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54 | 2008 :
A Corte Portuguesa no Brasil
Dossier: A Corte Portuguesa no Brasil
Resumos
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A primeira medida decretada pelo Príncipe Regente D. João quando chegou à Bahia em
Janeiro de 1808 foi a abertura dos portos do Brasil ao comércio das nações amigas. Para esta
tomada de decisão, e para a justificação da sua legitimidade e importância, José da Silva
Lisboa desempenhou papel relevante. Este acontecimento oferece testemunho inequívoco de
mudanças profundas nas formas habituais de se lidarem e de se pensarem as relações
económicas entre a metrópole e a sua principal colónia. Por isso, a explicação dos
fundamentos doutrinais e das implicações práticas deste processo de abertura dos portos
reveste importância decisiva para a compreensão dos dilemas que se tecem ao longo da
permanência da corte portuguesa no Brasil.
La première mesure décrétée par le Prince Régent D. João lors de son arrivée à Bahia, en
Janvier 1808, fut l’ouverture des ports du Brésil au commerce des nations amies. José da Silva
Lisboa joua un rôle de premier plan, défendant l’importance de cette décision et la légitimant.
Cet évènement offre un témoignage clair des profonds changements dans les manières
habituelles de diriger et de penser les relations économiques entre la métropole et sa
principale colonie. C’est pourquoi, expliquer les fondements doctrinaux et les implications
pratiques de ce processus d’ouverture des ports permet de mieux comprendre les dilemmes
qui se nouent tout au long de la permanence de la cour portugaise au Brésil.
The first decree of Regent Prince D. João when he arrived in Bahia, in January 1808, was the
opening of Brazilian ports to trade with friendly nations. For this decision making, and to the
justification of its legitimacy and importance, José da Silva Lisboa played a relevant role. This
event offers unmistakable evidence of deep changes in the usual forms of dealing and thinking
the economic relationship between the metropolis and the main colony. Therefore, that is why
the explanation of the doctrinal principles and practical implications of this process is still of
decisive importance for the comprehension of the dilemmas along the Portuguese Court stay
in Brazil.
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Mots-clés : ouverture des ports, cour au Brésil, José da Silva Lisboa, libéralisme économique
Keywords : ports opening, court in Brasil, José da Silva Lisboa, economic liberalism
Palavras chaves : abertura dos portos, corte no Brasil, José da Silva Lisboa, liberalismo
económico
Texto integral
1. Preâmbulo
1 Meados de Novembro de 1807. A azáfama junto ao cais de Belém é indício certo
dos preparativos de uma partida anunciada. Nos bastidores de Mafra e da Ajuda,
acertam-se detalhes e compromissos diplomáticos, discutem-se as notícias que dão
por certa a entrada de Junot em território nacional. Capitular ou resistir, ceder ou
partir, são alternativas que obrigam a ponderar os equilíbrios precários em que a
nação portuguesa se movia, acossada entre dois fogos.
2 Do lado francês, a ameaça napoleónica constitui-se em represália de facto, perante
o não cumprimento do bloqueio decretado contra a presença inglesa em portos
europeus; era ainda uma oportunidade para a concretização de uma vertigem
expansionista a que faltava uma porta rasgada e um seguro porto no Atlântico. Do
lado inglês, a pressão para que fossem mantidos os compromissos de uma velha
aliança transforma-se em aviso de ataque em caso de cedência ou fuga; era também a
derradeira ocasião para conter a onda de triunfos franceses que tinham conhecido o
seu auge em Austerlitz e que, após a paz de Tilsit, colocavam a Península Ibérica sob
especial atenção.
3 A opção de retirada da corte para o Brasil acaba por prevalecer e triunfar. E no dia
29 de Novembro de 1807 a numerosa frota portuguesa largou o Tejo e fez-se ao
Atlântico, sendo afinal escoltada, na tormentosa travessia, pelos navios ingleses que
inicialmente se destinavam à prevenção activa de uma cedência derradeira ao
ocupante francês. Como sempre, a oportunidade fez o momento.
