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Apontamentos do Direito comercial

PARA O EXCLUSIVO USO ORIENTADOR DE ESTUDOS DOS CURSANTES DE IV ANO DE DIREITO


UCM/2014

Para o estudo do direito comercial torna-se mister um breve bosquejo histórico. Embora, como
adiante veremos, o direito comercial não se confunda com a actividade comercial, a sua
compreensão está a ela intrinsecamente ligada, o que justifica uma breve referência a evolução da
actividade comercial.

Evolução da Actividade Comercial.

Já na idade clássica Platão no seu livro a República fundamentou o surgimento do comércio na


necessidade de troca de excedentes dos seus trabalhos entre indivíduos visto a falta de auto-
suficiência na saciedade das necessidades, o que viria a condicionar a vida em grupos e em
sociedade.[1] O crescimento populacional forçou a as trocas de mercadoria e mais tarde o
surgimento da moeda segundo MARTINS.[2]

Trata-se duma actividade que remota a antiguidade, indicando-se os fenícios como exemplo, que já
nos séc X e IX a.C. tinham colónias no norte de África, (Cartago).[3] A palavra comércio surge
assim do cum merx ou escambo de mercadoria, derivando em cummercium para CAVALCANTE.[4] Ou
do latim commutatio mercium significando troca de mercadoria segundo TOMAZETTE.[5]

O comércio surge assim como “o ramo de actividade que tem por objecto a aproximação de
produtores e consumidores, para a realização ou facilitação de trocas” BORGES.[6]

Histórico do Direito Comercial

É controversa a fixação da data do surgimento do direito comercial, havendo autores que indicam o
código de Hamurabi elaborada a mais de 2000 a.c como precursor, não sistematizada do direito
comercial.

Mais do que a referida controversa importa reconhecer o contributo, mesmo que indirecto que tanto
os povos da antiguidade como assírios, babilónicos gregos, passando pelos indianos até aos romanos
deram para o seu surgimento.

A actual doutrina pacificamente assente, aponta a idade média, com o surgimento e ascensão da
burguesia, como marco da sistematização de normas referentes a actividade dos comerciantes,
direito comercial.

A crise e o declínio do sistema feudal condicionaram o surgimento dos burgos (cidades de muros
onde habitavam os comerciantes) e corporações de mercadores nas quais se encontravam pessoas
de uma mesma profissão, de uma mesma religiosidade e que mantinham uma relação de protecção
mútua
Elas visavam a protecção dos comerciantes contra o sistema feudal decadente e foram ganhando
poder político, militar e económico.

A insatisfação com as regras do direito comum fez com que os comerciantes criassem uma estrutura
jurídica própria das corporações comercias, dando corpo a primeira sistematização do direito
comercial.

SISTEMA SUBJECTIVO

XII a XVIII – Período Subjectivo – Critério Corporativista – Direito Fechado e classista, privativo de
quem era matriculado nas corporações de mercadores (corporações de ofício). Lex Mercatoria.

O direito comercial exercido no interior das corporações era subjectivistas, pois baseado nos
estatutos das corporações e no costume mercantil, e mais tarde na jurisprudência, só se aplicava aos
membros das corporações pelos juízes consulares.

Com o tempo os juízes consulares ampliaram o seu poder e modificaram as regras das corporações
tornando as extensivas aos que não estando inscritos nas corporações praticavam actos condizentes
com o comércio. Código Comercial de 1833 de Ferreira Borges

SISTEMA OBJECTIVO

XVII em diante – Período Objectivo – Liberalismo Económico – Destaque para o Código Comercial
Francês (Código de Napoleão de 1807) – liberdade para comerciar – Comerciante era aquele que
praticava ato de comércio – Ato de Comércio previstos em lei.

Com a intensificação da actividade comercial e o surgimento de novas práticas mercantis como o


crédito bancário, uso de títulos cambiários, o que não era exclusivo dos membros das corporações,
justificava-se a objectivação do direito comercial.

Passou-se desta a forma a considerar comerciante não só o sujeito membro das corporações, mas
também o acto por si mesmo considerado como sendo de comércio, fosse quem fosse o indivíduo
que o praticasse.

Este foi o sistema acolhido no primeiro código francês de 1673, depois no de 1807. E acolhido no
código português 1888 de Veiga Beirão, que por força da colonização vigorou no nosso pátrio solo
até 2006, altura em que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 02/2005, de 27 de Dezembro.

