramarinos, numa altura em que os problemas da
organização administrativa e política do império o ocupavam de modo premente7.
Apesar de o ter feito de forma ilustrada, sugerindo a necessidade de um conjunto de
reformas que possibilitasem uma melhor gestão dos recursos naturais, humanos e
materiais, e que não sacrificassem excessivamente no plano fiscal a população
residente no Brasil, Souza Coutinho mantinha o firme propósito de reforço da
unidade política e de consolidação dos laços de interdependência económica entre as
colónias e a metrópole.
16 A transferência da corte poderia, no plano abstracto dos princípios, servir
perfeitamente o programa mais ou menos ilustrado de reformas com vista à
salvaguarda e manutenção do império8. E o simples facto de tal possibilidade de
transferência ter sido previamente enunciada facilitava largamente a concretização
do projecto que em 1807 se torna, finalmente, realidade. Mas trata-se de uma

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realidade bem diferente daquela que até então tinha persistido.


17 Com efeito, no momento em que a corte efectivamente se transfere, numa
conjuntura económica e política deveras complicada, já não era possível manter os
pressupostos do exclusivo colonial ainda em vigor. A transferência opera-se num
mundo em mudança que assiste à crescente demonstração do empenho no
estabelecimento de relações económicas abertas à escala internacional.
18 A prova irrefutável de que o mundo estava de facto a mudar, foi prontamente dada
com a promulgação da Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808, o acto escrito que
formalmente inaugura a presença do Príncipe Regente no Brasil. Mal tinha aportado
na Bahia, decorridos sete escassos dias de restabelecimento após demorada travessia
atlântica, D. João anuncia à chegada que trazia novidades. O documento é curto e
directo. Explica a motivação por necessidade de abastecimento e de animação da
vida económica, promete enquadramento global para breve, autoriza tratamento
igual para embarcações nacionais e das nações amigas, diminui os direitos de
entrada de 30 para 24% (com excepção de vinhos, aguardentes e azeites que
duplicavam tais direitos), autoriza a saída para portos nacionais e estrangeiros de
quaisquer produtos provenientes de território brasileiro (com excepção do pau-
brasil, cuja saída se declarava proibida) e declara sem efeito todas as leis que
impediam «neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação».
19 A historiografia luso-brasileira tem sido pródiga em abordagens sobre o
significado desta Carta Régia, onde por vezes também se misturam declarações de
aplauso ou de protesto9. A constatação mais óbvia é a de que, subitamente, se põe
termo à situação de exclusivo comercial que a metrópole detinha sobre a colónia. Até
então, a possibilidade de estabelecimento de actos de natureza comercial por navios
estrangeiros em portos brasileiros era apenas admitida em situações excepcionais de
acostagem forçada em que, por falta de meios de pagamento, as despesas tivessem
que ser custeadas através da venda de produtos que esses navios transportassem. Tal
regime não impediria, por certo, a ocorrência de múltiplas acções de contrabando.
Mas mantinha vedado o acesso de estrangeiros ao poderoso mercado potencial
brasileiro.
20 Para que serviu e a quem beneficiou a abertura dos portos brasileiros? A resposta a
esta dupla questão obriga a abrir um breve parêntesis explicativo da evolução das
trocas comerciais entre a metrópole e o Brasil, a fim de se perceber melhor a relação
entre a conjuntura política e diplomática e os interesses económicos em presença.
21 A análise das estatísticas da balança do comércio referentes ao final do século
XVIIII não deixa margem para qualquer dúvida acerca do saldo positivo sempre
registado até 1804, do início da contracção em 1805 e da quebra acentuada nos anos
de 1806 e 1807. Conforme bem demonstrou Valentim Alexandre (1993, pp. 25-75), o
carácter superavitário da balança de comércio com o exterior, entre 1796 e 1804, era
também acompanhado de um saldo acumulado positivo da balança de comércio com
o Brasil10.
22 Independentemente das nuances interpretativas sobre a natureza das trocas entre
Portugal e o Brasil, é ponto adquirido e bem fundamentado o que dá conta de um
acentuado declínio do movimento dos principais portos portugueses (Lisboa e Porto)
como resultado directo da conjuntura diplomática, política e comercial decorrente
das tensões entre a França e a Inglaterra11. Na verdade, o bloqueio continental
decretado por Napoleão em 21 de Novembro de 1806 constitui a chave interpretativa
fundamental para a compreensão do movimento deficitário que a balança comercial
portuguesa então começa a conhecer. Esta nova situação era uma inevitabilidade que
resultava da dificuldade crescente de exportação de produtos do reino e de
reexportação de produtos do comércio colonial brasileiro para os principais parceiros
comerciais europeus, entre os quais se contava a Inglaterra, ainda que de forma
tendencialmente menos relevante.
23 A abertura dos portos tem que ser vista, neste contexto, não como um remédio

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passageiro para a crise ou colapso da balança de comércio portuguesa, mas sim como
uma solução de mais largo alcance que procura ir ao encontro dos interesses de
agentes económicos que actuavam em território brasileiro, ou que ambicionavam
tomar posição nesse importante mercado, com especial destaque para produtores e
comerciantes ingleses. Ou seja, ao impor uma quebra na situação de exclusivo e, por
conseguinte, das vantagens que a metrópole detinha na balança comercial com a sua
mais importante colónia, a abertura dos portos brasileiros aos navios e negociantes
britânicos, eufemisticamente tratados na Carta Régia como «potências, que se
conservam em paz, e harmonia com a minha Real Coroa» – consolida um
movimento irreversível de transição de um sistema de comércio internacional
protegido pelo regime de exclusivo colonial para um sistema de comércio livre sem
exclusivos de qualquer espécie.
24 Em causa estava, não tanto a recuperação de uma balança perdida, mas sim a
construção das novas bases económicas e políticas em que o império luso-brasileiro,
agora com a sua capital deslocada para o outro lado do Atlântico, se deveria
sustentar. Esta era uma causa com interesses bem identificados, conforme sintetizou
António Penalves Rocha:

«A abertura dos portos evidencia a articulação dessa conjugação de interesses.