4 Com o Príncipe Regente D. João e família real viajou sua corte e séquito, assim
como importante número de pessoas e bens. Relatos coevos dão conta de uma
primeira vaga de saída de cerca de 10.000 pessoas, de todas as ordens e condições. E
também muito ouro e prata, milhares de livros da Biblioteca Real e documentos de
arquivo, tesouros e preciosidades. E até duas carruagens e a maquinaria
indispensável à fundação de uma tipografia.
5 A esquadra era composta de oito naus, três fragatas, três brigues, uma escuna e
uma charrua. Foi acompanhada por vinte navios mercantes, pelo que o cenário do
êxodo suscitou inevitável comoção e presumível encanto, conforme se lê no relato do
espectador privilegiado José Acúrsio das Neves:
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passageiro para a crise ou colapso da balança de comércio portuguesa, mas sim como
uma solução de mais largo alcance que procura ir ao encontro dos interesses de
agentes económicos que actuavam em território brasileiro, ou que ambicionavam
tomar posição nesse importante mercado, com especial destaque para produtores e
comerciantes ingleses. Ou seja, ao impor uma quebra na situação de exclusivo e, por
conseguinte, das vantagens que a metrópole detinha na balança comercial com a sua
mais importante colónia, a abertura dos portos brasileiros aos navios e negociantes
britânicos, eufemisticamente tratados na Carta Régia como «potências, que se
conservam em paz, e harmonia com a minha Real Coroa» – consolida um
movimento irreversível de transição de um sistema de comércio internacional
protegido pelo regime de exclusivo colonial para um sistema de comércio livre sem
exclusivos de qualquer espécie.
24 Em causa estava, não tanto a recuperação de uma balança perdida, mas sim a
construção das novas bases económicas e políticas em que o império luso-brasileiro,
agora com a sua capital deslocada para o outro lado do Atlântico, se deveria
sustentar. Esta era uma causa com interesses bem identificados, conforme sintetizou
António Penalves Rocha:
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Tão salutar medida, que ainda hoje nos salva no meio das crises políticas, que
atormentam ao império, longe de ser apreciada no seu justo valor, mereceu
pelo contrário a maior desaprovação da parte dos negociantes portugueses;
pois que, acostumados a terem unicamente comunicação com as praças de
Lisboa e Porto, não podiam sofrer ideia alguma de concorrência; e por isso não
se pouparam a esforços e diligências, para que se revogasse a Carta Régia, que,
segundo proclamavam, aumentava os males, que a Nação sofria, e privava ao
Estado das suas rendas» (Lisboa, 1839, p. 240).
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caro e comprar barato. Ou seja: «O verdadeiro espírito do comércio é social: ele quer
ajudar, e ser ajudado: ele aspira a dar socorro, e recebê-lo: ele carece um benefício
recíproco, e não é fecundo, e constantemente útil, senão quando é repartido» (ibid,
p. 195).
32 Nestas e noutras observações, a presença de Adam Smith e da declaração expressa
de admiração que por ele tinha é uma característica recorrente da escrita de José da
Silva Lisboa. Com efeito, o autor mais não faz do que repetir uma profissão de fé
amplamente demonstrada no livro que publicara quatro anos antes (Lisboa, 1804). E
para os putativos detractores que ousassem acusar Adam Smith e o seu fiel seguidor
do pecado da abstracção, Silva Lisboa esclarece que «a doutrina de Smith sobre a
franqueza do comércio não consiste em mera teoria de gabinete; ela funda-se em
factos incontestáveis, em instintos e sentimentos de todos os homens não
preocupados com o seu egoístico interesse, e na experiência e história das nações»
(Lisboa, 1808-9, pp. 288).
33 Na segunda parte das Observações, expõe e antecipa argumentos de resposta a
quem procurasse ver na abertura dos portos uma cedência às pretensões inglesas.
Silva Lisboa considera que não deveria existir qualquer complexo em reconhecer os
benefícios resultantes do facto de a Inglaterra ser a nação mais industriosa e rica da
Europa, pelo que tal vantagem deveria ser bem registada e melhor celebrada «por
necessidade, interesse, política e gratidão nacional» (ibid, p. 200).