Importa recordar que o diploma legal retro citado constitui o instrumento pelo qual foi aprovado o
primeiro Código Comercial Moçambicano, pois com a independência do país em 1975, herdou-se o
código comercial colonial limitando-se o legislador nacional a aprovar legislação complementar
avulsa.

Refira-se que enquanto no sistema subjectivista, classista os comerciantes eram os que no exercício
de suas profissões praticavam regular e não aleatoriamente o comércio. No sistema objectivista
baseado no acto de comércio já se admitia actos avulsos ou isolados de comércio praticado por não
comerciantes (profissionais).
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sp;

A revolução industrial, encapsulando o extraordinário desenvolvimento da economia deixou á nu a


insuficiências do sistema objectivo que não incluía importantes actos de comércio no seu leque, tais
como agricultura, seguros, etc, o que justificou o surgimento do sistema subjectivo moderno
centrado no empresário.

Sistema Subjectivo Moderno.

A concepção de que o direito comercial devia regular outras matérias, ultrapassando os limites do
acto de comércio, conduziu a alteração do foco deste ramo, elegendo-se o empresário, a empresa
como um todo como o seu novo objecto de regulamentação.

O direito comercial moderno também designado direito empresarial voltou a centrar-se no carácter
objectivo focando a categoria profissional do empresário enquanto pessoa que exerce actividade
voltada para produção e circulação de bens e serviços.

O Código Comercial Moçambicano acompanhou essa dinâmica assumindo a empresa enquanto


dimensão subjectiva nem objectiva mas antes como entidade personalizada como refere Abdul
Carimo [7]

Direito comercial

Conceito. Objecto e âmbito

Conceito

É o conjunto de normas jurídicas (direito privado) que disciplinam as actividades das empresas e dos
empresários comerciais (actividade económica daqueles que actuam na circulação ou produção de
bens e a prestação de serviços), bem como os actos considerados comerciais, ainda que não
directamente relacionados às actividades das empresas, conforme MAMEDE 2007[8].

O direito comercial consiste no corpo de normas, conceitos e princípios jurídicos que regem os factos
e as relações comerciais

Objecto

O direito comercial tem como objecto o empresário, o estabelecimento comercial bem como os
actos considerados comerciais. [9] ou seja a lei comercial regula a actividade dos empresários, bem
como os actos considerados comercias.[10]
Natureza jurídica

Na dicotomia direito público e direito privado, o direito comercial revistas as teorias tanto da
qualidade do sujeito, quanto a do interesse prosseguido como a eclética pertence ao ramo do
direito privado visto que cuida de relações entre sujeitos em mesma posição jurídica, prossegue fins
particulares e o Estado despe-se do ius imperium quando em relações comerciais.

Âmbito

Trata-se dum ramo de direito, como já vimos, que se autonomizou para primeiro regular as relações
dos comerciantes satisfazendo necessidades peculiares da classe e depois estendeu-se a outros
sectores da economia obrigando a surpreender num conjunto de actos a sua aplicação. Aplicando-se
modernamente actividades humanas que convenientemente carecem de tutela jurídica desta
disciplina.

Por isso, entende-se pacífico esteiar - se nas próprias normas jurídicas para se delimitar o seu
objecto, elas é que qualificam e caracterizam os sujeitos e as matérias comerciais, dai tratar-se dum
conceito jurídico.

O direito comercial actual abrange a teoria geral da empresa; as sociedades comerciais; os títulos de
crédito; os contratos mercantis; a propriedade intelectual; a relação jurídica de consumo; a relação
concorrencial; a locação empresarial; a falência e recuperação de empresas[11]

Autonomia

Epistemologicamente basta que um ramo de saber tenha um objecto e um método de investigação


próprio para que se reconheça como ciência. Requisitos que o direito comercial cumpre. Contudo, a
sua autonomização enquanto ramo de direito nem sempre foi aceite.

Duas teses digladiaram-se neste aspecto. A tese unitária encabeçada por VIVANTE defendia, em
suma, que era cinzenta a zona de fronteira entre o direito civil e do direito comercial, por não haver
um critério objectivo seguro, com institutos comuns entre os dois ramos por um lado.[12] Por outro,
a tese encabeçada por Rocco e Heck que aponta para a necessidade de regulação específica da
actividade comercial dada sua peculiaridade, sobretudo considerando-se a actual concepção de
direito da empresa.[13]

O carácter dinâmico e inovador da actividade comercial que serviu de fundamento para um sistema
derrogatório do direito civil comum, passando das antigas corporações de ofícios manufactureiras
por exemplo às actuais multinacionais, explica a autonomia do direito comercial.