A monarquia instaurou o livre comércio no Brasil de modo a ajustá-lo à sua
nova condição de sede do Império; não há dúvida de que a medida beneficiou
tanto os grandes comerciantes ingleses quanto a lavoura escravista exportadora
e ambos responderam à iniciativa manifestando apoio ao governo» (Rocha,
2001, p. 37).

25 A perspectiva de análise centrada nos interesses em presença, tendo em vista a


explicação das alterações na ordem institucional estabelecida, não impede a
valorização de uma outra componente essencial à compreensão das mudanças em
curso. Refiro-me ao papel das ideias que inspiram e que conferem legitimidade e
coerência doutrinal às reformas postas em prática. Neste caso específico da abertura
dos portos, as ideias de liberalismo económico assumidas e divulgadas por José da
Silva Lisboa tiveram um papel preponderante12, como veremos na próxima secção.

3. José da Silva Lisboa e a ideia


económica liberal
26 É bem conhecida e está bem documentada a contribuição activa dada por José da
Silva Lisboa para a redacção e promulgação da Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808.
Para além da revelação que o próprio fez – «tendo participado da honra de concorrer
para a dita resolução soberana, sendo ouvido em qualidade especial do meu
emprego» (Lisboa 1808-9, 190)13 – conhece-se o testemunho privilegiado de D.
Gabriela, mulher de D. Rodrigo de Souza Coutinho, que referiu ter sido a amizade
que mantinha com o Marquês de Aguiar, D. Fernando José de Portugal (que exercera
o cargo de vice-rei do Brasil entre 1801 e 1806) que permitiu a José da Silva Lisboa
insinuar-se como conselheiro influente nos dias que imediatamente se seguiram à
chegada do Príncipe Regente à Bahia14. Também assim o asseverou Bento da Silva
Lisboa no elogio que dedicou à memória de seu pai. Pelas considerações e
comentários que dedica a este facto da paternidade da Carta Régia, vale a pena
atender ao que escreveu seu filho Bento:

«Aportando aquele soberano à Bahia, Silva Lisboa aproveitou-se da amizade,


que tinha com D. Fernando José de Portugal, depois Marquês de Aguiar, para
lhe indicar a necessidade de abrir os portos a todas as nações amigas da coroa
de Portugal; e apesar da forte oposição, que então se fez, tal foi a força dos seus
argumentos, que aquele fidalgo cedeu às suas persuasões, e fez com que o
Príncipe Regente publicasse a Carta Régia de 24 (sic) de Janeiro de 1808, que

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liberalizou aquele máximo benefício à nação.

Tão salutar medida, que ainda hoje nos salva no meio das crises políticas, que
atormentam ao império, longe de ser apreciada no seu justo valor, mereceu
pelo contrário a maior desaprovação da parte dos negociantes portugueses;
pois que, acostumados a terem unicamente comunicação com as praças de
Lisboa e Porto, não podiam sofrer ideia alguma de concorrência; e por isso não
se pouparam a esforços e diligências, para que se revogasse a Carta Régia, que,
segundo proclamavam, aumentava os males, que a Nação sofria, e privava ao
Estado das suas rendas» (Lisboa, 1839, p. 240).

27 A «forte oposição», a «maior desaprovação» e os «esforços e diligências» para a


revogação da medida, desenvolvidos pelos negociantes portugueses, comprovam que
nem todos os interesses em jogo estavam acautelados. Daí decorre a necessidade
sentida por José da Silva Lisboa para justificar o alcance da Carta Régia e, de certa
forma, para antecipar uma pronta resposta aos argumentos contrários que a abertura
dos portos, necessariamente, iria desencadear. E é assim que, em Julho ou Agosto de
1808, após se ter instalado no Rio de Janeiro, Silva Lisboa dá à estampa, nos novos
prelos da Impressão Régia, a primeira e segunda partes de um longo folheto
intitulado Observações sobre o Comércio Franco no Brasil, com o objectivo expresso
de explicar as vantagens decorrentes da abertura dos portos brasileiros (Lisboa,
1808-9).
28 Por muitos estudiosos aclamado como o primeiro livro impresso no Brasil15, o
simbolismo deste acontecimento editorial não podia ser mais feliz. Com efeito, num
só golpe se revelam duas importantes mudanças que directamente resultavam da
presença da corte no Brasil: a abertura dos portos e a abertura da imprensa.
29 As Observações sobre o comércio franco16 são dedicadas ao Príncipe Regente D.
João, a quem Silva Lisboa atribui o epíteto de «Libertador do comércio», e estão
divididas em três partes, seguidamente apresentadas de forma sintética.
30 Na primeira parte expõe princípios gerais em favor da liberdade de comércio, com
base na ideia de que «A franqueza do comércio, regulada pela moral rectidão, e bem
comum, é o princípio vivificante da ordem social, e o mais natural, e seguro meio da
prosperidade das nações» (Lisboa, 1808-9, p. 188). Princípios gerais cuja aplicação
era inevitável no contexto da transferência da corte, pois só dessa forma o mercado
poderia ser abastecido e animado. Na sua argumentação, Silva Lisboa revela o
domínio que tinha da ciência da economia política, enquanto discurso organizado de
interpretação do funcionamento da vida económica, conforme bem ilustra o seguinte
excerto:

