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GOMES 2003 O SAMBA NA MÚSICA POPULAR INSTRUMENTAL BRASILEIRA DE 1978 A 1998 (Diss)
GOMES 2003 O SAMBA NA MÚSICA POPULAR INSTRUMENTAL BRASILEIRA DE 1978 A 1998 (Diss)
São Paulo
2003
ii
São Paulo
Junho de 2003
RESUMO
ABSTRACT
Sumário
Introdução
A- tema 1
B- hipótese central 6
C- objetivos 7
D- critérios teórico-metolodógicos 9
E- debate sobre a produção científica 18
F- corpus 28
Conclusão 113
Bibliografia 114
Introdução
A) Tema
1
“Em grau menor, o mesmo processo se encontra no uso que os meios ‘populares’ fazem das culturas difundidas
pelas ‘elites’ produtoras de linguagem” (Id. Ibid., p. 95. Grifo meu).
3
uma arte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as regras de espaço
opressor” (DE CERTEAU, 1990, p. 79).
E se para muitos historiadores a canção2 samba já foi definida como
representante da brasilidade, a música que sobreviveu no terreiro não chegaria, em
sua forma mais “original”, a ocupar importante espaço em nossa música, como por
exemplo, nas rádios, senão se aproximando da linguagem da “cultura dominante”
(Id.Ibid., p.79).
Conhecer os diferentes processos pelos quais sociedades distintas produzem
e preservam suas formas artísticas mostra-se necessário na medida em que vários
musicólogos, ao se defrontarem com uma manifestação popular na qual a questão
rítmica era fundamental, abandonavam o olhar técnico, para tecer comentários
apenas sensoriais.
Na visão geral daqueles estudiosos da música, questões ligadas ao ritmo
parecem pertencer ao universo folclórico ou etnomusicológico, e não, como se quer
mostrar aqui, a um assunto musical strito senso, porém com um viés analítico
diferenciado.
Por exemplo, Mario de Andrade, quando está em Recife3 numa festa popular,
abandona o olhar analítico presente em seu “Pequena História da Música”, e
descreve não o procedimento técnico em relação a construção do aspecto rítmico
desta manifestação musical em particular, mas seus efeitos:
Tão violento o ritmo que era obrigado a me afastar de quando em quando
para...(sic) pôr em ordem o movimento do sangue e do respiro (ANDRADE,
1944, p.186).
2
Canção aqui deve ser entendido como uma forma musical de características tonais, quadratura estrófica e com
um texto poético vinculado a essa estrutura.
3
Andrade não precisa a data em que, segundo ele, presenciou, no Carnaval do Recife, ao Maracatu da Nação
Leão Coroado.
4
4
Res Vocale, a “Coisa que Fala”.
5
Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, 1995, Companhia das Letras.
6
A professora Petronilha Gonçalves e Silva, primeira negra a ocupar uma vaga no Conselho Nacional de
Educação (CNE), afirma que até hoje a forma que se ministra o conteúdo da história é racista, na medida em que
esta história começa “na África, e não na chegado dos escravos em solo brasileiro”. Folha de São Paulo,
23/03/2002, caderno Cotidiano, p. C8. Assim, o próprio Jose Ramos Tinhorão em seu “Os Sons dos Negros no
Brasil” (1988, p. 17), escreve: “a importação de escravos africanos”, quando o correto seria a importação de
africanos, feito escravos.
5
O samba, naquela época [final dos anos 30], não era visto como
propriedade de um grupo étnico ou uma classe social, mas começava a
atuar como uma espécie de denominador comum musical entre vários
grupos, o que facilitou sua ascensão ao status de música nacional (VIANNA,
1995, p. 120).
B) Hipótese central
As estruturas rítmicas do samba atravessam intactas seus vários matizes.
c)Objetivos
C.1. A relevância em nível institucional desta pesquisa tem seu foco na busca
da legitimação da transmissão oral para as questões do ritmo.
7
Denominação dos músicos de Jazz para as estruturas musicais sobre as quais improvisam.
7
8
Artigo publicado na revista do Conservatório Brasileiro de Música.
9
Ver bibliografia.
10
10
Apenas a título de esclarecimento, o termo utilizado é exatamente “leitura musical”.
14
11
O conceito será aprofundado. Por hora, basta colocar que cométrico é quando o ritmo tende a concordar com a
pulsação ou realiza divisões simples, e a idéia de contrametricidade se baseia no fato de que a grande maioria das
colocações rítmicas no samba tende a contrariar a pulsação, a estar num constante processo de “sincopação”. O
reconhecido músico norte americano Winton Marsalis, falando da sincopa no jazz, coloca que sincopar é sempre
realizar os acentos em lugares que surpreendam o ouvinte.
15
rítmica tão diversa do universo europeu “de concerto12”, que a escrita que
caracteriza o último seja inadequado ao primeiro.
Com relação a harmonia da peça, para montar os acordes do
acompanhamento, a música popular se vale da cifragem (ver letras sobre a partitura
no exemplo1). O músico (ou músicos) responsável pela execução do texto
harmônico, dentro de uma determinada esfera de possibilidades, poderá realizar
desde um acompanhamento simples, até uma condução harmônica primorosa.
Devido as suas características, esta competência se configura como uma habilidade
mais européia, já que se refere à organização das alturas musicais.
No caso do samba, o que se nota é que o estudo das relações entre os
acordes, e entre eles e a melodia, momentaneamente desconsiderando o ritmo, é
que tal estudo pode se realizar com as mesmas ferramentas utilizadas pela música
européia. Ou seja, a abordagem analítica das relações entre “alturas” musicais,
usando-se a harmonia tradicional ou funcional, é a mesma que se usaria para
analisar Beethoven, por exemplo.
As diferenças que porventura vêm à tona referem-se muito mais ao tipo de
tratamento composicional que se emprega a um dado universo temático, de acordo
com a origem e formação do autor, do que a diferenças do ponto de partida
melódico ou harmônico em si.
No capítulo 2, que se refere às premissas musicais, são feitas considerações
sobre esses ritmos em estado mais “rústico” (adjetivo eurocentrista?), só percussivo.
Incluem-se também as limitações engendradas a partir do momento em que se
insere dentro de uma “canção samba”. A execução, no nível rítmico, terá um
conjunto de similitudes capaz de, ao abstrair-se de uma “canção samba” sua
harmonia e melodia e trazer à tona sua constituição rítmica, fornecer ao ouvinte a
sensação clara de que estamos diante de uma herança musical contramétrica,
deveras rigorosa na utilização ou não de determinadas figuras rítmicas, e
provavelmente não européia.
Não há interesse aqui em tratar com profundidade de questões organológicas,
exceto em dois pontos: o das limitações às quais o negro estava submetido em
relação ao acesso a determinados instrumentos, que basicamente se limitavam aos
12
Entende-se por repertório de “concerto” a literatura musical consagrada, composta por aqueles considerados
grandes autores eruditos, desde a renascença até os modernos. Não se pretende aqui tratar da chamada musica
erudita contemporânea, pois esta inclui novos procedimentos que não dizem respeito ao tema tratado.
16
13
Neste procedimento em arranjo, num dado fim de frase ou trecho da peça, todo o grupo realiza em uníssono
uma dada figura rítmica. Isto, em linguagem de arranjo, chama-se “convenção”.