A autonomia do direito comercial modernamente concebido como direito empresarial, é defendida


sobre três aspectos essenciais, o didáctico (trata-se de um ramo de saber próprio tal como se afere
dos currículos universitários), o formal (código e legislação avulsa própria) e o substancial (institutos
jurídicos próprios como a empresa, títulos de crédito, contratos mercantis).
Relação do direito comercial e direito civil

Embora seja um ramo autónomo do direito privado, mantém íntimas relações com outras áreas do
direito, com relevo para o Direito Civil.

Tanto o direito civil quanto o comercial regulam as relações jurídicas entre os particulares. Contudo,
diversamente do direito civil que regula as relações particulares no geral, o direito comercial regula
uma gama especial de relações particulares.

Assim o direito comercial é um ramo especial em relação ao direito privado comum (civil) donde se
desintegrou para acomodar exigências concretas dum sector até então com regulamentação
insatisfatória.

Importa destacar que a relação de especialidade do direito comercial nate o direito civil não se
traduz em excepcionalidade, o direito comercial é especial e não excepcional ao direito civil.

Características do direito comercial

Apontam-se como diferenças entre o direito comercial e o direito civil com base nas seguintes
características, de acordo com Crepaldi [14]

DIREITO COMERCIAL DIREITO CIVIL

· Universalismo, internacionalismo, · Regionalismo;


cosmopolitismo;
Função social;
· Individualismo;
· Existência de contratos gratuitos;
· Onerosidade;
· Formalismo;
· Informalismo;
· Completude;
· Solidariedade presumida nas obrigações.
· Solidariedade decorre da lei ou da vontade das
partes.

Esmiuçando adianta

“Universalismo, Intencionalidade ou Cosmopolitismo – De Cosmópole, cidade caracterizada por


vultuosa dimensão e pelo grande número de habitantes. Significa “aquele que recebe influência
cultural de grandes centros urbanos”, ou, sob ótica estritamente jurídica, a possibilidade de aplicação
de leis e convenções internacionais ao direito comercial. O direito empresarial vive de práticas
idênticas ou semelhantes adoptadas no mundo inteiro, principalmente com o advento da
globalização da economia, transcendendo as barreiras do direito pátrio, mas nem sempre exigindo
legislação a respeito. É o carácter universal intrínseco ao Direito Empresarial, que o acompanha
desde os primórdios. Exemplo: Lei Uniforme de Genebra, que dispõe sobre letras de câmbio, notas
promissórias e cheque.- Individualismo – O lucro é a preocupação imediata do interesse individual.-
Onerosidade – em se tratando de uma actividade económica organizada, a onerosidade estará
sempre presente no elemento lucro almejado pelo empresário. Às vezes, é comum encontrarmos
promoções que oferecem produtos gratuitamente, o que retira o carácter de onerosidade, haja vista
que normalmente são promoções com o objectivo de gerar sinergia nas vendas, em que o
consumidor leva o produto gratuito junto com outros produtos em que não exista a mesma
promoção.- Simplicidade ou Informalismo – em suas relações habituais no mercado permite o
exercício da actividade económica sem maiores formalidades, pois, se contrário fosse, o formalismo
poderia obstar o desenvolvimento económico. Exemplo: circulação de títulos de crédito mediante
endosso.- Elasticidade – o direito empresarial, por transcender os limites do território nacional,
precisa estar muito mais atento aos costumes empresariais do que aos ditames legais. Permanece
em constante processo de mudanças, adaptando-se à evolução das relações de comércio. Exemplo:
contratos de leasing e franchising.- Dinamismo – está relacionado com o desenvolvimento
empresarial, fazendo com que as normas comerciais estejam sempre em constante mudança,
aderindo a novas tecnologias que certamente acarretarão a existência de novas práticas comerciais.”

Princípios gerais do direito comercial

. Livre iniciativa

. Livre concorrência

. Propriedade privada

. Preservação da empresa

. Princípios contratuais

. Princípios cambiários

. Princípios do direito societário

. Princípios do direito falimentar

Fontes

Primária

Como fontes primárias temos os meios pelos quais as normas jurídicas se manifestam exteriormente,
(artigo 1.º CC). Nessa categoria temos as leis no sentido lato. Exemplos a Constituição da República
de Moçambique - CRM; Código Comerciais – C.Com, aprovado pelo Decreto Lei n.º 02/2005 de 27 de
Dezembro, o Decreto Lei n.º 01./2013 de 04 Julho que aprova o regime da Falência e Recuperação
Judicial das empresas ; Decreto n.º 06/2004, de 12 de Abril que aprova o código da Propriedade
Industrial.

