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UNIDADE 1

ASPECTOS GERAIS
DA SEGURANÇA DE BARRAGENS

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Sumário

LISTA DE FIGURAS........................................................................................... 03
1- INTRODUÇÃO................................................................................................ 04
2- TIPOS DE BARRAGENS.............................................................................. 08
3- INCIDENTES E ACIDENTES, DETERIORAÇÕES........................................ 18
4- RUPTURAS DE BARRAGENS, IMPACTOS SOCIAS E AMBIENTAIS........ 18
5- ESTATÍSTICAS SOBRE ACIDENTES DE BARRAGENS............................ 19
6- ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕS DE RISCO.................................................. 25
7- AUSCULTAÇÃO E PLANOS DE AÇÃO DE EMERGÊNCIA......................... 26
8- CONCLUSÃO................................................................................................. 29
REFERÊNCIAS................................................................................................... 31

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LISTAS DE FIGURAS
Figura 1 – Probabilidade de ruptura ao longo da vida de uma barragem.
Figura 2 – Açude do Cedro em arco gravidade de alvenaria
Figura 3 – Barragem de soleira vertente de Marmelos gravidade de alvenaria.
Figura 4 - Arranjo geral da UHE Itaipu.
Figura 5 - Barragem principal do tipo gravidade aliviada da UHE Itaipu
Figura 6 - Barragem principal do tipo gravidade aliviada da UHE Itaipu – 3D
Figura 7 - Barragem de enrocamento da UHE Itaipu
Figura 8 - Barragem de contrafortes de Itaipu
Figura 9 - Barragem de contrafortes de Itaipu – 3D
Figura 10 - Barragem de enrocamento com face de concreto UHE Campos Novos
Figura 11 - Barragem de gravidade em CCR (Concreto Compactado a Rolo) Soleira vertente
UHE Monte Claro.
Figura 12 – Estrutura de Desvio de Itaipu do tipo de gravidade maciça
Figura 13 - Barragem de enrocamento com núcleo impermeável de asfalto UHE Foz do Chapecó.
Figura 14 – Barragem Menta com paramento de montante de concreto asfáltico (Calábria Itália).
Figura 15 – Barragem Coolidge de abóbodas múltiplas com 76 m de altura (EUA)
Figura 16 - Barragem em arco de Funil sobre o Rio Paraíba – altura 86 m, comprimento na crista
360 m.
Figura 17- Barragem em arco de Funil – Seção
Figura 18 – Planta da barragem de Malpasset com a cunha de ruptura na ombreira esquerda
Figura 19 – Vista de montante da barragem de Malpasset
Figura 20 – Mecanismo da ruptura da barragem de Malpasset
Figura 21 – Remoção de camadas inadequadas na fundação da barragem.
Figura 22 - Detalhe da remoção de camadas inadequadas na fundação da barragem.
Figura 23 – Seção da barragem de terra de Euclides da Cunha reconstruída.

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Prezado aluno,

no decorrer desta Unidade você deverá desenvolver competência para:


• Explicar o objetivo da construção, identificando os impactos sociais e ambientais;
• disseminar conceitos de segurança de barragens e sua importância.

Bom estudo!

1 INTRODUÇÃO

Os benefícios relacionados às barragens são múltiplos:


• Produção de energia elétrica;
• Abastecimento de água para uso humano;
• Abastecimento de água para uso industrial;
• Irrigação;
• Regularização de vazões atenuando os efeitos das enchentes e das secas;
• Navegação;
• Aquicultura;
• Lazer e turismo;
• Disposição de rejeitos de mineração;
• Acumulação de resíduos industriais líquidos.

Entretanto, as barragens com seus reservatórios têm certo potencial de risco, o qual não
deve ser menosprezado, em vista dos danos econômicos ou até catastróficos,
provocados pelos efeitos de operações erradas, mau funcionamento ou até ruínas dessas
obras. Mesmo um pequeno incidente que interrompa o abastecimento de água de uma
cidade ou fábrica ou a produção de energia elétrica pode causar ingentes danos
econômicos.

