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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

TEOLOGIA BÍBLICA
DO NOVO
TESTAMENTO
Texto traduzido e compilado pelo Prof. Gerrit Delfstra

a partir do livro “Teologia do Novo Testamento”, de George Eldon Ladd

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.1


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

I. INTRODUÇÃO
1 . DEFINIÇÃO
Teologia Bíblica é a disciplina que examina o conteúdo dos livros da Bíblia em seu contexto histórico.

2. LUGAR DA TEOLOGIA BÍBLICA NA TEOLOGIA EM GERAL


A teologia pode ser dividida em 4 partes, cada uma destas tendo subdivisões:
A. Teologia exegética (estudo da Bíblia)
B. Teologia histórica (história eclesiástica)
C. Teologia sistemática (doutrina, filosofia da religião)
D. Teologia prática (homilética, educação cristã etc.)
Teologia Bíblica pertence à Teologia exegética, que pode ser dividida da seguinte maneira:
1. Contexto – geografia bíblica; arqueologia; religiões do Oriente Médio etc.
2. Conteúdo – grego, hebraico, aramaico; hermenêutica; exegese etc.
3. Publicação – o estudo da Bíblia como literatura; introdução à Bíblia como revelação de Deus etc.
4. Verdade – o estudo da Bíblia como revelação de Deus; apologética; teologia Bíblica etc.

3. HISTÓRIA E REVELAÇÃO
Como Teologia Bíblica é o estudo da revelação de Deus na Bíblia em seu contexto histórico, nós devemos
mencionar algumas coisas.
1. Problema: muitas coisas dentro da Bíblia seriam inaceitáveis para estudantes da história (p.ex. a ressurreição
de uma pessoa da morte é, historicamente falando, impossível). Solução: a Bíblia contém algumas
pressuposições: Deus, pecado e o homem. Deus é o Criador, o homem é objeto especial do amor de Deus e
de seus cuidados, depois que o pecado entrou no mundo. Redenção é a atividade divina para libertar o
homem individualmente e como sociedade do pecado e restaurá-lo a uma comunhão com Deus. A Teologia
bíblica descreve esta atividade divina dentro da história humana.
2. Revelação inclui mais do que informação verbal de Deus sobre Si próprio. Ele se revela a si mesmo, e esta
revelação dá-se dentro de uma série de acontecimentos históricos. O N.T. é a história de uma série de
acontecimentos, atos de Deus em Jesus de Nazaré.
3. A idéia de que Deus age na história apresenta três problemas:
1) É possível que Deus, o Eterno, infinito e absoluto, aja na história limitada por tempo, passageira?
Humanamente falando é impossível, mas aqui está o maior milagre possível.
2) E possível que Deus aja na história de uma maneira que transcenda a experiência histórica comum? A
Bíblia nos ensina que Deus está acima da história e Ele é o Criador, e age, da maneira d'Ele, dentro
da história para a redenção de homens dentro de seu contexto histórico.
3) História sagrada em si não é revelação. Os atos de Deus sempre são acompanhados por Suas
palavras, que precedem ou seguem um acontecimento histórico.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

II. A TEOLOGIA DOS EVANGELHOS SINÓPTICOS

1. JOÃO BATISTA
João era um novo profeta, depois de um silêncio profético de 400 anos. Havia duas correntes religiosas: a
religião legalística dos escribas e a religião apocalíptica de várias seitas daquele tempo. Além disto, havia
movimentos políticos contra Roma para alcançar novamente a independência da Palestina. Nesta época, João
Batista apareceu. O povo estava esperando o "Reino de Deus" e a mensagem de João era: “o Reino está perto”. A
roupa dele era igual a dos profetas do Antigo Testamento (Zc. 13:4; II Reis 1:8).
Um resumo da mensagem de João: Deus manifestará seu poder como Rei e por isso o povo deve se
preparar, arrependendo-se de sua maneira antiga de viver e sendo batizado como sinal de mudança.

a) Batismo com o Espírito Santo e com fogo (Mt. 3:11; Lc.3:16).


A obra de Deus que faria em pouco tempo é descrita como um batismo no Espírito Santo e com (em) fogo.
Existem diversas interpretações para esse batismo:
1) João anunciava somente um batismo de fogo, simbolizando julgamento.
2) Pneuma (espírito) se refere ao "sopro dos lábios do Messias" para julgar (Is.11:4).
3) Indica um julgamento universal que purifica os justos e acabará com os ímpios (Is.4:2-5; Ml. 3:1-6)
4) Os justos serão batizados com o Espírito Santo e os ímpios com fogo (julgamento).
Qual será a interpretação mais correta? O A.T. previu um derramamento do Espírito sobre o povo pelo
Messias. (Ez. 36:27; Ez. 37:14; 2:28-32). Por causa destas profecias é improvável, sim, impossível que João
anunciasse somente julgamento (como primeira e a segunda interpretação). O contexto mostra que o batismo com
fogo implica julgamento para os ímpios. O fogo nunca se apagará (cf. Is. 1:31; 66:24; Jr.7:20). Árvores infrutíferas
serão queimadas com fogo (uma medida drástica, pois num país como a Palestina não se queimam árvores, mas
se aproveita a madeira). Fogo também denota purificação. Por isso, o crente é purificado e o ímpio, destruído.

b) O batismo de João
João pregava arrependimento (do grego: metanoia). João não aceita um arrependimento superficial ou
religioso. Deve haver conversão, evidenciada pelo fruto de arrependimento, isto é, uma conduta diferente. Ser filho
de Abraão não é suficiente. Os israelitas pensaram que a fé de Abraão deixara um "crédito de fé", suficiente para
todos eles. Como sinal de arrependimento, João batizava as pessoas no rio Jordão.
A Origem do Batismo de João
1. O batismo de prosélitos. Prosélitos (pagãos), para entrar na comunidade judaica, deviam oferecer
sacrifícios e ser batizados e circuncidados. João manda os judeus passarem por isto, assim mostrando que um
judeu não convertido não terá mais vantagem para entrar no reino de Deus do que um gentio. Existem várias
coisas em comum entre o batismo de João e de prosélitos:
O candidato é completamente imerso;
O elemento ético: o candidato começa uma nova maneira de viver;
Através do batismo, o candidato entra numa comunidade nova.
2. As lavagens do Antigo Testamento. Os sacerdotes tinham que se lavar, antes de prestar serviço no
santuário, e também o povo comum em certas ocasiões. (Lev. 11:15; Num. 19). Os profetas usam a lavagem com
água como símbolo de purificação moral (Is.1:16 ss; Jer. 4:14; Ez. 36:25; Zac. 13:1).

c) João Batista e Jesus


Jesus explica o significado do ministério de João Batista em Mat. 11:3 ss. A chave da passagem é o
versículo 2. João não duvidou de seu chamado e da sua mensagem, mas Jesus não estava fazendo o que João
esperava.

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2. O REINO DE DEUS
a) A Necessidade do Reino
1 . Dualismo escatológico. No A.T., os profetas estavam profetizando sobre o dia d o Senhor e uma
visitação divina para purificar o mundo do mal e estabelecer o reino de Deus na terra. Por isso existe no A.T. um
contraste entre a ordem presente e a ordem futura, que é o Reino de Deus. Uma expressão que descreve o
contraste entre as duas ordens é o “século presente" e o "século futuro" (Mat.12:32).
O século futuro se caracteriza pelo seguinte:
1) é o século da vida eterna;
2) é inaugurado pela ressurreição dos mortos (Lc.20:35);
3) é inaugurado pela vinda de Jesus (Mt.24:30-31; 24:3);
4) haverá julgamento (Mt. 13:36-43) entre justos e injustos;
5) está em forte contraste com o século presente (Mat. 13:19; os cuidados deste século sufocam a
semente do reino).
Quando Jesus pregava a chegada do Reino de Deus, Ele assim fazia usando a idéia judaica de um
dualismo escatológico: o mundo vive numa situação dominada pelo mal, pecado e a morte, e deve ser remido.

2. O Mundo Espiritual.
1) Satanás: é descrito nos sinópticos como um espírito sobrenatural, liderando uma multidão de espíritos maus,
chamados demônios (Mc. 2:3-22). A função principal dele é de oposição à obra redentora de Deus (Mt. 4).
Satanás tentou desviar Jesus de seu propósito divino. O poder de Deus e seus anjos é maior do que todo o
poder do reino de Satanás. Obra de Satanás nos Sinópticos:
causar problemas físicos (Lc.13:16)
causar problemas éticos (Mt. 13:38)
frustrar a operação da Palavra de Deus (Mc. 4:15)
tentar desviar Jesus de sua missão (Mc. 8:33: Mt. 4)
enfraquecer a fé do discípulo (Lc. 22:31-32)
usar pessoas para seus propósitos (Lc. 22:3)
A teologia do reino de Deus é a teologia de uma luta entre o reino de Deus e o reino de Satanás, porém o
N.T. não dá muita ênfase ao caráter e à natureza de Satanás e seus demônios. O N.T. é prático e se preocupa
com a redenção principalmente.
2) Demônios. O ministério de Jesus começou com uma confrontação com demônios (Mc.1:24). A obra de
demônios se manifesta de várias maneiras: problemas físicos (Mt.9:32; 12:22; 17:15,18) e problemas mentais
(Mc.5:15). Porém nem todos os problemas de enfermidades ou mentais são causados diretamente por
demônios. Jesus curava os enfermos e expulsava os demônios. (Mc. 1:32).
3) O Mundo. Jesus não conhecia um dualismo entre espírito e matéria, sendo matéria uma coisa inferior. A
criação é obra de Deus. (Mc. 13:19; Mt.19:4). Deus não somente criou, mas também sustenta a criação
(Lc.12:22 ss; 12:4-7; Mt.5:45; Lc.10:21). Não há lugar para ascetismo no ensino ou na conduta de Jesus. Sua
conduta causava freqüentemente problemas com os religiosos de seus dias (Mt.9:10; Lc.15:1-2). Porém, a
máxima felicidade do homem não pode ser alcançada na área material. (Mc.8:36). Mundo, neste versículo é o
total de experiências humanas. Quando riqueza se torna mais importante do que Deus, ela é um instrumento
de pecado e morte. (Lc. 12:16-21; 30).
4) O Homem. O homem faz parte da criação de Deus, porém com maior valor do que as outras criaturas. (Mt.
6:26-30; 10:31). Deus cuida do homem (Mt. 10:30). O homem depende em tudo de Deus (Mt.5;36; 6:27;
12:16-21; 19:28; 25:41 ss). O homem é perdido por causa de seus pecados. O valor da vida humana está no
seu relacionamento com Deus (Lc. 12:15-21) O homem foi criado para ser filho de Deus. Somente quando o
pecador se arrepende haverá alegria no céu (Lc. 15:7).

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b) Definição do reino
A mensagem central de Jesus era o Reino de Deus. Veja a introdução de Marcos (Mc. 1:14-15) ou o
resumo de Mateus (Mt.4:23).
1. Várias interpretações acerca do Reino de Deus
1) O Reino é a igreja. Esta era a posição da Igreja Católica até a época da Reforma. A igreja é a nação do Reino,
mas o Reino implica mais que a igreja.
2) O Reino é a experiência pessoal do crente.
3) O Reino de Deus é futuro e escatológico. A vitória sobre Satanás foi obtida no céu; em breve, o Reino virá
para a terra, por um ato sobrenatural de Deus. Albert Sehweitzer elaborou esta teoria. Uma das suas
conclusões é que os ensinamentos de Jesus eram só para a época breve entre o final dos tempos e a
consumação, e não para a vida comum na sociedade. O Reino, porém, não veio e Jesus morreu
decepcionado.
4) O Reino de Deus foi descrito em termos apocalípticos, que simbolizam realidades que a mente humana não
compreende, porque pertencem à ordem transcendente, que mediante a missão de Jesus entrou na ordem
existente.

2. O reino de Deus no Judaísmo


Há uma ênfase dupla no Reino de Deus no A.T. Deus é o Rei de Israel (Êx.15:18; Num. 23:21; Dt. 33:5; Is.
43:15) e de toda a terra (II Rs. 19:15; Is.6:5; Jr.46:18; Sl.29:10; 99:1-4). Apesar do fato de que Deus já é o Rei,
outras referências falam sobre um dia no futuro no qual Deus se tornará Rei de seu povo. Concluímos que ele é o
rei, e ainda deve tornar-se Rei, isto é, manifestar Seu governo no mundo e nos homens.

3. O Significado de "Reino de Deus"


A expressão "Reino de Deus" que aparece nas versões comuns da Bíblia, não é boa tradução de hê
basiléia thou theou visto que basileia, como seu equivalente hebraico malkuth, significa "domínio", "soberania",
"reinado", mais do que "reino". Não é tanto o lugar onde Deus reina, mas a própria soberania d'Ele. Não é estático,
mas, dinâmico.

4. O reino dos Céus


O reino dos céus é uma expressão que encontramos somente no Evangelho de Mateus, 34 vezes. É uma
expressão semítica substituindo o nome divino por "céus".

5. O Reino Escatológico
O ensino de Jesus é baseado no dualismo escatológico de duas eras: a era presente e a futura. A vinda do
reino (Mt.6:10) ou sua aparência (Lc. 19:11) terminará esta era e inaugurará a futura. Características da era
vindoura:
Vida eterna (Mc. 10:17-31)
Destruição total de Satanás e seus anjos (Mt.25:41);
A formação de uma sociedade nova sem mal (Mt.13:36-43);
Comunhão perfeita com Deus (Lc. 13:28-29).
O reino não é limitado a Israel, como o judaísmo ensinava; ao contrário, os "filhos do Reino" por natureza
serão rejeitados e o lugar deles tomado por outros (Mt.8:12). Os verdadeiros filhos do reino são aqueles que
respondem a Jesus aceitando a sua Palavra (Mt. 13:38).

6. O Reino Presente
Muitas referências falam acerca do reino como uma realidade no presente (Lc.4:21; Mt. 11:2-6; Mt. 12:28).
Expulsar demônios é uma das provas de que o reino de Deus chegou, isto quer dizer, o poder real de Deus,
atacando o domínio de Satanás e libertando homens do poder de Satanás. Mt.12:29 ensina a teologia central
acerca do Reino de Deus: em vez de esperar o final dos tempos para destruir Satanás, Jesus declara que Ele
manietou Satanás. O Reino, então, tem uma dupla manifestação: no final dos tempos para destruir Satanás, e na
missão de Jesus para manietar Satanás. Antes da destruição final, os homens podem ser libertos do poder de
Satanás.

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Manietar não quer dizer que Satanás está completamente sem poder. Ele é amarrado, mas com corda
longa (O. Cullmann). A batalha decisiva já foi ganha, antes da vitória final. Cada ocasião em que Jesus expulsa
um espírito mau é uma antecipação da hora em que Satanás visivelmente será roubado de seu poder. As vitórias
sobre seus instrumentos são um anti-gosto do "eschaton" (fim). Quando é que Satanás foi manietado? A
explicação mais simples é que isto ocorre cada vez que um demônio está sendo expulso. Esta mesma vitória foi
alcançada pelos discípulos quando foram mandados por Jesus para pregar o reino de Deus (Lc. 10:9,18).
O mistério do N.T. é que a batalha é espiritual, mas é visível no mundo, na história, ao mesmo tempo. O
N.T. não explica isto, contudo a resposta está no fato de que o homem foi envolvido nesta batalha espiritual. O
Reino já está presente (Lc. 17:20) e seu pleno desenvolvimento espera a consumação dos séculos.

c) A salvação e o Reino
1. O Reino de Deus como um reino presente
Várias referências mencionam entrar no reino como realidade no presente (Mat.23:13; Lc.11:52; Mt.21:31).
Passagem interessante porém difícil é Mt.11:11-13. O verbo blazetai (“se faz violência ao reino dos céus”) pode
1
ser traduzido como Médio : o Reino dos céus tem estado chegando com violência, com grande força, e pessoas
querem participar nele com entusiasmo. A idéia aqui é que o poder de Deus está operando e que uma reação
igualmente forte é necessária. Jesus, em outros versículos, indica a necessidade de uma reação violenta da parte
daqueles que querem segui-lo (Mc.9:43,47; Lc.14:6; Mt.10:34; Lc. 16:16). O Reino não somente indica o domínio
de Deus, mas também o dom da vida.

2. Salvação
Salvação é, em primeiro lugar, escatológico; salvação é sinônimo de "vida eterna" (Mc.10:17-30; Mc.8:35;
Mt.10:3; Lc.17:33). Esta salvação futura tem dois aspectos: libertação da mortalidade e uma comunhão
aperfeiçoada com Deus (Mt.5:8; 25:21.23; Lc.22:30; Mt.22:1-14; Lc.16:24). Salvação também é uma experiência
presente (Lc.19:9-10). É uma bênção no presente com consequências no futuro. As parábolas de Lucas 15
também não descrevem uma salvação futura, mas presente.
Salvação também é operada nos milagres de cura para os quais a palavra grega para salvar é usada
(Mc.5:34; 10:52; Mc.5:23). Jesus disse que estes milagres eram evidência de salvação messiânica (Mt. 11:4-5).
Uma atitude espiritual, a fé, é necessária para receber a bênção de cura (Mc.5:34; 10:52). Porém cura física não é
o máximo de salvação. Mais importante era a presença de Jesus. Expulsar um demônio serve somente para
desocupar a casa para que Deus possa tomar seu lugar ali (Mt.12:44; Lc. 11:25). Cura e libertação são os
aspectos negativos de salvação (eliminação do mal); a entrada do poder e da glória de Deus são o lado positivo.

3. Perdão
Conforme os profetas do A.T., perdão será uma das bênçãos da era messiânica (Is. 33:24; Mq.7:18-20;
Jr.31:13-34; Ez.18:31; 36:22-28; Zc. 13:1). Somente Deus poderá perdoar pecados. Por isso surgiu o conflito entre
Jesus e os fariseus quando Jesus começou a perdoar pecados (Mc.2:7). A parábola de Mt.18:23-25 mostra que o
perdão é central no reino de Deus. O perdão que Deus dá exige do homem um espírito de perdão também. Jesus
não ensinava uma nova doutrina de perdão; ele trouxe a pecadores perdidos uma experiência nova de perdão
(Lc.7:48).

4. Justiça
Justiça não é, em primeiro lugar, uma qualidade ética, mas um relacionamento certo com Deus. Procurar o
Reino quer dizer procurar a justiça de Deus (Mt.6:33). Judaísmo ensinava que justiça era obtida por um esforço
humano; Jesus mostra que é tanto uma exigência divina como uma dádiva divina (Mt. 5:20, 21-48). Ninguém
conseguirá uma tal justiça, por isso deve ser dada por Deus. Jesus ensina que deve se renunciar à justiça própria,
humana, e estar disposto a se tornar como uma criança que nada tem e deve receber tudo. Os escribas não
queriam fazer isso (Lc.18:12-14). A justiça, proclamada pelo Senhor Jesus no Sermão da Montanha também é
dádiva de Deus (Mt.5:6).

1
Tipo de tempo verbal do da língua grega.

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d) O Deus do reino
Para um entendimento melhor do Reino de Deus, devemos conhecer o ensinamento acerca de Deus. No
ensinamento de Jesus, a doutrina de Deus determina tudo, inclusive a nossa idéia do Reino e do Messias. Se o
Reino é o domínio de Deus, cada aspecto do mesmo deve ser baseado no caráter e nos atos de Deus.
A intenção de Jesus não era de ensinar verdades teóricas, mas de levar pessoas a ter uma nova
experiência com Deus. Mesmo assim, uma certa imagem de Deus se reflete nos ensinamentos e ministérios de
Jesus:

1. O Deus que está procurando. Havia uma diferença entre o Deus do Judaísmo nos dias de Jesus e o Deus
do A.T. No A.T., Deus estava agindo na história constantemente para julgar e salvar. O Deus do judaísmo,
porém, tinha se retirado do seu povo e esperaria até o final dos tempos para agir novamente. Jesus ensinava
que Deus não somente agiria no final dos tempos, mas que ele já está agindo agora para redimir. Deus entrou
na ordem histórica, as profecias do A.T. estavam se cumprindo, a salvação messiânica estava presente, o
Reino de Deus se aproximara. Em Jesus, Deus tomara a iniciativa de procurar o pecador e levar os perdidos
para dentro do seu Reino. Deus é o Deus que está procurando. Jesus mostrava que Ele devia ministrar aos
perdidos e pecadores (Lc.2:15-17). As três parábolas de Lucas 15 mostram a iniciativa divina: o pastor procura
a ovelha, a mulher varre a casa, e a figura central na parábola do pródigo não é ele, mas o pai, simbolizando
Deus.