Aponta-se na mesma categoria, mas de origem internacional os Tratados e Convenções


Internacionais (Lei Uniforme de Genebra).

Secundárias

Na ausência de norma específica de direito empresarial deve-se recorrer a essas fontes, nessas
enquadram-se os usos e costumes, podem ser: Secundum legem: previstos em lei; Praeter legem –
na omissão da lei; e Contra legem: contra lei (cheque pós-datado), a doutrina e a jurisprudência.

Interpretação e integração de lacunas

O regime da interpretação da lei comercial apela para aplacação do regime geral previsto pelo
artigo 9.ºCC,donde ressaltam a necessidade de se atender a mens legis, a sua mínima
correspondência literal, a presumida sabedoria do legislador e a unidade do sistema jurídico, dando
azo aos vários tipos de interpretações sobejamente conhecidas, mormente a literal, a histórica e a
teleológica.

A integração de lacunas na lei comercial por sua vez obedece a especificidade prevista no artigo 7.º
C. Com donde resulta o dever de se recorrer antes as normas internas do direito comercial e só na
falta destas as normas externas do direito civil que não sejam contrárias aos princípios deste especial
ramo de direito.

A aplicação da analogia das próprias normas do direito comercial para casos omissos justiça-se pelo
facto deste ramo ser autónomo, com um corpo de normas que lhe são peculiares por um lado. Por
outro porque as suas normas não são de carácter excepcional, pois para normas excepcionais a
analogia é proscrita nos termos da previsão do artigo 11.º CC.

Embora especial o direito comercial, as normas do direito civil são lhe subsidiárias. Dai que se
permita que em casos omissos e na falta de previsão nas normas do direito comercial se recorra as
normas do direito civil para que a lacuna seja integrada.

Percutindo, a integração de lacunas na lei comercial verifica-se com recurso, primeiro de normas do
próprio direito comercial e na falta destas com recurso as normas do direito civil, o que levanta
questão de identificação de umas e outras.

A habilidade para destrinçar normas do direito comercial das do direito civil depende da delimitação
do âmbito do direito comercial. Com recurso a teoria subjectivista e objectivista se aferirá se um acto
ou relação é comercial, se não o for será civil. Exemplos previstos pelos artigos 3.º e 4.º C.Com.

Só depois de se tornar assente que o acto ou relação jurídica é comercial pode-se definir o seu
regime e verificar a existência ou não de lacunas a integrar.
[1] PERINE, Marcelo, República /Platão; Tradução e adaptação em português, 1 edição. São Paulo:
Scipione, 2001

[2] MARTINS, Fran Martins. CURSO DE DIREITO COMERCIAL, Rio de Janeiro, 1996

[3] ALEJARRA, luís Eduardo Oliveira, Historia e evolucao do Direito Emperarial.Jus Navigandi, ano 18
n 3553, 24 mar.2013,Disponivel em <http:jus.com.br/artigos/23971>.acesso em 13 de Fev.2014

[4] CAVALCANTE, Benigno, Manual do Direito Comercial, 1 edição, Leme: Cronus, 2010

[5] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário, 2 edição São
Paulo, Atlas, 2009

[6] BORGES, José Ferreira, Dicionário Jurídico Comercial, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953.

[7] UTREL, Nota Introdutória ao Código Comercial, Maputo, 2005

[8] MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: empresa e atuação empresarial, volume 1. 2.
ed. São Paulo: Atlas, 2007. 370 p

[9] Cfr. Artigo 2 n1 do DL n 10/2005, de 23 de Dezembro

[10] Cfr .Artigo 1 do Código Comercial aprovado pelo DL n 2/2005 de 27 de Dezembro

[11] CREPALDI, Silvio Aparecido. Direito empresarial: apliação e características. In: Âmbito Jurídico,
Rio Grande, XI, n. 53, maio 2008. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2772>. Acesso em fev 2014.

[12] VIVANTE. apud Correia, A.Ferrer 1973, p 18 e seguintes

[13] ROCCO e HECK. Idem

[14] . Crepaldi, Sílvio Aparecido, op. Cit p.6

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