14
A discussão aqui não é a do “ritmo harmônico” no sentido empregado pela música erudita. Refere-se sim a
forma que os acordes são executados dentro das figurações de um ritmo popular, as células rítmicas do
acompanhamento.
17
15
Vide capítulo 1
16
Terminologia proposta por Wisnik.
17
No sentido moderno de autoria, já que no samba antigo havia o canto, mas esse muito mais improvisado.
20
metricidade padrão, para que se defina a outra pela negação. Notar-se é que, em
linguagens musicais diversas, existem métricas mais ou menos constantes ou
usuais. O próprio autor nos lembra que:
Na África Negra, ao contrário, elas (as figuras musicais contramétricas, que
estarão detalhadas no capítulo 3) pertencem ao senso comum musical,
freqüentando inclusive o repertório rítmico das crianças (Id. Ibid., p.25).
Parece também que, na tentativa de enumerar os gêneros musicais, muitos
autores despedem energia ao tentar definí-los, com a preocupação de serem
precisos. No entanto Sandroni acerta quando coloca: “nos informavam basicamente
que se tratava de música ‘sincopada18’, ‘tipicamente brasileira e propícia aos
requebrados mestiços” (Id. Ibid., p. 31). Ou seja, ao invés de se preocupar em
nomear uma infinidade de categorias rítmicas, tais como maxixe, cateretê, habanera,
etc, o autor centra-se no que musicalmente deve-se destacar: trata-se de música
com características contramétricas.
Ligado à inusitada forma pela qual os africanos trouxeram sua bagagem
cultural, Sandroni, referindo-se à escolha do próprio título de sua obra que foi buscar
em Noel Rosa, “Feitiço Decente” 19 acha uma frase primorosa, na qual coloca que “A
doce vingança dos negros libertos é produzir uma música que escraviza quem a
escuta: decente, porém feitiço” (Id. Ibid., p.171).
Novamente isso corrobora a idéia do poder que esta “trama” rítmica exerce
sobre seus ouvintes. E como colocado acima, enquanto ritmo do terreiro, esse não
chegaria jamais a ser “decente”. Assim, joga com canções, passaporte para que este
“feitiço” continue sendo “ministrado”, ou seja, tornado aceitável e, assim, pronto para
os atravessamentos subseqüentes.
Sem trafegar por assuntos de ordem teológica ou mágica, não deixa de ser
interessante colocar a pergunta de como uma música que nasce e/ou sobrevive no
terreiro, dialoga com canções, as influencia e chega até a sala.
Se isto soa forçado, pode-se observar que, ainda que existam inúmeros
sambas e seus diversos autores, há sempre um elo forte entre todos eles, o fato de
que todos contêm o samba (sem autor) em seus principais fatores constituintes.
Quando Sandroni coloca que os cantores que não são “letrados” em música
“dividem” de maneira mais contramétrica20, percebe-se a natureza sincopada da
18
O conceito de sincopa empregado aqui está colocado no capitulo 2 e aprofundado no 3.
19
Pequeno trecho da composição de Vadico e Noel Rosa intitulada “Feitiço da Vila”.
20
Vide depoimento de Francisco Alves in Sandroni, 2001, p.212/213.
22
melodia, característica clara do samba, bem como a oralidade como forma eficaz de
aprendizagem.
O ritmo (ou ritmos), como veremos no capítulo adiante, é absolutamente
similar, seja num batuque ou na subdivisão rítmica do acompanhamento harmônico
no disco de Tom Jobim. Tudo isso ratifica a idéia de que as estruturas rítmicas do
samba chegam por inúmeras vias à “escuta” do brasileiro. Vale dizer que essas
similitudes fazem com que aquele que pensa estar ouvindo uma canção, está, de
fato, escutando o samba do terreiro, ainda que supostamente como pano de fundo.
No sentido geral de seu trabalho, vê-se apenas um equívoco, exatamente no
que ele coloca como hipótese central, o fato de que o samba mudou seu paradigma
de uma figuração rítmica menos sincopada (exemplos no capítulo 3), para uma mais
contramétrica, nas primeiras décadas do século passado.
Ora, o fato é que a legitimação social ou comercial deste gênero não tem
relação com o fato de que ele é o que sempre foi. Colocado de outra forma; ainda
que o samba, com estas características mais contramétricas não tivesse alcançado
a posição que ocupa no cenário nacional, ou seja, se não tivesse encontrado e
passaporte para transpor certos biombos sociais, ele ainda continuaria existindo
dentro de nossa cultura.
Mesmo que sua existência fosse de pouca relevância cultural no sentido de
seu alcance, ainda estaria lá. Não interessa, desconsiderando questões de mercado,
se houve uma mudança no que é aceito como sendo ou não o “legítimo samba”. O
que ele chama de samba antigo continua vivo e sendo executado por inúmeros
músicos em diversos trabalhos, alguns desse explicitados em gravações que
seguem anexas a esse trabalho.
Talvez para Vianna, como antropólogo, seja importante o que se consagrou
ou não como o legítimo samba. Mas para o músico Sandroni, que nos lembra que o
mais importante não é a nomenclatura , e sim características contramétricas, não
deve importar o uso que se fez do samba. Essa homogeneização não interessa ao
músico, que deve sim, notar a presença da diversidade, em termos de possibilidades
rítmicas hoje.
Parece patente que não houve uma “gênese” na Estácio. Essas figuras
rítmicas não foram inventadas ali, como é possível perceber na leitura de Mukuna
(2000). Eles vinham trafegando pelos anais da história, assim com ainda hoje fazem.
23
21
Tese de Doutorado em Etnologia na Universidade de Sorbonne: “Os Nagô e a Morte”, Editora Vozes, 1977.
25
Ao se referir à casa da Tia Ciata, que será discutida no capítulo um, propõe
um modelo que utilizado por inúmeros autores, incluindo os já discutidos, e ainda
Wisnik, Roberto Moura e Tinhorão.
A economia semiótica da casa, isto é, suas disposições e táticas de
funcionamento, faziam dela um campo dinâmico de re-elaboração de
elementos da tradição cultural africana, gerador de significações capazes de
dar forma a um novo modelo de penetração urbana para os contingentes
negros. (Id. Ibid., p. 15).
F) Corpus
Capítulo 1
O Samba na Cultura
Cabe lembrar mais uma vez aqui do que é feita a música brasileira. Embora
chegada no povo a uma expressão original e étnica, ela provém de fontes
estranhas: a ameríndia em porcentagem pequena; a africana em
porcentagem bem maior; a portuguesa em porcentagem vasta (ANDRADE,
1962, p.25).
Sabe-se que a posição de colonizadores dos portugueses fez com que seus
valores, em várias áreas, ocupassem papel central na constituição da chamada
“cultura brasileira”. Um exemplo disso é a própria língua oficial do país. Entretanto,
quando o assunto é música popular, essa posição de maior influência lusa pode e
deve ser revista.
A música é uma expressão privilegiada para ser veículo que trafega entre
esferas sócio culturais diversas. Existem mil maneiras de se combinar melodia,
harmonia e ritmo. Além disso, cada um desses elementos pode ter traços atribuídos
a diferentes culturas e etnias.
