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© 2009 by Maria L. L. Weiss e Alba M. L. Weiss Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Revisaéo Gramatical: Luciola Medeiros Brasil Capa e Projeto Grafico: 2ébom Design Desenho utilizado na Capa: Paula Weiss de Souza Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacaéo (CIP) OO W456v Weiss, Maria Lucia Lemme Vencendo as dificuldades de aprendizagem escolar / Maria Lucia Lemme Weiss - RJ: Wak Ed., 2009. 172p.: 21cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-7854-076-0 1. Psicopedagogia. 2. Disturbios da aprendizagem. I. Weiss, Alba Maria Lemme. II. Titulo. 09-4746, CDD 370.15 CDU 37.015.2 LEER 2009 Direitos desta edigao reservados 4 Wak Editora Proibida a reprodugao total e parcial. Os infratores serao processados na forma da lei. WAK EDITORA Av. N. Sra. de Copacabana 945 - sala 107 - Copacabana Rio de Janeiro - CEP 22.060-001 - RJ Tels.: (21) 3208-6095 e 3208-6113 Fax (21) 3208-3918 wakeditora@uol.com.br www.wakeditora.com.br \VENCENDO AS DIFICULDADES DE APRENDIZABEM ESCOLAR Af A grande repeténcia nas classes de alfabetiza- ao e nas primeiras séries do 1° grau (Ensino Fun- damental) de escolas publicas do Rio de Janeiro pre- ocupa nao s6 as autoridades competentes mas também aos educadores de modo geral. Inimeros estudos, feitos por especialistas, localizam causas nas deficiéncias do sistema escolar ou em aspectos soci- oeconémico-culturais dos alunos. Uma outra ordem de explicagées pode ser encontrada por meio de es- tudo psicopedagégico das dificuldades de aprendi- zagem escolar. A Psicopedagogia tendo como objeto proprio o aprendiz, sujeito vivenciando 0 seu processo de aprendizagem, vai concentrar as explicag6es dos obs- taculos 4 aprendizagem em diferentes dominios (or- ganico, cognitivo, afetivo e social) do individuo em sua interagdo com o meio ambiente e, especificamente, o escolar, 0 que inclui 0 pedagogico. ® Comunicagio feita no I ENCONTRO INTERDISCIPLINAR DE LEITURA, pro- movido pela Universidade Estadual de Londrina, Parand, abril de 1984 e publicada integralmente em sua forma original nos ANAIS, UEL - Londrina 1984, p.277-282 no Boletim da Associagao Estadual de Psicopedagogos de Sao Paulo, Sao Paulo, ano 3, n°, 5, agosto 1984, p.17-20. 26 MARIA LUCIA LEMME WEISS / ALBA WEISS Alinha tedrica que subsidiard o relato desta expe- riéncia é a da Epistemologia Convergente proposta pelo psicopedagogo argentino Jorge Visca, que tem como pontos basicos: 1- A Epistemologia Convergente é 0 esquema conceitual configurado em virtude da assimilagdo re- ciproca dos aportes das Escolas Psicanalitica, da de Genebra (Jean Piaget) e da Psicologia Social Operativa (Pichon-Riviére, J. Bleger), realizados sobre 0 objeto de estudo da Psicopedagogia. 2 - A personalidade se caracteriza por ser uma configuragao construida a partir da interagao da organi- zacao biolégica com o meio; configuragéo que em sua génese constitui uma totalidade indiscriminada e que, em virtude da evolucdo, se diferencia em sistemas. A personalidade possui uma unidade funcional, mas nao estrutural, devido A coexisténcia de sistemas com dis- tintos graus de desenvolvimento. 3 - A aprendizagem seria um conjunto de opera- des por meio das quais a conduta se modifica e se estabi- liza em sucessivos niveis de organizagao, sendo que cada um dos quais, ao mesmo tempo em que implica os prece- dentes, estrutura-se mediante respostas, em fungdo das informacées recebidas do meio, atingindo progressivos graus de complexidade e de diferenciacao. (VISCA, 1970) 4 — Dentro da concepgao tedrica adotada, fica im- plicita a impossibilidade de causa unica, gerando o pro- blema de aprendizagem, sendo necessdrio que se tenha em vista sempre a ideia de pluricausalidade gestaltica. 