Além do risco inerente à existência da barragem com seu reservatório, há eventualmente

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outros impactos, mais ou menos sérios e importantes dependendo de cada caso:
• Modificações e até destruição de ecossistemas;
• Modificação do regime fluvial;
• Influência na qualidade da água;
• Interrupção da migração de peixes;
• Acumulação de sedimentos;
• Deslocamento dos habitantes da região do reservatório (por exemplo: barragens
em áreas densamente habitadas como na China);
• Submersão de locais de interesse arqueológico, histórico ou artístico (caso dos
templos de Abu Simbel na barragem de Assuan no Egito);
• Aumento de doenças ligadas à água (por exemplo: malária, esquistossomose);
• Sismicidade induzida (por exemplo: Koyna na India, Barragem Hoover nos EUA,
• Kariba na Zâmbia, Porto Colômbia MG).

As vantagens e desvantagens da construção de uma barragem e seu impacto no meio


social e ambiental devem ser avaliadas inicialmente nos estudos de viabilidade e
aprofundados nas seguintes etapas de projeto.

A segurança das barragens deve ser perseguida desde o início do projeto. A concepção
geral do projeto, o arranjo e o dimensionamento das estruturas são fundamentais para o
sucesso do empreendimento, pois erros ou estudos insuficientes podem levar a
consequências graves. Os estudos geológicos/ geotécnicos são fundamentais para a
escolha do tipo de barragem no que se refere às fundações e aos materiais de
construção.

O projeto deve ser cuidadoso e realizado por profissionais experientes de acordo com o
estado da arte. Inovações e soluções avançadas exigem estudos aprofundados e
completos de todas suas implicações.

As investigações geológicas e geotécnicas, hidrológicas e dos materiais são muito


importantes nesta fase, pois os problemas mais frequentes são devidos a fatores
geológicos/geotécnicos e hidrológicos. Outros problemas menos frequentes são

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provocados por problemas construtivos e pelo uso de materiais inadequados ou
realizados sem controle de qualidade (por exemplo, núcleo impermeável erodível ou filtro
inadequado que ocasiona o fenômeno chamado de erosão interna ou “piping” nas
barragens de materiais soltos, reação álcali-agregado do concreto devido ao emprego de
agregados reativos com os álcalis do cimento).

Na região sudeste e sul do Brasil como nos outros países, antigamente a maioria das
barragens era construída em locais afastados dos grandes centros, portanto seu impacto
social era mínimo ou até nulo. Nos países desenvolvidos da Europa atualmente há
pouquíssimos locais adequados situados fora das áreas povoadas. O mesmo ocorre
também no sul e sudeste do Brasil, onde os melhores locais já foram aproveitados de
maneira que os que ainda podem ser desenvolvidos são mais difíceis e em condições
mais problemáticas. Isto logicamente envolve maiores riscos, se os estudos e
investigações não forem conduzidos de forma apropriada.

A construção deve obedecer fielmente ao projeto e seguir as normas e especificações. As


eventuais alterações de projeto devem ser aprovadas pelo projetista e registradas em
documentos como construído.

As fases mais delicadas em termos de risco durante a construção são aquelas de desvio
do rio e fechamento da estrutura de desvio. Estas operações são normalmente realizadas
na estação das baixas vazões e eventuais problemas podem acarretar atrasos
importantes na obra, já que em caso de insucesso deve-se esperar a próxima estação
seca.

O primeiro enchimento do reservatório é a fase mais delicada para a barragem; de fato,


de acordo com as estatísticas dos acidentes, a maioria dos problemas ocorre durante o
enchimento do reservatório e no primeiro ano subsequente. Isto é bastante óbvio, pois
qualquer falha estrutural ou de estanqueidade existente se manifesta com os primeiros
carregamentos e percolações.

A fase de operação é menos crítica, no entanto, nesta fase podem ocorrer fenômenos

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muito lentos, como por exemplo:
- Percolações através do concreto, da argila compactada e de alguns tipos de
fundações devido à baixa permeabilidade desses materiais entre 10 -5 a 10-8 cm/s;
- reação álcali-agregado que demora dezenas de anos para produzir seus efeitos
deletérios;
- fluência dos materiais em geral (concreto, argila e fundação).

Estes fenômenos, desenvolvendo-se em uma região fraca ou com problemas


preexistentes podem provocar acidentes mesmo depois de vários anos de uma operação
aparentemente tranquila.

As barragens são parecidas com as pessoas, pois enfraquecem com o avanço da idade,
se não houver uma manutenção adequada.

Figura 1 – Probabilidade de ruptura ao longo da vida de uma barragem.