2. O Deus que está convidando. O Deus que está procurando também é o Deus que está convidando. Jesus
deu a figura de uma festa com muitos convidados para descrever a salvação (Mt.22:1 ss; Lc.14:16 ss). Assim
podemos considerar os jantares de Jesus com seus seguidores como um tipo de parábola. A comunhão tinha
sua expressão máxima nesta forma de encontro social para os judeus e era muito importante no ministério de
Jesus (Mc.2:15). Os fariseus se ofenderam por isso. (Lc..1:2)

3. Deus, o Pai.
Deus procura e convida pecadores para que Ele possa ser seu pai. O fato de que Deus é pai e a idéia do
Reino de Deus são interrelacionadas (Mt.13:43: Mt.25:34; Lc.12:32; Mt.6:9-10). Isto mostra que Deus é um Pai
para aqueles que entram no Reino de Deus e é como Pai que Deus concede a entrada no Reino.
Deus é Pai não somente no sentido escatológico, mas também no presente. Isto é evidenciado pelo fato de
Jesus ensinar aos seus discípulos que eles deveriam considerar Deus como seu Pai celestial.
A doutrina de que Deus é Pai é baseada no ensinamento do A.T. O povo de Israel é o primogênito de Deus
(Êx.4:22). Deus é o Pai da nação (Det.32:6; Is.64:8; Mal.2:10). Não é um relacionamento por natureza, mas
por iniciativa divina. Quando Israel se desviava, Deus era o Pai apenas do remanescente fiel (SI. 103:13;
Mal.4:6). Jesus aprofundou e enriqueceu esta doutrina, estendendo-a a todas as pessoas.
Jesus é o Filho de Deus num sentido único. Os discípulos são filhos de Deus em outro sentido. Ser filho de
Deus é um privilégio restrito aos discípulos de Jesus. Isto implica que no ensinamento de Jesus não há lugar
para a irmandade universal de todos os homens.
Jesus usava o titulo "Abba" (veja também Rm.8:15; Gl.4:6) para falar com Deus e ensinava seus discípulos a
fazer o mesmo. Os judeus não usariam esta palavra porque é íntima demais e considerada uma falta de
respeito. Abba não podia ser usada em linguagem diária (Mt.23:19), mas ser reservada para Deus,
representando o novo relacionamento de confiança e intimidade dado por Jesus aos homens

4. Deus, o Juiz. Enquanto Deus procura e convida pecadores, Ele é justo para com aqueles que rejeitam a
sua salvação e os julga. O julgamento ocorre na história e no dia escatológico (Mt.11:20-24; Lc.10:13-15;
Mt.23:37-39.

e) O mistério do reino
O Reino de Deus envolve dois momentos importantes: realização dentro da história e consumação no final
da história. Estes dois aspectos formam o pano de fundo para as parábolas de Reino.
1. A Interpretação das Parábolas
Há duas regras para a interpretação das parábolas:

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1º. Parábolas não devem ser interpretadas como se fossem alegorias. Uma alegoria é uma história imaginária,
criada por um autor para ensinar uma verdade. Todos os detalhes têm significado, porque são escolhidos pelo
autor. Exemplo de uma alegoria encontramos em II Reis 14:9-10. Uma parábola é uma história tirada da vida
comum para ilustrar uma verdade moral ou religiosa. O autor, porém, não criou a história e não tem controle
sobre os detalhes, que muitas vezes têm pouco a ver com a verdade central. Exemplos: Na parábola de
Lc.16:1-13, uma ênfase grande demais nos detalhes levaria à conclusão de que astúcia é melhor do que
honestidade. Na parábola do bom samaritano, o significado simbólico dos ladrões, do sacerdote, do levita, de
Jerusalém, Jericó e o hotel não devem ser procurados mais do que a identidade da mula.
2º. As parábolas devem sor interpretadas dentro de um contexto bíblico histórico do ministério de Jesus e não na
vida da Igreja. Isto não quer dizer que não existem analogias entre o ministério de Jesus e a função da Palavra
e da Igreja no mundo. Porém, agora estamos nos preocupando primeiramente com o sentido histórico das
parábolas no ministério de Jesus.

2. O Mistério do Reino
O contexto histórico das parábolas é resumido em uma só palavra: "mistério" (Mc.4:11-12). O mistério do
Reino é a chegada do reino na história antes da sua manifestação escatológica. Isto é a verdade ilustrada pelas
sete parábolas de Mc.4 e Mt. 13. Mistérios quer dizer os pensamentos, planos, e dispensações secretas de Deus
que são escondidas para a mente humana e por isso são reveladas àqueles para quem são feitos. A nova
verdade, dada na pessoa e na missão de Jesus é que o Reino finalmente virá em poder apocalíptico, mas também
já entrou no mundo de uma maneira escondida para operar entre os homens.

3. A Interpretação das Parábolas individualmente


1º) A Parábola do Semeador. Existem quatro tipos de terra. O número em si não é importante. O que é
importante é que o Reino entrou no mundo e no momento tem somente um sucesso parcial, dependendo da
reação dos homens. Apesar do fato de que a parábola tenha alguma aplicação quanto à operação do
evangelho no mundo, isto não é seu significado básico. Os judeus pensaram que o Reino viesse com grande
poder, destruindo as nações ímpias (Det.2:44). O Reino será dado aos santos (Dn.7:27). Jesus ensina que o
Reino veio, mas não com poder irresistível. Opera no mundo como uma semente. A Palavra do Reino poderá
até morrer, ser aceito superficialmente ou sufocado pelos cuidados do século, que é hostil ao Reino de Deus.
Onde a Palavra do Reino é aceita, ela produz muito fruto.

2º) Os Trigos e a Rede. Estas parábolas ensinam que o Reino veio, mas ainda não acabou com a existência dos
maus. Os filhos do Reino devem continuar vivendo neste mundo, e somente na consumação dos séculos
haverá separação entre bons e maus.

3º) O Grão de Mostarda. A verdade ilustrada por esta parábola é que o Reino, que um dia será uma árvore
grande, já está presente no mundo numa forma pequena, parecendo insignificante. A ênfase da parábola está
no contraste entre o início e o fim da semente. Os judeus não podiam imaginar que o Reino de Deus pudesse
se manifestar em um grupinho de discípulos tão insignificante, todavia Jesus mostra que primeiramente se
tem a semente pequena, depois se terá uma árvore grande.

4º) O fermento. Esta parábola ilustra a mesma verdade da anterior: o Reino, que um dia se estenderá ao mundo
todo, entrou neste de uma maneira quase invisível. Várias interpretações têm sido dadas para esta parábola.
1º. O fermento simboliza a devagar penetração do Reino no mundo. O fermento do Reino penetra a
sociedade até que o mundo todo seja transformado num processo devagar. Alguns enfatizam este
aspecto até ao ponto de esquecer a consumação escatológica.
2º. Outros interpretam fermento como doutrina falsa que penetra a Igreja. Porém nem sempre fermento
simbolizava o mal nos pensamentos judaicos.
3º. A ênfase da parábola está no contraste da grande massa de trigo com o pouquinho de fermento. O
fermento mostra que um dia o Reino prevalecerá de tal maneira que não haja mais rivalidade. A massa
toda será fermentada. Os judeus pensavam que a vinda do Reino fosse transformar toda a sociedade,
mas nada estava acontecendo. Jesus respondeu que inicialmente parece que nada acontece, contudo
finalmente haverá uma transformação completa. Não existe ênfase na maneira em que transformação é

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

operada. A idéia de uma transformação lenta era estranha para os judeus, e, se isso fosse o caso, Jesus
teria repetido esta verdade muitas vezes. As outras parábolas falam de um julgamento apocalíptico.

5º) A pérola de grande valor e o tesouro. A verdade ilustrada por estas duas parábolas é que o Reino de Deus
é de muito valor e deve ser procurado antes de mais nada.

6º) 6. A semente que cresce sozinha (Mc.4:26-29) Algumas interpretações:


1º. Os vários estágios de crescimento simbolizam crescimento espiritual;
2º. O Reino de Deus cresce e gradualmente neste mundo.
Fatos que fazem estas interpretações impossíveis:
a. Jesus nunca ensinava crescimento gradual; se isso fosse essencial, Jesus teria ensinado para os
judeus, que esperavam um desenvolvimento gradual.
b. Plantar e semear nunca são ensinados em literatura judaica ou cristã para descrever um
crescimento gradual:
c. Plantar e semear na literatura cristã sempre é relacionada como ilustração sobrenatural.
A parábola ensina que o Reino é escatológico e não depende de esforço humano. Há um relacionamento
entre semear e colher. A semente foi semeada através da missão de Jesus e um dia haverá uma colheita. Ambos
são obra de Deus e essencialmente sobrenaturais. O homem pode semear, porém o ato é de Deus.

f) O Reino e a Igreja
Qual é o relacionamento entre a Igreja e o Reino?
1º. O Reino é escatológico (Teologia dos primeiros três séculos).
2º. O Reino é a Igreja (Agostinho, teologia católica).
3º. A Igreja é o Reino em certo sentido, porém o Reino é mais que a igreja.
Se Jesus trouxe o reino dentro da ordem histórica, então as pessoas que aceitam Sua Palavra se tornam o
povo do Reino. Examinemos a atitude de Jesus a respeito de Israel, os seus discípulos e o relacionamento dos
dois para com o Reino de Deus.

1. Jesus e Israel
Qual era a atitude de Jesus para com os gentios e Israel. Há quatro posições:
1º. Jesus era anti-semita e pensava somente em ter uma missão universal (Hegel, Tolstoi).
2º. Jesus era judeu e sua missão era limitada ao povo de Israel. (Reimarus. Strauss, Wellhausen, Harnack).
3º. Jesus, no início da sua missão, era limitado aos judeus e somente no final da sua vida ficou consciente de
uma missão mundial (Keim, Weiss. Betholet).
4º. Jesus, desde o início de seu ministério, tinha a intenção de alcançar tanto os judeus como os gentios, mas
limitou seu ministério aos judeus, porém, preparando seus discípulos para uma missão universal.
Alguns fatos são importantes. Em primeiro lugar, Jesus viveu evidentemente como judeu, aceitando a
autoridade do A.T., visitando o templo, observando os rituais, participando da adoração nas sinagogas. Ele
afirmou que a missão d'Ele era para o povo de Israel (Mt. 15:24) e não deixou que seus discípulos pregassem
senão para os judeus (Mt.10:5,6). Motivo disto é, entre outras coisas, que Jesus viu seu ministério e a sua
mensagem como baseados no A.T., com as suas profecias e a aliança. Os israelitas eram os filhos do Reino
(Mt.8:12) e Jesus queria levar Israel a seu destino verdadeiro.
Em segundo lugar, os judeus, como nação, rejeitaram Jesus e a sua mensagem. À medida que Jesus
pregava, a rejeição aumentava. Apesar disto, um grupo dentro de Israel aceitou a mensagem de Jesus e
respondeu em fé. Jesus chamou-os discípulos, que eram também servos, aceitando Sua autoridade
completamente. (Mt.10:24ss; 24:45ss; Lc.12:35ss). Em outras palavras, se Jesus proclamou salvação messiânica
e ofereceu a Israel seu destino verdadeiro, isto tudo se realizou naqueles que aceitaram a Sua Palavra. Estas
pessoas tornaram-se representantes de Israel, o verdadeiro Israel, ou o Israel espiritual.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.9


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

2. Remanescente
A idéia de que os discípulos de Jesus são o verdadeiro Israel é baseada na idéia do A.T. do Remanescente.
Os profetas consideravam Israel no seu total como desobediente e rebelde, e por isso destinado a julgamento
divino. Porém, dentro do povo rebelde ficou um Remanescente fiel, constituindo o Israel verdadeiro.
O chamado de doze discípulos tem sido considerado como um ato simbólico mostrando a continuidade
entre Israel e a Igreja. Os doze são destinados a ser os líderes do Israel escatológico. (Mt.19:28; Lc.22:30). Os
doze representam a congregação nova que ia substituir o povo inteiro que rejeitou a Sua mensagem.

3. Mt. 16:18-19
Neste contexto, devemos interpretar Mt. 16:18-19, que não fala da criação de uma nova instituição, mas de
uma nação no sentido do A.T. sendo este povo de Deus. "Edificar um povo" é uma expressão do A.T. (veja Rute
4:11; Jr.1:10; 24:6; 31:4: S1.28:5; 118:22; Amós 9:11). Ekklesia (igreja) é uma palavra que descreve Israel como a
congregação ou assembléia de Javeh. (cf. o uso de ekklesia por Estevão em Atos 7:38; veja-se também Det.5:22;
Ez. 10:12; SI. 22:22; 107:32; Joel 2:16; Miq. 2:5). A ekklesia, o novo Israel, é de Jesus. Sobre a igreja como
instituição esta passagem não fala. É um outro estágio de desenvolvimento histórico.

4. O reino e a igreja
A Igreja não é o Reino, porque o N.T. nunca usa os termos igreja e reino misturadamente. Os primeiros
pregadores pregaram o Reino de Deus, mas não a igreja (At.8:12; 19:8; 20:25; 28:23,31). As únicas referências no
N.T. ao povo como BASILEIA são Ap. 1:6 e 5:10. Entretanto, as pessoas são chamadas assim não porque são
súditos do reino, mas porque são participantes do domínio de Cristo (Ap.5:10). Reino aqui significa "reis". Qual é,
portanto, o relacionamento entre o Reino e a Igreja?
O reino cria a igreja. O Reino de Deus, no seu sentido dinâmico, presente na pessoa e na missão de Jesus,
desafiou as pessoas a tomarem uma decisão de fé que as coloca numa comunidade nova. "A Igreja é
somente o resultado da vinda do Reino de Deus ao mundo por intermédio da missão de Jesus" (H.D.
Wendland). Entrar no Reino quer dizer participação na Igreja, mas entrar na igreja não é necessariamente
entrar no Reino, como mostra o fato de que entre os discípulos de Jesus havia um traidor.
A igreja testifica acerca do reino. A igreja não pode edificar o reino, mas pode testificar do Reino – os atos
de redenção de Deus em Cristo no passado e no futuro. Isto se mostra pela comissão dada por Jesus aos
doze (Mt.10) e aos setenta (Lc. 10). Estes números têm um significado simbólico: 12 representa que Jesus
queria mandar sua mensagem para Israel todo (as doze tribos); 70 é o número das nações do mundo,
conforme a tradição judaica. A mensagem de Jesus deve ser ouvida não só por Israel, mas por todos os
homens. O fato de que os gentios seriam incluídos no reino é evidente em outras passagens: Mc. 12:1-9, o
reino será dado a pessoas dignas de confiança; Mt.8:11-12, muitos gentios participarão da festa; Mc. 13:10, e
evangelho deverá ser pregado a todas as nações.
A igreja deve testificar do reino de várias maneiras: por palavras (Mc.13:10); a vida e a comunhão do
século vindouro devem ser mostradas na vida e na comunhão da igreja. Por isso Jesus dá tanta ênfase ao
perdão e à humildade (p.ex. Mc. 10:35 ss). Perdão divino e humano são inseparáveis (Mt.6:12; 14; Mt. 18:23-
35).
A igreja é o instrumento do reino. Os discípulos não somente pregaram o Reino de Deus, mas também as
obras do Reino foram manifestadas através deles (Mt.10:8; Lc. 10:7). O mesmo poder que operou através de
Jesus, operou através deles. Este poder não era deles mesmos, por isso nunca havia competição ou vanglória
na operação de milagres.

g) A ética do Reino
1. Jesus e a Lei de Moisés. Há dois aspectos da atitude de Jesus a respeito da Lei de Moisés:
Continuidade: o A.T. é a Palavra inspirada de Deus, e a Lei a regra divina de conduta. Jesus mesmo obedecia
à Lei: Mt.l 7:27; 23:23; Mc.14:12). Ele veio para cumprir a Lei (Mt.5:17).
Descontinuidade: Depois de João Batista há um outro relacionamento entre Deus e os homens (Mt.l 1:13;
Lc.16:16), não determinado pela Lei, mas por Jesus. A missão d'Ele e a chegada do Reino são cumprimentos
da Lei e dos Profetas. Por isso Jesus assumiu autoridade igual a do A.T. A expressão "Amém", como
introdução de suas palavras, tem valor e a força da expressão no A.T. "Assim diz o Senhor". Assim Jesus

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.10


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rejeitou as interpretações dos escribas da Lei: sobre o sábado (Mc.2:23-28; 3:1-6; Lc.13:10-21; 14:24); sobre o
jejum (Mc. 2:18-22); sobre purificação cerimonial (Mt.15:1-30; Mc.7:23; Lc. 11:37-54); sobre alimentos
(Mc.7:15).

2. Ética absoluta
A ética ensinada por Jesus, principalmente no Sermão da Montanha é uma ética absoluta, tão alta que não
é alcançável. O sermão porém não é lei; se fosse assim ela deixaria o homem desesperado. O sermão mostra e
descreve a vida do homem na qual o Reino, o domínio de Deus, é completo. Há uma analogia entre a vinda e a
consumação do Reino e a vinda e a perfeição da ética do Reino. Porém, Jesus espera que seus discípulos nesta
vida alcancem um grau de perfeição.

3. Ética da Vida Interior


A ética do Reino dá muita ênfase à justiça de coração, interior. Uma justiça maior do que a dos fariseus é
necessária (Mt.5:20). A Lei condena assassinato; Jesus condena ódio (Mt.5:21-26), e assim há inúmeros outros
exemplos. Isto não é legislação, mas caráter, dádiva do Reino de Deus.

4. Como a justiça é alcançada


A justiça do Reino somente poderá ser experimentada pelo homem que se submeter ao Reinado de Deus,
que veio através de Jesus, e que consequentemente experimentou os poderes do Reino. A decisão para participar
do Reino de Deus é uma decisão rígida, total. Isto poderá implicar em deixar a sua casa (Lc.9:58), obrigações
humanas normais (Lc.9:60) e até relacionamentos com familiares (Lc.9:61). Veja-se também Mt.10:34-39. O amor
que alguém tem para com seus queridos é descrito como ódio em comparação com seu amor pelo Reino de Deus.
O Reino precisa ocupar o lugar mais importante na vida de alguém (Mt.19 – o mancebo de qualidade). O homem
deve renunciar a si mesmo, até à sua própria vida (Lc. 14:26). Desta decisão depende o destino do homem
(Mt.10:32-33).

3. CRISTOLOGIA
a) Messias
O título Messias ou Cristo (=hebr/grego: o ungido) é o nome mais importante dado a Jesus. Cristo, que
inicialmente era um título, se tornou logo um nome próprio. Jesus foi conhecido não somente como Jesus, o Cristo
(At.3:20), mas como Jesus Cristo ou Cristo Jesus. Paulo raramente fala de Jesus; sempre usa o nome composto.
Ele fala mais de Cristo do que de Jesus. Porque os cristãos chamaram Jesus de "Cristo" enquanto Jesus era tão
diferente do Messias esperado? Jesus próprio usava o título Cristo? Estudaremos: 1. O Messias no A.T.; 2. O
Messias no conceito judaico de Jesus; e 3. Messias nos Sinópticos.

1. Messias no A.T.
Na época do A.T. várias pessoas foram ungidas com óleo e assim separadas para cumprir uma missão
ordenada por Deus. Entre eles estavam os sacerdotes (Lv.4:3; 6:2), reis (I Sm.24:10; II Sm. 19:21; 23:1;
Lam.4:20), e profetas ( I Reis 19:16). Unção indica que Deus escolheu a pessoa e que a pessoa está sob proteção
especial de Deus ( I Crôn. 16:22). Às vezes Deus chama alguém de Seu "ungido", porque era escolhido para fazer
uma obra especial apesar de não ter sido ungido oficialmente com óleo (Is. 45:1; SI. 105:15 e Hab.3:13).
"Messias", como título, é encontrado poucas vezes no A.T. Salmo 2:2 é a referência mais clara a respeito de um
Rei messiânico, que ao mesmo tempo é o filho de Deus. I Sm. 2:10, mostra o uso mais antigo da palavra Messias
no contexto escatológico. II Sm.7:12 profetiza um reinado eterno para a descendência de Davi. As profecias mais
notáveis são Is.9 e 11. Também Zacarais mostra o rei como alguém que alcançou a vitória e traz a Jerusalém
(Zc.9:9-10). O fato de que Ele usa um jumento e não um cavalo (Jr.22:4) indica que Ele alcançou a vitória e volta a
Jerusalém em paz.

2. O Messias nos Conceitos Judaicos


A palavra Messias não é encontrada muitas vezes entre os dois testamentos. Os "Salmos de Salomão"
contêm uma oração para Deus estabelecer seu Reino através do Rei prometido, filho de Davi, ungido do Senhor.

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O Reino desejado é terrestre e político, apesar de que há também um elemento religioso nesta oração. Outros
esperavam dois ungidos: um sacerdote, e um rei, sendo que o primeiro dominaria o segundo.