27 \VENCENDO AS DIFICULOADES DE APRENDIZAGEM ESCOLAR Nessa linha de abordagem, a caracterizagao dos obstacu- los 4 aprendizagem visa facilitar 0 processo de avaliacgao €, posteriormente, 0 de tratamento, por meio da hierar- quizacao do que deva ser considerado como obstaculo dominante e como coadjuvantes (visao de pluricausali- dade). Assim, os obstaculos patolégicos propostos e com os quais frequentemente lidamos podem ser sintetizados: a - obstaculo epistemofilico, levantado a partir da teoria psicanalitica, estaria na area dos vinculos afetivos que o sujeito estabeleceria com os objetos e as situacdes de aprendizagem, podendo, assim, quan- do inadequados, impedir ou dificultar a prépria aprendizagem (foco da Psicandlise); b - obstaculo epistémico estaria ligado a aspectos da estrutura cognoscitiva (lentificagao, parada no desen- volvimento, defasagens etc.) que € a responsdvel pelo nivel de competéncia do individuo, portanto definindo suas verdadeiras possibilidades de aprendizagem de cer- tos contetidos, de desempenho (foco da Epistemologia Genética de Piaget); c - obstaculo funcional que abrangeria um con- junto relativamente heterogéneo de alteracgdes, em que as causas ainda nao estariam bem definidas den- tro da proposta inicial, envolveria, por exemplo, cer- tas alteragdes na antecipacio ou na discriminacao, possuir condig6es cognitivas, mas funcionar abaixo do que pode. (VISCA, 1970) Como os problemas de leitura envolvem frequen- temente aspectos culturais, seria importante ressaltar a 28 MARIA LUCIA LEMME WEISS / ALBA WEISS existéncia do obstaculo epistemolégico caracterizado por Bachelard, retomado por Pichon-Riviére e valori- zado por J. Visca ao por em evidéncia a influéncia da cultura como fator de resisténcia a certas mudangas (foco da Psicologia Social Operativa). Esse posicionamento teérico norteia o trabalho da equipe de Psicopedagogia, do SPA da UERJ, como j4 foi explicado no texto 1 deste livro e, também, na realizacao de diagnésticos e tratamentos na minha cli- nica particular. Tentaremos exemplificd-lo por meio de alguns relatos: Caso 1: Dora, de oito anos de idade, foi levada ao servico por sua tia, com a “queixa” de que frequentava durante trés anos a Classe de Alfabetizacao sem, con- tudo, ter conseguido se alfabetizar. A avaliacao psico- pedagégica revelou vinculo negativo com leitura e escrita e oscilagées no dominio cognitivo das classifi- cagées, intersecdes e inclusées de classe, sem apresen- tar outras deficiéncias. Verificou-se que, aos seis anos, na €poca em que entrara para a escola e iniciava a alfa- betizagio, aconteceram a morte do pai € a desorgani- zacdo da familia; vivia atualmente com tios. Os professores da época nao souberam lidar com a ques- tao emocional de Dora que depositou na aprendiza- gem escolar as suas dificuldades do momento, faltou acolhimento da escola e uma tentativa de ajuda-la. Oatendimento psicopedagégico focalizou o aspec- to relacional, construgao de vinculos positivos, prazeto- Sos com objetos de aprendizagem escolar, por meio do 29 \VENCENDO AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESCOLAR desenvolvimento de atividades lidicas, de construcao com materiais diversos de sucata e, também, grafico em geral (jornais, revistas, livros, lapis de cores, pa- péis etc.), letras de plastico imantadas e tabuleiro para jogo de matrizes, que possibilitaram o livre exercicio de atividades expressivas ¢ classificatérias, tendo como consequéncia a formagio de vinculos adequados com a leitura e a escrita, um maior interesse nas atividades de cunho escolar e 0 crescimento