34 Nos ingleses elogia a excelência e qualidade dos seus produtos manufacturados, a
disponibilidade de capitais, o espírito empreendedor, a perspicácia no
aproveitamento de oportunidades, a regular administração da justiça, o combate aos
monopólios, o desenvolvimento da ciência e dos instrumentos do comércio. Por isso
considera que quanto maior for o comércio com os ingleses maior será a
possibilidade de participar e partilhar os benefícios da sua actividade lucrativa.
35 As vantagens para Portugal, vistas na perspectiva do território brasileiro, seriam:
maior saída de géneros e matérias-primas; extensão da produção industrial;
inspiração e aprendizagem da sua língua e espírito público (cidadania). A alusão
explícita ao Brasil é feita também por analogia com a situação vivida pelos Estados
Unidos, considerando Silva Lisboa que, atendendo à sua ampla dotação em recursos
naturais, «se deve esperar que o Brasil se eleve em riqueza, população, indústria, e
potência, adoptando-se com firmeza igual política, estando na situação a mais
favorável para a correspondência mercantil em todas as partes do globo» (ibid,p.
215).
36 Apesar de considerar globalmente positivas as consequências do Tratado de
Methuen, manifesta um optimismo ainda maior em relação a novos tratados a
estabelecer no futuro, conforme viria a ocorrer dois 2 anos depois:
37 Silva Lisboa demonstra que a natureza «interina e provisória» da Carta Régia que
estabelece a abertura dos portos poderia e, em seu entender, deveria, assumir um
carácter mais definitivo. É isso que procura demonstrar na terceira e última parte do
seu texto, na qual passa em revista e refuta as objecções que poderiam ser levantadas
à prossecução de uma política coerente de liberdade de comércio.
38 A primeira dessas objecções seria a possível saída de dinheiro e metais preciosos
levados pelos estrangeiros para pagamento de suas mercadorias. Silva Lisboa adopta
uma visão analítica idêntica à famosa lei dos mercados de J.-B. Say, afirmando que:
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unidas a seu governo e pátria comum, e que prosperem o mais possível; pois,
de sua íntima união, e constante prosperidade, depende a maior possível renda
e força do Estado. A franqueza do comércio não tende a sacrificar a metrópole
aos domínios ultramarinos; mas a fazer crescer as partes integrantes da
monarquia pelos seus naturais meios de crescimento, e não umas à custa das
outras.
45 Nos anos seguintes, José da Silva Lisboa, continuaria a dar largas à sua enérgica e
expressiva escrita em prol da ideia liberal, declamando a favor da franqueza da
indústria (Lisboa, 1810a) e da prosperidade do Estado (Lisboa, 1810b). Em ambos os
casos, os pretextos foram a legislação decretada pelo Príncipe Regente D. João a
favor do estabelecimento de manufacturas do Brasil e pela remoção de outros
entraves ao exercício pleno da liberdade económica em território brasileiro. O tom
algo repetitivo das proclamações eufóricas de Silva Lisboa não pode deixar de ser
considerado como elemento vital de uma estratégia de doutrinação em que a retórica
persuasiva assume particular relevância. E claro está, sempre pontuada com
declarações pomposas de respeitosa fidelidade à figura do monarca:
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base e abono a doutrina das Divinas Letras, que manda cada indivíduo seguir a
economia da formiga, a qual trabalha e acumula pelo próprio interesse e
previdência, sem algum externo director público» (Lisboa, 1804, p. 92).
53 Para Silva Lisboa, eram justamente as situações de restrição impostas aos agentes
económicos – tais como a vigência de «estancos, vínculos, bens de mão morta,
embargos, taxas, e outros achados de obscuros tempos» (ibid, p. 5) – que exigiam
uma especial tomada de atenção por parte dos governantes e legisladores, aos quais
competiria promover a aplicação das leis essenciais da economia política, definida
como «a ciência e arte de prover às necessidades, e comodidades de uma nação, para
o fim da maior opulência dos particulares e do Estado» (ibid, p. 38). Os seus
objectivos eram os de mostrar a inconveniência de toda e qualquer legislação
discricionariamente impeditiva da acção económica, e de glorificar a «indústria
activa, trabalho discreto, instrução franca, comércio livre», de modo a que «se deixe
a cada indivíduo livremente trabalhar, instruir, e dispor em boa fé do fruto do seu
trabalho honesto» (ibid, p. 29).