3. O Messias nos Evangelhos Sinópticos


a. Esperança messiânica nos Evangelhos
O povo esperava um Messias (João 1:20,41; 4:29; 7:31; Lc.3:15); que seria um filho de Davi (Mt.21:22) e
apesar de seu nascimento em Belém (João 7:40-42; Mt.2:5) havia uma tradição que Ele apareceria de repente
com uma origem obscura (João 7:26-27). Depois de ter aparecido, Ele ficaria para sempre (João 12:34). O
elemento mais importante nesta esperança é que o Messias seria da casa de Davi. Os escribas mandaram os
magos para Belém. Herodes interpretou a profecia em termos políticos, porque ele temia que perderia seu trono
(Mt. 2:1-18). Os fariseus estavam temendo as consequências políticas do ministério de Jesus (João 6:15). Quando
Jesus enfatizava o caráter espiritual de seu Reino, a sua popularidade acabou (João 6:66). Pilatos, sem dúvida,
falou sobre Jesus como o Messias com muito sarcasmo, porque Jesus parecia tudo, menos um rei messiânico
(Mt. 27:17,22). Os sacerdotes e escribas zombaram, chamando o Jesus crucificado de Rei de Israel (Mc. 15:32).
Por causa desta crença popular, Jesus não usava o título Messias. Se Ele tivesse falado publicamente que era o
Messias, isso teria conseqüências políticas. A palavra foi usada somente depois da Ressurreição, quando
finalmente a missão messiânica foi plenamente compreendida.

b. Jesus, o Messias
A Palavra Cristo aparece somente algumas vezes nos Evangelhos, em passagens editoriais (Mt. 1:1;
Mc.1:1: Lc.2:11; João 1:17); por Pilatos (Mt.27:17-22), com ironia, e em alguns outros versículos, não como nome,
mas como título. Nunca os discípulos chamam Jesus de Messias. O fato de que a Igreja primitiva preservou a
terminologia messiânica em sua forma histórica correta sugere que a tradição é de confiança. Duas passagens
devem ser examinadas de perto: Mc. 8:27-33; e Mt. 16:13-23. Há várias interpretações quanto àquilo que Pedro
confessa aqui sobre Jesus como Messias.
1º) Pedro estava pensando num Rei. de descendência de Davi, mandado por Deus, capacitado
sobrenaturalmente, que destruiria as estruturas políticas contemporâneas, e estabeleceria o Reino de
Deus.
2º) Pedro estava considerando Jesus como aquele que cumpria as profecias do A.T. (Não nada na conduta
de Jesus que mostrava que ele era um Rei vitorioso; Pedro deve ter ouvido a afirmação de Jesus que
Ele veio cumprir as profecias (Mt. 11:2-6) e visto milagres de libertação e cura). Pedro não compreende
plenamente que é o Messias, mas já entendeu alguma coisa.
Em Mc. 14:61, Jesus não rejeita o título Messias, quando é dado a Ele, porém, Ele dá a sua própria
definição do termo.

c. O Filho do Homem
Introdução
Um dos títulos messiânicos mais importantes nos Evangelhos sinópticos é "Filho do Homem". Três fatos se
destacam: 1º) Filho do Homem é a maneira mais freqüente de Jesus falar acerca de si mesmo; 2º) Ninguém usa o
o
título para designar Jesus; e 3 ) Não há evidência nenhuma de que Jesus foi chamado Filho do Homem pela
Igreja Primitiva, exceto em Atos 7:56. A interpretação mais antiga do título é que ele indica a natureza humana de
Cristo e sua identificação com os homens. Esta interpretação não está de acordo com o fundo histórico e o
significado da expressão. No A.T., "filho do homem" significa simplesmente "homem". Veja SI. 144:3; Num.23:19.
Parece que "filho do homem" é uma expressão comum, que se tornou especial, como, por exemplo, a palavra
alemã "Führer" que significa "líder", mas começou a ser usada para designar Hitler.
O Filho do Homem no A.T. Alguns teólogos se referem ao livro de Ezequiel para explicar o título "Filho do
Homem" como título especial do profeta, dado por Deus. Provavelmente a origem do título está na visão de
Daniel dos 4 animais surgindo do mar (Dan.7:13-14 ss). Há várias interpretações desta visão, mas parece que
o Filho do Homem em Daniel é uma pessoa messiânica e escatológica, que trará o Reino celestial para os
santos afligidos na terra.
O Filho do Homem nos Evangelhos sinópticos. Há três categorias diferentes nas quais o título Filho do
Homem é usado: a) O Filho do Homem na terra como Servo; b) O Fi l h o do Homem em sofrimento e Morte; c)
O Filho do Homem em glória escatológica.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.12


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O Filho do Homem perdoa pecados (Mc.2:10). Jesus usa o título Filho do Homem não como simples
sinônimo de homem. Jesus, como Filho do Homem, tem poder para perdoar pecados, e agora ele exerce esse
poder na terra também. O Filho do Homem é Senhor até do sábado. (Mc.2:27). O Filho do Homem veio
procurar o que está perdido (Lc.19:10); O Filho do Homem, apesar de ser o Messias, não tem lugar nesta terra
e não vive uma vida de acordo com a dignidade do Messias. (Mc. 8:20; Lc. 9:58). Todas estas referências
mostram que Jesus reivindicou deidade, que ele era celestial e preexistente. Como é que Jesus poderia ser o
Filho do homem celestial e, ao mesmo tempo, viver tão humildemente?
Jesus ensinou que o Filho do Homem deveria morrer (Mc. 8:32). Pedro não aceitou esta idéia, porque é
uma contradição aparente. Os discípulos não conseguiam entender como o Filho do Homem, o Rei da casa
de Davi, que com seu sopro destruiria os seus inimigos, morreria. Jesus unia o conceito de servo do Senhor
de Isaías com o título Filho do Homem e assim reinterpretou, na sua pessoa, as esperanças messiânicas (Mc.
10:45).
Ao mesmo tempo em que Jesus anunciava sua morte, Ele anunciava sua aparência em glória
(Mt.26:64). Jesus é o Messias, mas o Messias celestial, não o Rei da casa terrestre de Davi. De fato Jesus
anuncia aos seus adversários que um dia a situação seria o contrário: Um dia seus acusadores estariam
diante d'Ele como juiz escatológico.
Conclusão
Pelo uso do título Filho do Homem, Jesus reivindicou dignidade e um papel messiânico e o título tem
conotações sobrenaturais. Depois de ter convencido seus discípulos de que ele é Filho do Homem, Jesus
reinterpretou estas palavras, ligando-as ao conceito do Servo do Senhor, que primeiramente deveria sofrer e
morrer, e depois viria para trazer o seu Reino com poder e grande glória. Há um paralelo entre o uso do termo
Filho do homem e a idéia do Reino de Deus. Como o Reino de Deus opera silenciosamente e quase
invisivelmente entre os homens, antes de sua manifestação escatológica, assim o Filho do Homem já está
presente no meio dos homens, numa forma que ninguém esperava, e sofre antes de ser glorificado e de trazer o
Reino de Deus.

d. Filho de Deus
Introdução
O termo Filho de Deus pode ser usado de 4 maneiras:
1) Ser filho de Deus por criação: a pessoa deve sua existência a um ato direto de Deus. (Lc. 2:38). Este
provavelmente é o sentido de Lc.1:35, porque o nascimento de Jesus era consequência direta de um ato de
criação pelo Espírito Santo no corpo de Maria.
2) Ser Filho de Deus denota um relacionamento especial de pessoas com Deus, enquanto objetos de Seu
cuidado especial (uso moral religioso). Veja Êx. 4:22; João 3:3; 1:12; Rm.8:14,19; Gál.3:26; 4:5.
3) O Messias, como Rei da casa de Davi, é chamado Filho de Deus, em II Sm. 7:14 (uso messiânico). Isto não
implica necessariamente a natureza divina do Messias, mas apenas a sua posição oficial.
4) Jesus é Filho de Deus porque Ele é Deus e tem uma natureza divina (uso teológico). Nossa questão é se
Jesus é Filho de Deus em sentido religioso.
O Filho de Deus no Judaísmo. Davi recebeu muitas promessas de Deus quanto a um descendente seu que
seria o Filho messiânico no sentido mais completo (II Sm.7:14; SI. 89:27,29; SI.2:7). Apesar desta base
veterotestamentária, o título Filho de Deus nunca se tornou comum entre os judeus.
O Filho de Deus nos Evangelhos Sinópticos. O título Filho de Deus nunca é usado por Jesus para designar
a si próprio, mas freqüentemente Ele refere a Si mesmo como o filho. Isso é mais interessante ainda quando
lemos nas Epístolas o título Filho de Deus como um dos mais usados nomes de Jesus. Jesus foi chamado
Filho de Deus quando foi batizado (Mc.1:11) e na transfiguração (Mc.9:7). Na tentação, o diabo queria que ele
provasse ser o Filho de Deus. Filho de Deus, nestas passagens, não é o equivalente de Messias. O Messias é
um Filho de Davi, ungido para estabelecer o Reino de Deus com poder. Jesus é Filho de Deus por causa de
seu poder sobre espíritos (Mc.3:11; 5:7).
O Batismo. Alguns interpretam a voz celestial como se Jesus se tornasse Filho de Deus a partir daquele
momento. Porém, pelas referências ao A.T. (SI.2:7 e Isa.42:1), parece antes que Jesus foi designado Messias
por causa do fato de que Ele era Filho de Deus. A citação de Is.42:1 mostra também que a missão messiânica
deve ser cumprida em termos das profecias sobre o servo do Senhor.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

A Tentação. Satanás não desafiou Jesus com as palavras "Se tu és o Messias", mas "Se tu és o Filho de
Deus". Como filho de Deus, Jesus teve à sua disposição poderes sobrenaturais.
Mateus 11:25-27. A missão de Jesus somente pode ser conhecida por revelação da parte de Deus. Nem
todos reconheciam Jesus como Messias; a geração daquela época como um todo era cega (Mt. 12:24). O
Filho é importante no processo da revelação porque Ele é o Filho de Deus. Jesus conhece Deus no mesmo
sentido que Deus conhece o Filho. Este conhecimento não é adquirido, mas por intuição, direto e imediato.
Por causa deste conhecimento, Jesus comunicava conhecimento aos homens. Mais uma vez, o fato de que
Jesus é Filho de Deus é base de sua missão messiânica.

e. A Missão Messiânica.
O acontecimento mais importante na missão de Jesus foi a crucificação. Isto podemos deduzir de uma das
confissões mais antigas, que contêm as palavras: “Cristo morreu por nossos pecados, de acordo com as
Escrituras”.
Humanamente falando, a morte de Jesus era uma tragédia política. Jesus rejeitara a interpretação
legalística do A.T. dos fariseus e escribas, que se tornaram seus inimigos. Os sacerdotes e os líderes se sentiram
ameaçados por Ele quando purificou o templo e entrou em Jerusalém (João 11:47-48). Pilatos sabia que Jesus era
inocente, porém o crucificou como um revolucionário perigoso. Será que Jesus previu Sua morte? E qual foi o
significado que Ele atribuiu à mesma?
Predições da Paixão. A partir da confissão de Pedro (Mc.8:30-55), Jesus começou a preparar seus discípulos
para o sofrimento d'Ele, que se tornou um elemento importante nos seus ensinamentos. Jesus se identificou
desde o início de seu ministério com o povo, para "cumprir" toda justiça (Mt.3:15). Estas palavras se referem a
Is.53:11. Jesus se colocou ao lado dos pecadores. A voz do céu combinou os textos de ls.42:1 e SI.2:7. Isto
mostra que desde o inicio Jesus cumpriu sua missão como o Servo Sofredor. Jesus sempre esperava sua
morte, como mostram passagens como Mc.2:20, 10:38, Lc.12:50 e Mc.14:27.
O Significado da Cruz. Há apenas duas passagens nas quais Jesus explica o significado de sua morte: Mc.
10:45 e Mt.26:28. Destes versículos podemos deduzir o seguinte:
1) A morte de Jesus é Messiânica. A morte de Jesus faz parte de sua missão messiânica, como é
evidente na linguagem usada nas predições do sofrimento de Jesus (Mc.8:31). Alguns pensam
que Jesus, quando viu que Sua morte era inevitável, cooperou com aquilo que era inevitável e deu
um significado religioso à sua morte. Este pensamento, porém, não está de acordo com os fatos.
Quando Pedro repreendeu Jesus por causa do anúncio de sua morte, Jesus repreendeu Pedro
duramente. Nós podemos concluir que Satanás quis evitar a morte de Jesus, usando Pedro (Mc.
10:45). O Filho do Homem veio para dar sua vida, o que é o objetivo da Sua vinda. João explica
mais detalhadamente que a morte de Jesus tem valor redentor (João 10:11,13,17).
2) A morte de Jesus é expiatória. O significado expiatório da morte de Jesus é encontrado em
Mc.10:45. Resgate, em grego “lütron”, é o preço pago para livrar um escravo da sua escravidão ou
para comprar a liberdade de prisioneiros de guerra. A palavra também tem o significado de
sacrifício expiatório, como "asham" em Is.53:10. Jesus deu sua vida para resgatar as vidas
perdidas. Nem este versículo, nem o ensinamento posterior de Paulo implica que este preço foi
pago ao diabo. Orígenes ensinou que a alma de Jesus foi dada ao diabo em troca das almas
humanas, mas Satanás não conseguiu segurar a vida de Cristo. Assim, o diabo perdeu o controle
sobre Cristo e os homens. Para entender o significado da expiação nós devemos estudar ls.53
para o contexto histórico deste conceito; nessa passagem, o Servo do Senhor derrama a sua alma
até a morte, é contado com os transgressores e leva sobre si o pecado de muitos
3) A Morte de Jesus é uma substituição. A morte de Jesus não apenas remiu, mas a expiação é
alcançada através de substituição. A preposição em Mc. 10:45 é "ANTI", que quer dizer "em lugar
de". Jesus dá a sua vida em lugar daqueles que eram perdidos. Esta doutrina, porém, não é
plenamente desenvolvida antes da crucificação.
4) A morte de Jesus é um sacrifício. Is.53:10, a base veterotestamentária do conceito de
sofrimento messiânico, mostra que a morte do Servo do Senhor é sacrificial. “Este é o sangue da
aliança que é derramado por muitos” (Mc.14:24). Mateus aumenta: “para perdão dos pecados”. A
base destas palavras encontram-se no A.T., quando Moisés recebeu a Lei, tomou o sangue do
holocausto e derramou metade no altar. Após a leitura do concerto e a promessa de obediência
da parte do povo, ele aspergiu a outra metade no povo, dizendo: Este é o sangue da aliança...
(Êx.24:8). Esta aliança é ligada com sacrifício, mas não se menciona perdão de pecados. A

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.14


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

segunda aliança é uma aliança de perdão. Deus prometeu, através de Jeremias, uma nova
aliança, caracterizada por perdão em um novo relacionamento (Jr.31:34). Jesus, na Ceia, instituiu
o novo conserto, ligado com seu corpo partido e seu sangue derramado.
5) A morte de Jesus é escatológica. A morte de Cristo tem um significado escatológico, pois ele
declarou: “Em verdade vos digo que não beberei mais do fruto da videira, até aquele dia em que o
beber de novo, no reino de Deus” (Mc. 14:25). A morte de Cristo cria uma nova esfera de
comunhão, que será completamente realizada apenas no Reino de Deus escatológico. Esta
orientação escatológica tambe´m pode ser observada no comentário de Paulo acerca da ceia, em
I Cor. 11:26.
6) A morte de Jesus é uma vitória. Na obra e pessoa de Jesus o Reino de Deus estava derrotando
o reino de Satanás. A traição por Judas foi um ato inspirado pelo diabo (João 6:70; 13:27), mas a
morte de Jesus significa a expulsão do príncipe deste mundo (João 12:31). A morte de Cristo é
um ato de Satanás, e no mesmo tempo um ato em que Jesus venceu Satanás (L.Morris - The
Cross in lhe New Testament. p. 170 ss).
7) A experiência da cruz. A morte de Jesus era mais do que sofrimento físico, como mostra a
oração de Jesus no Getsêmani (Mc.14 :3 6 , Lc.22:44). A morte de J es us significava para Ele
separação de Deus, O cálice, no A.T., simboliza castigo e retribuição pelo pecado. Por causa de
sua identificação com homens pecadores, Ele é sujeito à ira de Deus. Apesar de isto fazer parte
de sua missão messiânica, Jesus temeu e pediu que, se possível, este cálice passasse. Porém,
Ele se submeteu à vontade de Deus para completar sua missão. Mc. 15:34 mostra a mesma
verdade. A citação de S1.22:1 mostra que Jesus se sentiu abandonado pelo Pai celestial.

4. ESCATOLOGIA
Escatologia é a parte mais difícil na teologia dos evangelhos Sinópticos. Muitas vezes podemos apenas
mencionar os problemas existentes, sem argumentar mais.

a) O estado dos mortos


1. Sheol/Hades.
Jesus fala pouco a respeito do estado dos mortos, além de seu lugar no Reino escatológico de Deus. O N.T.
distingue o Hades (AT = Sheol), o estado intermediário, e Gehenna (inferno), o lugar de castigo final. Sheol é
descrito como um lugar baixo (SI.186:13; Pv.15:24; Ez.26:20), escuro (Jó 10:22), silencioso (S1.88:12; 94:17;
115:17). O Sheol descreve mais o estado do que o lugar dos mortos. Não é um estado de não existência, mas
também não é vida. A morte não separa o homem de Deus, mas, de uma maneira ou outra, Deus não abandonará
os seus no Sheol (SI.16:9-11; 49:15; 73:24; Jó 19:25-26). No A.T., o Sheol não é um lugar de castigo. Somente no
judaísmo posterior se diferencia o Sheol como lugar de bênção para os justos e de castigo para os injustos.
Jesus também fala pouco a respeito do Hades. Mt. 11:23, Lc. 10:15 e Mt. 16:18 falam acerca do Hades com
um conceito bem conhecido. A história do homem rico e Lázaro enfatiza, principalmente, que se alguém não ouve
a palavra de Deus, nem um milagre como a ressurreição o convencerá... (Lc. 16:19-31). Não é uma história
didática. Ao ladrão na cruz, Jesus prometeu que o mesmo estaria com Ele no paraíso, o que é uma afirmação de
que a alma do homem estaria na presença de Deus.

2. A Ressurreição.
O destino individual da pessoa é a ressurreição corporal. No A.T., há algumas referências à ressurreição,
como Dn. 12:2 e Is.26:19. Os judeus, com exceção dos saduceus, acreditavam na ressurreição (Veja, por
exemplo, Mc. 12:18-23). Jesus não ensina nesta passagem que os mortos se tornarão anjos, mas que eles se
tornarão como anjos, no sentido de que eles não morrerão (Mc. 12:25). Lucas diz que a ressurreição é o início de
vida no século futuro, que é o Reino de Deus.