«A franqueza do comércio no Brasil será do progressivo interesse à coroa, e


nação. Aquela terá mais rendas, em proporção à maior quantidade dos valores
importados e exportados, que pagarem os direitos estabelecidos; e esta
aumentará continuamente os seus recursos, despertando da letargia, em que
jazem as indústrias do país, e introduzindo-se outras por novas direcções, que a
energia do interesse particular, deixada à sua natural elasticidade, removidos
todos os obstáculos, deve achar, até pela constante emulação e conflito dos
competidores nacionais e estrangeiros (...). Quanto maior for o número dos
compradores dos géneros coloniais, tanto mais extracção, e valor, terão estes; e
consequentemente se animará a sua ulterior e recrescente reprodução» (ibid, p.
194).

31 A visão de Silva Lisboa segue de perto a linha de raciocínio da economia política


smithiana, quando nesta passagem explica as vantagens da extensão do mercado
para um acréscimo do poder produtivo do trabalho e para garantia do processo de
acumulação e reprodução da riqueza criada. E é a mesma fonte de inspiração que
enquadra a sua avaliação positiva do mercado, quer enquanto espaço de afirmação
da «energia do interesse particular», quer também como processo de realização de
virtudes sociais baseadas na ideia de reciprocidade e de troca de equivalentes, contra
o espírito de cobiça e do ganho momentâneo, contra a aparente vantagem de vender

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caro e comprar barato. Ou seja: «O verdadeiro espírito do comércio é social: ele quer
ajudar, e ser ajudado: ele aspira a dar socorro, e recebê-lo: ele carece um benefício
recíproco, e não é fecundo, e constantemente útil, senão quando é repartido» (ibid,
p. 195).
32 Nestas e noutras observações, a presença de Adam Smith e da declaração expressa
de admiração que por ele tinha é uma característica recorrente da escrita de José da
Silva Lisboa. Com efeito, o autor mais não faz do que repetir uma profissão de fé
amplamente demonstrada no livro que publicara quatro anos antes (Lisboa, 1804). E
para os putativos detractores que ousassem acusar Adam Smith e o seu fiel seguidor
do pecado da abstracção, Silva Lisboa esclarece que «a doutrina de Smith sobre a
franqueza do comércio não consiste em mera teoria de gabinete; ela funda-se em
factos incontestáveis, em instintos e sentimentos de todos os homens não
preocupados com o seu egoístico interesse, e na experiência e história das nações»
(Lisboa, 1808-9, pp. 288).
33 Na segunda parte das Observações, expõe e antecipa argumentos de resposta a
quem procurasse ver na abertura dos portos uma cedência às pretensões inglesas.
Silva Lisboa considera que não deveria existir qualquer complexo em reconhecer os
benefícios resultantes do facto de a Inglaterra ser a nação mais industriosa e rica da
Europa, pelo que tal vantagem deveria ser bem registada e melhor celebrada «por
necessidade, interesse, política e gratidão nacional» (ibid, p. 200).
34 Nos ingleses elogia a excelência e qualidade dos seus produtos manufacturados, a
disponibilidade de capitais, o espírito empreendedor, a perspicácia no
aproveitamento de oportunidades, a regular administração da justiça, o combate aos
monopólios, o desenvolvimento da ciência e dos instrumentos do comércio. Por isso
considera que quanto maior for o comércio com os ingleses maior será a
possibilidade de participar e partilhar os benefícios da sua actividade lucrativa.
35 As vantagens para Portugal, vistas na perspectiva do território brasileiro, seriam:
maior saída de géneros e matérias-primas; extensão da produção industrial;
inspiração e aprendizagem da sua língua e espírito público (cidadania). A alusão
explícita ao Brasil é feita também por analogia com a situação vivida pelos Estados
Unidos, considerando Silva Lisboa que, atendendo à sua ampla dotação em recursos
naturais, «se deve esperar que o Brasil se eleve em riqueza, população, indústria, e
potência, adoptando-se com firmeza igual política, estando na situação a mais
favorável para a correspondência mercantil em todas as partes do globo» (ibid,p.
215).
36 Apesar de considerar globalmente positivas as consequências do Tratado de
Methuen, manifesta um optimismo ainda maior em relação a novos tratados a
estabelecer no futuro, conforme viria a ocorrer dois 2 anos depois:

«Como agora os tempos são outros, é de esperar, que permitindo a divina


bondade paz sólida, prevaleçam nos Estados cultos, princípios mais liberais na
diplomacia, e administração pública; e que, nos ministérios tão esclarecidos da
nação portuguesa e inglesa, os tratados de comércio que se ajustarem às
exigências das circunstâncias assentem sobre as bases da mais perfeita
reciprocidade, e escrupulosa observância dos direitos do género humano»
(ibid, p. 224).

37 Silva Lisboa demonstra que a natureza «interina e provisória» da Carta Régia que
estabelece a abertura dos portos poderia e, em seu entender, deveria, assumir um
carácter mais definitivo. É isso que procura demonstrar na terceira e última parte do
seu texto, na qual passa em revista e refuta as objecções que poderiam ser levantadas
à prossecução de uma política coerente de liberdade de comércio.
38 A primeira dessas objecções seria a possível saída de dinheiro e metais preciosos
levados pelos estrangeiros para pagamento de suas mercadorias. Silva Lisboa adopta
uma visão analítica idêntica à famosa lei dos mercados de J.-B. Say, afirmando que:

«Nos países civilizados, e maiormente nos comerciantes e marítimos, só pode

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faltar o dinheiro indispensável a fazer as funções de moeda, quando há


estagnação do comércio, por causas fortes e duráveis. Então sente-se um vazio
na circulação; não porque não haja dinheiro, mas porque se entesoura, por falta
de emprego útil» (ibid, p. 247).