Em algumas dessas manifestações musicais não se pode afirmar, como fez
Mario de Andrade, que a influência portuguesa é maior do que a africana. Esse é o
caso do samba, em suas inúmeras formas e de características híbridas. Para discutir
esse assunto, existem três problemas fundamentais.
Em primeiro lugar, se o objeto escolhido é “um” samba, cabe buscar discernir
o que mais o caracteriza. São seus contornos melódicos e/ou harmônicos, ou sua
estrutura rítmica? Ou seja, é possível definir numa música que congrega influências
tão diferentes, qual desses elementos constituintes é o que se sobressai?
30
O fato é que não existe nem momento exato nem gênese, e sim inúmeros
processos que, ritmicamente falando, são com certeza anteriores à data proposta
por Mukuna. Daí a expressão “já estava em voga”.
Do outro lado, toda vez que nos defrontamos com livros dirigidos a músicos, a
tendência é que se enfatize nossa cultura musical letrada, ou seja, européia. Um
samba tem uma construção harmônica e melódica22 , baseado na tradição tonal, e
uma esfera rítmica baseada nas heranças africanas.
Isso é aceito desde o início do século, a começar por Mario de Andrade. E
realmente pode ser observado musicalmente, dada a natureza desses elementos.
Entretanto, discussões mais técnicas sobre a questão da herança africana sempre
estiveram relegados, assim como de seus próprios herdeiros, ao segundo plano.
22
O ritmo de melodia é um reflexo do gênero da peça. Aqui me refiro as relações de alturas da melodia.
33
Pois, hoje em dia, ninguém acha que 'primitivos'- se é que existe alguém
que ainda use este termo - são pragmatistas simplórios que andam tateando
em busca do conforto em meio a uma névoa de supertições (GEERTZ,
2000, p.113).
aquedutos, etc, portanto a “produção cultural” se torna cada vez mais materializada,
mais sólida, mais ligada a um espaço fixo.
Já numa organização que não necessariamente se fixa num determinado
ponto do globo, é imprescindível uma cultura “portátil” como garantia de sua própria
sobrevivência. Esta então passa a ser acumulada e transmitida usando como
veículos contos, danças, rituais, e de especial interesse para esse trabalho, a
música.
23
A tradição oral depende da rima e do ritmo , bem como dos feitos
impressionantes de deuses e heróis, para poder ser lembrada e servir como
fundamento de uma cultura (OLSON, 1994, p.53).
23
Não é essa a acepção de ritmo que deve ser considerada nas linhas gerais do trabalho.
24
Sabe-se que o próprio Maracatu, enquanto cerimônia, é a coroação no Brasil daqueles que ocupavam posições
de nobreza em sua terra natal. Existe uma polêmica acerca dessa idéia, já que se sabe que muitas vezes eram as
próprias castas nobres africanas, ou de mais poder, que escravizavam a população para depois vendê-la. Além
disso, Tinhorão mostra que uma das estratégias utilizadas para manter os cativos sobre controle era exatamente
delegar mais poder, em forma inclusive de algum título de nobreza, para que esses controlassem seus iguais.
38
culinária, etc, estas áreas culturais são vistas como “do outro”. Já a música é vista
como “popular brasileira”, como um produto autenticamente nacional.
Não se pode negar que o samba e seus atravessamentos permeiam todo o
espectro da sociedade brasileira. De um lado, sabe-se que isso foi um artifício
ideológico populista. Mas deve-se considerar apenas o uso que as elites fazem da
cultura popular, ou também as táticas da cultura popular em perverter o que lhe é
imposto?
Talvez o vislumbre disso venha através de uma análise histórica e musical do
conteúdo rítmico em si. Seta nos dois sentidos: a história fomenta a compreensão
dos diálogos musicais, e a música, se analisada com uma ferramenta adequada,
por si só conta a história. Mas que música, com que instrumentos, e
desempenhando qual importância na vida deste povo ancestral e no Brasil hoje?
25
Não se elegeu especificamente a casa da Tia Ciata por outros motivos a não ser que pelo fato de que é a mais
conhecida. Mas havia muitas outras casas de igual importância e influência à época.
40
O ‘biombo’ não servia para interditar, mas para marcar uma fronteira pela
qual, sob certas condições, passava-se constantemente (SANDRONI, 2001,
p.106).
O fato de seu marido ser negro, médico e ainda chefe de gabinete do chefe
de polícia no governo Wenceslau Brás, permitia que os bailes, festas e encontros,
muitas vezes denominados “sambas”, pudessem fluir sem que houvesse repressão
sistemática.
Existem vários outros exemplos desses dois extremos, bem como todo o
escopo intermediário. Por exemplo, no contexto pré-abolição, em especial no ciclo
da cana-de-açúcar, acontecia simultaneamente música na Casa Grande e batuques
da senzala. Nesse caso, havia um significativo contingente de crioulos26 que
dormiam na senzala, mas trabalhavam na casa grande. Não eram esses os
mediadores culturais nesse contexto?
26
Utilizo o termo aqui em alusão aos “creoules” norte americanos, que transitavam por certos meandros sociais,
tendo acesso a uma formação musical europeizada, mas ainda sim sofrendo discriminação. Foram também os
criadores do ragtime, que deu origem ao Jazz, e pode ser traduzido como “tempo quebrado”.
44
o enorme vínculo, até hoje, entre cor e posição social27, bem como o fato de que a
música, ao lado dos esportes, continua sendo uma das poucas áreas que
possibilitam esse fluxo entre camadas sociais.
27
Sobre esse assunto, “Cor, Profissão e Mobilidade”, João Baptista Borges Pereira.
46
E não é por coincidência, mas sim por precisão, que no contexto de uma
grande banda de música popular, a reunião dos instrumentos percussivos na
chamada seção rítmica, seja até hoje chamada de “cozinha”. Isso reforça de várias
maneiras o que está sendo colocado aqui como uma forma de “conhecimento
cifrado” 28.
Sandroni (2001, p. 215) teve a curiosidade de salientar, ao analisar
socialmente a ficha técnica de um disco atual, que os nomes (ou a forma de nomear)
dos músicos estão de acordo com sua origem social. Assim nota-se que os
instrumentistas de cordas são de origem européia e aparecem com seus nomes
completos. Já os dos sopros aparecem denominados por seus apelidos. Muitas
vezes nem se mencionam aqueles que foram, e ainda são, estigmatizados como
ritmistas.
No caso do olhar musical, o objeto de discriminação intelectual é o próprio
ritmo. Dados seus vínculos sociais e raciais, este conhecimento continua oral, tácito,
e codificado.
Para que se detalhe melhor muitos desses aspectos musicais aqui
abordados, nada melhor que partir de um texto musical. Nas maneiras de se
escrever ou não elementos musicais, já se sobressaem pontos relevantes. É uma
espécie de análise da própria técnica de notação ou melhor ainda, de suas
limitações.
Os exemplos a seguir são trechos extraídos de um arranjo de Rui Carvalho
(Os 16 primeiros compassos da grade completa estão no anexo I, paginas 117 e
118), para a peça “Upa Neguinho”, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri. É um
arranjo para Big Band, onde se encontram discriminados, de cima para baixo,
saxofones, trompetes, trombones e sessão rítmica, respectivamente. Essa última,
denominada no jargão da área “cozinha”, aparece dividida em quatro linhas: guitarra,
piano, baixo e bateria.