3. Inferno.
A palavra neotestamenlária para designar o lugar de castigo final é Gehenna, derivada do hebraico Ge
hinnom, um vale ao sul de Jerusalém onde houve sacrifícios a Moloque nos dias de Acaz e Manassés (II Re. 16:3-

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

21). Sobre este vale foi pronunciado julgamento em Jer. 7:32 e 19:6, e assim este vale se tornou o equivalente do
inferno na literatura apocalíptica. Nos sinópticos, Gehenna é um lugar de tortura eterna em fogo que nunca se
apagará (Mc.9:43-48). O inferno é um fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos (Mt.25:41). Não há uma
descrição detalhada dos castigos sofridos no inferno, como na literatura apocalíptica. Do outro lado, o castigo
eterno é descrito como trevas (Mt.8:12; 22:13; 25:30). Isto sugere que tanto fogo como escuridão são metáforas
para representar aquilo que não dá para descrever. Exclusão da presença de Deus e das suas bênçãos forma o
essencial do castigo (Mt.7:23; Mt.25:12).

b) Jesus e o futuro
1. As passagens escatológicas
O ensinamento escatológico de Jesus é ligado com os acontecimentos referentes à vinda do Reino
escatológico de Deus. Há dois discursos escatológicos: Lc. 17:22-37, como resposta à pergunta dos fariseus
acerca do tempo da vinda do Reino, e o discurso do Monte das Oliveiras (Mc.13; Mt.24; Lc.21). Mateus contém
mais material, parcialmente encontrado em Lucas (Mt.24:27-51), e também três parábolas escatológicas (Mt.25).
A interpretação destas passagens é muito difícil porque os discípulos fizeram uma pergunta dupla a Jesus
(Mc.13:1,2,4): Quando o templo será destruído? Quais são os sinais de que estas coisas hão de acontecer? (Cf.
Mt.24:3). O problema se torna mais grave porque, nas passagens escatológicas, as duas perguntas são
respondidas interligadamente. Há uma diferença de interpretação entre Mateus, Marcos e Lucas. Enquanto a
desolação é primeiramente escatológica em Mateus e Marcos, em Lucas a expressão se refere à situação
histórica da destruição de Jerusalém, e especialmente do templo. Há várias teorias:
Lucas é a base para interpretação de Mateus e Marcos. A grande tribulação e o sacrilégio da desolação são
eventos históricos se referindo à destruição do templo em 70 d.C. O problema desta interpretação é que a
vinda de Jesus seria imediatamente após a tribulação daqueles dias (Mt.24:29).
Mateus e Marcos nos dão as palavras exatas de Jesus, enquanto Lucas as interpreta, à luz dos
acontecimentos históricos de seus dias. As palavras de Jesus eram escatológicas, mas por causa de Lucas
ter escrito após a destruição de Jerusalém, ele deu uma interpretação histórica. O problema com esta
interpretação é que não existe certeza nenhuma de que o Evangelho de Lucas foi escrito depois de 70 d.C.
Uma data mais cedo, aproximadamente 58-63 d.C., é bem mais provável.
Há dois discursos nos Evangelhos, proferidos em ocasiões diferentes, um se referindo ao futuro próximo e
outro, à consumação escatológica. Porém, a estrutura dos discursos é tão parecida que essa teoria é muito
improvável.
Jesus respondeu às duas perguntas, e as respostas estão misturadas. Não há uma distinção muito clara
quanto ao futuro mais próximo e a consumação escatológica. Este mesmo fenômeno se encontra também nas
profecias do A.T. Em Amós, o dia do Senhor é tanto histórico (Amós 5:18-20), como escatológico (Amós 7:4;
8:8-9; 9:5). Isaías descreve a visitação à Babilônia como se fosse o dia escatológico do Senhor (Is.13). Nas
crises históricas, o escatológico é mostrado em forma de sombra.
2.O Futuro Próximo
Jesus tinha claramente uma visão do julgamento histórico de Israel, da destruição do templo, da dispersão
do povo judeu, da missão dos discípulos tanto aos gentios como a Israel e do arrependimento final de Israel. O
Reino de Deus será tirado de Israel e dado a uma outra nação. A parábola da vinha dada aos outros (Mc. 12:9) é
ilustração de Lc. 11:49-51. Em Mt.23:34-35, a parábola apenas acrescenta a morte do Filho e a entrega do Reino
nas mãos de outros servos. Estes outros servos são os discípulos de Jesus (Mt.21:43).
Jesus previu a pregação do Evangelho fora de Palestina (Mc 13:9-13), apesar da proibição inicial dos doze
de irem além das fronteiras da terra dos judeus (Mt.10:6). Mt. 10:23 às vezes traz dificuldades para a sua
interpretação. Schweitzer interpretou este versículo como se, através da missão dos doze, aconteceria um
arrependimento geral tão grande que o Reino escatológico viria antes de eles terem terminado sua missão. O
versículo, porém, apenas enfatiza que a missão dos doze discípulos continua até a vinda do Filho do Homem.
Apesar de toda a cegueira, Deus não larga Israel. O novo povo de Deus deve preocupar-se com Israel até o
final. Jesus reviu a conversão de Israel (Mt.23:39). Quando Jesus voltar, Ele encontrará um Israel arrependido. As
dificuldades que Jesus descreve não são sinais pelos quais podemos calcular o final dos tempos. Quando ocorrem
estes sinais, o final ainda não chegou (Mc.13:7), mas é apenas o princípio das dores (Mc.13:8). O A.T. ensina que
o Reino de Deus deve nascer depois de um tempo de dor (Is.66:8; Jer.22:23; Os.13:13; Miq.4:9 ss). Referência a
isto é feita em Mc.13:19-20 (Cfr. Dn.12:1).

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

O tema principal do discurso do Monte das Oliveiras é o contraste entre o século presente e o século futuro,
(ódio, conflito e guerra continuarão caracterizando este século até que Jesus venha). Haverá, também,
perseguição daqueles que pregam o Evangelho do Reino de Deus. O Filho de Deus trouxe o poder e a vinda do
Reino para dentro da história e os discípulos continuam esta missão, porém, no mesmo contexto de luta e batalha
com os poderes deste século. No final dos tempos haverá aumento de perseguição, mas então o Reino virá.

3. A Vinda do Reino
Marcos 13:24 descreve brevemente a vinda do Reino, precedida por um desastre cósmico. A linguagem é
poética e deve ser entendida no contexto de profecia no A.T. Isto quer dizer que não deve ser dada uma
interpretação literal, apesar de os acontecimentos descritos ali serem cósmicos. O Reino de Deus vem através da
vinda do Filho do Homem (Mc.13:26; Cf. Dan.7:13). Os Evangelhos nada falam acerca da natureza do Reino de
Deus. Nenhuma distinção foi feita por Jesus entre o milênio e o Reino eterno. Jesus apenas quer dar uma
promessa escatológica não uma instrução apocalíptica. A pregação de Jesus foi dirigida com a finalidade de
impressionar os homens sobre a importância de reconhecer a soberania presente de Deus, a fim de que eles
pudessem vivem na Era Vindoura.
O fato é quando Jesus fala da consumação, ele sempre usa símbolos. Deus é o Rei e ao lado direito do seu
trono está sentado o Filho do Homem (Mc. 14:62), acompanhado por seus doze discípulos num mundo novo
(Mt.19:28), e rodeado pelos santos anjos (Mc. 8:38). Como o Bom Pastor, Ele cuida do rebanho purificado
(Mt.25:32 ss). Houve julgamento dos vivos e dos mortos (Mt. 12:41ss) e uma separação final foi feita (Mt.13:30-
48). Satanás e seus anjos foram lançados no fogo eterno (Mt. 25:41ss), não há mais morte (Lc. 20:36). Os puros
de coração vêem Deus (Mt. 5:8), recebem um nome novo (Mt. 5:9) e são imortais (Mc.12:25), têm a vida eterna
(Mc. 9:43) e vivem para Deus (Lc. 20:38). Deus recompensa os justos (Lc.14:14; Mt.5:12), o tesouro guardado no
céu é distribuído (Mt. 6:20). A ceifa foi recolhida (Mt. 13:30), as bodas são celebradas (Mc.2:19) e gentios
participam da festa ao lado dos patriarcas (Mt.8:11), à mesa do Filho do Homem (Lc. 22:29). Com eles, Ele toma o
vinho do Reino de Deus (Mc. 14:25), e assim a comunhão entre Deus e o Homem, quebrada pelo pecado, é
restaurada.
Os anjos ajuntarão os escolhidos desde as extremidades da terra (Mc. 13:27). Não podemos visualizar o
evento. Parece que isto é aquilo que Paulo chama de arrebatamento, quando os mortos em Cristo serão
ressurretos e com os santos vivos serão arrebatados no ar para se encontrar com Cristo (I Ts. 4:17).

4. Julgamento
Jesus falava muitas vezes de julgamento; disse, ainda, ao Sinédrio que ele é o juiz escatológico (Mc. 15:62)
e falou sobre o dia de julgamento (Mt.10:15; 11:22-24; 12:35-36; 41, 43) e a separação final entre os homens
(Mt.13:41-49). Além disto, há a parábola dos bodes e das ovelhas. A base do julgamento é a maneira como os
"irmãos de Jesus" foram tratados (Mt.25:40). Há três interpretações:
1º) Muitos serão salvos por causa de suas boas obras. Apesar de eles nunca terem ouvido falar de Cristo, eles
são cristãos "inconscientemente" e lhes será dado acesso ao Reino escatológico de Deus.
2º) O Dispensacionalismo ensina que os irmãos de Jesus são um resto judeu, que durante a grande tribulação
pregará o Evangelho do Reino às nações. Alguns interpretam a parábola no sentido de determinar quais
nações participarão do milênio e quais serão excluídas. Contudo, Mt.25:46 esclarece que se trata de salvação
ou condenação eterna.
3º) A chave de interpretação para esta parábola é o significado dos "irmãos". O próprio Jesus declarou quais são
seus irmãos (Mt. 12:50); são aqueles que fazem a vontade de Deus – os discípulos. O destino dos homens
será determinado pela atitude que cada um teve para os discípulos de Cristo, seus irmãos. Eles devem pregar
de lugar em lugar, de cidade em cidade, dependendo, para sua alimentação e hospedagem, daqueles que o
recebem (Mt.10:8-11). Porém, eles encontrarão também perseguição e prisão (Mt.10:17-18). Quem recebe
estes pregadores, recebe Cristo (Mt.10:40). Quem os rejeita, de fato rejeita a Cristo (Mt. 10:14-15).

5. O Tempo do Reino
O problema mais difícil na escatologia de Jesus é o tempo da vinda do Reino. Há três tipos de referências
ao tempo da vinda:
1º) Iminência. Três referências parecem mostrar que Jesus esperava a vinda do Reino num futuro bem próximo:

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Mt. 10:23 – esta referência já foi tratada, e concluímos que aqui se fala acerca de um futuro
indeterminado, no qual os discípulos pregam o evangelho a gentios e judeus igualmente.
Mc. 9:1 – alguns daqueles que estão com Jesus não provarão a morte antes que o Reino de Deus
tenha chegado (cfr. Mt. 16:28 e Lc.9:27).
Mc. 13:30 – “esta geração não passará...”; parece que Jesus aqui afirma que o Reino viria dentro de
uma geração (30 anos, aproximadamente), quando alguns dos discípulos estariam vivos ainda.

2º) Demora. Outros versículos enfatizam uma demora, como Mc.13:7: 13:10; o país distante (Ec. 19:11; 17:22).
Quando o noivo atrasou, os convidados dormiram (Mt.25:5). Um homem rico voltaria somente depois de muito
tempo (Mt.25:19).

3º) Incerteza. Jesus afirmou que não sabia quando o reino viria (Mc. 13:32; 33:36; Mt.24:42; 24:44; Lc.12:40;
Mt.24:50; Mt.25:13). A palavra traduzida "vigiar" não quer dizer "procurar", mas "estar acordado". Não
descreve uma atitude intelectual, mas uma qualidade moral de preparação espiritual antes da volta de Jesus
(Lc. 12:40).

Parece haver contradição aberta entre estes três tipos de referências. Há, para tanto, algumas soluções:
i. Muitos exegetas consideram as passagens que falam sobre a iminência como palavras autênticas de
Jesus, enquanto as outras passagens foram colocadas mais tarde pela igreja, para explicar a demora.
ii. Outros afirmam que Jesus, por causa de sua encarnação, se enganou quanto ao tempo da vinda do
Reino. Jesus não se enganou quanto ao ensinamento básico sobre o Reino, mas apenas quanto ao
tempo.
Algumas considerações exegéticas podem ser feitas no intento de se chegar a uma possível conclusão.
Alguns interpretam Mc. 9:1 e 13:30 como não referentes à vinda do Reino. F.F. Bruce vê o cumprimento de Mc.
9:1 no dia de Pentecostes. O derramamento do Espírito e a vinda do Reino de Deus são duas maneiras de ver o
ministério de Jesus; ambos são manifestados parcialmente durante a sua vida, mas apenas após sua morte. O
Reino vem com poder e o Espírito é derramado em plenitude. Na interpretação de Mc. 13:30, a questão exegética
é o significado de "todas estas coisas". Estas coisas se referem aos sinais descritos em 13:5-23. Os sinais não
são reservados a uma geração remota, mas durante sua vida, os discípulos experimentariam estes sinais.
Concluímos, por isso, que não há prova de que Jesus afirma erradamente que o Reino viria em breve. Uma
grande manifestação do Reino seria vista por alguns dos discípulos, e os sinais de sua vinda seriam vistos por sua
própria geração. Outras passagens enfatizam a incerteza do tempo da vinda, como também no A.T. não se pode
determinar se as profecias são cumpridas em breve ou não. O importante é estar preparado.

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III. A TEOLOGIA DO EVANGELHO DE JOÃO

1. INTRODUÇÃO
O quarto Evangelho é diferente dos Evangelhos Sinópticos de tal maneira que nós somos obrigados a
enfrentar a questão de se o evangelho é um relato fiel dos ensinamentos de Jesus ou se o elemento histórico
desapareceu em uma interpretação teológica.

a) As diferenças entre os evangelhos sinópticos e o Evangelho de João


Teologica e historicamente.
a. O local do ministério de Jesus, que nos Evangelhos sinópticos é Galiléia, no evangelho de João
são as visitas de Jesus a Jerusalém.
b. A diferença de tempo. Os sinópticos mencionam apenas uma páscoa, o evangelho de João
menciona três (2:13; 6:4; 13:1), possivelmente quatro (5:1).
c. No evangelho de João falta material importante: o nascimento de Jesus, seu batismo, sua
transfiguração, expulsão de demônios, sua agonia em Getsêmani, a Ceia, o discurso no monte
das Oliveiras.
b) Estilo Literário
a. Enquanto os sinópticos usam principalmente parábolas, João usa discursos grandes.
b. O estilo em grego é diferente no evangelho e nas epístolas de João. Parece que João transmite
os ensinamentos de Jesus no seu estilo, diferente do dos escritores dos sinópticos.
Tópicos importantes
Evangelhos Sinópticos Evangelho de João

1. Arrependimento é palavra-chave A palavra arrependimento não ocorre.

João faz menção do Reino apenas 3 vezes


2. A mensagem central é "O Reino de Deus".
(Jo.3:3-5; 18:36).

3. Vida eterna é uma bênção futura e escatológica, A mensagem central é a vida eterna, como
mencionada apenas algumas vezes. experiência no presente.

Passagens "Eu sou" (6:35; 8:12; 10:7; 10:11;



11:25; 14:6; 15:1).

Outros tópicos relevantes que diferenciam o Evangelho de João dos demais:


i. A estrutura básica da teologia de João é de dualismo vertical: Carne X espírito, trevas X luz,
mundo de cima X mundo de baixo; enquanto que os Evangelhos sinópticos têm um dualismo
horizontal: o contraste entre duas épocas – o século presente X o século futuro.
ii. O vocabulário de Jesus é diferente: amor, verdade, verdadeiro, conhecer, mundo, julgar,
permanecer, enviar, crer (em grego, pisthis). Outras palavras-chaves dos Sinópticos estão
faltando em João: justo, milagre, poder (dinamis), arrependimento, parábola, orar.
Sendo assim, devemos perguntar se a teologia do evangelho de João é a teologia de João ou de Jesus. É
uma descrição, ou uma interpretação do ensinamento de Jesus? Esta não é uma questão meramente acadêmica,
vendo as grandes diferenças de conteúdo entre os Evangelhos.
Como podemos explicar esta diferença? Várias soluções têm sido dadas:
1º) O Evangelho de João é o resultado final de uma tradição que João lembrava, proclamava e meditava, até que
ela ficou tão absorvida nesta tradição, que ele começou a expô-la em suas próprias palavras e idéias. Se as
idéias e idioma do quarto Evangelho procedem de João, antes que de Jesus, nós temos que enfrentar o
problema que João era um gênio criativo maior do que o próprio Jesus.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.19


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2º) João deliberadamente interpretou as palavras de Jesus e as colocou naquela forma, para servir à situação
contemporânea dele, sentindo, para isso, a própria autorização de Jesus, que depois de glorificado, continua
instruindo seu povo através do Espírito (Jo. 14:26; 16:12).
3º) Jesus era um mestre, grande demais para ser limitado a apenas um estilo de ensinamento e expressão.
Possivelmente, Ele usava o estilo dos Sinópticos com o povo de Jerusalém e com seus discípulos. Ou talvez
Jesus usasse mais no final do seu ministério um estilo diferente, que explicaria melhor sua pessoa e missão
para os discípulos. João colocou o seu ministério inteiro neste estilo.
Pode ser que uma solução final nunca seja encontrada. Não há diferença fundamental entre João e os
Sinópticos, nada nos ensinamentos de Jesus foi distorcido ou falsificado, nenhum elemento importante foi
colocado no Evangelho de João que contradiga os Sinópticos. "Cada pensador e personalidade é interpretado
diferentemente pelos amigos e ouvintes dele, que selecionam aquilo que parece mais útil ou conveniente dentro
de tudo que viram ou ouviram" (V.F. Albright). De igual modo, teria se dado com os relatos sobre a vida e ensino
de Jesus.
Neste estudo devemos determinar qual é o pensamento de João e determinar se João tem uma teologia
diferente ou a mesma teologia com outra ênfase.

2. DUALISMO NO EVANGELHO DE JOÃO


a) Os dois mundos
Existem nos evangelhos dois tipos de dualismo:
Dualismo horizontal ou escatológico: a época antiga com a época nova na história da salvação;
Dualismo vertical: um contraste entre dois mundos; no evangelho de João, "o mundo de cima" e o "mundo
de baixo", ou "trevas" e "luz" ou "carne" e "espírito".
O dualismo joanino concentra-se primariamente na diferença entre dois mundos: o mundo de baixo consiste
de seres humanos (8:23); o príncipe dele é Satanás (16:11). Em contraste com o mundo de cima, de onde Jesus é
(8:23), e que é o seu reino (18:36). Jesus, todavia, veio como luz, para o mundo de baixo (11:9) com uma missão a
cumprir (3:13; 6:38; 6:62).

b) Trevas e luz
Trevas e luz são duas coisas em conflito (1:5). Jesus é a luz (8:12) e Ele veio para que os homens não mais
permaneçam nas travas, mas possam ter a luz da vida e serem capazes de andar na luz de forma a não
tropeçarem (8:12; 9:5; 12:35, 46). Aqueles que recebem luz se tornam filhos da luz (12:36).

c) Espírito e Carne
Carne, no Evangelho de João, não tem uma conotação pecaminosa, como nas cartas de Paulo, mas indica
somente aquilo que é meramente humano e fraco (1:13). A carne não é pecaminosa, porque o Verbo (Jesus) se
fez carne (1:14), contudo existe uma separação completa e a Carne não pode se elevar para outro nível, o nível do
Espírito (3:6). A obra do Espírito, por sua vez, é:
1. O novo nascimento (3: 3:6).
2. Vivificar (6:63)
3. Vivificar a adoração. Adoração não pode ser um processo humano, mas tem que ser "em
espírito", isto é, motivada pelo Espírito.

d) O Mundo
A palavra "mundo" tem três significados no Evangelho de João:
1º) A terra (11:9; 16:21; 21:25). Existem certos hebraísmos neste evangelho: entrar no mundo equivale a nascer
(16:14; 9:39), assim como partir do mundo equivale a morrer. O mundo não é mal, é obra de Deus (1:3).

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2º) Os habitantes da terra (12:19; 18:20; 7:4; 14:22). O mundo, neste sentido, é o objeto do plano da salvação
(João 3:16; 17; 12:47; 4:42; 1:29; 6:33). Estes versículos, porém, não expressam universalismo.
3º) Os revoltados contra Deus, os pecadores (7:7; 17:25; 1:10). O mundo em si não é mal, mas se revoltou contra
o Criador e se tornou escravo do poder do maligno (12:31; 14:30; 16:11). A alienação de Deus se manifesta
em ódio para com Jesus (7:7; 15:18). Jesus trouxe uma divisão, formando uma nova comunidade (17:15),
dentro do mundo existente, de pessoas escolhidas (17:6), que têm um caráter diferente (17:14). O crente em
Jesus deve continuar vivendo neste mundo, entretanto sem amar o mundo, mas a Deus, separado do mal
deste mundo (17:15), tendo uma missão a cumprir, a saber, a continuação da missão de Jesus. O Espírito
Santo opera no mundo (16:8) de maneira que a transferência do mundo para o reino de Deus seja possível.

c) O Diabo
No Quarto Evangelho, como nos sinópticos, o mundo é visto como estando sob o controle de um poder
sobrenatural, o diabo ou Satanás, que é chamado o "príncipe deste mundo" (12:31; 14:30; 16:11). Ele é mentiroso,
pai da mentira e opõe à obra de Jesus, que é verdade (8:44; 13:2; 13:27).

d) Dualismo Horizontal ou escatológico.


Existe também um dualismo horizontal no Evangelho de João.
1º) Acontecimentos na vida de Jesus são considerados o cumprimento de profecias do A.T. (6:45; ls.54:13; 12:13-
15; Sl.l 18:25; Zac.9:9 etc).
2º) Nomes e títulos dados a Jesus mostram que Ele é considerado o Messias prometido (filho do homem; filho de
Deus; Rei de Israel).
3º) O simbolismo de certos acontecimentos, como o primeiro milagre de Jesus e a transformação de água em
vinho.

Elemento Símbolo
Casamento "dia do Senhor" (S1.54:4-8; 62:4-5) Cfr.Mt.8:l 1; 22:1-14; Ap.19:9.
Vinho alegria (Mc.2:19)
Talhas de pedra época do A.T. com as suas purificações cerimoniais
Falta de vinho insuficiência da religião judaica (cfr.Me.7:1-24).

4º) O fato de João ter colocado a história da purificação do templo, no início do Evangelho, indica que Cristo
inaugurou uma nova época.
5º) O uso do termo "verdadeiro" que significa "genuíno, completo, autêntico". 1:9 – a luz verdadeira: em contraste
com a luz parcial. 6:32 – pão verdadeiro; em contraste com o maná no deserto. 15:1 – videira verdadeira, em
contraste com Israel (Jr.2:31; Ex. 15:1-8; SI.8:8-16).