39 Por outras palavras, o problema da estagnação do comércio não estava na procura


excedentária de moeda em relação à quantidade disponível, mas sim na ausência de
produtos em quantidade suficiente para serem trocados. O aumento da procura de
bens importados era uma consequência inevitável da instalação da capital no Rio de
Janeiro, dado o óbvio aumento das despesas em bens de consumo e capital
circulante.

«Que seria do Estado se ela [a franqueza do comércio] não existisse nesta


miserável época? Donde viriam os réditos necessários à dignidade da
soberania, ao sustento da força militar, e à mantença de todos os que estão no
real serviço nalguma parte da administração pública?» (ibid, p. 247).

40 Ou seja, a presença da corte no Brasil acarretava efeitos induzidos para um


acréscimo significativo das actividades económicas que só seria possível num
contexto de abertura do comércio. A ironia da situação estava, precisamente, no facto
de essa abertura acarretar maior autonomia e força política ao território brasileiro,
pondo em causa de forma definitiva o cada vez mais precário equilíbrio com a
metrópole.
41 Outra objecção refutada por Silva Lisboa seria a entrega aos ingleses do monopólio
do comércio brasileiro, em nociva concorrência aos comerciantes nacionais. Na
verdade, tal suposta consequência negativa era apenas fruto da cobiça daqueles que,
habituados a viver em situação de monopólio, perdiam os seus privilégios e
garantias. O autor elabora uma acérrima defesa do princípio da concorrência como
caminho para a satisfação dos interesses individuais, mas também ao serviço da
opulência da nação, concluindo que «Os que desejam monopólios, sempre são de
curtas vistas, e tropeçam nos próprios passos» (ibid, p. 259).
42 José da Silva Lisboa admite que pudessem momentaneamente ocorrer situações
de manifesta dificuldade para alguns comerciantes e produtores. Todavia, de uma
forma geral, considera que a livre importação de mercadorias estrangeiras (apenas
controlada pelo pagamento de direitos estabelecidos na Carta Régia) constituiria um
benefício e um estímulo ao desenvolvimento da actividade económica,
particularmente no território brasileiro.
43 Relativamente à protecção a dar pelo governo, considera que ela deveria ser nos
domínios da pronta e recta administração da justiça, da segurança na circulação
interior, da construção de estradas e depósitos, da brevidade dos despachos da
administração, da correcção dos tratados de comércio. Neste contexto, também
desvaloriza as pretensas objecções baseadas no abandono da protecção à indústria e
marinha mercante nacionais. O seu desenvolvimento não estava em perigo, dados os
efeitos desencadeados pelo acréscimo generalizado dos elementos motores da vida
económica. Em contrapartida, seria nefasta qualquer política que insistisse na
protecção de sectores obsoletos e não competitivos que impedissem o florescimento
de actividades geradores de benefícios.
44 Silva Lisboa não ignorava os argumentos e objecções que insistiam na perda
económica que a metrópole europeia, ainda a braços com a situação de invadida,
necessariamente teria de conhecer. Porém, a sua resposta a esta questão vai ser
essencialmente política e programática, enunciada sob a forma de doutrina
reinventada de um novo mas impossível império. Vale a pena seguir com atenção as
suas palavras, já que elas dão conta do reencontro de Silva Lisboa com a visão
ilustrada de império que desde os finais do século XVIII vinha sendo propugnada por
D. Rodrigo de Souza Coutinho17:

«O verdadeiro interesse do soberano é que as colónias sejam cordialmente

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unidas a seu governo e pátria comum, e que prosperem o mais possível; pois,
de sua íntima união, e constante prosperidade, depende a maior possível renda
e força do Estado. A franqueza do comércio não tende a sacrificar a metrópole
aos domínios ultramarinos; mas a fazer crescer as partes integrantes da
monarquia pelos seus naturais meios de crescimento, e não umas à custa das
outras.

Naturalmente o Brasil, em virtude daquele benefício de S.A.R. deve, com o


tempo, crescer a muito alto grau de opulência, população, e prosperidade,
maiormente se tiver a fortuna de aí se estabelecer a corte; pois, como dizem as
Sagradas Escrituras, o Rei justo levanta a terra, e o seu olho dissipa todo o
mal. Então o império lusitano será mui respeitado na Europa, inexpugnável na
América, e por extremo influente no progresso da civilização» (ibid, pp.
268-69).

45 Nos anos seguintes, José da Silva Lisboa, continuaria a dar largas à sua enérgica e
expressiva escrita em prol da ideia liberal, declamando a favor da franqueza da
indústria (Lisboa, 1810a) e da prosperidade do Estado (Lisboa, 1810b). Em ambos os
casos, os pretextos foram a legislação decretada pelo Príncipe Regente D. João a
favor do estabelecimento de manufacturas do Brasil e pela remoção de outros
entraves ao exercício pleno da liberdade económica em território brasileiro. O tom
algo repetitivo das proclamações eufóricas de Silva Lisboa não pode deixar de ser
considerado como elemento vital de uma estratégia de doutrinação em que a retórica
persuasiva assume particular relevância. E claro está, sempre pontuada com
declarações pomposas de respeitosa fidelidade à figura do monarca:

«Tenho dito (e nunca assaz repetirei) que, pelo benefício da franqueza do


comércio, que S.A.R. concedeu na imortal Carta Régia de 28 de Janeiro de
1808, os habitantes deste Estado devem levantar um monumento de eterna
gratidão ao mesmo augusto senhor; consagrando-lhe os justos títulos de
Salvador do Brasil, e Libertador dos Portos. Este monumento será o padrão
indelével, que destruirá para sempre a falsa glória do pérfido invasor do reino»
(1810b, p. 437).