Fonte: Boletim 122 do CIGB (2008)

A Figura 1 ilustra a importância da auscultação e manutenção das barragens. Cada linha


reta representa a trajetória de vida e a probabilidade de ruptura de barragens com
diferentes graus de segurança. A partir da sua construção, quando a probabilidade de
ruptura Pf é mínima, cada barragem tem uma trajetória de vida diferente dependendo do
seu grau de segurança. Uma barragem de segurança aceitável (linha reta superior)

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chegaria a ter uma vida útil da ordem de 100 anos. Falta nesta figura indicar a trajetória
de uma barragem pouco segura, a qual chegaria ao valor Pf= 1, isto é, à ruptura com
algumas dezenas de anos ou até no primeiro enchimento.
O Boletim diz:
“[...] são muito importantes os efeitos de monitoramento e verificações de
segurança periódicas, segundo esta visão. Se estas atividades forem realizadas
de maneira efetiva, ações corretivas serão tomadas de tempos em tempos, as
quais vão “puxar para baixo” a curva Pf (T), melhorando a sua tendência natural
de evolução.” (CIGB, 2008)

De fato, sem uma manutenção adequada, a vida de uma estrutura evolui naturalmente
para o colapso, portanto a manutenção é essencial para prolongar a vida da barragem.

2 TIPOS DE BARRAGENS

Existem muitos tipos de barragens, no entanto podem ser classificadas em dois tipos
principais de acordo com o material usado para sua construção:

1 - Barragens de concreto ou alvenaria.


2 - Barragens de aterro.

As barragens de concreto ou alvenaria são de dois tipos principais:

1.1 Barragens de gravidade (gravidade maciça, gravidade aliviada, contrafortes).


1.2 Barragens em arco (arco, abóbada).

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Figura 2 – Açude do Cedro em arco gravidade de alvenaria

Fonte: CBDB (2011)

Figura 3 – Barragem de soleira vertente de Marmelos gravidade de alvenaria.

Fonte: CBDB (2011)

Existem ainda tipos intermediários, como as barragens de arco gravidade que associam a

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resistência devida ao peso próprio dos materiais ao efeito do arco que descarrega o
empuxo hidráulico nas ombreiras.

As barragens de alvenaria foram substituídas desde as primeiras décadas do século XX


pelo uso do concreto. Como exemplos do uso da alvenaria podemos mencionar a
barragem do açude de Cedro no Ceará do tipo de arco gravidade, uma das primeiras
grandes barragens no Brasil (1906), e a pequena barragem de Marmelos em Juiz de Fora
do tipo de gravidade com soleira vertente (1889).

As barragens de gravidade resistem às forças do empuxo hidrostático e às subpressões


pelo peso próprio descarregando as tensões na fundação, enquanto as barragens em
arco descarregam todas as tensões nas ombreiras, as quais devem ser constituídas por
rochas competentes.

As barragens de aterro são construídas com terra ou terra e enrocamento. Podem ser dos
seguintes subtipos:
2.1 Terra homogênea.
2.2 Terra/enrocamento, zonadas.
2.3 Enrocamento.

Nos primeiros dois tipos a estanqueidade é garantida por zonas de solo compactado
impermeável e no terceiro tipo pode ser por um núcleo de asfalto ou a montante por um
paramento de asfalto, de concreto ou até de metal ou mantas plásticas.

Na prática muitas vezes o barramento é composto por trechos de diversos tipos de


barragem para aproveitar os materiais existentes e as diversas condições do local.

Por exemplo, na represa de Itaipu foram construídos seis tipos de barragem:


• Barragem de gravidade maciça (estrutura de desvio 4).
• Barragem de gravidade aliviada (barragem principal 5).
• Barragem de contrafortes (barragem lateral direita e esquerda 3 e 7).
• Barragem de enrocamento com núcleo de argila (barragem esquerda 2,

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ensecadeiras principais).
• Barragem de terra (barragem da extremidade esquerda e direita 1 e 9).
• Barragem em arco (ensecadeiras do canal de desvio).

Desta forma foi possível utilizar o material da escavação do canal de desvio diretamente
para a construção das barragens de terra e de enrocamento com significativa economia.

Figura 4 - Arranjo geral da UHE Itaipu.