28
Recentemente fui convidado para a prestação de um serviço como músico profissional para, junto de uma
seção rítmica e os sopros de uma orquestra, executar arranjos de música popular. Soube, então, no primeiro
ensaio, que a orquestra havia tentado executá-los com seus próprios percussionistas. A tentativa não vingou, e
fomos então chamados. O mais interessante é que o que tínhamos a mais para que a música acontecesse não era a
capacidade de ler algo que a orquestra não sabia. Sabíamos exatamente o que não estava escrito e, no entanto,
esse era um fator imprescindível para que o concerto se realizasse.
47
Exemplo 1
Nas linhas dos sopros, uma escrita complicada, devido ao alto grau de
contrametricidade do ritmo da melodia (exemplo2, letra B). Decodificável em suas
alturas e durações, mas não em sua natureza sutil. Nesse exemplo, vê-se o “nipe”
de saxofones.
Exemplo2
48
Exemplo 3 (Drums)
Exemplo 4
Pode-se observar ainda que essa variedade de escutas, bem como uma
formação sintética e híbrida, pode gerar, como realmente faz, músicos da mais alta
qualidade. E, pelos exemplos acima, percebe-se que o tipo de formação musical
29
Esse recurso, na linguagem de arranjo, é denominado “convenção” .
49
Muito disso pode ser visualizado através de uma analogia com a casa da Tia
Ciata. Os autores já citados, entre outros, acordam que:
Pode-se dizer que na direção da sala ao terreiro sobrepõe-se uma forte carga
ideológica. Porém, independentemente do ideológico do tipo “conciliatório” do
samba, vale destacar que no atravessamento do terreiro ao salão, não havia nada
mais do que o ritmo negro, essa “síntese de sínteses” (Id. Ibid).
Na construção do universo social formal, de ideologia que se confunde com a
realidade, pressupõe-se que da camada mais alta para a mais baixa o trânsito é
livre, e que os biombos aparecem muito mais marcados no sentido contrário. Falsa
premissa.
51
30
Tanto os “livros” quanto a “história oficial” são considerados ferramentas de controle e dominação.
53
Ainda sim, Sandroni traça sua trajetória desde malandro até compositor. Não
parece necessário que, para sua consagração, esse tenha de chegar a compositor.
E o músico? Sua importância está exatamente em, uma vez tendo acesso desde o
terreiro até a sala, poder estar com o violão no primeiro, ou a percussão no segundo.
Essas escutas diferenciadas são os pré-requisitos que possibilitam os diálogos que
originam a música popular. Melhor ainda, são como catalisadores amalgamando
esses diversos materiais sonoros.
elementos funcionais ritualísticos, que vai mostrar que dança e música são
expressões inseparáveis.
Entretanto, embora a associação música dança deva ser considerada como a
“expressão total” de um dado ritual, somado inclusive aos “adereços corretos e o
celebrante tradicionalmente designado”, Mukuna acrescenta:
31
De novo, excluam-se aqui formas de dança moderna e/ou contemporânea.
55
Em teoria, não se pode dizer que uma música qualquer determine de modo
intrínseco a coreografia correspondente, nem deduzir um estilo musical de
uma necessidade coreográfica.(2001, p. 137).
Difícil saber a que “teoria” se refere o autor, mas parece mais improvável que
uma herança gestual fosse capaz de gerar um ritmo do que o contrário. O ritmo pode
convidar indivíduos a realizar certos movimentos. Lembrando também que no
transplante da África para o Brasil, os negros só trouxeram seus corpos. Juntos com
seus corpos, seus ritmos e gestos. Esses gestos já eram uma síntese dos gestos da
África ocidental, dada a mistura de etnias trazidas ao país.
Vale lembrar também que, olhando os números de mortes, durante a espera
na África, no transporte e nas difíceis condições de vida como força de trabalho em
terras brasileiras, pode-se seguramente afirmar que houve uma seleção forçada de
melhores espécimes. Ou seja, os que sobreviveram a todas essas dificuldades são o
que há de melhor na raça negra.
O gesto leva uma vantagem sobre o ritmo, ele é observável em qualquer
relação social. Sua influência é inevitável. Apenas a presença do negro na vida
social do país é suficiente para que o movimento de trabalho ou qualquer outro seja
visto pelo atores sociais que ali se encontram.
E a música, por sua vez, é a condição primordial senão para o gesto, ao
menos para a dança. O fato é: ritmo e gesto podem estar sempre juntos, dado que
os corpos negros são os veículos dessa herança. Talvez por isso sejam as
influências mais marcantes da cultura africana.
56
Capitulo 2
Mario de Andrade
32
O sentido de ritmo nesse trabalho é exatamente sua acepção popular. No caso apenas do Brasil, essa família é
enorme, e conta, entre muitos outros, com o Baião, Xote, Xaxado, Maracatu, Congada, Afoxé, isso sem
mencionar a própria família do samba, que conta com mais de dez denominações diferentes.
33
Na Enciclopédia de Música Brasileira da Publifolha, estão listados 13 tipos ou variedades de samba, embora
nesse caso, estas especificações nem sempre são baseadas em critérios musicais, e sim sócio-culturais.
58
34
Entenda-se por variações aqui as nuances, as pequenas modificações pelas quais, ao decorrer da execução,
pode uma linha rítmica variar.
35
Essa discussão toma muito tempo de diversos autores e artistas ligados ao samba, inclusive Hermano Vianna.
Como cientista, não toma posição, e sim discute o tema. Nesse trabalho, o fato é que não interessa a polêmica, já
que o foco é conhecer melhor o samba e, se possível, seus próprios paradigmas musicais.
59
Como maior componente inicial do ‘quente’ ritmo africano, então, nós temos
as polirritmias percussivas (Waterman, 1943, p.25).
36
Ver Sodré, 1998, Mukuna, 1975, Sandroni, 2001
60
37
Em 1320, Philip de Vitry publica o “Tratado Ars Nova”, em que pela primeira vez aparece organizado o
sistema de notação de durações empregado até hoje.
61
Exemplo 1
Interessa aqui o conceito que todo o acento que reforça a pulsação é tido
como primário. A idéia é que uma vez definido o pulso, se os ataques das notas
coincidem com o pulso ou com divisões simples como da metade ou dobro, a
natureza desses será cométrica. Em outras palavras, quando os acentos de um
ritmo coincidem frequentemente sobre a própria pulsação, o nível métrico primário,
esse ritmo é denominado cométrico.
Em oposição, toda vez que a acentuação ocorre em tempos “fracos”, a
princípio mais “inesperados” na medida em que não reforçam o pulso original,
define-se a noção de síncopa. Nesse trabalho denomina-se sincopação essa forma
de relacão que troca o apoio a marcação pelo ato de deslocar o acento e, de certa
maneira, colocá-lo em um ponto que crie surpresa38.
E, se num determinado tipo de música, os acentos tendem a ser
constatemente colocados nestes momentos “inusitados”, como é o caso do samba,
pode-se determinar o estilo como sendo de características contramétricas.
