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05/03/2020 PIB: Por que 2019 frustrou mais uma vez as expectativas de crescimento da economia?

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PIB: Por que 2019 frustrou mais uma vez as expectativas de


crescimento da economia?
Camilla Veras Mota - @cavmota
Da BBC News Brasil em São Paulo

4 março 2020

GETTY IMAGES

O crescimento da economia brasileira frustrou as expectativas pelo segundo ano


consecutivo em 2019.

Quando o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, no dia 1º de janeiro, a mediana das
estimativas de consultorias e instituições financeiras para o Produto Interno Bruto (PIB)
reunidas pelo Banco Central no boletim Focus apontava um avanço de 2,53%.

O dado oficial, divulgado nesta quarta (4/03) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), não chegou à metade disso: 1,1%.

Estimativas para o PIB em 2017, 2018 e 2019


Mediana de projeções colhidas entre janeiro e dezembro

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2019 2018 2017

3,0
2,8
2,6
2,4
2,2
2,0
1,8
1,6
1,4
1,2
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
01/02/2019 01/06/2019 01/10/2019

Fonte: Boletim Focus/Banco Central

Em 2018, os números eram ainda mais otimistas, 2,7%. Em um ano em que a redução de
juros pelo Banco Central não teve o efeito positivo esperado sobre a economia e em que
uma greve de caminhoneiros parou o país por dez dias, a economia cresceu 1,3%.

Após sair da maior crise de sua história, o Brasil cresce há três anos seguidos no mesmo
ritmo, contrariando a lógica de outros ciclos de recessão, em que a recuperação geralmente
foi mais vigorosa em um primeiro momento.

O que aconteceu?
Parte do crescimento modesto do PIB em 2019 se deve a três choques importantes.

O primeiro foi o desastre de Brumadinho, que, além da tragédia humana, afetou o


desempenho do setor de mineração.

A indústria extrativa, de acordo com os dados do IBGE, recuou 1,1% no ano passado.

A recessão na Argentina, por sua vez, teve um impacto forte sobre a indústria de
transformação.

O país vizinho é o principal comprador de produtos manufaturados do Brasil — não apenas


veículos e bens acabados, mas bens intermediários que são incorporados à cadeia produtiva
da própria indústria argentina.

PIB do Brasil
Entre 2010 e 2019

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2
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-3
-4
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Fonte: Contas Nacionais/IBGE

Não por acaso, o segmento que mais contribuiu para a queda de 1,1% da produção industrial
no Brasil em 2019 foi o de bens intermediários, que recuou 2,2% em relação a 2018.

O "efeito Argentina" tirou 0,55 ponto percentual do PIB brasileiro no ano passado, de acordo
com a estimativa da pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV)
Luana Miranda.

Ou seja, sem o impacto negativo da redução da demanda do país vizinho, a atividade


poderia ter avançado 1,65%.

A economia também sentiu os efeitos negativos da desaceleração global provocada pela


guerra comercial entre Estados Unidos e China.

O cenário internacional mais adverso ajuda a explicar, por exemplo, porque as exportações
brasileiras caíram quase 6% no ano passado — apesar do dólar mais caro.

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GETTY IMAGES

Um estudo publicado pelo Banco Central com uma análise do comércio exterior no Brasil
entre 2002 e 2018 destacou que as exportações no Brasil são mais sensíveis ao crescimento
global do que ao câmbio.

Quando o mundo cresce menos, o Brasil vende menos para fora, apesar do ganho de
competitividade que vem do real desvalorizado.

O investimento e a 'maldição' do baixo crescimento


Esse cenário, por sua vez, contribuiu para que o investimento, mais uma vez, decepcionasse.

A medida desse indicador dentro do PIB, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), cresceu
2,2% no ano passado. O resultado é inferior ao de 2018 (3,9%) e bem mais modesto do que
o esperado pelos economistas no início de 2019 — a projeção do Ibre era de 4,7%.

A FBCF soma investimentos na construção civil, em máquinas e equipamentos e em outros


ativos fixos — é ele que capta os efeitos do aumento da capacidade instalada de uma
fábrica, por exemplo, ou da melhoria nos processos de uma linha de produção.

Trajetória dos investimentos


Série encadeada do índice de volume trimestral* - 2008 a 2019

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FBCF

220
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
1T08 1T09 1T10 1T11 1T12 1T13 1T14 1T15 1T16 1T17 1T18 1T19

*Média de 1995 = 100


Fontes: Contas Nacionais/IBGE

É uma componente importante do PIB porque, via de regra, sinaliza aumento no potencial de
crescimento da economia.

Com o resultado de 2019, o nível dos investimentos ainda está mais de 20% abaixo do pico
registrado em 2013.

Apesar de os choques terem tido papel importante no resultado, o ambiente interno, apesar
dos juros baixos, não contribuiu para que as empresas tirassem os projetos da gaveta, avalia
a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos.

"A falta de clareza na agenda de reformas gera muita incerteza no investidor", ela pontua.

ADRIANO MACHADO/REUTERS

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Passada a reforma da Previdência, o governo tem tido dificuldade de avançar em propostas


que poderiam ter impacto positivo sobre a economia, como as reformas tributária e
administrativa.

A preocupação do setor produtivo se reflete no Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br),


que se manteve em nível alto no ano passado. Em 9 dos 12 meses de 2019, o índice ficou
acima de 110 pontos, considerado historicamente elevado.

O dado mais recente, referente a janeiro de 2020, chegou a 112,9 pontos.

"A sensação é de que estamos fazendo pouco para construir o futuro", diz a economista,
referindo-se ao aumento da instabilidade política e fiscal no país.