Fonte: Usina Hidrelétrica de Itaipu – Aspectos de Engenharia (2009)

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Figura 5 - Barragem principal do tipo gravidade aliviada da UHE Itaipu

Fonte: Usina Hidrelétrica de Itaipu – Aspectos de Engenharia (2009)

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Figura 6 - Barragem principal do tipo gravidade aliviada da UHE Itaipu - 3D

Fonte: Centro de Estudos Avançados em Segurança de Barragens - CEASB

Figura 7 - Barragem de enrocamento da UHE Itaipu

Fonte: Usina Hidrelétrica de Itaipu – Aspectos de Engenharia (2009)

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Figura 8 - Barragem de contrafortes de Itaipu

Fonte: Usina Hidrelétrica de Itaipu – Aspectos de Engenharia (2009)

Figura 9 - Barragem de contrafortes de Itaipu – 3D

Fonte: Centro de Estudos Avançados em Segurança de Barragens - CEASB

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Figura 10 - Barragem de enrocamento com face de concreto UHE Campos Novos

Fonte: CBDB (2009)

Figura 11 - Barragem de gravidade em CCR (Concreto Compactado a Rolo) Soleira vertente UHE
Monte Claro.

Fonte: CBDB (2009)

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Figura 12 – Estrutura de Desvio de Itaipu do tipo de gravidade maciça

Fonte: Aspectos de Engenharia Itaipu Binacional (2009)

Figura 13 - Barragem de enrocamento com núcleo impermeável de asfalto UHE Foz do Chapecó.

Fonte: CBDB (2009)

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Figura 14 – Barragem Menta com paramento de montante de concreto asfáltico (Calábria Itália).

Nota: Foto do autor

Figura 15 – Barragem Coolidge de abóbodas múltiplas com 76 m de altura (EUA)

Fonte: Impianti Idroelettrici G. Evangelisti (1964)

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Figura 16 - Barragem em arco de Funil sobre o Rio Paraíba – altura 86 m, comprimento na crista
360 m.

Fonte: CBDB (1982)


Figura 17- Barragem em arco de Funil – Seção

Fonte: CBDB (1982)

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3 INCIDENTES E ACIDENTES, DETERIORAÇÕES

Como ilustrado na Figura 1 as barragens com o passar do tempo se deterioram e


fatalmente, na ausência de manutenção adequada, chegam ao fim de sua vida útil. No
entanto, com manutenção adequada esta vida útil operativa pode ser prolongada de
maneira significativa. Em certos casos é necessário realizar uma reabilitação da barragem
que envolve intervenções mais importantes, seja devido a uma deterioração mais séria ou
um incidente, seja imposta pela modificação da legislação ou evolução das normas de
segurança.

As barragens, como outras estruturas, estão sujeitas a incidentes e acidentes cujas


causas mais frequentes são descritas mais adiante. Alguns acidentes no Brasil e no
exterior são apresentados ou citados nos próximos itens.

4 RUPTURAS DE BARRAGENS, IMPACTOS SOCIAS E AMBIENTAIS

A ruína de uma barragem acarreta sempre consequências traumáticas, mesmo quando


não ocorrem perdas humanas ou catástrofes ambientais. Ainda que a onda provocada
pela ruptura tenha um impacto limitado, a perda da barragem e sua função, seja
abastecimento de água, irrigação ou produção de energia, afeta sobremaneira as
comunidades servidas. O dano econômico relacionado ao custo da reconstrução da
barragem também representa um encargo importante.

Um acidente entre os mais famosos e catastróficos afetou a barragem do Vajont (nordeste


da Itália), onde um deslizamento de terra de enormes proporções (250 milhões m 3,
praticamente um pedaço de montanha) caiu no reservatório a uma velocidade de 25 m/s
provocando uma enorme onda que, ultrapassando a crista da barragem, desceu pelo vale
destruindo quatro vilas com milhares de habitantes. A causa do deslizamento foi o
enchimento do lago, que saturou certas camadas de solo e diminuiu sua resistência.
Deve-se ressaltar que a barragem nada sofreu e ainda está intacta, enquanto que o
reservatório está fora de uso, já que foi preenchido pelo deslizamento de terra.

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Felizmente no Brasil não ocorreram catástrofes deste porte, no entanto, rupturas recentes
de algumas barragens no nordeste provocaram extensas inundações e danos nas
cidades próximas à jusante. Graves desastres ambientais foram provocados nos últimos
anos pelas rupturas de barragens de rejeito em Minas Gerais (Cataguases de Papel, Rio
Pombas Mineração, Mineradora Rio Verde). O acidente mais sério foi com a Cataguases
de Papel, na qual foram despejados 1,4 milhões de metros cúbicos de efluente industrial
(licor de madeira mais soda cáustica) que escoaram até o rio Paraíba do Sul, deixando
mais de 500 mil pessoas sem abastecimento de água por vinte dias. Os danos
ambientais na vida aquática foram imensos em todo o trecho do rio afetado até a
desembocadura do rio e foram sentidos também nas atividades pesqueiras no mar ao
redor da foz do Paraíba do Sul.