3. A CRISTOLOGIA
João escreve qual era seu objetivo em escrever o seu evangelho em 20:31. Um entendimento de quem é
Jesus é o seu objetivo principal. Cristologia é central neste evangelho, porque vida eterna depende de um
relacionamento certo com Jesus.

a) O logos
João inicia o seu evangelho com a Logos-passagem. Por motivos diversos deve-se interpretar este título de
Jesus nos baseando no A.T. e não em pensamentos helenísticos. Podemos notar que Jesus nunca se refere a si
próprio como o Logos, a terminologia do Logos apresenta-se nos escritos de João. (Jo.1:1ss; Ap.19:13).
A palavra de Deus (logos) era um conceito importante para os judeus. Deus criou o mundo e preserva sua
criação através de sua Palavra (Gên. 1:3; cfr. Sl. 33:6,9; 47:15-18), e a palavra de Deus é o portador da Salvação

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e vida nova (Sl.107:20; ls.4:8; Ez. 37:4-5). No A.T. a palavra não é meramente uma declaração, é algo que existe
e alcança seu objetivo (ls.55:10-11). A palavra de Deus, proferida na criação e através dos profetas (cfr. Jer.1:4;
2:1) e na Lei (Sl. 119:38; 41:105) tem determinadas funções que bem podem ser comparadas com aquelas
atribuídas ao Logos.
O conceito de sabedoria personificada forma outra base para o ensinamento sobre o Logos (Pv. 8:22-31).
Nesta passagem, sabedoria é a personificação do poder de Deus, operando neste mundo. Muitas comparações
podem ser feitas entre o Logos e sabedoria.
João usa o conceito do Logos para explicar cinco verdades:
1º) A pré-existência pessoal do Logos. "No princípio" se refere a um princípio mais distante ainda que Gen.1:1.
O Logos existe eternamente. Jesus ensinava sua pré-existência: João 8:58; 17:5. A idéia de pré-existência
não era invenção do Evangelista. Paulo também o expressa (Fil.2:6; CL 1:15; I Cor.8:6; II Cor.8:9).
2º) A deidade de Jesus. O Verbo estava com (grego: pros) Deus, e o Verbo era Deus (theos ên ho logos). As
palavras expressam duas idéias: O Verbo é Deus; mas Deus é mais do que o Verbo só.
3º) O Logos era agente da criação. Não é a última fonte da criação, mas o agente, através do qual, Deus, a
última fonte, criou.
4º) O Logos se tornou carne (1:14). Deus mesmo entrou na história, como homem verdadeiro. A palavra
"habitou" (tabernaculou) é uma metáfora para designar a presença de Deus.
5º) O Logos veio para revelar. Ele veio para revelar vida (1:4), graça (1:14), verdade (1:14), glória (1:14), Deus
mesmo (1:18)

b) Messias
Cristo, neste Evangelho, não é nome, mas título. O objetivo do Evangelho não é para que os leitores creiam
em Jesus Cristo, mas que Jesus é o Cristo. Apenas em 1:17 e 17:3 Cristo é usado como nome, e na primeira
referência é um anacronismo legítimo. Cristo se tornou um nome próprio quando o Evangelho foi espalhado no
mundo helenístico.
Um dos primeiros discípulos, André, fala com Pedro que achou o Messias (1:41). No dia seguinte, Natanael
confessou que Jesus era o Filho de Deus, o Rei de Israel (1:49). Rei não significa um revolucionário político. Jesus
rejeitou qualquer tentativa nesta direção (6:51). A sua entrada em Jerusalém é descrita como a vinda do Rei de
Israel (12:13-15). Posteriormente, Jesus foi acusado de sedução política diante de Pilatos (18:33). Mais tarde
Jesus foi crucificado como "Rei dos Judeus" (19:19).
É óbvio que Jesus reina, não em nível político, mas em nível espiritual. O título Cristo não é suficiente para
descrever a pessoa e a missão de Jesus. Ele é Filho de Deus (20:31; 1:49: 11:27). Ele é o Messias no sentido de
que Ele cumpre a esperança do A.T. de um libertador (1:45). Porém, Jesus não agiu em tudo de acordo com as
esperanças messiânicas dos judeus (12:34).

c) Filho do Homem
Há um paralelo entre as passagens referentes ao uso do título Filho do Homem em João e nos Sinópticos,
apesar de uma diferença na maneira de expressar. Há também um elemento distinto no uso deste título no quarto
evangelho. Jesus é o Filho do Homem que desceu do céu e subiu ao céu (3:13). Esta passagem serve como
chave para a referência mais difícil de 1:51. Esta palavra refere-se à visão de Jacó, e o significado é que Jesus,
como Filho do Homem, veio estabelecer comunicação entre o céu e a uyra.

d) Filho de Deus
Uma das diferenças mais notáveis entre a Cristologia dos Sinópticos e o quarto evangelho é que no
evangelho de João Jesus fala acerca de Deus como seu Pai (106 vezes x 35, nos Sinópticos), sem restrição
quanto a ouvintes ou período do seu ministério.
O relacionamento entre o Pai e Filho determina todo o ministério de Jesus.
1) O Filho é o objeto especial do amor de Deus (5:20; 10:17; 15:9).
2) Suas obras são divinas (5:17-18; 5:19; 10:32; 14:10)

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.22


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

3) As suas palavras vêm de Deus (8:25, 26, 28; 40: 14:24).


4) Como filho, Jesus tem um conhecimento exclusivo de Deus (6:47; 10:15; 17:25; cfr.
Mt.11:27).
5) Jesus reivindica honra divina (5:23)
Como Filho de Deus, Jesus tem uma missão toda especial a cumprir, a de dar vida aos homens (6:21; 5:26;
6:40-47; 10:10). Jesus é a ressurreição e a vida (11:25); Ele não dá apenas a vida eterna, como também revela
Deus (1:18). Apesar de terem o A.T., os judeus não conhecem Deus (5:37; cfr.8:l9). Jesus é o caminho, a verdade
e a vida; ninguém vem ao Pai senão através d'Ele (14:6). Além de dar a vida àqueles que crêem, Ele julga os que
O rejeitam (5:22-23). A sua missão salvadora inclui sua morte (12:24), como também mostram as passagens que
falam que o Filho do Homem deve ser levantado e exaltado.
O Bom Pastor tem que dar a sua vida pelas ovelhas (10:11-15). Isto é um ato voluntário (João 10:18). João
Batista anuncia a morte redentora de Cristo no início do evangelho: "Eis o cordeiro de Deus" (1:29). Esta
passagem tem dado muita dificuldade para interpretação.
1) O Cordeiro simboliza o Messias vitorioso, o líder do rebanho de Deus. Em Apocalipse, o "leão
de Judá" é um cordeiro, cheio de poder (Ap.6:5-6).
2) O Cordeiro refere-se ao sofrimento de lsaías 53. De qualquer maneira, João se refere à obra
redentora de Cristo que tira o pecado do mundo.

1. As Duas Naturezas de Cristo


Jesus, como Filho de Deus, não é apenas humano: Ele participa da natureza divina (1:1; 1:18). Jesus era
consciente disto, como nos mostram as palavras d'Ele que expressam união com o Pai, e especialmente as
passagens "Eu sou" (6:20; 8:12; 10:7; 10:10; 11:25; 14:6; 15:1; 4:26; 6:20; 8:24: 8:28*; 13:19; 18:5.6,8). Estas
palavras O colocam em igualdade com Deus e são baseadas no A.T.: Deus se revelou a Moisés como "Eu sou" e
em Isaías também é conhecido como o "Eu sou" (1:1-4; 43:10; 46:4 e outras). Jesus se identifica com o Deus do
A.T., porém não é uma identificação completa, já que faz distinção entre Ele e o Pai (15:10; 5:19-20; 43:10; 14:24;
17:8; 14:28).
O Evangelho de João mostra Jesus como divino mais do que os outros evangelhos, mas ao mesmo tempo
Jesus é humano. Ele tem parentes, participa de uma festa de casamento; sente fome, tem sede e cansaço (4:6-7),
chora por causa do falecimento de um amigo (11:33-35). Podemos concluir que Jesus é divino, e ao mesmo
tempo plenamente humano.

4. VIDA ETERNA
Vida eterna é o objetivo de João para os leitores de seu evangelho (20:31), e é o objetivo da vinda de Jesus
(10:10). A ênfase de João está no fato de que a vida eterna é uma experiência no presente. Vida eterna tem um
aspecto escatológico no Evangelho joanino (12:5; 3:36; 6:27), mas também tem um aspecto presente, como
implicado em João 10:10; 6:33; 6:35. Vida não é somente dada por Jesus, mas está n'Ele (6:51; 4:10; 4:14; 14:6;
11:25).
João 5:25-29 mostra que vida eterna é realizada em duas fases: 1) Jesus dá vida aos que estão mortos
espiritualmente agora (v.25); 2) Jesus dá vida aos mortos nos sepulcros (v.29).

a) A Natureza da Vida Eterna


1. Vida Eterna é “conhecimento de Deus” (Jo.17:3). Conhecimento no A.T. significa "experiência" antes que
contemplação. Conhecimento implica um relacionamento, comunhão e cuidado (Sl.1:6). Conhecimento de
Deus era o objeto de exortação, aspiração ou promessa (I Cron.28:9). Oséias 6:2-3 ensina, por sua vez, que
conhecer Deus é viver diante d'Ele, ter vida eterna. Conhecimento do Senhor é um aspecto importante da
Nova Aliança de Deus com seu povo (Jr.31:34). João 10:14-15 indica a relação entre conhecer e Ter um
relacionamento. O Conhecimento de Jesus inclui também um reconhecimento da missão d'Ele (17:8, 25;
8:28).
2. Jesus faz o crente ver a Deus (14:7). Os judeus acreditavam que é impossível que o homem veja a Deus
(1:18). Entretanto Jesus, em certo sentido, faz o crente ver a Deus (14:7-9). Quem vê Cristo, vê o Pai (ler:
1:14; 66; 6:40; 9:37; 14:19; 16:16-17).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.23


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

3. Outra expressão usada é “conhecer a verdade”. Entre vida e verdade existe uma relação íntima (14:6) e
encontramos as duas palavras juntas em muitas referências (1:9 - luz verdadeira; 1:4 – vida dos homens; 17:3
– o conhecimento do Deus verdadeiro é vida; Veja-se também 6:36). "Verdade", no A.T., significa "de
confiança" (Pv. 14:25; Ez. 18:8) e descreve a relação de Deus com os homens. Deus quer que o homem seja
também de "verdade". João usa a expressão no sentido do A.T. como mostra em 1:14, que é uma expressão
típica do A.T. Uma definição que poderíamos dar de "verdade" seria “de acordo com o Seu caráter”. (Veja
14:6; 8:32-36). Jo. 1:9 – Luz Verdadeira; 6:32 – Pão verdadeiro; 15:1 – videira verdadeira; 4:33 – adoração
verdadeira. Estas expressões são todas relacionadas com o plano de redenção completa. O Espírito Santo é
chamado o Espírito da Verdade, porque executa o plano de salvação.

5. VIDA CRISTÃ
a) A Fé
A idéia básica de crer é acreditar e aceitar a verdade concernente à pessoa e à missão de Jesus (2:22;
4:30; 5:47b; 10:38). Isto é igual a crer no próprio Jesus (5:38; 46b; 6:30; 8:31; 45:46; 10:37,38a). Acreditar n‟Ele é
acreditar em Deus (5:24). Isto implica crer na missão messiânica de Jesus; crer que Jesus é o Santo de Deus
(6:69); que Ele é o Cristo (11:27); que Deus o enviou (11:42; 17:8-21); que Jesus e o Pai são unidos (14:10-11).
A expressão "crer em" (grego: pisteuo eis) somente se encontra no N.T. e significa uma relação de
dedicação pessoal e completa do crente a Jesus. Batismo em Cristo (grego: eis Christô) significa identificação
completa com Cristo e novidade de vida. É a resposta total do homem a Cristo (Rm.6:3). Existem ainda outras
expressões sinônimas, como aceitar Jesus (1:12); aceitar o testemunho (3:11); aceitar a Palavra d'Ele (12:48;
17:8).

b) Fé e sinais
Nos evangelhos Sinópticos, milagres são chamados dynameis (=poderes). Milagres mostram o poder de
Jesus em estabelecer o Reino de Deus e derrotar a Satanás. João usa muitas vezes a palavra semeion (=sinal)
para descrever os milagres de Jesus.
Parece que existe um paradoxo no ensino sobre sinais: de um lado sinais levam à fé (2:23; 6:14; 7:31;
10:42), mas em outros versículos não houve fé apesar de sinais (6:27; 11:47; 12:37). Jesus condenou os judeus
porque eles só creram vendo sinais (4:48; 6:30). A solução é que João discerne vários níveis de fé.
1º) Algumas pessoas não têm fé nenhuma. Mesmo vendo sinais, eles não crêem.
2º) Para outras pessoas, os sinais levam a uma fé superficial (2:23 ss; 3:2; 6:2).
3º) Fé matura é uma entrega total. Para quem tem fé, sinais confirmam, aprofundam e
enriquecem a fé ainda mais.

c) Ética
Certos versículos parecem indicar que Jesus veio estabelecer uma nova lei, abolindo a de Moisés, exigindo
obediência a Ele mesmo. O ensino ético de Jesus, porém, se resume em uma palavra: Amor (15:12; 13:34),
chamado de Novo Mandamento. A lei de Moisés já ensinou amor (Lev. 19:18), porém é restrito ao povo de Deus.
Nos sinópticos, este amor foi estendido a todos que têm necessidades (o Bom Samaritano) e até aos inimigos
(Mt.5:43,44). A novidade do mandamento em João está na frase: "como eu vos amei a vós". Amor cristão é o
amor de Jesus que reflete o amor de Deus, que é amor (I João 4:8). Jesus ama os seus até o fim (13:1), isto é, até
a morte (15:13). Este amor é ilustrado quando Jesus lava os pés de seus discípulos. Amor se expressa em serviço
humilde de um para com o outro.

d) As Ordenanças
Certos teólogos vêem em João 3.5 uma referência ao batismo e em 6.54, à Ceia do Senhor. E o que dizer
sobre "água" em João 3.5?
1) Se refere ao batismo de João, que representa arrependimento. Esta explicação tem a
vantagem do contexto histórico.
2) Se refere ao batismo cristão. Nicodemos porém, não teria entendido isto.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.24


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3) Se refere à Palavra de Deus (cf. Ef.5:26). Esta interpretação tem a desvantagem de tomar
uma expressão paulina e aplicá-la numa passagem de João.
4) Se refere a Ez. 36:25,26 (cf.Tito 3:5). Nicodemos sem dúvida estava familiar com esta
passagem, a qual remonta à obra regeneradora e renovadora do Espírito Santo.
A passagem João 6:54 parece contrastar alimento natural e alimento espiritual. Se o versículo se referisse â
Ceia do Senhor, o verso 53 ensinaria que participação da Ceia seria necessária para salvação, o que é contrário
ao ensinamento bíblico.

6. O ESPÍRITO SANTO
O Evangelho de João menciona, como os Evangelhos Sinópticos, que Jesus, ao iniciar seu ministério,
recebeu o Espírito Santo (1:32-34). A plenitude do Espírito estava em Jesus (3:34,35), que, antes de ir para o céu,
concedeu o Espírito aos seus discípulos em forma de parábola (20:22,23). O Espírito foi derramado sobre eles no
dia de Pentecostes (cfr. João 7:37-3).
Um nome que é difícil de traduzir foi dado ao Espírito Santo: paracletos. A palavra significa “advogado” para
defender uma pessoa (Cf. Jo. 2:1). Contudo, neste Evangelho, o Espírito tem mais uma função de instrutor. É
notável a semelhança entre as palavras usadas para descrever a obra e pessoa de Jesus e as do Espírito.

O Espírito Jesus Referência

Ele virá Ele veio 5:43; 16:28; 18:37.


Ele vem do Pai Ele vem do Pai 16:27-28.
E dado por Deus Deus deu o Filho 3:16
E mandado por Deus O Pai mandou o Filho 3:17
Mandado em nome de Jesus Ele veio em nome do Pai 5:47
Espírito da Verdade Ele é a verdade 14:6
Espírito Santo Santo de Deus 6:69

O Espírito, porém, não é Jesus. Ele é um outro parakletos (outro = diforer, mas da mesma categoria; grego:
allos). O Espírito é considerado como uma pessoa, como mostra o uso de pronomes masculinos, enquanto a
palavra "espírito" em grego é uma palavra neutra.
No A.T. somente certas pessoas recebiam a unção do Espírito, simbolizado pela unção com azeite, para
exercer um ministério oficial, como sacerdote, profeta, rei ou juiz. Também os construtores do tabernáculo (Ex.
31:2-4) e do templo (I Reis 7:14). Isto, entretanto, não qualificava a pessoa moralmente (Saul, Davi. S1.51:l 1; I
Sam. 16:14).
No Evangelho de João, a nova obra do Espírito envolverá vários aspectos:
1) O Espírito opera o novo nascimento (Jo.3:1 -12).
2) O Espírito habita no crente (4:16:17)
3) O Espírito glorifica Cristo (6:14; 15:26).
4) O Espírito dirige em verdade (16:13), a qual está relacionada com o plano de redenção. Assim o
Espírito esclareceu o significado da morte de Jesus aos discípulos, deu novas revelações, por exemplo,
sobre a Igreja e o tempo futuro (As Epístolas e Apocalipse).
5) O Espírito capacita os crentes para realizarem obras maiores (14:12). Estas obras maiores consistem
na expansão do evangelho no mundo inteiro.
6) A obra do Espírito possui dois aspectos:
i. Satisfação das necessidades espirituais pessoais do crente: ter sede e beber (7:37-39;
4:14).
ii. Satisfação das necessidades espirituais de outras pessoas (águas vivas como um rio
saindo do crente).
7) Para o mundo, o Espírito é um acusador (16:8-11).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.25


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III. A TEOLOGIA DE ATOS DOS APÓSTOLOS

1. INTRODUÇÃO
O livro de Atos tem a finalidade de dar um esboço da história da Igreja desde o dia de Pentecostes em
Jerusalém até a chegada do apóstolo Paulo na capital do Império Romano. A vida e a pregação da Igreja são
descritas, como também a expansão da Igreja de Jerusalém a Samaria, Antioquia, Ásia Menor, Grécia e
finalmente Itália. O livro contém alguns sermões de Pedro, Estevão e Paulo, que nos mostram a fé da Igreja
primitiva. Por causa disto, nós temos que determinar se estes capítulos e seus discursos apostólicos são de
confiança, historicamente falando.
Alguns consideram Lucas companheiro de Paulo, um historiador muito hábil que escreveu o livro de Atos
nos anos 60 (Ramsey se baseia nos dados geográficos e arqueológicos; Harnack, por seu turno, se baseia no
criticismo do texto).
Outros negam que Atos seja de autoria de Lucas por vários motivos, como o fato de Lucas não ter
conhecimento adequado da carreira teológica de Paulo (Windisch), ou sob a alegação de uma data posterior para
o autor. Diabelius escreveu que Lucas não estava interessado na história da Igreja primitiva, mas na vida e na
teologia da Igreja no final do primeiro século, quando o livro de Atos foi escrito. Muita influência tinha a teoria de
que Lucas não é historiador, mas teólogo. A era apostólica, descrita no livro de Atos, era invenção da Igreja no
segundo século para ter um fundamento para sua tradição. O interesse de Lucas não era história, mas a
edificação da Igreja. Se Atos é um livro teológico, que reflete a vida e o pensamento da Igreja nos anos 90, nós
não podemos considerá-lo uma fonte adequada para a história do cristianismo primitivo.
Há muitos eruditos, contudo, que ainda mantêm a posição tradicional de que Lucas era um companheiro de
Paulo e um historiador competente, que usou a experiência pessoal dele e investigação acurada para escrever
seu livro. Na introdução de seu evangelho, que também serve de introdução para o livro de Atos, ele disse que
obteve informações daqueles que desde o início eram testemunhas (Lc. 1:2) e que ele pessoalmente investigou os
fatos.
Alguns interpretam "investigou" como se Lucas tivesse participado pessoalmente dos eventos, mas isto não
é o significado comum da palavra. Se Lucas esteve com Paulo, quando preso em Cesaréia (Atos 21:18; 24:27.1),
ele teve oportunidades amplas para se encontrar com pessoas que tinham conhecido Jesus pessoalmente e
participado da história inicial do cristianismo.
Além disto, há historiadores nos dias de Lucas, como Thyeydides, que descrevem discursos nas suas
palavras originais, o máximo possível. Há uma estrutura comum nos discursos, mas também há diferenças
marcantes e variedade. Na primeira parte do livro, há muitos semitismos, que mostram uma tradição aramaica.
Quanto aos dados seculares, Lucas é muito exato. Muitos chegaram à conclusão, por causa destas evidências, de
que Atos nos dá um relato fiel dos acontecimentos da Igreja primitiva. "Alguns escritores modernos que procuram
separar os apóstolos e seus convertidos ou que tentam desaprovar da frase „testemunhas e ministros da Palavra‟
(Lc.1:2) parecem estudiosos em improbabilidade histórica" (C.S.C.Williams).
Concluímos, dizendo que podemos usar os primeiros capítulos de Atos como uma fonte fidedigna de
teologia da Igreja em Jerusalém. Isto não quer dizer que os discursos e sermões são relatados verbalmente. São
resumos breves, mas exatos da pregação dos apóstolos. Além disto, Lucas seleciona os eventos que ele
descreve. Alguns fatos importantes são introduzidos sem explicação (11:30); personagens importantes
desaparecem de repente (12:17). Mas história exige seleção e interpretação, e Lucas escreve sobre os fatos que,
conforme seu ponto de vista, são importantes na expansão da Igreja de Jerusalém a Roma.