A queda forte nos investimentos durante a recessão, para a professora da Universidade da


Califórnia Marcelle Chauvet, explica em parte porque a retomada do crescimento frustrou os
brasileiros nos últimos três anos.

O salto na FBCF entre 2010 e 2014 — a construção de estádios, hidrelétricas, estaleiros —,


diz a economista, deu-se sobre uma base pouco sólida, financiada à custa do aumento do
endividamento do governo.

A situação atual seria em parte um "ajuste aos excessos que aconteceram antes", que podia
ser minimizado com uma maior participação do capital privado.

A incerteza política e fiscal, contudo, aumentam o risco para esses investimentos, pondera a
especialista, que é um dos seis membros do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos
(Codace) da FGV.

Consumo, um motor fraco de crescimento


O avanço de 1,1% da economia em 2019 foi em boa parte sustentado pelo consumo das
famílias, que aumentou 1,8% sobre 2018.

Essa composição, entretanto, limita o potencial de crescimento do país, diz Silvia Matos, já
que o comércio e os serviços não têm o mesmo "efeito multiplicador da indústria".

São setores menos produtivos, que demandam nível menor de investimentos e pagam
salários mais baixos.

"O crescimento pautado no consumo é mais volátil", concorda Rafael Pananko, da Toro
Investimentos.

O economista destaca, por outro lado, que a recuperação do setor da construção civil, que
avançou 1,6% em 2019 após cinco anos consecutivos de retração, de acordo com os dados
do PIB, deve contribuir para o crescimento em 2020.

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Antes da disseminação do surto de coronavírus, o analista estava na ponta otimista das


estimativas para o PIB neste ano, com 2,3% — a mediana do boletim Focus divulgado na
segunda-feira (2/3) está em 2,17%. Mais recentemente, contudo, reduziu a projeção para
1,5%.

A do Ibre-FGV foi revisada de 2,2% para 2%. Matos considera "prematuro" falar em um
crescimento mais próximo de 1,5%, que ela reserva para um "cenário mais pessimista".

Em sua avaliação, o efeito positivo da redução da taxa básica de juros sobre o crédito deve
sustentar o consumo neste ano.

"2020 vai ser mais do mesmo."

Terceiro ano de frustração?


Para o analista da Capital Economics William Jackson, as expectativas, de forma geral,
seguem demasiadamente otimistas.

Em janeiro, ainda antes da incerteza trazida pelo coronavírus, ele estimava crescimento de
1,5% para o PIB brasileiro em 2020.

Sua leitura é que, além das limitações impostas pelo baixo investimento e pela fragilidade da
indústria, o consumo tem uma capacidade limitada de estimular a economia neste ano.

De um lado, o governo dispõe de menos "aditivos" para incentivar as famílias a gastarem,


como a liberação de saques do FGTS, utilizado no ano passado.

De outro, o mercado de trabalho segue dando sinais de que se recupera de maneira lenta,
com geração de emprego de baixa qualidade.

Nesta semana, o analista cortou a projeção para 1,3%, antecipando parte dos efeitos
negativos que o coronavírus deve ter sobre a economia brasileira.

Não foi a única revisão. O economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América
Latina do Goldman Sachs, diminuiu significativamente a estimativa para o Brasil, de 2,2%
para 1,5%.
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O país está exposto aos riscos econômicos que surgiram com a disseminação do
coronavírus de diferentes formas.

Uma delas é a balança comercial. A queda nos preços de commodities como petróleo, soja e
minério de ferro — resultado da expectativa de desaceleração da economia chinesa —
devem reduzir o superávit esperado para o ano.

Se o surto afetar a China por muito tempo, há ainda um risco de queda na demanda do país
por esses produtos. Nesse caso, o impacto sobre a balança não viria apenas pelo canal do
preço, mas também do volume.

Mapa da disseminação do coronavírus, por 5 de março de 2020


O mapa usa dados periódicos da OMS e pode não refletir as informações mais atualizadas de cada
país.

Total de casos confirmados Número de mortes


95.270 3.280
Casos Mortes
China 80.523 3.014
Coreia do Sul 5.766 35
Itália 3.089 107
Irã 2.922 92
Cruzeiro Diamond Princess 706 6
Japão 317 6
França 285 4
Alemanha 262
Espanha 200 1
Estados Unidos 129 9
Cingapura 110
Reino Unido 90
Suíça 57
Kuwait 56

Fonte: Organização Mundial da Saúde


Última atualização em 05/03/2020 14:00:00 GMT.

O país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de aproximadamente 30%


do valor total das exportações.

A desvalorização adicional do real — consequência da saída de dólares do país para


mercados considerados mais seguros, já que os investidores estão mais avessos a risco —,
por sua vez, encarece insumos importados, além de máquinas e equipamentos para
investimentos.

Há ainda a questão da interrupção no fornecimento de matérias-primas para indústrias como


a de eletroeletrônicos, especialmente as que produzem celulares e notebooks, que trabalham
com estoques reduzidos e usam uma série de componentes importados da China.

Em um relatório divulgado na segunda (2/03), a OCDE revisou de 2,9% para 2,4% a projeção
para o crescimento global por conta da disseminação da covid-19.

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Esse cenário leva em consideração que os efeitos negativos para a economia causados pela
doença ficarão concentrados no primeiro trimestre e que o surto fora da Ásia será mais
suave.

Com essas premissas, a instituição manteve inalterada a estimativa que tinha para o PIB do
Brasil, de 1,7%.

A OCDE alerta, entretanto, que se o surto for mais intenso e disseminado do que o esperado,
o PIB global poderia cair à metade do esperado antes da revisão, para 1,5%, levando países
como o Japão e a Zona do Euro à recessão.

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