5 ESTATÍSTICAS SOBRE ACIDENTES DE BARRAGENS

Neste tópico são feitas algumas considerações sobre as estatísticas de acidentes e ruínas
de barragens, conforme relatado no Boletim 99 da CIGB e mencionados alguns casos
famosos e exemplares.

Deve ser observado que a determinação das causas da ruína nem sempre é fácil, e em
muitos casos há mais de uma causa que leva ao colapso da barragem. No entanto, todas
as análises estatísticas chegam a conclusões bastante coerentes sobre as principais
causas.

Uma primeira conclusão importante é que 70% das rupturas ocorrem nos primeiros dez
anos de vida da barragem.

Nas tabelas abaixo são indicadas as causas principais por tipo de barragem.

Causas de acidentes - Barragens de concreto %


Problemas de Erosão interna 21
fundações Insuficiente resistência ao cisalhamento 21

20
Causas de acidentes - Barragens de aterro %
Galgamento 49
Problemas de Erosão interna do corpo da barragem 28
fundações Erosão interna da fundação 17

Causas de acidentes - Barragens de alvenaria %

Galgamento 43

Erosão da fundação 29
Fonte: Boletim 99 do CIGB (1995)

Para as estruturas anexas à barragem a causa principal dos acidentes foi a insuficiente
capacidade dos órgãos de descarga (vertedouro e descarregador de fundo), e
secundariamente problemas estruturais ou de erosão das fundações do vertedouro.

Para todos os tipos de barragem os demais acidentes foram atribuídos a diversas outras
causas com porcentagens menores. O tipo de barragem que tem maior potencial de risco
de acordo com os resultados das estatísticas é a barragem de terra, pois ela é mais
vulnerável na ocorrência de galgamento. Entre as barragens de concreto as mais seguras
são as barragens em arco.

Portanto, as estatísticas indicam que as causas mais frequentes dos acidentes das
barragens são relacionadas com os campos onde é menor o conhecimento e não é
possível ter um bom controle, ou seja, as fundações e a hidrologia. Os campos da
geologia e hidrologia, nos quais existem as maiores incertezas e é mais difícil, se não
impossível, ter um conhecimento completo, registram as causas mais frequentes dos
acidentes das barragens.

De fato, as fundações, mesmo que bem investigadas durante as fases preliminares do


projeto, sempre oferecem alguma surpresa na fase construtiva quando são efetuadas as
escavações finais. A análise, avaliação e liberação das fundações são fases importantes

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para a segurança da barragem. Os casos da barragem de Malpasset (concreto em arco)
na França e da barragem de Camará (gravidade CCR) no Brasil são exemplos clássicos
de ruínas de barragens de concreto devido a problemas de fundações não detectados nas
fases de projeto e construção. Outros casos famosos de ruína de barragens de aterro são
aqueles de Teton nos EUA por erosão interna na interface aterro/fundação e Orós, no
Brasil por galgamento.

Figura 18 – Planta da barragem de Malpasset com a cunha de ruptura na ombreira esquerda

Fonte: CIGB (1974)

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Figura 19 – Vista de montante da barragem de Malpasset

Fonte: CIGB (1974)


Figura 20 – Mecanismo da ruptura da barragem de Malpasset

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Fonte: CIGB (1974)

Nos últimos anos ocorreram diversos acidentes graves no Brasil em barragens de rejeitos:
Paraibuna de Metais, Rio Pombas Mineração, Cataguases e nas barragens Açu,
Apertadinho, Espora, Santa Helena, Bocaiuva, Algodões, das Nações.

Um exemplo de fundação inadequada na qual não houve um mínimo de


acompanhamento por geólogo ou geotécnico competente, mas felizmente descoberto e
reparado antes do enchimento do reservatório é mostrado nas Figuras 17 e 18.

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Figura 21 – Remoção de camadas inadequadas na fundação da barragem.

Fonte: Foto do Engº. Flavio Miguez de Mello

Figura 22 - Detalhe da remoção de camadas inadequadas na fundação da barragem.