Waterman concorda e coloca de maneira mais sintética a contrametricidade
de fraseado “off-beat”, o que pode-se traduzir como “fora do pulso”.
Vale mencionar que na Àfrica, universo cultural e musical onde esses ritmos
nasceram, não havia nem mesmo a idéia de pulsação no sentido ocidental do
termo. Tanto cometricidade como contrametricidade são conceitos que só existem
dentro de uma visão letrada e analítica de música.
No exemplo 2, pode-se verificar que a escrita usual, quando utilizada para os
ritmos de origem africana, resultam numa notação complexa, através de recursos
tais como ligaduras de valor e pontos de aumento. Vale lembrar que, ainda assim, a
escrita é apenas uma aproximação. A partitura completa consta no anexo IV.
38
Essa é uma definição do trompetista Wynton Marsalis, músico que no mesmo ano foi agraciado com dois
prêmios Grammy, um em música erudita e outro em Jazz.
63
Exemplo 2
39
Existe, entre os músicos do cenário instrumental paulistano atual, toda uma terminologia ainda não
formalizada, mas compreendida por todos.
64
Exemplo 3
Exemplo 4
Portanto, o assunto deve ser colocado por dois prismas que se somam. Um é
o fato de que a escrita musical é, até certo ponto, inadequada para os ritmos
africanos, inclusive porque os entende como contramétricos, ou seja, contra uma
suposta métrica padrão. Outro aspecto é entender que, para a música brasileira em
que o ritmo tem origem africana, a contrametricidade é regra. Acontece todo o
tempo, é característica dela.
O que não se deve deduzir apressadamente é que, pelo fato de ser
transmitida por via oral esta música é menos complexa. Ela apenas deve ser
analisada por outro viés, inclusive para que se possa dimensionar, dentro de seu
próprio universo, quais são mais ou menos sofisticadas, ou de maior ou menor
qualidade. Vale dizer que o uso ostensivo de síncopas caracteriza uma rítmica
altamente contramétrica, mais fácil de ser aprendida por meio da oralidade, do que
através da leitura musical propriamente dita. E assim, quanto mais contramétrica,
mais interessante dentro desse universo sonoro.
Essa questão se defronta com o fato de que esse conhecimento transita em
meios sócio-culturais que muitas vezes não estão interessados em processos de
análise, lembrando De Certeau, porque “trata-se de um saber não sabido”40 (1994,
p. 143).
40
O professor Dr. Carlos Stasi, em sua pesquisa sobre o reco-reco nas festas populares do Brasil, certa vez, ao
ouvir determinado músico amador tocando tal instrumento, ficou tão interessado naquelas células rítmicas que
pediu autorização para visitá-lo no dia seguinte com o intuito de escrever aquelas figuras. Porém, durante a
visita, o músico não conseguia repetir o que tocava no dia anterior. Indagado por que, o músico respondeu: não
dá, eu só consigo com todos tocando junto. O fato me foi descrito pelo professor.
66
genérica, mas que serve no momento para discutir um pouco questões relacionadas
a ciclicidade.
41
Como exemplo, pode-se observar o primeiro movimento de qualquer das nove sinfonias de Beethoven.
67
Assim, a forma sonata até certo ponto abre mão da ciclicidade para que se
introduza um grande desenvolvimento em sua parte central, ainda que mantenha a
volta ao tema no final dessa como característica cíclica. Já no início do século
passado, os franceses escreveram “poemas sinfônicos”42 com um grau enorme de
desprendimento em relação a ciclicidade ou mesmo aos conceitos de forma.
Na música popular, a ciclicidade em termos formais acabou limitada pela
herança tonal portuguesa, base do samba em seu formato canção.
Essa ciclicidade em nível formal faz com que a grande maioria das canções
populares funcione na métrica cíclica de 32 compassos, a chamada forma canção,
exemplificada acima.
Faz-se necessário então diferenciar os conceitos de ciclicidade. A música
ocidental erudita começa mais ligada a ciclicidade. Essa é devido a vários fatores,
que sofrem modificações ao longo da história. Um desses é exatamente a
sistematização do tonalismo, que, por muito tempo, esteve vinculado a uma
obrigação de se concluir trechos musicais no acorde de tônica. Esse paradigma gera
uma sensação de resolução que, caso não seja o fim da peça, propicia uma
inevitável sensação de recomeço.
Entretanto, sua evolução segue em direção a um desprendimento desse
senso cíclico. A própria evolução da composição, principalmente do período barroco
em diante, foi gradualmente propondo outras possibilidades mais abertas. E ainda o
desenvolvimento de formas instrumentais mais “puras”, que não se prendiam a
certas quadraturas necessárias às danças, contribui para a evolução das formas
musicais.
Na música popular, em especial na canção samba, vários fatores, tal como a
quadratura estrófica, deixam-na realmente presa e limitada a um espectro restrito de
possibilidades formais. Isso é um dado verificado até hoje, pois se nota que não
existe praticamente nenhuma inovação formal nesse contexto.
42
O poema sinfônico é uma forma considerada moderna de composição, em que a liberdade de criação é tal que
não é necessário que se repitam partes da peças, ou que se retome o tema ao final. Como exemplo, pode-se citar
“La Mer”, de Claude Debussy.
68
43
Embora esteja se referindo ao samba rural paulista, Mario de Andrade observa: “instrumentos
sistematicamente de percussão, em que o bumbo domina visivelmente”. Mais modernamente é que o bumbo veio
a ser chamado surdo.
44
A clave, ou chave, é exatamente a linha rítmica que mais marca ou caracteriza determinado ritmo.
69
Exemplo 8
Exemplo 9
Nesse processo, vão se criando ciclos e períodos que se tornam novos ciclos,
e assim sucessivamente. Como tudo é improvisado, dentro dos rigores da
linguagem, o resultado musical influencia e é influenciado pelo contexto humano
onde acontece. Assim, os resultados variam de acordo com espaço e tempo.
Assim, por questões fisiológicas, rituais, funcionais ou temporais, o ritmo pode
se manifestar de diferentes maneiras. Isso não quer dizer que o contexto mude
necessariamente as figurações rítmicas utilizadas. Mas como existe certa liberdade
formal, dado que é uma manifestação musical que não está pré-determinada em
partitura, existe uma variedade que se refere ao andamento, a intensidade e ao
timbre. Os dois primeiros estão mais à mercê da disposição física dos executantes, e
o terceiro se modifica dada a instrumentação disponível no momento.
A idéia de construção de um todo linear, seja num livro, num filme, numa
canção ou numa palestra é uma presença marcante em toda a “cultura ocidental”.
Em geral parte-se do princípio de que algo bem construído tem que ser introduzido,
desenvolvido, atingir seu ponto culminante, e finalmente chegar as suas conclusões.
Ora, isso é um paradigma cultural que só a partir de meados do século
passado começou a ser questionado. Será que a percepção é linear? O que pode se
afirmar com tranqüilidade aqui, sem a pretensão de discorrer sobre áreas que não
são objeto deste estudo, é que a percepção do ritmo é não linear.
Sem entrar na questão “mítica” mencionada pelo autor, o que se deve levar
em conta por hora é que esta não linearidade influencia sobremaneira a maneira de
ouvir, sentir e perceber esta música. Não existe no ritmo uma idéia de começo meio
e fim, portanto de passado, presente e futuro. Não se trata de uma peça em que
existe uma expectativa em relação ao seu ápice, ou a chegada do refrão.