cognitivo. Dora estabeleceu um excelente vinculo com o tera- peuta que Ihe deu o acolhimento de que necessitava e com o material usado, emergindo grande interesse pela leitura, 0 que possibilitou um progresso significativo na escola ptiblica que frequentava; j4 era capaz de fazer in- clusio de classes (cognitivo), palavras nos textos (peda- gégico) e “sua propria inclusdo” na nova familia (afetivo). Caso 2: Jorge, jovem de 15 anos, repetia pela quar- ta vez a 5? série do 12 grau (Ensino Fundamental) em turno diurno. Buscou atendimento psicopedagégico por apresentar grande deficiéncia em leitura e escrita (“quei- xa explicitada”). Sua compreensao na leitura de textos era praticamente nula. Nao apresentava obstaculos na area cognitiva, estando j4 com pensamento formal, abs- trato, bem desenvolvido e nao apresentava também pro- blemas organicos. Seu caso caracterizava-se com a dominancia do obstaculo epistemofilico, pois, confor- me declarava, tinha “horror a ler qualquer coisa”. Oatendimento psicopedagégico desenvolveu-se por meio de atividades que permitiram sua livre expressao, 30 MARIA LUCIA LEMME WEISS / ALBA WEISS sem nenhuma conotagio escolar, com materiais de dese- nho, pintura, recortes de jornais, revistas e livros, sempre de seu interesse e escolha (temas de futebol e de corrida de carros). Jorge reformulou seu vinculo inadequado com a leitura e com toda a situagao escolar. Deixou a escola que frequentava, ficando provisoriamente em turma de adul- tos (ensino noturno), onde conseguiu recuperar 0 atraso. Cursa agora 0 2° grau (Ensino Médio) regular. A origem do seu problema estava na dinamica fami- liar que ele se recusava a ver, a “ler”, pois era o depositario de todos os desencontros domésticos, nao havendo a com- preensao da sua problematica pela Escola e pelos pro- fessores, 0 que agravou as pequenas dificuldades iniciais que poderiam ter sido superadas na época em que sur- giram e foram depositadas na aprendizagem escolar. Foi feita uma orientacao a familia e a recomendagao de um tratamento psicoterapico posterior para Jorge. E importante destacarmos que, com frequén- cia, a falta de instrumental basico conduz o aluno a uma leitura deficiente, a um vocabulario pobre, a falta de organizagao clara e légica do pensamento, tendo como consequéncia a dificuldade na leitura de textos de outras disciplinas, no enunciado de problemas e perguntas diversas, o que acarreta um fracasso geral. Nesses casos, as aulas coletivas de recuperacao das diferentes disciplinas, sem avalia- ¢4o mais profunda da causalidade especifica, nao conduzem a uma verdadeira aprendizagem naquela area, pela falta ainda desse instrumental. No caso de Jorge, nao tinha havido progresso nem com as 31 \VENCENDO AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESCOLAR aulas de recuperacéo na escola, nem com a atuagao dos “explicadores” particulares das diferentes discipli- nas em que fracassava, pois a dificuldade era anterior. Caso 3: Clara foi encaminhada para atendimento psicopedagégico por nado conseguir acompanhar a tur- ma de 1? série (22 ano do Ensino Fundamental) — “Quei- xa”. Fizera com grande dificuldade a Classe de Alfabetizagéo, sendo ajudada, praticamente “empurra- da”, pelos pais. Tinha no momento sete anos e seis me- ses. Lia com grande dificuldade e sem compreensao. Na avaliagao, ficou claro que sua estrutura cognoscitiva (nivel de competéncia) estava abaixo do que era neces- sario para aprender, o que lhe era rigorosamente exigi- do pela Escola e pelos pais. Caracterizado como obstaculo dominante o epistémico, ficou claro que es- tava comegando a formar vinculos inadequados com toda situacao escolar, portando vindo