Fonte : Foto do Engº. Flavio Miguez de Mello

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Uma pesquisa recente sobre acidentes ou ruínas de pequenas barragens (SMALL DAMS,
Design, Surveillance and Rehabilitation - Boletim da CIGB) mostrou os seguintes
resultados:
• Galgamento 65%
• Erosão interna (piping) 12%
• Escorregamento de taludes 12%
• Outras causas 12%

Nesta segunda estatística aumentou a porcentagem atribuída ao galgamento, talvez


devido ao fato de que para as pequenas barragens o tempo de retorno da enchente de
projeto para dimensionamento do vertedouro é inferior ao calculado para as barragens de
maior porte. Também se deve observar que a maioria das pequenas barragens é do tipo
de aterro e, portanto mais sujeita ao colapso por galgamento.

A ruína por galgamento nas barragens de aterro pode ser atribuída a um evento muito
raro ou a uma avaliação incorreta da enchente de projeto, resultando na construção de
órgãos de descarga com capacidade insuficiente.

O galgamento pode ocorrer também por causa da ruína de uma barragem a montante,
resultando no colapso de diversas barragens em serie quando há represas em cascata.
Este é o caso da ruína das barragens de Euclides da Cunha e Limoeiro (Armando Salles
de Oliveira) sobre o Rio Pardo-SP, em 1977, que foram reconstruídas posteriormente.

Figura 23 – Seção da barragem de terra de Euclides da Cunha reconstruída.

Fonte: CBDB (1982)

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A causa deste grave acidente foi atribuída ao fato de que no manual de operação dos
vertedouros faltavam regras claras para enfrentar situações de emergência. As outras
duas causas, erosão interna e escorregamento, podem ser atribuídas a erros humanos na
avaliação incorreta das propriedades do solo ou da fundação e/ou falhas na construção, e
insuficiente controle de qualidade da compactação.

Os estudos das enchentes são realizados com base nos registros de eventos passados,
cobrindo um período que pode variar de algumas dezenas a centenas de anos, que
quando comparados com os ciclos das épocas glaciais e geológicas são insignificantes.
Além dos ciclos e variações próprias da natureza devem ser acrescentadas as mudanças
provocadas pelas intervenções antrópicas, como os desmatamentos e o cultivo em
grandes extensões, que afetam o clima e a resposta das bacias hidrográficas. No Brasil
podemos citar as alterações ocorridas no estado de São Paulo nos anos trinta a cinquenta
e no estado do Paraná nos anos sessenta/setenta. As mudanças da floresta para o cultivo
do café e depois da soja/milho/cana afetam a resposta hidrológica das bacias.

Os períodos mais delicados da vida das barragens são aqueles do fim da construção, do
primeiro enchimento e dos primeiros anos de operação, como é lógico, pois com os
primeiros carregamentos podem aparecer as eventuais falhas das estruturas e fundações.

O relato destes casos de ruínas e acidentes e seu entendimento são importantes, pois no
campo das barragens muito foi aprendido pelos erros cometidos. A análise e o
entendimento de alguns acidentes provocaram um grande avanço no conhecimento.

6 ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕS DE RISCO


As condições de risco de uma barragem podem ser alteradas quando sejam modificadas
as hipóteses de projeto como, por exemplo, nos seguintes casos:
- Um aumento das cargas (alteamento dos níveis do reservatório ou de jusante, um
assoreamento acima do previsto na face de montante).
- O entupimento do sistema de drenagem que aumente a subpressão.
- Uma diminuição da resistência dos materiais ou das estruturas devido
à deterioração ou um dano provocado por um terremoto.

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- Uma fissuração importante.

7 AUSCULTAÇÃO E PLANOS DE AÇÃO DE EMERGÊNCIA


Uma vez construída a barragem, as providencias para a prevenção de acidentes e
atenuação de seus efeitos são basicamente as seguintes:
- Um plano de auscultação bem programado através da instalação de instrumentação
suficiente, lida e interpretada adequadamente, com frequência apropriada e
acompanhada de inspeções in situ e relatórios de análise.
- Medidas de manutenção e reparo preventivos e rotineiras.
- Medidas de manutenção e reparo oriundas das recomendações dos relatórios de
inspeção, de auscultação e dos consultores.
- Planos de emergência para lidar com as situações que possam causar graves danos
econômicos ou perigo para a vida humana. Esses planos devem indicar as providencias
para evitar ou atenuar suas consequências.