54 Em função de tais objectivos, nitidamente inspirados num ideário de liberalismo
económico, define o autor um conjunto de princípios de economia política cuja
essência se poderá aglutinar nos seguintes postulados: segurança da propriedade e
da liberdade individuais garantidas pelo soberano, a quem igualmente compete a
manutenção e a propagação da moralidade e da instrução pública; distribuição das
actividades de acordo com a escolha espontânea dos indivíduos; incentivo do
trabalho produtivo e promoção do crescimento dos fundos anualmente acumulados.
55 Enquadrando estes princípios, José da Silva Lisboa não poupa as sistemáticas
referências a uma acção não interventora do Estado, reafirmando que «o soberano
deve exercer antes um poder puramente tutelar, e de benéfica influência (…) do que
autoridade compulsória e de direcção imediata» (ibid, p. 59).
56 Para enfatizar as suas convicções de feição liberal, recorre insistentemente ao
exemplo dado por Adam Smith e por alguns dos seus seguidores e divulgadores
europeus. E ao mérito da Riqueza das Nações contrapõe a menoridade, quer da
anterior obra dos fisiocratas e de James Steuart, quer da crítica de autores
posteriores. Saliente-se que nestas passagens do seu livro Silva Lisboa revela um
invulgar conhecimento da literatura económica coeva produzida no exterior,
conhecimento esse que viria a evidenciar e testemunhar ao longo da sua carreira
literária.
57 Todos os seus argumentos pró-smithianos confluem no capítulo final, destinado a
enaltecer a «exacção filosófica e ortodoxia política das doutrinas de Smith» (ibid, p.
191), e cuja extrema exaltação panegírica é bem patente no seguinte excerto:
«Com Smith, que abrangeu tudo quanto havia de bom e seguro na navegação
do atlântico económico, teremos sábio palinuro, prumo certo, e exacta carta de
marear, para se poder proejar em todos os rumos e direcções da indústria, para
o maior cúmulo possível de opulência e prosperidade da nação. Os obstinados e
atrasados, que não se quiserem desmamar do primeiro leite, ficarão raquíticos
e em perpétua atrofia» (ibid, p. 199).
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59 São diversos os autores que ao longo da segunda metade do século XVII e primeira
metade do século XVIII afloram o tema da civilidade humana enquanto forma de
extensão do amor próprio e como pretexto para o desenvolvimento de uma moral
utilitarista que antecipa as linhas gerais da argumentação de individualismo
económico patente na doutrina liberal20. Trata-se de uma visão do amor próprio (e
do interesse individual) enquanto factor de desenvolvimento das condições de
funcionamento do mercado. O doux commerce, como lhe chamou Montesquieu,
subalterniza a ideia de negócio ilícito e privilegia a noção de interdependência social
que é inerente à extensão das relações mercantis, entendidas como relações de
mútua dependência entre indivíduos que sabem que podem tirar benefício ao
trocarem aquilo que possuem ou produzem por outros bens de que necessitam. Ao
fazer aproximar os indivíduos, o comércio aproxima também as nações que
docemente estabelecem benéficas relações de interdependência, pelo que a paz entre
as nações é uma condição, mas também uma consequência, da civilidade gerada pelo
comércio.
60 Neste contexto explicativo, que se supõe possa também ter sido o que
implicitamente moldou o pensamento de José da Silva Lisboa, a abertura dos portos
não é apenas uma forma de realização prática de ideais de laissez faire; representa
ainda a concretização da ideia de que o comércio é um factor de paz e harmonia entre
as nações21.
4. Epílogo
61 Entre 29 de Novembro de 1807 e 28 de Janeiro de 1808 decorre o curto período de
dois meses, durante o qual se transfere a corte e se abrem os portos. Os protagonistas
de então não tinham certamente consciência do raro momento de mudança que
estavam a viver e a construir. Visto com o intervalo de dois séculos, o momento
revela-se como decisivo e determinante para a história a ser trilhada pelos dois
países, Portugal e Brasil, que então constituíam um só império.