46 Esta faceta panegírica não passou despercebida aos seus contemporâneos,


designadamente a um outro ilustre autor e publicista brasileiro, Hipólito José da
Costa, que dedicou ao livro de José da Silva Lisboa uma oportuna recensão crítica
nas páginas do então recém-criado Correio Braziliense. Hipólito começa,
precisamente, por revelar algum incómodo pela atitude algo subserviente de José da
Silva Lisboa em relação ao governo e corte estabelecida no Rio. No entanto, Hipólito
da Costa aproveita tal remoque para declarar a sua convicção nos méritos e virtudes
da «liberdade de falar e escrever» e termina a sua resenha dizendo tratar-se de «um
opúsculo tão útil e tão cheio de observações dignas de serem lidas por todos os
compatriotas do autor» (Costa, 1809, pp. 40-41).
47 Na verdade, o tom da recensão é globalmente positivo e de concordância em
relação às duas questões de fundo suscitadas pelo texto de Silva Lisboa. Em primeiro
lugar, Hipólito não duvida da necessidade de abertura dos portos como instrumento
de revitalização da economia brasileira. Em segundo lugar, também concorda com a
aliança privilegiada a estabelecer com a Inglaterra e seus negociantes, afirmando de
forma inequívoca que o Brasil, «Este país nascente, e falto de experiência, só da
Inglaterra pode, nas actuais circunstâncias, aprender a organizar as suas instituições
políticas, a dirigir as suas operações comerciais; a dispor e tirar vantagem dos seus
recursos de finanças, etc., e por isso é muito louvável o panegírico que, em toda esta
segunda parte, o autor tece a Grã-Bretanha; e seria para desejar que ele apontasse a
seus compatriotas aquelas causas intrínsecas, inerentes ao governo inglês, que têm
produzido tão benéficos efeitos para a nação» (ibid, p. 39, sublinhado nosso).
48 Porque se trata de uma verdadeira recensão crítica, escrita em cima da hora e com
extremo sentido de oportunidade editorial, Hipólito não podia deixar de apresentar
alguns pontos de divergência em relação a Silva Lisboa. E diga-se desde já que são

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dois pontos que acertam em cheio na fragilidade argumentativa do futuro Visconde


de Cairu. O primeiro reparo refere-se à justificação da prosperidade americana pela
aceitação dos princípios da liberdade de comércio. Hipólito da Costa não deixa de
assinalar que tal sucesso também se ficava a dever a medidas de carácter
proteccionista que consistiam na diminuição de direitos das mercadorias
transportadas em navios nacionais americanos. O segundo reparo diz respeito à não
verificação de «reciprocidade alguma de vantagens entre o comércio dos negociantes
brasileiros em Inglaterra e o comércio dos ingleses no Brasil» (ibid, p. 38). O
redactor do Correio Braziliense não tinha dúvidas sobre quem era e devia continuar
a ser o principal aliado dos comerciantes e produtores (luso-) brasileiros. Mas tinha
clara consciência que não era ainda chegado o momento de se poder reclamar ou
pressupor a existência de reciprocidade de vantagens.
49 A diferença de opinião sobre o problema dos benefícios mútuos é resultado de uma
visão mais pragmática e realista de Hipólito José da Costa acerca das possibilidades
de triunfo dos pequenos países, quando envolvidos numa teia de relações comerciais
muito competitivas à escala internacional. Para José da Silva Lisboa, em
contrapartida, a rivalidade e competitividade num mercado global não invalidavam a
ideia de que o comércio envolve reciprocidade e benefícios mútuos, vantagens que
são fonte de prosperidade das nações, mas também de enriquecimento dos
indivíduos.
50 A reacção pronta de Hipólito José da Costa à publicação do livro de José da Silva
Lisboa, demonstra inequivocamente que esta era uma matéria de interesse público
que não podia ficar ao arbítrio dos governantes. Neste sentido, e em termos
conclusivos, importa salientar que os escritos de José da Silva Lisboa, sempre
servidos por abundante retórica, se inscrevem numa lógica de justificação e
legitimação dos actos que o Príncipe Regente e o governo foram decretando, a fim de
criar um espaço de maior abertura económica no território brasileiro. Visam
convencer e persuadir a opinião pública sobre a correcção e bondade das medidas, ao
mesmo tempo que servem para fixar o quadro doutrinal e teórico que lhes confere
coerência estratégica. Por outras palavras, Silva Lisboa não pretende apenas aplaudir
o que estava a ser feito. Pretendia também demonstrar a existência de princípios e
leis universais que guiam o nosso entendimento sobre o verdadeiro significado dos
actos de legislação e de governo.
51 A ciência da economia política ergue-se como instrumento fundamental em todo
este processo de persuasão e convencimento, que é também um processo de
formação de uma esfera pública esclarecida. A este propósito, assinale-se o
significativo gesto de criação de uma aula de economia política, destinada a
proporcionar as luzes indispensáveis a uma boa governação. No decreto da sua
instituição de 23 de Fevereiro de 1808, que é o segundo acto legislativo do Príncipe
Regente D. João quando ainda se encontrava na Bahia, a regência da aula pública
que funcionaria no Rio de Janeiro é atribuída a José da Silva Lisboa, por nele se
reconhecerem os talentos e conhecimentos de uma ciência «sem a qual se caminha
às cegas, e com passos muito lentos, e às vezes contrários nas matérias do
governo»18.
52 A reputação de José Silva Lisboa na matéria advinha da notoriedade que granjeara
após a publicação dos seus Princípios de Economia Política (Lisboa 1804). No seu
conjunto, o livro procura mostrar a relevância e correcção dos princípios
desenvolvidos na Riqueza das Nações, sendo Silva Lisboa sobretudo influenciado
pela mensagem de abertura económica, no sentido de uma maior liberdade de
actuação dos agentes económicos individuais. É o que fica expresso na seguinte
passagem:

«A simplicidade e dignidade do sistema de Smith, entronizando o trabalho, e a


liberdade de cada indivíduo no manejo dos seus negócios, sem intervenção dos
que exercem poder de Estado, segura a riqueza, extirpa a preguiça, e tem por

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base e abono a doutrina das Divinas Letras, que manda cada indivíduo seguir a
economia da formiga, a qual trabalha e acumula pelo próprio interesse e
previdência, sem algum externo director público» (Lisboa, 1804, p. 92).

53 Para Silva Lisboa, eram justamente as situações de restrição impostas aos agentes
económicos – tais como a vigência de «estancos, vínculos, bens de mão morta,
embargos, taxas, e outros achados de obscuros tempos» (ibid, p. 5) – que exigiam
uma especial tomada de atenção por parte dos governantes e legisladores, aos quais
competiria promover a aplicação das leis essenciais da economia política, definida
como «a ciência e arte de prover às necessidades, e comodidades de uma nação, para
o fim da maior opulência dos particulares e do Estado» (ibid, p. 38). Os seus
objectivos eram os de mostrar a inconveniência de toda e qualquer legislação
discricionariamente impeditiva da acção económica, e de glorificar a «indústria
activa, trabalho discreto, instrução franca, comércio livre», de modo a que «se deixe
a cada indivíduo livremente trabalhar, instruir, e dispor em boa fé do fruto do seu
trabalho honesto» (ibid, p. 29).
54 Em função de tais objectivos, nitidamente inspirados num ideário de liberalismo
económico, define o autor um conjunto de princípios de economia política cuja
essência se poderá aglutinar nos seguintes postulados: segurança da propriedade e
da liberdade individuais garantidas pelo soberano, a quem igualmente compete a
manutenção e a propagação da moralidade e da instrução pública; distribuição das
actividades de acordo com a escolha espontânea dos indivíduos; incentivo do
trabalho produtivo e promoção do crescimento dos fundos anualmente acumulados.
55 Enquadrando estes princípios, José da Silva Lisboa não poupa as sistemáticas
referências a uma acção não interventora do Estado, reafirmando que «o soberano
deve exercer antes um poder puramente tutelar, e de benéfica influência (…) do que
autoridade compulsória e de direcção imediata» (ibid, p. 59).
56 Para enfatizar as suas convicções de feição liberal, recorre insistentemente ao
exemplo dado por Adam Smith e por alguns dos seus seguidores e divulgadores
europeus. E ao mérito da Riqueza das Nações contrapõe a menoridade, quer da
anterior obra dos fisiocratas e de James Steuart, quer da crítica de autores
posteriores. Saliente-se que nestas passagens do seu livro Silva Lisboa revela um
invulgar conhecimento da literatura económica coeva produzida no exterior,
conhecimento esse que viria a evidenciar e testemunhar ao longo da sua carreira
literária.
57 Todos os seus argumentos pró-smithianos confluem no capítulo final, destinado a
enaltecer a «exacção filosófica e ortodoxia política das doutrinas de Smith» (ibid, p.
191), e cuja extrema exaltação panegírica é bem patente no seguinte excerto:

«Com Smith, que abrangeu tudo quanto havia de bom e seguro na navegação
do atlântico económico, teremos sábio palinuro, prumo certo, e exacta carta de
marear, para se poder proejar em todos os rumos e direcções da indústria, para
o maior cúmulo possível de opulência e prosperidade da nação. Os obstinados e
atrasados, que não se quiserem desmamar do primeiro leite, ficarão raquíticos
e em perpétua atrofia» (ibid, p. 199).

58 Independentemente da sua adesão arreigada ao ideário económico liberal, Silva


Lisboa faz eco de uma noção bastante mais ampla e muito generalizada entre
diversos autores setecentistas que viam no desenvolvimento do comércio
internacional um factor de paz e harmonia entre as nações19. É essa ideia ilustrada do
doux commerce, a crítica aos preconceitos de cobiça e inveja entre nações, que se
distingue do panfletário apelo ao laissez faire mas que enforma o liberalismo
económico de autores como Adam Smith ou Silva Lisboa. Trata-se de uma nova visão
da cidadania económica baseada no usufruto de bens, no refinamento dos costumes
e na renúncia à frugalidade e à austeridade, que transporta consigo uma nova atitude
em relação às virtudes cívicas da busca do interesse individual e da liberdade no
funcionamento dos mercados.