Nesse viés, o ritmo privilegia a noção psicanalítica do estar “aqui e agora”, um
mergulho na temporalidade em si mesma, já que abre mão tanto de atingir um ponto
culminante, como de funcionar dentro de uma estrutura lógica formal.
71
ele tonal, seja ele pano de fundo de um samba enredo ou bossa nova - já o
submetem a essa perspectiva linear.
O que é importante salientar aqui é que um ritmo existe muito além da
canção, portanto mais livre do conceito formal fechado tonal europeu, ou mesmo de
outras formas cantadas do samba mais “antigo”, tal como estrofe/refrão, solo/grupo,
etc.
Essa liberdade que o ritmo como um fim em si mesmo possui permite que
sua percepção aconteça de forma não linear, e provavelmente é isso que dá
margem ao grande leque de efeitos atribuídos ao mesmo, tais como hipnótico,
catártico, entre outros.
No ritmo do terreiro, na batucada, na música percussiva instrumental, não há
tema. A clave não é o tema, é o micro-ciclo ao qual não se pode sequer atribuir
começo e fim. Não há conclusão; se há disposição física, em principio ele poderia
continuar infinitamente. Sua construção se inicia da mesma maneira que se
desenvolve. Cada retrato é um fim em si mesmo, cada som convida a um mergulho
no que vai se seguir, e assim não existe expectativa, apenas transe.
Todo som que o indivíduo emite reafirma a sua condição de ser singular,
todo ritmo a que ele adere leva-o a reviver um saber coletivo sobre o tempo,
onde não há lugar para a angústia, pois o que advém é a alegria
transbordante da atividade, do movimento induzido (SODRÉ, 1998, p. 21).
Exemplo 10
E ainda:
Nós, usuários da escrita moderna, é que temos crenças especiais sobre a
leitura e a interpretação que fazem com que outras orientações pareçam
equivocadas ou primitivas (Id. Ibid., p.116).
Existe, a partir daí, uma margem para se afirmar que o fato de uma expressão
artística se dar via oralidade não pressupõe nenhuma hierarquia em relação a
outras, no que se refere a sua complexidade. Todavia, o grau de elaboração,
também nesse aspecto, deve ser avaliado por um viés diferenciado.
As culturas que não dispõem de escrita para preservar palavras não só têm
recursos físicos para preservar a informação factual como também
empregam recursos poéticos, inclusive recursos simbólicos, como a
homofonia, a metonímia e a metáfora para tornar “memoráveis” as
informações mediante a preservação de sua forma verbal (Id. Ibid., p. 116).
74
Essa referência serve para colocar não só que há preservação, mas também
que, dependendo do tipo de conteúdo, o nível de precisão quiçá será maior. Esse
parece ser o caso dos ritmos. Como suas células têm origem nesse passado
arquetípico, sem nenhuma relação com a escrita, sua transmissão será mais eficaz
via oral.
Isso significa que toda a concepção das células rítmicas do samba aconteceu
antes ou fora do conceito letrado de rítmica, de divisão musical, portanto livre de
uma certa matematização destes padrões ou células rítmicas.
Novamente a literatura sobre a música popular se constrói acerca de
discussões sobre células rítmicas “escritas”, e por falta de fontes de outra sorte, até
mesmo pesquisas sobre como deveria ser determinado ritmo em uma época
específica foram feitas sobre arquivos musicais escritos. Isso pode até auxiliar na
determinação de algumas das figuras básicas utilizadas, mas as sutilezas que
caracterizam um ritmo não podem ser abarcadas pela escrita. A escrita não inclui as
variações, o ritmo estava submetido à canção, não há notação polirrítmica, apenas
para mencionar alguns parâmetros já citados.
O que se percebe então é que, quando um processo de composição, bem
como o de posterior leitura e execução, nasce dentro de um parâmetro matemático
de tempo, como é o caso da musica ocidental e sua notação,o resultado terá um
grau de vinculação muito grande a essa forma de conceber a divisão musical. Nesse
sentido, a técnica influencia sobremaneira o resultado artístico.
Já no caso da música transmitida de maneira oral, as figuras rítmicas, embora
possam ser escritas de maneira aproximada, estão absolutamente livres de qualquer
noção cartesiana de divisão do tempo em sua concepção primeira. Ao nascer numa
cultura em que toda a aprendizagem se dá por via oral, o que se repete é o que se
ouve, não sendo necessário que se decodifique, no sentido métrico ocidental, o que
está sendo executado.
As células rítmicas, os acentos e variações são pincelados sobre o tempo.
Não se podia nem mesmo num contexto mais ancestral, definir algo como sendo a
pulsação. Essas figuras musicais não estão necessariamente nem longe nem perto
da escrita, apenas não a levam em consideração.
A dificuldade enfrentada aqui só pode ser sanada através do anexo II da
presente pesquisa, onde se poderá fazer a comparação entre uma mesma célula
75
O cantador aceita a medida justa rítmica justa sob todos os pontos de vista
a que a gente chama Tempo mas despreza a medida injusta ( puro
preconceito teórico as mais das vezes) chamada compasso. E pela adição
de tempos, talequal (sic) fizeram os gregos na maravilhosa criação rítmica
deles, e não por subdivisão que nem fizeram os europeus ocidentais com o
compasso. (1962, p. 36)
Visto sob esse prisma, o “eu”africano só existe quando esta enquadrado por
outros elementos ( sociedade, mito, terra, etc) que o completam; é o
existente, que é um conjunto do ser com todos os elementos imaginários
que constituem seu cosmo – é o conjunto de valores vitais de sua tradição
que completam sua identidade (MUKUNA, 2000, p.200).
Nota-se, pela epigrafe acima, que Jinga era uma personalidade africana, meio
histórica, meio lendária e, como mostra Cascudo, presente até hoje em inúmeras
cantigas populares, principalmente as Congadas.
Numa definição para suingue, lê-se: “Elemento rítmico do jazz, de pulsação
sincopada, e que caracteriza esse tipo de música”. Nessa, como era se esperar, não
há menção do que seja esse elemento, apenas que se refere a alguma
característica rítmica peculiar.
De fato, ginga, suingue, balanço, bossa, jogo de cintura, são todas
expressões usualmente empregadas no Brasil em inúmeros contextos tais como
futebol, música e, até mesmo, na maneira de lidar com a vida e as situações que ela
oferece. Tem-se a impressão também de que existe uma compreensão disso.
Principalmente entre os músicos populares, a expressão é empregada como sendo
um fator objetivo: determinado músico tem suingue, outro não.
Mas existe uma definição? O que é exatamente ginga? Será possível uma
definição musical mais precisa?
mas o que se propõe aqui é exatamente partir de outras premissas, para que se
torne útil versar sobre o assunto.
A questão da inconsciência é sutil: inconsciente é menos que consciente?
Mario de Andrade a considera inconsciente pelo fato de ser domínio público ou
étnico? Não se pode aprofundar questões relacionadas à consciência, pois essa é
uma discussão fora do campo dessa pesquisa, mas inúmeros pontos podem ser
frisados num viés musical.