62 As circunstâncias políticas e o contexto diplomático que ditaram a saída da corte
de Lisboa, justificavam a abertura da economia brasileira ao exterior e, dois anos
mais tarde, viriam a justificar o novo enquadramento das relações de comércio entre
Portugal e a Grã-Bretanha. Mas a explicação dos acontecimentos conjunturais ganha
outra consistência quando vista à luz da modernidade do pensamento e das ideias
ilustradas proporcionadas pelo discurso da economia política liberal.
63 Foram essas as ideias que serviram de evocação para se justificar a celebração da
abertura dos portos brasileiros e, posteriormente, para explicar as razões da
assinatura do tratado de amizade e comércio de 1810. José da Silva Lisboa, mais
tarde nobilitado com o título de Visconde de Cairu, desempenhou em todo este
processo um papel de grande relevo, demonstrando que o fluxo dos acontecimentos
pode ser melhor interpretado à luz das ideias que explicam e legitimam a sua
ocorrência.
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Notas
1 Abundam os relatos e descrições da partida da corte para o Brasil. Para uma visão sintética
do acontecimento, vejam-se as mais recentes descrições em Pedreira e Costa 2006, 143-59,
Schwarcz (2002), pp. 183-223, Schwarcz (2007) e Wilcken (2004), pp. 45-65. Para um
testemunho directo, e só recentemente dado à estampa, de quem embarcou e relatou factos e
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sentimentos de viagem com extrema elegância e profundidade, veja-se a carta dirigida por D.
Gabriela de Souza Coutinho – mulher de D. Rodrigo de Souza Coutinho – a suas cunhadas e
seu cunhado, o Principal Sousa, datada de 27 de Dezembro de 1808, in Silva (2002-2006),
Vol. II, pp. 578-95.
2 Algumas passagens das próximas secções deste artigo seguem de perto um texto escrito
sobre esta mesma temática e que teve como destinatário um auditório brasileiro restrito. V.
Cardoso (2007).
3 O panorama aqui apresentado é deliberadamente telegráfico. Para uma apreciação detalhada
dos difíceis equilíbrios da política externa portuguesa ao longo deste período (1793-1807), cf.
Alexandre (1993), pp. 93-164 e Vicente (1984), pp. 55-98.
4 As Actas do Conselho de Estado estão reproduzidas in Martins Filho (1968) e são analisadas
e discutidas em profundidade, entre outros, por Pedreira e Costa (2006), pp. 129-42, Silva
(2006), pp. 223-28 e Schwarcz (2007).
5 Sobre esta sucessão de ocorrências veja-se a documentação compilada por Pereira 1953,
157-204.
6 Refiram-se a título de exemplo os planos de trasladação da corte para o Brasil apresentados
por Martim Afonso de Sousa na segunda metade do século XVI, pelo Padre António Vieira em
meados do século XVII e por D. Luís da Cunha na primeira metade do século XVIII. Sobre esta
matéria cf. Lima (1909), p. 57, Norton (1938), pp. 13-17 e, sobretudo, Schultz (2001), pp.
15-38.
7 Sobre a relevância dessa sua acção ministerial e do texto programático que então escreveu
(Coutinho 1797), cf. Cardoso (2001) e Silva (2006), II, pp. 63-96.
8 Sobre esta matéria cf. Lyra (1994) e Maxwell (1998).
9 Para além das referências historiográficas clássicas – Eça (1908), Vianna (1959), Aguiar
(1960) e Pinho (1961) – veja-se a abordagem sintética em Rocha (2001), pp. 36-40 e Pedreira e
Costa (2006), pp. 161-66.
10 Esta tese, hoje em dia aceite de forma generalizada pela historiografia luso-brasileira
referente a este período, contraria as teses e investigações pioneiras de Novais (1979) e Arruda
(1980), para quem o superavit que Portugal obtinha nas trocas com os seus parceiros
estrangeiros se ficaria a dever ao deficit do comércio com o Brasil, largamente compensado
com os lucros provenientes da exportação. Valentim Alexandre demonstrou que tal apreciação
não resiste ao confronto das estatísticas da Balança Geral do Comércio quando se estabelece a
distinção entre fluxos de mercadorias e fluxos de ouro que é exportado do Brasil para Portugal
como meio de pagamento do deficit registado. Ou seja: «as transferências de metal precioso
são um resultado do saldo das trocas entre as duas zonas do império, não fazendo por isso
sentido entrar com elas em conta no cálculo do próprio saldo» (1993, p. 63).