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59 São diversos os autores que ao longo da segunda metade do século XVII e primeira
metade do século XVIII afloram o tema da civilidade humana enquanto forma de
extensão do amor próprio e como pretexto para o desenvolvimento de uma moral
utilitarista que antecipa as linhas gerais da argumentação de individualismo
económico patente na doutrina liberal20. Trata-se de uma visão do amor próprio (e
do interesse individual) enquanto factor de desenvolvimento das condições de
funcionamento do mercado. O doux commerce, como lhe chamou Montesquieu,
subalterniza a ideia de negócio ilícito e privilegia a noção de interdependência social
que é inerente à extensão das relações mercantis, entendidas como relações de
mútua dependência entre indivíduos que sabem que podem tirar benefício ao
trocarem aquilo que possuem ou produzem por outros bens de que necessitam. Ao
fazer aproximar os indivíduos, o comércio aproxima também as nações que
docemente estabelecem benéficas relações de interdependência, pelo que a paz entre
as nações é uma condição, mas também uma consequência, da civilidade gerada pelo
comércio.
60 Neste contexto explicativo, que se supõe possa também ter sido o que
implicitamente moldou o pensamento de José da Silva Lisboa, a abertura dos portos
não é apenas uma forma de realização prática de ideais de laissez faire; representa
ainda a concretização da ideia de que o comércio é um factor de paz e harmonia entre
as nações21.

4. Epílogo
61 Entre 29 de Novembro de 1807 e 28 de Janeiro de 1808 decorre o curto período de
dois meses, durante o qual se transfere a corte e se abrem os portos. Os protagonistas
de então não tinham certamente consciência do raro momento de mudança que
estavam a viver e a construir. Visto com o intervalo de dois séculos, o momento
revela-se como decisivo e determinante para a história a ser trilhada pelos dois
países, Portugal e Brasil, que então constituíam um só império.
62 As circunstâncias políticas e o contexto diplomático que ditaram a saída da corte
de Lisboa, justificavam a abertura da economia brasileira ao exterior e, dois anos
mais tarde, viriam a justificar o novo enquadramento das relações de comércio entre
Portugal e a Grã-Bretanha. Mas a explicação dos acontecimentos conjunturais ganha
outra consistência quando vista à luz da modernidade do pensamento e das ideias
ilustradas proporcionadas pelo discurso da economia política liberal.
63 Foram essas as ideias que serviram de evocação para se justificar a celebração da
abertura dos portos brasileiros e, posteriormente, para explicar as razões da
assinatura do tratado de amizade e comércio de 1810. José da Silva Lisboa, mais
tarde nobilitado com o título de Visconde de Cairu, desempenhou em todo este
processo um papel de grande relevo, demonstrando que o fluxo dos acontecimentos
pode ser melhor interpretado à luz das ideias que explicam e legitimam a sua
ocorrência.

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Silbert, Albert (1970), «Portugal perante a política francesa (1799-1814)», in: Do Portugal de
.Antigo Regime ao Portugal Oitocentista, Lisboa, Livros Horizonte, 1977 (2ª ed.), pp. 33-78.
Silva, Andrée Mansuy-Diniz (2002-2006), Portrait d’un Homme d’État: D. Rodrigo de Souza
Coutinho, Comte de Linhares 1755-1812, Lisboa e Paris, Centre Culturel Calouste Gulbenkian,
vol. I («Les années de formation, 1755-1796») e vol. II («L’homme d’État, 1796-1812»).
Vianna, Hélio (1950), «O Brasil, sede da monarquia portuguesa. A abertura dos portos e a
economia brasileira. Política interna de D. João e seus ministros», O Instituto, vol. 114, pp.
117-46.
Vicente, António Pedro (1984), Le Génie Français au Portugal sous l’Empire. Aspects de son
activité à l’époque de l’invasion et de l’occupation de ce pays par l’armée de Junot,
1807-1808, Lisboa, Direcção do Serviço Histórico Militar.
Wilcken, Patrick (2004), Império à Deriva. A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro
(1808-1821), Porto, Civilização Editora.

Notas
1 Abundam os relatos e descrições da partida da corte para o Brasil. Para uma visão sintética
do acontecimento, vejam-se as mais recentes descrições em Pedreira e Costa 2006, 143-59,
Schwarcz (2002), pp. 183-223, Schwarcz (2007) e Wilcken (2004), pp. 45-65. Para um
testemunho directo, e só recentemente dado à estampa, de quem embarcou e relatou factos e