O primeiro aspecto a se considerar se refere à própria idéia de transmissão
oral de figuras rítmicas. Como já colocado, se um indivíduo aprende música pelos
moldes formais, via escrita, tenderá sempre a traduzir matematicamente as
figurações rítmicas que tem de executar. Novamente, a técnica influencia
diretamente o resultado. Portanto, se a aprendizagem da rítmica e a própria
concepção da notação se dá por moldes métricos matemáticos, essa é sua
referência técnica, seja no ato da escrita ou da execução dum texto musical.
Em oposição, se outro indivíduo aprende via oralidade, não há qualquer
preocupação rítmica com relação o ritmo. O que acontece é uma aprendizagem
dessas figuras via imitação, e com isso, a preservação de qualidades sutis e
ancestrais dessas células que simplesmente “acontecem” no tempo. A tentativa de
escrevê-las será sempre uma aproximação. Um músico que conhece determinado
ritmo, ao lê-lo, sabe transpô-la de volta à vida com seu “sabor” original. Caso
contrário, restará apenas uma figura rítmica entre várias, provavelmente equivocada
em sua acentuação, na duração de cada figura e na sua colocação em relação ao
tempo.
Vimos acima que este traço formal - a maior ou menor contrametricidade
das varias versões de uma mesma melodia – pode ser relacionado à maior
ou menor pertinência dos enunciadores à tradição oral ou erudita. Em outras
palavras, as diferentes versões rítmicas não são socialmente neutras
(SANDRONI, 2001, p.215).
Exemplo 11
45
Embora se possa verificar no capítulo 3 algumas dessas variações, seria uma contradição afirmar que essas
seriam percebidas apenas via escrita, pois isso vai de encontro às afirmações feitas aqui. Já no anexo que contém
as gravações, com acuidade auditiva, percebe-se tal fenômeno.
83
Capítulo 3
A inclusão desse cumpre dois objetivos: explicitar um ritmo muito citado que
não foi descrito por nenhum deles e demonstrar, através dele, atravessamentos que
se referem à hipótese central desse trabalho.
Pelo Partido Alto pretende-se percorrer uma trajetória que se inicia no terreiro,
no samba em seu estado batucada, somente percussivo, e que se apresenta como o
denominador comum desse percurso. Daí, ele vai dialogar com a obra de Paulinho
da Viola, num samba de caráter “canção”. Num terceiro momento, nota-se a
presença dessas mesmas células rítmicas na obra de Tom Jobim, encerrando tal
trajeto numa composição de música instrumental popular brasileira do Grupo Terra
Brasil.
Pesquisas acerca do assunto propõem algumas células rítmicas
fundamentais dentro da música brasileira, em especial do samba. Mukuna (2000),
em sua investigação acerca do que poderiam ser elementos musicais de origem
Bantu presentes na música brasileira, detecta duas “time lines”:
Exemplo 1
Exemplo 2
Essas figuras resumem uma parte dos ritmos brasileiros, em especial aqueles
relacionados ao samba. E essa constatação independe da necessidade de
averiguação da origem das mesmas. Quer dizer, para o que se pretende agora não
é necessário determinar se são ou não oriundas da África.
85
46
“(...) penso que o segundo paradigma demorou mais a ‘ pular a fronteira’ (por assim dizer) que separa a
música folclórica da música popular, por ser muito mais contramétrico que o outro (Sandroni, 2001, p. 221)”.
47
Existem inúmeros “toques” de berimbau, inúmeras células rítmicas. Mas a maioria tem a colcheia no segundo
tempo, característica marcante do chamado “samba antigo” ou rural.
48
Maneira habitual entre os músicos de se denominar um ritmo.
49
Já discutido no segundo capítulo a concepção de síncopa. Aqui o termo é usado genericamente para a
figuração semicolcheia/colcheia/semicolcheia.
86
Exemplo 3
Exemplo 4
ou
50
Não se pode deixar de observar que nomenclatura interessante para esse instrumento; treme-terra. Sua origem:
um grande tronco oco ou uma barrica de navio com um couro esticado.
88
Exemplo 5
Em suma, não cabe aqui discutir se isso era considerado ou não o ‘samba’
legitimado pela historiografia tradicional. Não existia um samba, mas uma gama de
matizes diversos: marchas, maxixes ou lundus? Não se pode afirmar muito, em
89
Em primeiro lugar, deve-se observar que a linha grave, dos surdos, tem seu
ciclo em um compasso. Pode-se averiguar que o tempo forte é o segundo. Embora
isso contradiga a tradição européia que supõe ser o primeiro tempo o mais forte, é
realmente o que acontece no samba51.
O primeiro tempo aparece como o abafamento da pele do instrumento depois
do acento percutido no segundo tempo anterior, ou ainda como um ataque, porém
sempre com o ‘couro’ abafado.
Ainda não se chamou atenção para essa mudança de concepção do que é o
tempo forte. E sua relevância se incrementa na medida em que essa acentuação
muda a percepção da própria “time line”. Na faixa “Samba Quente”, por exemplo,
transcrita na íntegra no anexo II (p. 120), e ouvida na faixa 3 do anexo V, pode-se
observar do início ao fim da peça o acento da linha grave no segundo tempo.
Exemplo 6
51
Aliás, não só no samba, mas esse é o caso do Jazz. Escrito em 4/4, todos os praticantes desse estilo
musical sabem que os tempos forte são o dois e o quatro.
52
Em geral se atribui ao baixista Luizão Maia essa concepção, essa maneira de tocar o contrabaixo.
91
3.2.2 As semicolcheias
Exemplo 7
Caso se exclua as cabeças de tempo, que têm por função executar a linha
grave, o resultado é:
Exemplo 8
Exemplo 9
Muitos músicos tocam essas conduções por horas, dias, meses e anos a fio.
O grau de detalhamento que se pode alcançar nessa prática é impossível de ser
escrito. E mais, quando a aprendizagem se dá na primeira infância, incorpora-se
93
sutilezas sem fim, que só mesmo a transmissão oral é capaz de efetivar. A título de
ilustração, ouvir o anexo V, faixa 4.
Sobre o último ponto, existe um paralelo interessante que pode ser traçado.
Estudos médicos mostram que se o indivíduo é criado numa língua que não tem
determinado som, além de não conseguir reproduzi-lo depois de adulto, não
consegue nem mesmo reconhecê-lo. Talvez isso explique por que é tão difícil para
um sujeito de outra cultura aprender esses atributos sutis do que está se chamando
de ginga.
A confusão que não deve ser feita é exatamente nas relações entre oralidade
e grau de detalhamento. Numa concepção linear53, a escrita possibilita um grau de
detalhamento formal estrutural geral que não seria possível sem ela. Em oposição,
esses “sotaques”, essas minúcias, esses leves toques, são um componente
fundamental do que se quer fazer demonstrar aqui: a complexidade de um ritmo. E
nesse caso, isso só é possível via oralidade, onde a escrita se configura como
registro quase caricato dessas estruturas.
53
Cf. introdução, 2.4.
54
Sem mencionar a síncopa, que será tratada a parte no próximo item.
94
Exemplo 10
Exemplo 11
55
Mukuna menciona Kubik
95
Exemplo 12
Colocando de outra forma, os dois tipos de samba até aqui analisados têm
como menor fragmento que ainda detém a essência do todo, a figura musical acima
descrita.