a ter problemas na 4rea afetiva em fungdo de uma primeira dificuldade cogni- tiva, nao percebida pelo professor e pela Escola. O atendimento procurou, por meio de ativida- des ludicas e de construgao, possibilitar o aparecimen- to de oportunidades para que ela se expressasse livremente (oral e graficamente) e se exercitasse em clas- sificagdes, seriagdes, dominio do espago etc., amplian- do sua estrutura operatéria. Teve a oportunidade de realizar leituras incidentais. Clara, inimeras vezes, pro- vocou um rolling-play (pequenas dramatizagées) de situagGes escolares quando depositava toda sua ansie- dade e raiva na escola. No caso, 0 mais importante nao 32 MARIA LUCIA LEMME WEISS / ALBA WEISS era trabalhar a sua leitura automatica, mas sim possi- bilitar o crescimento vertical da estrutura cognosci- tiva, para que ela pudesse atingir o nivel de competéncia desejado pela situacao escolar, refor- cando, ao mesmo tempo, o vinculo adequado com a leitura e a escola em geral. E importante ressaltarmos, também nesse caso, a ineficiéncia e a inadequagio de aulas de recuperagao es- colar em que apenas se repetiam as situagGes € os mate- riais da sala de aula regular e nao se localizava a verdadeira dificuldade de Clara. Em alguns casos, pode- se obter apenas a melhora de automatismos, agravando-se os vinculos inadequados com a aprendizagem. £ preciso que as aulas de recuperacao tenham um outro enfoque, avaliando a necessidade de cada aluno e buscando criar o desejo do aluno de voltar ao assunto visto anteriormente, de repeti-lo de um ou- tro modo, em um segundo momento, buscando-se as possibilidades coletivas para 0 planejamento dessas aulas de recuperacao. Chamamos a atencio para a necessidade de 0 pro- fessor dar acolhimento a crianca que esta vivendo uma situagao “emocionalmente dificil para ela” e entender que o problema no momento da execucao de uma tare- fa escolar nao é “preguica, malandragem, burrice etc.”, mas uma impossibilidade emocional de concentrar a sua atencio, de mobilizar sua inteligéncia para a tarefa es- colar, o que a leva a erros seguidos que podem ser vistos por angulo negativo. Pequenos fracassos iniciais viram sempre “bola de neve” e, se nao forem compreendidos 33 VENCENDO AS DIFICULDADES DE APRENGIZAGEM ESCOLAR em tempo habil pelo professor, poderao causar grandes dificuldades em curto prazo. Acreditamos ter dado uma rapida ideia do tra- balho realizado, em que, em uma postura construti- vista € interacionista, buscamos 0 desenvolvimento global do individuo e nao apenas 0 treino de fungoes e aspectos deficientes na escola. Esses aspectos vao sendo superados na continuidade do trabalho em parceria com a escola. Tentamos, assim, pesquisar formas de atuagao que possam, de algum modo, auxiliar o macrossistema de ensino a combater a repeténcia escolar. Com melhor qualidade no ensino-aprendizagem regular e nas aulas de “recuperagao”, poderemos evitar parte da evasao es- colar nas escolas publicas. 34 MARIA LUCIA LEMME WEISS / ALBA WEISS REFERENCIAS BLEGER, J. Pricologia de la Conduta. Buenos Aires: Editorial Paidos, 1980. INHELDER, B. & outros. 4 Aprendizagem ¢ as estruturas do conhecimento. S40 Paulo: Saraiva, 1977. MICOTTI, M. C. de Oliveira. Piaget ¢ 0 processo de alfabetizagéo. Sao Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1980. PICHON, RIVIERE, E. Zoria do vinculo. S. Paulo: Livraria Martins Fontes Ed., 1982. PICHON, RIVIERE E. O processo grupal. Sao Paulo: Livraria Martins Fontes Ed., 1983. SILVA. E. T. O ato de ler. Sao Paulo: Cortez Editora, 1981. VISCA, J. & outros. Psicopedagogia clinica baseada en una Epistemologia Convergente. 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