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sentimentos de viagem com extrema elegância e profundidade, veja-se a carta dirigida por D.
Gabriela de Souza Coutinho – mulher de D. Rodrigo de Souza Coutinho – a suas cunhadas e
seu cunhado, o Principal Sousa, datada de 27 de Dezembro de 1808, in Silva (2002-2006),
Vol. II, pp. 578-95.
2 Algumas passagens das próximas secções deste artigo seguem de perto um texto escrito
sobre esta mesma temática e que teve como destinatário um auditório brasileiro restrito. V.
Cardoso (2007).
3 O panorama aqui apresentado é deliberadamente telegráfico. Para uma apreciação detalhada
dos difíceis equilíbrios da política externa portuguesa ao longo deste período (1793-1807), cf.
Alexandre (1993), pp. 93-164 e Vicente (1984), pp. 55-98.
4 As Actas do Conselho de Estado estão reproduzidas in Martins Filho (1968) e são analisadas
e discutidas em profundidade, entre outros, por Pedreira e Costa (2006), pp. 129-42, Silva
(2006), pp. 223-28 e Schwarcz (2007).
5 Sobre esta sucessão de ocorrências veja-se a documentação compilada por Pereira 1953,
157-204.
6 Refiram-se a título de exemplo os planos de trasladação da corte para o Brasil apresentados
por Martim Afonso de Sousa na segunda metade do século XVI, pelo Padre António Vieira em
meados do século XVII e por D. Luís da Cunha na primeira metade do século XVIII. Sobre esta
matéria cf. Lima (1909), p. 57, Norton (1938), pp. 13-17 e, sobretudo, Schultz (2001), pp.
15-38.
7 Sobre a relevância dessa sua acção ministerial e do texto programático que então escreveu
(Coutinho 1797), cf. Cardoso (2001) e Silva (2006), II, pp. 63-96.
8 Sobre esta matéria cf. Lyra (1994) e Maxwell (1998).
9 Para além das referências historiográficas clássicas – Eça (1908), Vianna (1959), Aguiar
(1960) e Pinho (1961) – veja-se a abordagem sintética em Rocha (2001), pp. 36-40 e Pedreira e
Costa (2006), pp. 161-66.
10 Esta tese, hoje em dia aceite de forma generalizada pela historiografia luso-brasileira
referente a este período, contraria as teses e investigações pioneiras de Novais (1979) e Arruda
(1980), para quem o superavit que Portugal obtinha nas trocas com os seus parceiros
estrangeiros se ficaria a dever ao deficit do comércio com o Brasil, largamente compensado
com os lucros provenientes da exportação. Valentim Alexandre demonstrou que tal apreciação
não resiste ao confronto das estatísticas da Balança Geral do Comércio quando se estabelece a
distinção entre fluxos de mercadorias e fluxos de ouro que é exportado do Brasil para Portugal
como meio de pagamento do deficit registado. Ou seja: «as transferências de metal precioso
são um resultado do saldo das trocas entre as duas zonas do império, não fazendo por isso
sentido entrar com elas em conta no cálculo do próprio saldo» (1993, p. 63).
11 Vejam-se sobre esta matéria os estudos clássicos de Crouzet (1958) e Macedo (1962) e o
enquadramento sintético mas sempre útil de Silbert (1970). O prolongamento da análise com
o estudo do movimento do porto de Lisboa, minuciosamente apresentado por Caetano (2004),
reforça a fundamentação empírica e a consistência da justificação histórica do alcance efectivo
da política napoleónica de bloqueio continental em Portugal.
12 Sobre a obra económica de José da Silva Lisboa, e sobre o seu vínculo e divulgação das
ideias de Adam Smith, cf. sobretudo Paim (1968), Almodovar 81993), Rocha (1996) e Cardoso
(2001).
13 Recorde-se que José da Silva Lisboa exercia desde 1797 o cargo de Deputado e Secretário da
Mesa da Inspecção da Agricultura e Comércio da Cidade da Bahia, recebendo nessa qualidade
o Príncipe Regente quando aí aportou.
14 Veja-se o testemunho de D. Gabriela de Souza Coutinho in Silva (2006), pp. 581-82.
15 Não terá sido, em rigor, a primeira publicação da Impressão Régia, já que os primeiros
títulos de que se tem conhecimento são relações de despachos e outros documentos e papéis
oficiais. Mas terá sido, certamente, o primeiro livro de autor, na verdadeira acepção das
palavras. Sobre esta matéria cf. Moraes (1993), pp. XVIII-XIX.
16 Todas as citações a este texto são da edição crítica incluída em Lisboa (1993), Tomo I, pp.
185-320. Outra edição crítica recente deste texto está disponível em Rocha (2001), pp. 61-210.
17 Este encontro de pontos de vista viria a ser revelado e documentado quatro anos mais tarde
quando, perante a morte de D. Rodrigo, que considera ser «uma calamidade nacional», Silva
Lisboa tece elogio rasgado em que apelida o seu patrono e inspirador, entre outros epítetos, de
«um dos mais insignes varões do império português», «o homem necessário à monarquia»
(Lisboa, 1812).
18 Refira-se que, apesar de solenemente instituída, a aula pública de economia política não
chegou a funcionar. Sobre os detalhes da história do seu fracasso, baseada nos documentos de
arquivo que foi possível localizar, cf. Cardoso (2002), pp. 153-55.

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19 Um panorama exaustivo sobre este assunto é apresentado em Hont (2005), pp. 1-155.
20 Sobre este tema e sua importância para a explicação da génese e emergência da economia
política liberal cf., entre outros, Hirschman (1977) e Larrère (1992).
21 Note-se que o arrojo liberal de Silva Lisboa em matérias económicas esteve longe de
conhecer idêntica contrapartida em matérias de índole política. De facto, é bem conhecida a
sua posição algo retrógrada em assuntos de organização política da monarquia imperial,
mesmo após a independência brasileira. O assunto ultrapassa o âmbito deste artigo e a
referência que aqui se faz apenas visa assinalar que tal aparente contradição nada tem de
paradoxal, já que um partidário do liberalismo económico não tinha de ser, inevitavelmente,
um doutrinador do liberalismo político. Sobre este tema cf. Schultz (2001), pp. 197-207.

Para citar este artigo


Referência do documento impresso
José Luís Cardoso, « A abertura dos portos do Brasil em 1808: dos factos à doutrina », Ler
História, 54 | 2008, 9-31.

Referência eletrónica
José Luís Cardoso, « A abertura dos portos do Brasil em 1808: dos factos à doutrina », Ler
História [Online], 54 | 2008, posto online no dia 03 fevereiro 2017, consultado no dia 21
agosto 2019. URL : http://journals.openedition.org/lerhistoria/2342 ; DOI :
10.4000/lerhistoria.2342

Autor
José Luís Cardoso
ISEG – Universidade Técnica de Lisboa

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