2 . A RESSURREIÇÃO
a) A importância da ressurreição
A esperança dos discípulos estava num reino terrestre, visível (João 6; Mc 11:10). Havia disputa entre eles
sobre a melhor posição neste reino (Mt. 18:1; 20:21). Veja-se também Atos 1:6. A morte de Jesus acabou com
esta esperança. Os discípulos fugiram (Mc. 14:50), ficaram distantes da cruz (Lc.23:49), e um estranho carregou a
cruz por Jesus (Lc. 23:36). Parece que somente um discípulo estava presente na hora da morte de Cristo (Jo.
19:26). Depois foi um fariseu que cuidou de seu enterro (Mc. 15:4) e somente as mulheres foram para o sepulcro.
Os discípulos estavam com medo e esconderam-se (Jo.20:19), isto tudo, porque a idéia de um Messias Sofredor é
incompatível com a expectativa judaica de um Messias que reina (Cf. I Cor. 1:23).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.26


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Houve, porém, uma mudança repentina, como mostra a pregação de Pedro no dia de Pentecostes: Jesus é
o Messias (2:36), a sua morte estava no plano de Deus (2:23) e é o cumprimento das profecias do A.T. (13:21). O
motivo desta mudança é a ressurreição, que é base da fé cristã. A pregação de Pedro (At. 2:12-38) fala
praticamente nada sobre a vida de Jesus, nem sobre seus milagres, nem sobre a superioridade do ensino de
Jesus, mas sim sobre a Ressurreição.

b) O fato da ressurreição
A fé cristã depende completamente de um só acontecimento, a ressurreição (I Cor. 15:14). Fé na
ressurreição é mais essencial ainda do que fé em Deus, apesar de Heb.11:16. O motivo disto é que o Deus dos
cristãos, o Deus verdadeiro, não é uma invenção. Esta revelação é de caráter histórico, culminando na revelação
em Cristo Jesus (Heb.1:1) Isto quer dizer que se Jesus não tivesse ressuscitado a história da salvação teria
acabado no sepulcro. Consequência lógica disto seria que Deus não seria o Criador e Sustentador de todas as
coisas, que tem poder sobre tudo, inclusive a morte. A questão da ressurreição é mais ampla do que a própria
ressurreição, porque envolve toda a natureza da fé cristã. A Bíblia apresenta Deus como o Deus vivo, que é
criador e sustentador de tudo que existe, mas que não pode ser identificado com sua criação (panteísmo) nem é
separado dela (deísmo). Ele está acima da criação e da história, mas no mesmo tempo age dentro das mesmas.
Como o Deus vivo, Ele é capaz de agir em maneiras que transcendem a experiência e conhecimento comuns.
Muitos não podem aceitar esta idéia acerca de Deus, hoje em dia. Eles pressupõem que este mundo esteja sujeito
a "leis da natureza", que são inflexíveis, e que Deus deva agir dentro de e de acordo com estas leis. Assim.
Bultmann rejeita a possibilidade da ressurreição no sentido de restauração de vida a um corpo morto, porque uma
tal ação é inextrincavelmente envolvida num milagre de natureza, e tal noção o homem moderno considera
intolerável, porque ele somente vê Deus operando na vida do espírito (que para ele é a única vida verdadeira) e na
transformação de sua personalidade. Mas além da incredibilidade de tal milagre, o homem moderno não consegue
ver como um tal evento poderia ser um ato de Deus, ou como o mesmo poderia afetar sua vida. Tal atitude
prejudica o caso por antecipação e toma uma decisão antes que a evidência seja exposta. Bultmann pressupõe
que Deus se revela, não apenas na vida de homens, mas também em eventos objetivos.
O testemunho do N.T. é de que houve um ato objetivo num jardim fora de Jerusalém, no qual o Jesus que
tinha sido crucificado e sepultado saiu do túmulo para uma vida de ordem nova.
Quando nós examinamos a ressurreição, nossa intenção não é de provar o fato e compelir fé. Fé não é o
resultado de fatos comprovados, mas da operação do Espírito Santo no coração humano. Entretanto, o Espírito
usava o testemunho da ressurreição dado pelos discípulos, e assim nós devemos testemunhar dos fatos
neotestamentários.
Há vários fatos nos Evangelhos:
1) Jesus estava morto de verdade. Poucos querem contestar isto.
2) A esperança dos discípulos estava morta. Jesus tinha pregado o Reino de Deus e seus discípulos o seguiam
com muita expectativa. (Lc. 19:11; 24:21). Apesar de Jesus tê-los preparado muitas vezes para o fato de sua
morte (Mc. 8:31), eles nunca o compreenderam. Os judeus do primeiro século não entenderam que o Servo
Sofredor de Is. 53 era o Messias. Quando Jesus foi preso e executado como criminoso, as suas esperanças
acabaram.
3) A frustração e o desânimo dos discípulos mudou de repente para uma atitude de confiança e certeza, Eles
tinham a certeza de que Jesus não estava morto. Algo aconteceu que os convenceu de que Jesus era vivo.
Eles o viram, ouviram sua voz e reconhecerem sua pessoa.
4) O túmulo vazio. Todos os Evangelhos testificam disto e é pressuposto por Paulo em I Cor. 15:1-3.
5) A fé na ressurreição. Fato incontestável é que os discípulos creram firmemente na ressurreição de Jesus, Esta
foi a fé que deu origem à Igreja. Mas, além disto, nós devemos admitir que algo que aconteceu criou esta fé
dos discípulos na ressurreição de Jesus. Não foi a sua fé que criou a história da ressurreição, mas a
ressurreição criou a fé. Eles tinham perdido sua fé (Lc. 24:25) e o fato criou-a.
Aqui tem o problema do homem do século XX: o que é este fato? O mundo moderno enfrenta este problema
por causa da estrutura de causa e efeito. Cada evento deve ter uma causa racional e histórica, e tem-se como fato
a morte ser o final da existência terrestre. O que acontece com a alma e com o espírito é uma questão de teologia
ou metafísica. Ressurreição não pode significar a restauração da vida a um corpo morto. Outras religiões têm
histórias semelhantes, mas o historiador as trata como lendas. Porém, permanece a questão: o que aconteceu?
Qual é o evento que causou a fé na ressurreição? Várias soluções têm sido dadas para explicar o evento que
causou esta fé na ressurreição.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.27


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

1) Os discípulos roubaram e esconderam o corpo. (Mt. 28:11-15). Mas como é que os soldados romanos
souberam o que aconteceu, se eles estavam dormindo? Sobretudo, aqui se trata de uma impossibilidade ética
e psicológica. Quase todos os discípulos morreram depois por causa de sua fé na ressurreição, e seria no
mínimo improvável que eles pagassem com a própria vida por uma mentira.
2) Jesus não estava morto de verdade. Mas será que Ele tinha forças para remover os panos, a pedra, os
guardas e ainda andar quilômetros de distância?
3) As mulheres foram ao túmulo errado. Por que, então, os fariseus não teriam mostrado aos discípulos e ao
povo o lugar onde Jesus estava para acabar com essa crença?
4) Os discípulos tinham alucinações. Contudo, para se ter alucinações é necessário haver uma causa, que
estava ausente no caso dos discípulos. Além disso, os demais grupos de pessoas (até 500) teriam tido a
mesma experiência (alucinação coletiva) e esta teria terminado de repente.

c) A Natureza da Ressurreição
Resta-nos a questão: qual é a natureza da ressurreição?
1) A ressurreição de Jesus não era a volta de um corpo físico, como no caso de Lázaro, da filha de Jairo etc.
2) A ressurreição de Jesus é o início da ressurreição escatológica. Isto se mostra também pelo fato de os
saduceus se revoltarem tanto contra a doutrina da ressurreição. Os fariseus acreditavam na ressurreição dos
mortos, mas como uma teologia teórica, enquanto que os ensinos dos apóstolos colocaram a ressurreição
como um fato contemporâneo, e era necessário tomar posição sobre isso.
3) A ressurreição é corporal, mas de um corpo glorificado; porque o túmulo era vazio, Jesus sentia (Mt.28), via e
ouvia (Jo.20:16). Jesus também comia, não por necessidade, mas para servir de sinal, como expressam as
palavras "em frente deles" em Lucas 24:43.
4) O corpo de Jesus tinha novas capacidades: veja Jo. 20:19-26; Lc.24:31,35,36.
5) Ensino Paulino, em I Cor. 15:20, mostra que a ressurreição de Jesus é a primícia da ressurreição
escatológica. Primícias não são a seara, mas indicam que a seara está pronta para ser recolhida. Por isso a
ressurreição de Jesus mostra que Deus entra na ordem histórica, como algo de outra ordem.

3. O KERIGMA ESCATOLÓGICO DA IGREJA PRIMITIVA


a) Introdução
A pregação (kerigma) apostólica pode ser resumida da seguinte maneira:
1) A era messiânica do cumprimento e da consumação se iniciou. (2:16; 3:18; 3:24). Isto aconteceu através do
ministério, morte e ressurreição de Jesus. Tudo aconteceu "de acordo com o plano e a preciência de Deus"
(2:23).
2) Jesus foi exaltado à mão direita de Deus como líder messiânico do novo Israel (At.2:33-36; 3:13).
3) O Espírito Santo na Igreja é o sinal do poder e da glória de Deus (2:33).
4) A era messiânica alcançará a sua consumação na volta de Cristo (3:21).
5) Há um apelo ao arrependimento, oferta de perdão e do Espírito Santo (2:38-39).

b) A Historicidade de Jesus
A ênfase do kerygma primitivo estava na morte e exaltação de Jesus. O criticismo moderno distingue entre
o Jesus da história e o Cristo exaltado, considerando o este mitológico. Isto não era o ponto de vista da Igreja
primitiva. Um homem verdadeiro, Jesus de Nazaré (At. 2:22) é proclamado. Este título aparece 5 vezes nos
primeiros capítulos do livro de Atos. Muitas vezes fala apenas de Jesus, sem outra referência. No dia de
Pentecostes, Pedro se refere a alguém que tanto ele como os outros conheciam por experiência própria (2:22) da
mensagem. Mas a humanidade de Jesus está implícita em tudo.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.28


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

c) O Sofrimento de Jesus
Se o kerygma nos fala mais sobre a morte do que sobre a vida de Jesus. Nós devemos perguntar, então,
qual é o significado dado à morte de Jesus. Uma doutrina de expiação não pode ser formulada baseada no livro
de Atos. Porém, algumas coisas estão implícitas nele.
1) A morte de Jesus fazia parte do plano de Deus (2:23; 4:28).
2) A morte de Jesus fora predita pelos profetas (3:18).
3) A sua morte fazia parte de sua missão messiânica. Um título é dado a Jesus, que em outros livros
do N.T. não aparece: Ele é o Servo de Deus (At. 4:26,27). Como servo, Ele sofreu, morreu, mas
Deus o exaltou (3:13-14) pela ressurreição da morte (3:26). O Servo de Deus é Messias, Jesus
Cristo. Jesus mesmo uniu estas duas idéias (Lc.24:26).
4) Jesus trará consumação escatológica de seu Reino (3:19-21).

d) O Início da Ressurreição
A Ressurreição de Jesus era o início da ressurreição escatológica. A Igreja vive no intermediário de duas
épocas: o "já" e "ainda não".

e) O Reino de Deus
Apesar de o Reino de Deus, o tema central da mensagem de Jesus, no livro de Atos não ocupar o primeiro
lugar na pregação apostólica, ele não está completamente ausente. Após a ressurreição, Jesus continuou
ensinando acerca do Reino de Deus (1:3). Sem dúvida, Jesus relacionou o Reino de Deus com a sua morte e
ressurreição, o que era muito necessário, pois os discípulos ainda tinham idéias muito terrestres, nacionalistas e
teocráticas a respeito do Reino (1:6). Jesus não negou que o Reino não teria nada a ver com Israel, mas explicou
que não lhes cabia o programa completo de Deus (1:7). Paulo dedica, mais tarde, 3 capítulos inteiros (9-11) à
questão, mas Jesus diz que seus discípulos não devem se preocupar com programas proféticos, mas com sua
missão neste mundo como testemunha d‟Ele. Porém, é claro, os discípulos ainda esperavam um cumprimento
escatológico das profecias e promessas do A.T. (3:21).
Podemos concluir, então, que Jesus não "rejeitou a expectativa em si (da vinda do Reino de Deus) mas a
livrou de significado político, e a referiu para o nivel espiritual" (A. Oepke - Theological Dictionary of the N.T.-Vol.I,
p.389). A promessa de Atos 3:20 sobre a restauração de todas as coisas não se refere primeiramente a Israel,
mas à ordem divina na criação messiânica. Em várias referências, "Reino de Deus" tornou-se um sinônimo de
evangelho (8:12; 19:8; 20:24; 28:31-32). Portanto, pode-se dizer que os apóstolos proclamavam, em forma
resumida, aquilo que tinha sido a mensagem de Jesus. Há ainda uma referência ao Reino em sentido escatológico
em Atos 14:22.

f) A Ascensão de Jesus
Lucas relata que Jesus, 40 dias depois da sua ressurreição, foi para o céu (1:9). Esta história traz consigo
algumas dificuldades.
1) A história sugere que os primeiros cristãos consideravam o universo uma estrutura em três níveis, na qual o
céu está literalmente em cima da terra. Porém, se o céu como habitação de Deus é uma outra dimensão de
existência do que o universo físico, então não existe outra maneira pela qual Jesus poderia ser visualizado em
sua partida. É duvidoso que Lucas pensou em termos cosmológicos. A nuvem provavelmente não era uma
nuvem de vapor, mas a nuvem de glória, simbolizando a presença divina.
2) E difícil determinar a relação entre a ascensão e a ressurreição. Alguns afirmam que a ressurreição corporal
de Jesus exige a ascensão, porque não seria certo Jesus permanecer na terra permanentemente. Outros
afirmam que a ascensão era necessária para levar a humanidade remida para o céu. A ressurreição de Jesus
era a aparência de vida eterna no meio de mortalidade (II Tim. 1:10). Há um bom motivo para se crer que a
glorificação e exaltação de Cristo ocorreram na mesma hora da ressurreição. A exaltação é um dos temas
centrais do primeiro sermão de Pedro, e está ligada com a ressurreição (2:32, 33). Este tema de ressurreição-
exaltação se repete através do N.T. (Fil.2:5-11; At.5:30-31). Podemos dizer que a ressurreição de Cristo era
sua exaltação e glorificação, como Paulo diz: o primeiro homem Adão foi feito em ser vivo; o último Adão em
espírito vivificante (I Cor. 15:45). Isto está de acordo com a aparição do Cristo glorificado a Paulo no caminho
de Damasco (9:3). Isto era mais do que uma visão, e Paulo classifica esta experiência com a dos apóstolos (I

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.29


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Cor. 15:3), apesar de ele reconhecer algo irregular na sua experiência, como indica o fato de que ele se
considera um abortivo. Se esta análise é correta, então as aparições de Jesus são aparições do Cristo
glorificado, que desceu para a terra, para mostrar aos seus discípulos que Ele estava vivo. A ascensão
significa que as aparições chegaram ao final; Ele voltou para o Pai para permanecer lá.

g) O Rei Messiânico
A exaltação de Jesus significa que Ele se tornou o Rei messiânico. "Deus o fez Senhor e Cristo..." (2:36).
Fora do contexto isto poderia ser interpretado como a adoção de Jesus na posição de Cristo. O que Pedro explica
é que Jesus, que era o Messias durante seu ministério terrestre, agora começou outro estágio em sua missão
messiânica. Promessas do Reino de Davi (SI. 132:11; II Sam. 7:13,16; Is. 9:7; 11:1-9; Jer. 33:17-21) estão se
cumprindo. Para isto, Pedro reinterpreta o A.T. Por causa da ressurreição e ascensão de Cristo, o trono de Davi é
transferido de Jerusalém para a mão direita de Deus no céu. Jesus agora está no trono e espera a consumação
de seu Reino messiânico. A era messiânica começou, porque o Messias está no trono. Porém, resta algo para o
futuro, o Reino ainda não está completo. Há inimigos a serem subjugados (2:35). Cumprimento e consumação –
esta é a tensão no kerygma escatológico.

h) O Filho do Homem
O título Filho do Homem, a maneira predileta de Jesus de designar-se a si mesmo, não é encontrado na
linguagem da Igreja Primitiva, a não ser em Atos 7:56. O motivo disto é que parece que este título não é muito
apto para Jesus neste intervalo entre o seu ministério terrestre e sua parousia. Os Evangelhos usam o título para
indicar o sofrimento ou a vinda de Jesus em glória. Metade disto era do passado, outra metade do futuro. Mais
importante para este intervalo é o título Senhor.

i) Jesus como Senhor


A exaltação de Jesus implica que Ele é o Senhor (kyrios) (2:36). O Evangelho de João mostra a história da
palavra kyrios. Nos primeiros 19 capítulos, Jesus é chamado Senhor apenas 3 vezes, mas nos últimos 2 capítulos
a palavra é encontrada 9 vezes. E evangelista sente liberdade de chamar Jesus Senhor só depois da ressurreição.
Senhor (Kyrios) pertence ao Jesus ressurreto e exaltado. Em Atos, o título é usado tanto para Jesus como para
Deus. Pedro fala sobre o dia do Senhor (Jahweh), e sobre clamar o nome do Senhor (=Jesus) para ser salvo.
Jesus foi feito Senhor, porém Deus continua como Senhor (2:36, 39), enquanto que Jesus exerce algumas
funções divinas: Ele derramou o Espírito Santo (2:33); se tornou o objeto de fé (2:21); é o autor da vida (3:15) e
recebe adoração (4:29); Ele será o juiz do mundo (10:42) e está à mão direita de Deus para receber o espírito do
primeiro mártir (7:55,59).
Para compreender o pleno significado da designação Kyrios devemos examinar as Epístolas Paulinas, que
reforçam e interpretam os acontecimentos do livro de Atos. Salvação é através da confissão de Jesus como
Senhor (Rm. 10:9), o que é possível somente através do Espírito Santo (I Cor. 12:3). O Senhorio de Cristo é o
tema central da pregação apostólica (II Cor. 4:5) Cristãos são aqueles que receberam a Cristo como Senhor (Col.
2:6). Deus exaltou a Cristo sobre toda autoridade e poder (I Cor. 8:5,6) e lhe deu o nome sobre todo nome, que é
o Senhor (Fil. 2:9-11). Jesus é o Senhor e tudo deve ser subjugado a ele. (I Cor. 15:24ss). A confissão cristã do
senhorio de Cristo significa o reconhecimento daquilo que Deus fez em Cristo, e submissão pessoal a Ele. Tudo
isto está implícito no kerygma de Cristo como Kyrios.
Esta Cristologia tem sido negada por Bultmann e Bousset. Bultmann afirma que a Igreja Primitiva não
considerava Jesus como Senhor, mas como o Messias escatológico. A Igreja em Jerusalém era profundamente
judaica na sua escatologia, com apenas esta diferença: que o Jesus exaltado seria o Filho do Homem que voltaria.
Quando a Igreja começou a florescer no meio dos gentios, o título kyrios foi inventado, não como tradução do
nome hebraico de Deus, mas baseado em cultos helenísticos de Egito, Ásia Menor e Síria. Estes cultos
conheciam "senhores" (l Cor. 8:5s) e o adorador destas deidades poderia alcançar imortalidade através de
comunhão com as mesmas. O “tendão de Aquiles” desta teoria é uma oração paulina: "Se alguém não ama ao
Senhor Jesus Cristo seja ele anátema. Maranatha" (I Cor. 16:22). É uma expressão litúrgica. Seria estranho Paulo
usar uma expressão desta, que contém a palavra aramaica Maranatha, para uma Igreja de língua grega. Isto
prova que o uso de Mar (aramaico para o grego Kyrios) para Jesus, é muito mais antigo, e é usado na Igreja
primitiva, e não de origem helenística.
Por isso, Atos 2:36 descreve corretamente a atitude cristã. Implícita nesta cristologia já está uma teologia
trinitária. Podemos ver que o uso do título kyrios é baseado no próprio ensino de Jesus, que se designou a si
mesmo como Senhor divino.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.30