O plano de auscultação deve detalhar as ações a serem realizadas para a auscultação


das estruturas com a definição de todos os procedimentos aplicáveis, responsabilidade,
periodicidade, tratamento de dados e registros a serem adotados.

No plano completo de auscultação devem ser previstas todas as fases da vida da


barragem e todas as atividades a serem realizadas:
- Projeto da instrumentação a ser instalada que inclui desde a concepção do arranjo até
os detalhes e as especificações da instalação e montagem.
- Definição dos valores de alerta e controle para todos os instrumentos instalados e para
as diversas fases de sua vida.
- Plano de operação da instrumentação incluindo as frequências das leituras nas diversas
fases de vida da obra e durante possíveis eventos excepcionais.
- Plano de observações visuais e inspeções in situ com suas frequências.
- Plano de análise e interpretação do comportamento da barragem com base nos
resultados da instrumentação e das inspeções visuais.
- Plano para armazenamento das informações históricas, como relatórios e a base de
dados da instrumentação.

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Este sistema não é estático e imutável, mas deve ser elástico e poderá ser modificado
com base no desempenho da barragem.

As inspeções visuais são da maior importância e devem ser estendidas a toda a


barragem, suas ombreiras, fundações e áreas próximas, cobrindo as áreas pouco
instrumentadas, possibilitando a verificação de pequenos detalhes, defeitos ou fenômenos
imprevistos. Estas inspeções devem ser realizadas por pessoas experientes e
familiarizadas com o tipo de barragem.

Complementando este programa de auscultação é fundamental também manter um


registro da pluviometria, das vazões afluentes e defluentes, dos níveis do reservatório e
do canal de fuga para que a segurança hidráulica e hidrológica do empreendimento seja
assegurada.

A Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB no artigo 12 afirma:

“Art.12. O PAE estabelecerá as ações a serem executadas pelo empreendedor


da barragem em caso de situação de emergência, bem como identificará os
agentes a serem notificados dessa ocorrência, devendo contemplar pelo menos:
I – identificação e análise das possíveis situações de emergência;
II – procedimentos para identificação e notificação de mau funcionamento ou
condições potenciais de ruptura da barragem;
III – procedimentos preventivos e corretivos a serem adotados em situações de
emergência, com indicação do responsável pela ação;
IV – estratégia e meio de divulgação e alerta para as comunidades potencialmente
afetadas em situação de emergência.” (PNSB,2010)

O Manual de Segurança e Inspeção de Barragens do Ministério da Integração Nacional -


MI define o seguinte:

“O PAE é um plano formalmente escrito que identifica os procedimentos e


processos que serão seguidos pelos operadores da barragem na eventualidade
de uma situação de emergência. A emergência pode ser, por exemplo, a falha de
um equipamento essencial, tal como uma comporta de controle de cheias, uma
ruptura de talude que possua o potencial de causar a ruptura da barragem, ou a
ruptura completa da barragem, causada por galgamento, sismo ou erosão interna
(piping). Pela sua natureza, os PAEs são específicos de cada local.”(MI, 2002)

O plano de ação de emergência ou PAE deve identificar e analisar as possíveis situações

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de emergência (acidentes e incidente) do empreendimento, classificar o grau de risco de
cada evento perigoso, verificar se constitui apenas um problema interno do
empreendimento ou se pode afetar as áreas externas ao empreendimento.

Neste plano devem ser indicados os meios de comunicação disponíveis, as vias de


acesso, os endereços, telefones e outros meios de comunicação dos responsáveis e das
autoridades.

Uma vez identificada a situação e definidas suas características deverão ser tomadas as
devidas providências, e no caso de risco elevado avisar às autoridades competentes. No
caso de risco elevado é conveniente avisar também aos empreendimentos situados a
jusante e a montante.

O empreendedor é responsável pela detecção, definição do grau de risco e notificação às


autoridades competentes nos casos considerados de alta periculosidade. As autoridades
(Prefeituras, Bombeiros, Defesa Civil, Polícia Civil, Militar e Rodoviária) são responsáveis
de dar o alarme e coordenar a evacuação, caso necessária.

Empreendedor Autoridades

Detecção Alerta e Alarme

Tomada de Decisão Evacuação

Notificação

A detecção das situações deve ser efetuada pelas equipes do Empreendedor por meio de
inspeções visuais, monitoramento da instrumentação ou pelo sistema de alerta de
enchentes ou de terremotos. Esta equipe deve ser treinada para definir o grau ou classe
de risco da situação conforme descrito no manual do PAE.