Essa figura pode aparecer em inúmeras formas, de efeito similar.
Exemplo 13
ou
Exemplo 14
56
Ao utilizar o termo “linguagem”, não existe nem intenção nem pretensão de adentrar em qualquer esfera
semiológica ou lingüística, apenas utiliza-se o termo com freqüência no contexto de arranjo.
97
Exemplo 15
57
Adote-se a abreviatura asq (acento no segundo quarto de tempo).
98
Exemplo 16
Exemplo 17
Exemplo17
Legenda:
asq: acento no segundo quarto de tempo. Obs: também é uma transferência do ponto
de apoio.
58
Essa melodia foi transcrita por mim, baseada na interpretação do próprio autor.
59
No sentido que De Certeau aplica ao conceito de trampolinagem.
100
Exemplo 18
Exemplo 19
Isso por que são como que colcheias, deslocadas uma semicolcheia em relação à
pulsação.
Em suma, a análise quer mostrar uma serie de fatores já vistos, e que podem
ser enumerados conjuntamente:
Primeiro: a síncopa é a célula básica, o impulso motriz60, a figura mínima
aonde ainda se pode distinguir aspectos da natureza do samba.
Segundo: o alto grau de contrametricidade, dada a recorrência de acentos
fora da pulsação, chamados então “transferências dos pontos de apoio”.
Terceiro: tudo deve ser considerado com uma concepção sui generis de
tempos fortes de compasso. Como já visto, o tempo forte característico é o segundo.
Quarto: impossível de ser detectado via escrita, por inúmeros fatores já
colocados aqui, a “ginga” característica é uma qualidade intrínseca desse tipo de
universo ritmo. Pode-se considerar uma forma de detectar a ginga a distância entre
a escrita e a execução. Com a partitura em mãos (anexo IV, p. 140), e a gravação do
próprio autor (anexo V, faixa 7), observa-se à forma com a qual o autor interpreta o
samba.
O fator ciclicidade, e sua concepção “não linear”, não pode ser observado,
pois o que se vê aqui é uma análise de características do samba através da
estrutura rítmica da melodia. Como já visto, uma vez dentro de uma quadratura
estrófica, das amarras de uma canção, não se pode notar esse aspecto peculiar,
apreciável apenas quando o ritmo está em seu formato “batucada”.
60
Motivo, moto, movimento.
102
Já no caso do samba “moderno”, sabe-se que existe uma forte relação entre a
consagração dessa figuração (exemplo 2, p. 84) como sendo o samba geralmente
aceito com tal, e a fixação da idéia de autoria. Os dois acontecimentos têm uma
explicação comum: o início da era do rádio e das gravações.
É um processo praticamente simultâneo, pois, se o alcance do rádio gera a
homogeneização da idéia do que é o “verdadeiro samba”, os interesses econômicos
desse novo veículo de comunicação implementaram a necessidade de fixação da
autoria.
Isso por que enquanto não havia formas de registro em áudio e tampouco sua
conseguinte difusão, o processo de autoria se dava via edição de partituras, portanto
pela música que se escreve. Mas agora, a possibilidade de gravar significava que se
podia registrar qualquer evento sonoro. E alguém tinha de ganhar com isso. Um
samba que fosse supostamente criado coletivamente, podia então ser gravado e ter
sua autoria atribuída a quem a pleiteasse62.
Entre esses dois extremos, domínio público e autor determinado, como se
encaixa o Partido Alto? Segundo sambistas “tradicionais”, este se caracteriza por
ser uma espécie de jogo, onde há uma parte fixa da letra, e outra improvisada. Uma
espécie de desafio, onde um solista propõe e o coro improvisa.
Esse tipo de traço pode ser atribuído não só a outros tipos de samba, mas até
mesmo a música africana, responsorial63 por excelência. Se no procedimento em
relação à letra, o Partido Alto está à meio caminho entre o samba “antigo” e o
“novo”, é isso o que acontece em termos de estruturas rítmicas.
61
Texto, no sentido de como as “letras”, as palavras, eram dispostas nos diferentes tipos de samba detectados
tratados aqui.
62
É famosa a frase atribuída a Sinhô “Samba é que nem passarinho, é de quem pegar”.
63
“O solista canta, canta no geral bastante incerto, improvisando. O seu canto, na maioria das vezes é uma
quadra ou dístico. O coro responde. O solista canta de novo. O coro torna a responder” (Andrade, 1991, p.116)
103
Exemplo 20a
Exemplo 21
Exemplo 22
Ex
exemplo 24: Time line 2
E
exemplo25: Time line 3
105
sonoras, tem uma relevância parcial. O que se deve considerar primeiro é se tais
configuram mudanças que aviltam a natureza das figurações ou são apenas outras
possibilidades dentro de um determinado conjunto. Por exemplo, a ausência do
acento na cabeça do tempo não tem nenhuma conotação importante.
Também as características mais gerais como a ciclicidade, a
contrametricidade e a ginga, são mais marcantes do que a exata figuração. Claro
que isso aproximaria demais o samba de outros ritmos afro-americanos. Mas muito
do que foi pesquisado aqui se aplica também a eles, já que muito mais que as “time
lines” específicas, o que se tem é um tipo de construção musical oriunda de âmbitos
culturais similares.
Além disso, a questão dos atravessamentos fica mais clara: um ritmo pode
estar mais em evidência, outro pode ser considerado como o “verdadeiro”, mas, se
os interesses recaem em preocupações musicais, o fato principal é que muitas
dessas estruturas continuam ativas, vivas, e sendo cultivadas no universo sonoro
brasileiro.
O grau de sofisticação harmônico/melódico, bem como da poética
empregada, não tem relação com o uso da figura rítmica. Ou seja, pode-se variar o
primeiro enquanto se mantém a segunda.
A seguir, a transcrição de trechos rítmicos desses quatro momentos,
mostrando o uso das figurações rítmicas do Partido Alto, em contextos musicais
muito diferentes. Interessante também acompanhar as gravações no anexo V,
respectivamente faixas 6,7,8 e 9.
Exemplo 26
Exemplo 27
Exemplo 28
oralidade tende-se a iniciar por uma anacruse64, pois nessa tende-se a ouvir o tempo
dois como primeiro, e ainda porque iniciar assim comporta a transferência do ponto
de apoio.
Essa consideração vale também para os tamborins, que são usados de forma
intermitente, um uso de “arranjador”, no sentido do que seria exatamente o mais
adequado a cada trecho da peça. Na oralidade, a tendência é que simplesmente se
mantenha a clave, a “time line”, do início ao fim da peça. Nesse arranjo, usa-se mais
o tamborim como timbre, com figurações rítmicas ligadas ao samba, mas dispostas
de forma linear65, com a intenção de se atingir pontos culminantes.
64
A definição escolástica de anacruse é: Notas ou notas que, no início da peça musical, se realizam no tempo
fraco e antecedem o primeiro tempo forte do compasso inicial. Mas deve-se apontar o fato de que na oralidade, o
próprio conceito de tempo forte esta em discussão.
65
No sentido discutido no capítulo 2.4.
111
Exemplo 29
Conclusão
Bibliografia
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