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4. A IGREJA
a) O Início da Igreja - Pentecostes.
De Jesus a Pentecostes. Jesus considerava seus discípulos como o núcleo de Israel que aceitou sua
proclamação do Reino de Deus, e por isso formaram o Israel espiritual, o verdadeiro povo de Deus. Este povo
reconheceu que ele é o Messias, é o povo do Reino e, ao mesmo tempo, o instrumento do Reino no mundo.
Porém, Jesus não começou um movimento novo, não se reunia com os seus em sinagogas separadas. A única
distinção entre os seguidores de Jesus era o discipulado. Depois da morte e ressurreição de Jesus, o pequeno
grupo de discípulos somente esperava, enquanto Jesus lhes aparecia de vez em quando, instruindo-os acerca do
Reino de Deus (1:3). Os discípulos pensavam ainda no estabelecimento de um reino teocrático na terra, mas
Jesus explicou que o Plano de Deus era outro. A promessa de João Batista, de que o Messias cumpriria a profecia
de Joel, que diz que o povo de Deus será batizado com o Espírito Santo, seria cumprida em breve. No dia de
Pentecostes algo maravilhoso aconteceu: os discípulos de Jesus experimentaram uma visitação divina,
acompanhada por manifestações visíveis e audíveis, que os convenceu de que Deus derramara o Seu Espírito.
Base veterotestamentária de Pentecostes. Os profetas tinham previsto um dia em que Deus derramaria
seu Espírito sobre todos, e não apenas sobre os líderes oficiais – reis, sacerdotes e profetas. O resultado seria um
avivamento de profecia e revelação (Joel 2:28,29). Também Ezequiel previu o dia de salvação messiânica, apesar
do fato de que a ênfase dele era ura pouco diferente (Ez. 6:22ss). A literatura intertestamentária descreve que o
Espírito não estava operando mais. Não havia mais profecia inspirada. Também o Espírito não habitava mais no
segundo templo. A seita de Qumran acreditava que alguns membros possuíam o Espírito Santo, porém não
tinham revelações novas, mas apenas a capacidade de interpretar as Escrituras. Depois João Batista apareceu
com uma mensagem vinda diretamente de Deus. Jesus recebeu o Espírito Santo na ocasião do seu batismo e
proclamava que possuía o Espírito (Lc.4:18; Mt. 12:28). Isto tudo indicava o início de uma nova época. Quando
chegou o dia de Pentecostes, Pedro se referiu à profecia de Joel (At. 2.16). A promessa dada a Israel foi
cumprida, não na nação, mas no grupo de pessoas que seguiam a Jesus. Além disto, Pedro dá um significado
escatológico à profecia de Joel: “nos últimos dias” (2:17). Esta expressão denota, no A.T., o tempo do Reino de
Deus (Is.22:4; Os.3:5). Os últimos dias começaram, mas ainda resta o Dia do Senhor como evento futuro,
O Derramamento do Espírito. A vinda do Espírito se caracterizou por vários sinais exteriores. O som de
um vento impetuoso encheu o cenáculo, onde os discípulos estavam reunidos. Havia algo como fogo, que se
dividiu e se colocou sobre cada um deles. Eles se sentiam cheios da presença maravilhosa de Deus de tal
maneira que começaram a louvar a Deus. A língua que eles falaram não era grego nem aramaico, mas uma língua
estranha que deixava os ouvintes pensarem que eles estavam intoxicados. Outros, contudo, ouviam línguas
conhecidas. Pedro explicou que este poder sobrenatural de falar em outras línguas (glossolalia) era o sinal exterior
do cumprimento da promessa de Joel. Este derramamento do Espírito também é chamado de batismo no Espírito
Santo (1:5) e o Dom do Espírito Santo (2:38). Qual é o significado do batismo no Espírito Santo?
Há uma diferença entre o batismo no Espírito Santo e ser cheio do Espírito. No livro de Atos há repetições
do enchimento do Espírito, mas o batismo é algo único. (cfr. 2:4; 4:8-9,17 e 13:9). Há três "extensões" do dia de
Pentecostes: Atos 8 – Samaria; Atos 10 – Cornélio e sua família; Atos 19 – os discípulos de João Batista em
Éfeso. Alguns afirmam que o batismo no Espírito Santo é uma experiência que coincide com a conversão, outros
que é uma experiência que segue a conversão e é distinta dela. Estes afirmam que o que aconteceu em Samaria
é a experiência normal, aqueles, que Samaria é a experiência excepcional.
Sobre a experiência vivida em Samaria ser uma exceção, pode-se explicar com algumas hipóteses:
Samaria se trata da primeira missão dos discípulos fora de Jerusalém. Eles não eram conscientes
de uma missão fora. Eles permaneceram em Jerusalém, até que a perseguição os expulsou de lá.
Os líderes, Pedro e João, precisavam de uma iniciativa especial, por isso era necessária a
chegada deles em Samaria.
Os judeus não gostavam dos samaritanos (Jo. 4:9). Algum sinal especial era necessário para
aquele povo, de modo a mostrar que eles pertenciam integralmente à nova comunidade de Deus.
Os samaritanos não tinham fé adequada, por isso o Espírito não tinha sido dado.
Os outros casos mostram que o batismo no Espírito é simultâneo com a fé salvadora, e praticamente
simultâneo com o batismo nas águas. Existem ainda, porém, algumas observações possíveis:
No caso do apóstolo Paulo (At.9), ele foi cheio do Espírito Santo e batizado (I Cor. 12:13 – " em
um só Espírito fomos nós todos batizados") depois de fé salvadora. Ele se converteu ainda no
caminho de Damasco (veja seu relato em Atos 22:8-10; em verso 10 a palavra "Senhor" indica
salvação; cfr. Rm. 10:9,10). Alguns dias (2 ou 3) depois, ele foi cheio do Espírito.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.31


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Argumentos como os que têm sido dados para mostrar porque Samaria é exceção podem ser
dados também para mostrar que o caso de Cornélio é exceção. Um sinal visível era necessário
para convencer o apóstolo Pedro, hesitante, de que os gentios podiam pertencer integralmente à
comunidade de Deus. Havia uma separação muito grande entre judeus e gentios, e Deus
começou a tratar este problema a partir dos líderes.
Para aqueles que crêem que o batismo no Espírito Santo é simultâneo com a fé salvadora ou
regeneração, I Cor. 12:13 é dado para explicar o significado do batismo no Espírito Santo, a
saber, incorporação no corpo de Cristo. Porém, neste capítulo não se trata de salvação, mas de
serviço. O batismo no Espírito Santo faz com que todos possam exercer sua função no corpo de
Cristo como membros.
Dois fenômenos no dia de Pentecostes mostram simbolicamente a unidade da Igreja; as línguas de fogo
que se dividiram e se puseram sobre cada um dos discípulos. Estas línguas de fogo não devem ser consideradas
como o cumprimento da profecia de João Batista, porque o fogo se refere, nas suas profecias, ao julgamento
universal. Devemos pensar aqui numa teofania igual à experiência de Moisés na sarça ardente. Também o
fenômeno de glossolalia aqui é diferente daquilo que é descrito em I Cor. 12:14. Em Jerusalém, não havia
necessidade de intérpretes, pois todas as pessoas presentes conhecerem o grego koiné, como mostra o sermão
de Pedro (At. 22:2), diferente do dom de línguas de que Paulo fala, para o qual é preciso uma interpretação
espiritual. As línguas têm significado simbólico, mostrando que a mensagem de redenção é disponível para todos.

b) A Vida da Igreja Primitiva


Os primeiros cristãos não se separaram do judaísmo para formar uma nova comunidade. Ao contrário, esta
nova comunidade parecia exteriormente apenas uma sinagoga judaica, que reconheceu Jesus como o Messias.
Eles continuavam a adoração no templo (2:46). Se os judeus tivessem rejeitado as suas práticas normais, o povo
não teria estimado a Igreja como mostra 2:47 e 5:13. Pedro, por exemplo, continua vivendo como judeu,
observando todas as distinções legais entre alimentos puros e impuros (1:14). Há também alguns elementos
tipicamente cristãos na vida da Igreja:

1) O ensino dos apóstolos (didachê). Isto incluía o significado da vida, morte e exaltação de Jesus, o início da
era messiânica e a futura consumação escatológica.

2) A adoração da Igreja Primitiva. É muito simples. Além das reuniões no templo, há reuniões nas casas dos
cristãos (2:46; 5:42) para partir o pão e para comer juntos. Estas palavras sugerem a prática que depois
encontramos nas Igrejas paulinas: a festa de "ágape'", junto com a celebração da Ceia do Senhor (I
Cor.11:20,34). Jesus comia muitas vezes com as pessoas às quais ministrava (Mt.9:10,11; 11:19; Lc. 15:1,2;
At. 1:4), e isto continuou sendo um elemento importante na vida da Igreja Primitiva.

3) Batismo. O batismo se tornou o sinal exterior de admissão na comunidade cristã, segundo o qual os crentes
são batizados em nome de Jesus (2:38). Não há um intervalo entre fé e batismo, como mostra a experiência
no dia de Pentecostes (2:41), dos samaritanos (8:12), do eunuco (8:36,37), de Cornélio (10:47,48), Paulo
(9:18), Lídia (16:14,15) etc. A questão do batismo de crianças não pode ser resolvida com base em dados
exegéticos no livro de Atos. A promessa de atos 2:39 não implica que crianças devam ser batizadas, mas
significa que o evangelho é uma bênção, não só para esta geração, como para as futuras também, não só
para o povo de Jerusalém, mas para os de países distantes. As referências ao batismo de famílias inteiras
(11:14; 16:15,31; 18:8) podem designar esposa, filhos e escravos, mas também aqueles de idade adulta, que
confessaram a fé em Jesus Cristo. É difícil acreditar que estas passagens implicam que a fé do chefe da
família era suficiente para os filhos também, como para os escravos e outros parentes.

4) Comunhão cristã. Os primeiros crstãos se dedicaram à prática da comunhão (2:42). Num certo sentido, a
comunhão que eles experimentavam era um antegosto da comunhão celestial. Comunhão que eles
expressavam, ali em Jerusalém, de uma maneira muito especial. Havia comunhão no sentido material
(2:44,45), o que foi voluntário, como mostra a história de Ananias e Safira (5:4). Não devemos considerar esta
forma de "comunismo cristão" como uma experiência social que falhou, mas como uma forma de expressar
comunhão profunda na comunidade cristã, a qual deveria ser expressa em outras formas em diferentes
situações históricas.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.32


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c) A organização da Igreja
Podemos discernir vários estágios na organização da Igreja:
1º) A Igreja não tinha, no início, a forma de uma instituição. Os únicos líderes eram os apóstolos, cuja autoridade
era espiritual e não legal. Não havia líderes apontados e estrutura. Dos doze, Pedro, João e Tiago se
destacaram mais como líderes.
2º) A primeira liderança foi escolhida quando surgiu um conflito dentro da Igreja entre as viúvas gregas e
hebraicas (At.6:1) Para resolver o problema, sete homens foram escolhidos para ministrar a distribuição da
alimentação. Um destes homens, Estêvão, era muito capaz também na pregação da Palavra (6:8).
3º) Em 11:30 encontramos um grupo de "anciãos" ou "presbíteros" como líderes da Igreja em Jerusalém. Não
está claro como surgiu esta nova forma de liderança, mas é provável que os apóstolos, ao saírem de
Jerusalém, deixaram o governo da Igreja com um grupo de homens, chamados presbíteros, conforme o
modelo das comunidades e sinagogas judaicas. Devemos pensar numa equipe de presbíteros, não de um
presbítero dirigindo uma pequena congregação. Estes presbíteros também são chamados "episkopos"
(bispos), o que indica a supervisão da Igreja. Que presbíteros e bispo indicam a mesma função, mostra o fato
de Paulo chamar os presbíteros de bispos em Atos 20:17 e 28. Além disto, os dois termos são usados
misturadamente em Tito (1:5,7)

d) A Igreja e Israel
O livro de Atos mostra como a Igreja se desenvolveu e emancipou de Israel. Atos 1:8 dá o padrão de
desenvolvimento: Jerusalém, Judéia, Samaria, até os confins da terra. Podemos discernir quatro estágios
diferentes neste processo de emancipação:
1º) O Ministério de Estêvão. Todos os sete diáconos têm um nome grego, o que indica que são judeus que falam
grego (6:13,14). Estêvão foi acusado de falar contra o templo e contra a lei. Na defesa dele, Estêvão não
tentou se defender contra isto, porque ele trata a história de Israel fora de Palestina e sem o templo (7:51-53).
Parece que Estêvão não considera adoração no templo, algo essencial.
2º) O Ministério de Pedro na casa de Cornélio. Pedro foi acusado de comer com os gentios (11:3), isto é, de
violentar a lei judaica. Pedro se defendeu dizendo que Deus mesmo aceitara os gentios.
3º) O Concílio de Atos 15. Paulo fundara igrejas fora da Palestina (15:1,2), mas cristãos judeus insistiam na
observância dos rituais, especialmente a circuncisão: os gentios deviam tornar-se judeus para serem salvos.
Isto é uma idéia que tinha sua origem com fariseus convertidos (15:5). Tiago, irmão do Senhor, teve uma
palavra de sabedoria (15:15-17). A sua resposta implica que Jesus é o Rei de um novo Israel espiritual, que é
a Igreja. Os gentios tinham crido em Jesus sem lei, e não precisariam viver com lei. Havia apenas 3 restrições
para não escandalizar os judeus, que viviam espalhados em todas as partes do mundo: carne sacrificada aos
ídolos (Rm. 14:1-23; I Cor. 10:22-33); comer animal sufocado ou com sangue, e a prostituição. O último era
uma advertência necessária, porque em muitos lugares havia prostituição religiosa. Em tais contextos, uma
ênfase deveria ser dada à moralidade.
4º) O Ministério de Paulo. Paulo, quando chegava numa cidade, pregava primeiro aos judeus. Se ninguém dava
ouvidos à Palavra, ele se tornava aos gentios. O livro de Atos mostra, muitas vezes, como Paulo era
perseguido pelos judeus e protegido pelas autoridades romanas. Lucas inclui 5 capítulos somente para
mostrar que os judeus rejeitaram o cristianismo (21-26). Atos 28:28 mostra o mesmo. A Igreja, que começou
em Jerusalém (Atos 1) como uma comunidade judaica, terminou como uma comunidade de gentios em Roma
(Atos 28).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.33


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IV. A TEOLOGIA DE PAULO

1. INTRODUÇÃO
Para entender o pensamento de Paulo, o maior intérprete do significado e da obra de Jesus, o fariseu
convertido, devemos examinar as influências que ajudaram a moldar a sua pessoa. Isto é difícil, porque ele
pertencia a três mundos diferentes: judeu, grego e cristão. Apesar do fato de ter nascido numa cidade grega,
Társis, ele foi criado numa família judaica (Fil.3:5) e estava orgulhoso por causa da sua herança espiritual judaica
(Rom.9:3; 11:1). Ele vivia como fariseu, em obediência sem falta à lei (Fil.3:6; II Cor. 11:22) e era zeloso para com
as tradições farisaicas, mais do que muitos contemporâneos (Gal. 1:14),.tendo sido treinado aos pés do famoso
rabi Gamaliel (At. 22:3).
Paulo também conhecia o mundo grego, com sua filosofia (cínica-estóica) e religiões de mistério. Muitas
idéias e palavras ele aprendeu ali, mas isto não quer dizer que ele usava idéias religiosas gregas. É difícil
descobrir até onde sua formação influenciou as suas idéias. Mas o fato de que ele se considera separado para o
evangelho desde o ventre de sua mãe (Gal. 1:15) implica que ele compreendia que todas as suas experiências
antes de sua conversão o prepararam para o seu ministério.
Paulo não recebeu toda a sua teologia no caminho de Damasco, nem podemos limitar as origens de Paulo
ao A.T. e aos ensinamentos de Jesus.
Parece que Paulo, como teólogo judeu foi preparado para meditar, sob a direção do Espírito Santo, sobre as
implicações do fato de que Jesus de Nazaré era o Messias, o Filho de Deus. Isto o levou a muitas conclusões
diferentes das que ele tinha como judeu, especialmente acerca da lei. Vários tipos de interpretação do
pensamento paulino existem:
a. Paulo é considerado um rabi; uma comparação entre a literatura rabínica e Paulo é feita. Porém, a
literatura rabínica é de data posterior, e nós só conhecemos o pensamento de Paulo depois de sua
conversão.
b. Outros rejeitaram a interpretação rabínica, por causa da sua opinião negativa a respeito da lei. Paulo tem
sido interpretado como rabi da diáspora.
c. Paulo é um teólogo apocalíptico. Descobertas mais recentes mostram que não podemos fazer distinção
entre judaísmo palestino, apocalíptico e da diáspora.
d. Paulo é interpretado baseado nas religiões de mistério.
e. Paulo é interpretado em termos de dualismo helenístico de carne contra espírito (gnosticismo).
f. Por causa do fato de que Paulo mesmo afirma que ele recebeu uma educação teológica rabínica antes de
tornar-se cristão, parece correto aceitar isto e interpretar Paulo como judeu, porém, lembrando sempre da
possibilidade de influências helenísticas ou até gnósticas.

a) Paulo como judeu


Como judeu, Paulo era monoteísta (Gl.3:20; Rm.3:20) e rejeitava religiões pagãs (Col.2:8), idolatria (I
Cor.10:14-21) e imoralidade (Rom. 1:26ss). O A.T. é Escritura Sagrada para ele (Rom. 1:2; 4:3), e a Palavra,
inspirada por Deus. (II Tim. 3:16). Seu método de interpretar o A.T. o coloca na tradição do judaísmo rabínico.
Como rabi judeu, sem dúvida ele colocou a lei central. Mesmo como cristão ele afirma que a lei é espiritual
(Rom.7:14), santa, justa e boa (Rom.7:12) e ele nunca duvida da origem e autoridade divinas da lei. O judaísmo
tinha perdido o sentido da auto-revelação de Deus em eventos históricos e revelação através de profetas. A
doutrina judaica de revelação se centralizara na lei. O Espírito Santo tinha deixado Israel com o último dos
profetas, mas não tinha necessidade de uma nova palavra de Deus. Como judeu, Saulo tinha esperança que um
dia viria o Messias, para destruir os inimigos, remir Israel e estabelecer o Reino de Deus. Paulo usa o contraste
entre dois séculos, apesar de mencionar completamente apenas em Ef. 1:21. Porém, Paulo fala freqüentemente
sobre o presente século. Veja I Cor.2:6; 20; l Cor.3:18; 2:8; 2:2; II Cor.4:4).
Como rabi, Paulo era zeloso para destruir a nova seita dentro do judaísmo, formado pelos seguidores de
Jesus Cristo (Gl. 1:13: I Cor. 15:9; Fil. 3:6; At. 8:1). Este zelo era zelo pela lei, porque Jesus tinha modificado tudo
quanto era sagrado para os fariseus. Estêvão, na verdade, rejeitou a lei, porque ele argumentou que a lei nunca
produziu um povo obediente a Deus (At.7:35ss).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.34


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

b) Paulo como cristão


Houve uma transformação completa em Paulo depois de sua conversão. Três fatos se destacam na sua
missão apostólica: ele prega o Cristo que antes ele perseguira; ele era convicto que sua missão consistia em levar
o evangelho para os gentios; ele pregava justificação pela fé sem e em contraste com as obras da lei.
Esta transformação não foi o resultado de estudos, reflexão, debate e argumentação, mas foi repentina, no
caminho de Damasco. Várias explicações foram dadas para esta experiência de Paulo.
Alguns afirmam que foi um ataque de epilepsia, outros que foi uma experiência psicológica, causada por um
conflito interno, como Paulo descreve em Rom.7, ainda reforçado pela morte de Estêvão. Porém, Paulo mesmo
refutou esta teoria. Viver debaixo da lei foi para ele motivo de orgulho (Fil.3:4,7; Rom.2:13,23).
É melhor aceitar o testemunho bíblico da conversão de Paulo, desde que o mesmo não possa ser
explicado. É um acontecimento que não tem explicação histórica ou humana. Paulo declara que o Cristo
ressurreto e glorificado apareceu a ele, igual às aparições de Cristo durante os 40 dias após a sua ressurreição (I
Cor. 15:8). Como os outros apóstolos, ele viu o Senhor (I Cor.9:1), recebeu uma revelação de Cristo (Gl. 1:12),
embora tenha havido algo anormal também (1 Cor. 15:8). A experiência de Paulo era anormal no sentido que
Jesus lhe apareceu depois que as aparições aos discípulos tivessem terminado. Ele mesmo faz distinção entre
esta experiência e outras revelações posteriores (II Cor. 12). A aparição de Cristo provou que a proclamação era
cristã, era correta, que Jesus ressuscitou da morte e que Ele, por isso, é o Messias e o Filho de Deus (At. 9:20).
Em todos os três relatos da conversão de Paulo, Jesus se identifica com a Igreja perseguida (At. 9:5). Então a
Igreja é o povo do Messias. Se um povo, que não observa a lei, é o povo do Messias, então salvação não pode
ser pela lei; deve ser uma dádiva do Messias, e a dádiva de Deus a todos os homens. Aqui há uma lógica atrás do
chamado que Paulo recebeu de Jesus ressurreto para ser o apóstolo dos gentios.
A idéia de que Jesus é o Messias revolucionou todo o conceito que Paulo tinha do significado da lei, porque
foi seu zelo para com a lei que causara seu ódio contra os cristãos e seu Messias. Se, então, a tentativa de
alcançar justiça pela lei o cegou para a justiça verdadeira de Deus no Messias (Rom. 10:3), então não poderia
haver justiça pela lei (Rom. 10:4). Desse modo, todos os elementos essenciais da teologia de Paulo – Jesus é o
Messias, o evangelho para os gentios, justificação não por obras da lei, mas pela fé – estão contidos na sua
experiência no caminho de Damasco.