Normalmente são definidos três ou quatro níveis de segurança em ordem crescente de


perigo, iniciando com desprezível até inevitável.

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Para cada classe são descritos os procedimentos de ação a serem tomados.

O PAE deve contemplar um estudo das áreas sujeitas à inundação em caso de ruptura da
barragem (estudo de dam break).
As vantagens de preparar os planos de emergência são múltiplas:
- Ter uma avaliação das condições das estruturas, de seus pontos fracos e dos riscos
envolvidos.
- Minimizar os riscos através da implementação das medidas necessárias para reparo e
prevenção detectados pela auscultação e pela manutenção.
- Minimizar os prêmios de seguro.
- Tranquilizar a população sujeita aos riscos (apesar de que deve ser feito de maneira
adequada).
- Evitar ações civis e penais na eventualidade de eventos com efeitos danosos.
- Treinar as equipes para detectar e enfrentar eventuais emergências.

A tempestividade e a rapidez nas intervenções recomendadas é muito importante. A


experiência de acidentes ocorridos mostra que uma série de pequenas falhas ou
imprudências pode levar a sérias consequências quando da ocorrência de um evento
excepcional.

As providências a serem tomadas em casos de emergência para reparo e atenuação de


seus efeitos dependem de cada caso, no entanto, em todos os casos mais graves uma
medida fundamental é o rebaixamento dos níveis do reservatório.

8 CONCLUSÃO

Os benefícios proporcionados pelas barragens são múltiplos, no entanto, estas obras com
seus reservatórios têm um potencial de risco, que em caso de acidentes ou incidentes
pode provocar graves prejuízos e até desastres.

Nas fases de projeto e implantação devem ser estudados em profundidade seus efeitos
no meio social e ambiental e previstas as eventuais medidas de mitigação.

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Os tipos de barragens são basicamente definidos com base nos materiais de construção
utilizados (concreto/alvenaria ou aterro) e no funcionamento estrutural (gravidade ou arco)
no caso das barragens de concreto e alvenaria.

As barragens de aterro são as mais suscetíveis a acidentes por galgamento quando o


vertedouro não tem capacidade suficiente para evacuar a cheia, e de fato este é o tipo de
acidente mais comum para estas barragens. A causa mais frequente de evento de ruptura
para as barragens de concreto é relacionada à fundação (erosão interna ou insuficiente
resistência ao cisalhamento). As estatísticas apontam a elevada frequência de acidentes
nos primeiros anos após o primeiro enchimento do reservatório.

Com o passar dos anos as barragens vão se deteriorando, mas um programa de


manutenção adequada pode prolongar bastante sua vida útil.
Para manter um nível de segurança adequado é preciso elaborar e pôr em execução um
plano de auscultação com ênfase nas atividades de inspeção efetuadas com frequência
regular por pessoal experiente.

Para as barragens com um potencial de danos elevado a nova lei de segurança de


barragens prevê a obrigação de desenvolver um plano de ações de emergência, de
maneira que em caso de um evento que possa pôr em risco a integridade da barragem e
as áreas a jusante sejam tomadas as medidas necessárias para evitar, mitigar e em caso
extremo avisar e evacuar a população.

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REFERÊNCIAS

COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS CBDB; Auscultação e Instrumentação de


Barragens no Brasil. In II Simpósio sobre Instrumentação de Barragens. Belo Horizonte,
agosto de 1996.

COMISSÃO INTERNACIONAL DE GRANDES BARRAGENS CIGB; A Barragem de


Gravidade – Uma Barragem para o Futuro. Boletim 117 tradução do CBDB, 2004.

COMISSÃO INTERNACIONAL DE GRANDES BARRAGENS CIGB; Dam Failures


Statistical Analysis. Boletim 99 Paris, 1995.

COMISSÃO INTERNACIONAL DE GRANDES BARRAGENS CIGB; Lessons from Dam


Incidents. Paris,1974.

COMISSÃO INTERNACIONAL DE GRANDES BARRAGENS CIGB; Procedimentos


computacionais para engenharia de barragens. Boletim 122. Tradução do CBDB,
2008.

MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL; Manual de Segurança e Inspeção de


Barragens. Brasília, 2002.

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