11 Vejam-se sobre esta matéria os estudos clássicos de Crouzet (1958) e Macedo (1962) e o
enquadramento sintético mas sempre útil de Silbert (1970). O prolongamento da análise com
o estudo do movimento do porto de Lisboa, minuciosamente apresentado por Caetano (2004),
reforça a fundamentação empírica e a consistência da justificação histórica do alcance efectivo
da política napoleónica de bloqueio continental em Portugal.
12 Sobre a obra económica de José da Silva Lisboa, e sobre o seu vínculo e divulgação das
ideias de Adam Smith, cf. sobretudo Paim (1968), Almodovar 81993), Rocha (1996) e Cardoso
(2001).
13 Recorde-se que José da Silva Lisboa exercia desde 1797 o cargo de Deputado e Secretário da
Mesa da Inspecção da Agricultura e Comércio da Cidade da Bahia, recebendo nessa qualidade
o Príncipe Regente quando aí aportou.
14 Veja-se o testemunho de D. Gabriela de Souza Coutinho in Silva (2006), pp. 581-82.
15 Não terá sido, em rigor, a primeira publicação da Impressão Régia, já que os primeiros
títulos de que se tem conhecimento são relações de despachos e outros documentos e papéis
oficiais. Mas terá sido, certamente, o primeiro livro de autor, na verdadeira acepção das
palavras. Sobre esta matéria cf. Moraes (1993), pp. XVIII-XIX.
16 Todas as citações a este texto são da edição crítica incluída em Lisboa (1993), Tomo I, pp.
185-320. Outra edição crítica recente deste texto está disponível em Rocha (2001), pp. 61-210.
17 Este encontro de pontos de vista viria a ser revelado e documentado quatro anos mais tarde
quando, perante a morte de D. Rodrigo, que considera ser «uma calamidade nacional», Silva
Lisboa tece elogio rasgado em que apelida o seu patrono e inspirador, entre outros epítetos, de
«um dos mais insignes varões do império português», «o homem necessário à monarquia»
(Lisboa, 1812).
18 Refira-se que, apesar de solenemente instituída, a aula pública de economia política não
chegou a funcionar. Sobre os detalhes da história do seu fracasso, baseada nos documentos de
arquivo que foi possível localizar, cf. Cardoso (2002), pp. 153-55.
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A abertura dos portos do Brasil em 1808: dos factos à doutrina https://journals.openedition.org/lerhistoria/2342
19 Um panorama exaustivo sobre este assunto é apresentado em Hont (2005), pp. 1-155.
20 Sobre este tema e sua importância para a explicação da génese e emergência da economia
política liberal cf., entre outros, Hirschman (1977) e Larrère (1992).
21 Note-se que o arrojo liberal de Silva Lisboa em matérias económicas esteve longe de
conhecer idêntica contrapartida em matérias de índole política. De facto, é bem conhecida a
sua posição algo retrógrada em assuntos de organização política da monarquia imperial,
mesmo após a independência brasileira. O assunto ultrapassa o âmbito deste artigo e a
referência que aqui se faz apenas visa assinalar que tal aparente contradição nada tem de
paradoxal, já que um partidário do liberalismo económico não tinha de ser, inevitavelmente,
um doutrinador do liberalismo político. Sobre este tema cf. Schultz (2001), pp. 197-207.
Referência eletrónica
José Luís Cardoso, « A abertura dos portos do Brasil em 1808: dos factos à doutrina », Ler
História [Online], 54 | 2008, posto online no dia 03 fevereiro 2017, consultado no dia 21
agosto 2019. URL : http://journals.openedition.org/lerhistoria/2342 ; DOI :
10.4000/lerhistoria.2342
Autor
José Luís Cardoso
ISEG – Universidade Técnica de Lisboa
Direitos de autor
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4.0 Internacional.