c) Todas as coisas novas


Após sua conversão, o dualismo entre o século presente e o século futuro permanecem na teologia paulina
(Gal.1:4). Poderes maus se opõem contra o homem (Ef.6:12ss), que ainda é sujeito a sofrimento (Rom.8:35ss; Fl
1:26ss) e à morte (Rom.8:10). O mundo físico está em decadência (Rom.8:21) e o espírito do mundo é oposto ao
Espírito de Deus. O mundo está sob julgamento divino (I Cor. 11:32). Os crentes ainda vivem no mundo e usam o
mundo (I Cor. 5:11). Do ponto de vista da natureza, história e cultura, o Reino de Deus é uma esperança
escatológica. Mas, se Jesus é o Messias, e trouxe salvação messiânica, algo deve ter mudado. O Reino de Deus
deve ser uma realidade no presente, mesmo que o mundo não o veja (Col. 1:13). O reino messiânico de Jesus
começou com sua ressurreição e exaltação (I Cor. 15:23-25). Quando todos os inimigos estiverem sujeitos a Ele,
Ele entregará o Reino a Deus.
Isto implica uma modificação profunda na maneira de Paulo ver a Heilsgeschichte – a história sagrada.
Dentro da história e do mundo, eventos redentivos ocorreram, cujo caráter essencial é escatológico. Por exemplo
a ressurreição de Cristo era um tal evento escatológico. A ressurreição dos mortos permanece um evento do final
do século (I Cor. 15:52), mas a de Jesus significa que a ressurreição já começou. A ressurreição ocorre em vários
estágios; Cristo, as primícias, é o primeiro estágio. A segunda etapa são aqueles que pertencem a Cristo, quando
Ele vier (I Cor. 15:21-23). O importante é que a ressurreição de Cristo é o início da ressurreição escatológica, pelo
que o homem tem certeza de que há ressurreição escatológica, de que há ressurreição para ele também. A
palavra "primícias" sustenta isto: as primícias são o início da colheita, o que sinaliza a promessa de que haverá
uma colheita total em breve.
Assim também a vida no Espírito é descrita como uma realidade escatológica. O A.T. viu o derramamento
do Espírito sobre toda a carne como um evento escatológico precedente do Dia do Senhor (Joel 2:28-32). A
experiência completa da vinda do Espírito é o acontecimento futuro em que os mortos em Cristo ressuscitarão
com corpos espirituais (I Cor. 15:44). Um corpo espiritual não é um corpo feito de pneuma, como também o corpo
natural não é um corpo feito de psyche. O corpo natural é feito para a experiência de vida humana (psychikos), e o
corpo espiritual será um corpo tão cheio do Espírito vivificante de Deus que será glorioso, poderoso e imortal. A
experiência perfeita do Espírito significa a redenção do corpo físico (Rom.8:23). Nós já temos as "primícias do
Espírito" (Rom.8:23), que é o início daquilo que nos espera no futuro. Em outra epístola, o Espírito é descrito como
nosso penhor (“arrabon”) – um pagamento inicial, a "entrada" ou "sinal", (Ef. 1:14; II Cor. 1:22). O Espírito é dado

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.35


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

como "Arrabon", que é mais do que uma promessa, já é realização. Por isso aqueles que estão em Cristo não
vivem mais no presente século. Para Paulo o “fim dos séculos” (“ta tele ta aionon”) chegou (I Cor. 10:11), o que,
possivelmente, significa que os dois séculos se sobrepõem. O período entre a ressurreição e a parousia é um
período intermediário, o período que pertence a dois séculos. "Tele" (fim) significa o extremo entre duas linhas; o
final de uma era e o início de outra.

2. AS FONTES DO PENSAMENTO PAULINO


a) A natureza das nossas fontes
Nós temos vários escritos da mão do próprio apóstolo à nossa disposição. Nove das treze epístolas
paulinas são consideradas autênticas universalmente. As epístolas Pastorais são consideradas por alguns como
escritos de outro autor, mas todos admitem que elas contém muito material paulino. Ao estudar as Epístolas
paulinas alguém encontrará dificuldades em criar o pensamento paulino, porque as epístolas não são obras
teológicas, mas correspondência viva. Consequência disto é que não temos o pensamento completo de Paulo.
Muitas vezes ele escreve por causa de uma determinada situação numa Igreja. Romanos é a única epístola mais
sistemática, mas mesmo assim quase não há uma descrição da pessoa de Cristo, como por exemplo em Fil. 2, ou
sua escatologia. Paulo não escreveu sobre a vida e o ministério de Jesus durante a encarnação. Isto não quer
dizer que Paulo não conhecia a tradição, mas que uma correção de pontos de vista errôneos não era necessária.

b) A atitude de Paulo a respeito de sua mensagem


Paulo reivindica uma autoridade e entendimento da vontade e da mente de Deus que, humanamente
falando, é arrogante. Veja I Cor.7:10; 14:37; Il Cor,10:8; 11:6; Gal. 1:6ss; II Tess. 3:14. Porém, Paulo tinha esta
autoridade por causa de seu chamado ao apostolado. Ele é consciente também da diferença entre a vontade de
Deus e sua própria autoridade. Veja I Cor.7:6,25; II Cor. 8:10. Isto apesar do fato de que mesmo nas suas opiniões
ele tem a direção do Espírito, como em I Cor. 7:40.

c) Paulo como apóstolo


Jesus tinha escolhido doze discípulos, que depois foram mandados na mesma missão na qual Jesus estava
envolvido, e que se tornaram os líderes da Igreja Primitiva. Além destes, encontramos outros apóstolos, como
Tiago, o irmão de Jesus (Gál. 1:19), Andônico e Junia (Rom. 16:7), Silvano (I Tess.2:6, cf. At.17:10), Barnabé e
Paulo (At. 14:4-14). Houve outros que reivindicaram o apostolado e se opuseram contra o trabalho de Paulo (II
Cor. 11:5,13; 12:11), mas este lhes negou tal posição.
Como apóstolo Paulo reivindica autoridade. Sua experiência no caminho de Damasco não só implica sua
conversão, como também um chamado especial (At. 9:15,16; 22:15; 26:17,18): Deus o escolhera desde antes de
seu nascimento (Gál. 1:15) e ele deve pregar o evangelho (I Cor.9:16). Depois da sua primeira missão, seu
apostolado foi reconhecido pela Igreja em Jerusalém, inclusive pelos outros apóstolos, Pedro, Tiago e João
Para ser apóstolo alguém devia ser testemunha da ressurreição (At. 1:22; I Cor. 9:1) e receber um chamado
especial do Senhor ressurreto. Os apóstolos são representantes pessoais de Jesus, como também está implícito
em Mt. 10:40 e Mc. 6:11. Ser apóstolo significa também ser pregador (keryx – l Tim. 2:7; II Tim. 1:11), e nesta
qualidade o apóstolo fundava igrejas. Paulo lembrou os Coríntios de que ele não precisava de cartas de
recomendação, como certos "apóstolos" diziam possuir. Estes são "pseudo-apóstolos" (II Cor. 11:13), porque eles
somente têm cartas humanas, não têm chamado de Cristo. Paulo tem, e a igreja em Coríntios é a sua carta de
recomendação (I Cor. 2:17; 3:3). Apesar de sua autoridade apostólica (exousia – II Cor. 10:8; 13:10), esta não é
uma autoridade arbitrária ou automática, que faria o apóstolo onisciente ou infalível. Paulo fazia diferença entre
suas próprias opiniões e a vontade de Deus. O conflito entre Paulo e Pedro (Gal.2:11ss) ilustra que até um
apóstolo pode agir contrariamente às suas convicções (Gál. 2:7,9; At. 15:7ss).
A autoridade apostólica era, em primeiro lugar, na área moral e espiritual, e não legal ou institucional. A
autoridade apostólica vinha de Deus (I Tess. 2:13), mas o apóstolo era submisso a Deus (I Cor.4:1). Marca de
falsos apóstolos é falta de dedicação a Deus. Eles procuram servir a si mesmos (II Cor. 11:12), se orgulham na
sua posição (II Cor. 5:12) e exaltam seu apostolado de tal maneira que Paulo os chama de "superapóstolos" (II
Cor. 11:5; 12:11); são dominantes, arrogantes e avarentos (II Cor. 11:20). O verdadeiro apóstolo não domina a fé
das igrejas (II Cor. 1:24), apesar de sua autoridade divina, ele não exalta-se a si mesmo, mas prega Cristo,
enquanto servo dos que o ouvem (II Cor.4:5).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.36


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

d) Os apóstolos e a revelação
Paulo se mostra consciente de que está transmitindo revelação, um mistério (Rom. 16:25,26). Mistério, no
N.T. e especialmente nos escritos paulinos tornou-se uma palavra técnica, associada com revelação divina. A
palavra não tem sua origem nos cultos helenísticos de mistério, onde a pessoa se tornava perfeita (teleios) ou
espiritual (pneumatikos), mas na idéia veterotestamentária de que Deus revela segredos. Mistérios é salvação
providenciada por Deus, que, apesar de ser planejada antes da fundação do mundo, ficou escondida para os
homens até o tempo certo em que foi revelada em Jesus Cristo e proclamada aos homens.
Na solução de problemas na igreja coríntia, Paulo deixou claro que o mistério como revelação envolve três
elementos: o fato na histórisa de Jesus, o crucificado, sua ressurreição e exaltação como Senhor crucificado, e o
sgnificado redentor de Jesus Cristo crucificado, ressuscitado e exaltado. Ao analisarmos a linguagem dos
primeiros capítulos da primeira epístola apostólica àquela Igreja, podemos ver que certos mestres gnósticos
pneumáticos pregaram sua sabedoria (I Cor.1:17; 2:12-24) que levaria a uma salvação perfeita (teleioi – I Cor.2:6)
e uma qualidade de espiritualidade (pneumatikoi - I Cor.3:1) que levava a uma indiferença a respeito da carne.
Esta doutrina causava indiferença para com os “não-iluminados” (l Cor. 8:1). A libertação da carne manifestava-se
em duas formas: a rejeição de uma ressurreição corporal (I Cor. 15) e liberdade sem limites – "Tudo é lícito" (I
Cor.6:12) –, que levava a abusos, como, por exemplo, pecados sexuais. Quando Paulo corrige estas distorções,
ele mesmo parece gnóstico. Embora ele fale ironicamente a respeito destes pneumatikoi, chamando sua
sabedoria de loucura (I Cor. 1:20), ele afirma que há uma sabedoria divina, conhecida pelos "teleioi", mas não à
disposição dos homens, revelada pelo Espírito de Deus ( I Cor. 2:6-10). É uma sabedoria que aquele que não é
espiritual (psyehikos) não pode receber, mas conhecida pelos verdadeiros pneumatikoi, espirituais (I Cor. 2:14-16).
Em contraste com os pneumatikoi não há somente os psychikoi, mas também os "sarkikoi" (carnais – I Cor. 3:1ss).
Parece aqui que os pneumatikoi e teleioi formam um grupo especial de cristãos mais avançados, que podem
compreender os mistérios de Deus, os quais são escondidos para os psychikoi e sarkikoi. Isto, porém, não é o que
Paulo quis dizer. Os sarkikoi são pessoas diferentes, não porque não receberam o Espírito, mas porque
receberam e não estão agindo de acordo.
A mensagem do evangelho é a cruz (I Cor. 1:17), a única mensagem que Paulo proclamara no meio deles.
( I Cor. 2:2). Porém, a cruz não é apenas um evento histórico (I Cor. 1:23). Para judeus e para gregos a idéia que
a execução humilhante de alguém como um criminoso era relacionada com sabedoria e salvação divinas era
loucura. Neste ponto se revelou a sabedoria e o poder de Deus. O significado da cruz, apesar de sua proclamação
aberta ( I Cor. 1:17,23), é, do ponto de vista humano, loucura (cfr. II Cor. 5:16); o homem não pode compreendê-lo
sem a assistência do Espírito Santo (I Cor. 1:21,24). O evangelho é, então, a proclamação do fato histórico e seu
significado redentivo, que inclui bênçãos presentes e futuras que o homem nem pode imaginar (I Cor. 2:9,10).
A revelação através dos apóstolos é mencionada, explicitamente, em Ef. 3:5. O aspecto particular da
revelação aqui é o fato de que há salvação para os gentios e a criação de "um homem novo" (Ef. 2:15) pela
incorporação tanto de judeus como de gentios no corpo de Cristo. Esta verdade foi revelada a Paulo durante a sua
conversão. Por outro lado, a revelação aos apóstolos e profetas não ocorreu para criar um grupo elite de pessoas
iluminadas mas para fazer conhecido o mistério de Cristo (Ef. 3:9; Col. 1:26). Os apóstolos são ministradores
(oikonomoi) dos mistérios de Deus (I Cor.4:1).
O modo da revelação não pode ser reduzido a um só padrão fixo. Para Paulo, a experiência no caminho de
Damasco era uma experiência única, distinta de outras revelações posteriores (II Cor. 12:1,7) que não tinham um
significado imediato para a história da salvação. Porém, revelação é toda a mensagem cristã, independente do
modo como foi revelada (Rom. 16:25).

e) Revelação e Tradição
Se a mensagem apostólica consiste de proclamação de eventos históricos e seu significado redentivo, nós
podemos concluir facilmente que para a revelação os eventos não são importantes, só seu significado.
Conseqüentemente, a revelação não ocorreu nos fatos do passado, mas na proclamação do evangelho, na qual
Deus se revela.
Esta conclusão tem sido tirada por teólogos existencialistas. Para Bultmann, a salvação ocorre na
proclamação da palavra. O evangelho não recita eventos passados, mas é um acontecimento no presente.
Revelação não é mostrar verdades sobre Deus, é a comunicação de conhecimento, revelação é a confrontação
com Deus que ocorre na proclamação da Palavra. Aparentemente, esta teoria é sustentada por passagens
bíblicas (Rom. 16:25; 1:16), entretanto o kerygma (proclamação) e o euaggelion (evangelho) não podem ser
limitados à proclamação do evangelho; eles também incluem o conteúdo da mensagem. A loucura da pregação (I
Cor. 1:21) não se refere à atividade em si, mas ao conteúdo da mesma, que é Cristo crucificado, uma ofensa e
uma loucura para todos (I Cor. 1:23).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.37


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Há uma unidade dinâmica entre o evento e a proclamação do evento. Sem proclamação, não dá para
compreender o significado dos eventos, e os mesmos são apenas eventos, enquanto que pela proclamação eles
se tornam realidades presentes. O passado vive no presente pela proclamação. Por isso Paulo diz que o
Evangelho é poder para salvar (Rom. 1:16,17). A tensão entre o presente e o passado é confirmada pelo conceito
da tradição em Paulo, que refere à sua pregação, muitas vezes, nos mesmo termos que são usado na tradição
judaica oral: entregar (paradidonai) e receber (paralambano). Esta tradição é importante e deve ser mantida (I Cor.
11:2; II Tess. 2:15; 3:6), pois tradição consiste no evangelho (I Cor. 15:1; Gál. 1:19; I Tess.2:13): que Cristo morreu
pelos pecados, que Ele foi sepultado, ressuscitou no terceiro dia e apareceu aos discípulos (I Cor. 15:1-5). As
mesmas expressões são usadas quanto à Ceia do Senhor (I Cor. 11:23).
Enquanto tradição evangélica oral em certo sentido é semelhante à tradição oral judaica, ela é diferente em
um sentido, porque receber a tradição não é apenas receber um relato fidedigno de acontecimentos no passado,
nem iluminação intelectual, mas é igual a receber (paralambano) Jesus Cristo (Col. 2:6). Na voz da tradição, a voz
de Deus é ouvida, e através desta palavra Deus é presente e age na Igreja (I Tess. 2:13). A tradição exige uma
resposta de fé (I Cor. 15:2) e confissão com a boca (Rom. 10;8,9), e resulta em salvação. Tal confissão somente é
possível por intermédio do Espírito Santo (I Cor. 12:3).
Assim a tradição tem um caráter duplo: é tanto tradição histórica quanto tradição kerygmática-pneumátika. É
história porque é ligada com fatos históricos; é kerygmática porque somente pode ser continuada através do
kerygma, da proclamação; e é pneumátika, porque pode ser recebida e preservada somente pela capacitação do
Espírito. Neste contexto, devemos entender as palavras "do Senhor" em I Cor. 11:23: "O Senhor" é Jesus
histórico, agora exaltado, que fala à Igreja através da Ceia.
O caráter kerygmático-pneumático da tradição se reflete mais nitidamente no fato de que ela consiste da
palavra de homens, comunicada através de homens, mas que é, ao mesmo tempo, a palavra de Deus (I Tess.
2:13), o evangelho (Ef. 1:13; Col. 1:5), o kerygma (I Cor. 1:18,21), o mistério (Col. 1:25). É uma palavra que pode
ser ensinada e aprendida (Gál. 6:6), contudo também é uma palavra divina, confiada ao homem (II Cor. 5:19).
Precisa de um intermediário humano para ser pronunciada (Fil. 1:14), mas é a palavra vitoriosa de Deus (II Tm.
2:9; II Tess. 3:1). A palavra deve ser recebida pelos ouvintes (I Tess. 1:6), habitar neles (Col. 3:16), trazendo
salvação (Ef. 1:13; Fil.2:16).
Nenhum dos dois aspectos – histórico ou kerygmático, pode ser negligenciado. Se o aspecto kerygmatico é
negligenciado, então a tradição perde seu caráter soteriológico, e se abaixa ao nível de tradição humana. Na
palavra, Deus revela não apenas fatos, mas a Si mesmo.
A tradição é fixa, isto é, ela não pode ser mudada (Gál. 1:9,8). Por outro lado, o Espírito pode aumentar a
tradição, revelando um desenvolvimento maior daquilo que já estava implícito na obra redentora de Cristo, através
dos apóstolos e profetas, como mostra o uso da palavra mysterion, ou segredo revelado. O mistério inclui Cristo
como incorporação de toda sabedoria e ciência (Col. 2:2), a habitação de Cristo no interior do crente (Col. 1:27), a
abolição da distinção entre judeu e gentio no corpo de Cristo (Ef.3:6). É o relacionamento entre Cristo e a Igreja
(Ef. 6:19), a rejeição do evangelho pelos judeus e a salvação dos gentios, que levará futura salvação de Israel
(Rom. 11:25,26), a transformação dos santos vivos no dia da parousia (I Cor. 15:51) e a restauração da ordem no
universo por Cristo (Ef. 1:9-10).
Na sua epístola aos Gálatas, Paulo parece rejeitar o papel da tradição na revelação, reivindicando que
revelação é uma iluminação direta do Espírito Santo. Ele parece declarar sua independência da Igreja primitiva já
que não recebeu o Evangelho por tradição (parelabon) ou instrução, mas por revelação direta de Jesus Cristo
(Gál. 1:12). Ele declara independência dos outros apóstolos, e quando viajou a Jerusalém foi apenas para
conhecer Pedro e Tiago (Gál. 1:17-19).
Parece haver contradição entre Gálatas e I Cor. 11 e 15, para a qual várias soluções têm sido oferecidas:
1. Em Coríntios, Paulo se refere apenas aos fatos cujo significado foi revelado pelo Cristo exaltado. Há um fundo
de verdade nisto: como judeu, Paulo certamente conhecia os fatos concernentes à vida e à morte de Jesus, e
às reivindicações dos cristãos de que Jesus é o Messias. Na verdade, estes fatos e sua interpretação judaica
fizeram de Paulo um perseguidor. No caminho a Damasco, ele ganhou uma nova compreensão dos fatos.
Todavia, a tradição em I Cor. 15 inclui, também, fatos que Paulo, como judeu, nunca teria aceitado: "Cristo
morreu por nossos pecados" e “Cristo ressuscitou e apareceu aos discípulos”.
2. Outros mantiveram que Paulo recebeu a forma de sua proclamação de homens, mas o conteúdo essencial da
mesma semente poderia Ter sido comunicado por revelação direta. Esta solução é insatisfatória, porque
contradiz a natureza kerygmática da tradição e a considera uma tradição meramente humana.
3. A contradição aparente é devida às finalidades diferentes das passagens mencionadas. Em Coríntios, Paulo
pensa em alguns aspectos do evangelho, que incluem fatos e seu significado. Nisto ele está concordando com
os cristãos primitivos, e na verdade ele recebeu informação deles mesmos. Em Gálatas, porém, Paulo trata de

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

sua autoridade apostólica e o fato central do evangelho, a saber, que Jesus é o Messias ressurreto e exaltado.
Isto ele não recebeu de homens, mas diretamente do Cristo exaltado. Paulo não foi convertido através de
pregação cristã, mas através de um encontro direto com o Cristo exaltado. O fato de Paulo, mais tarde, ter
entrado em contato com Pedro e Tiago recebido informação deles, não diminui o fato de que ele recebeu o
evangelho independentemente. O importante é que ele tem autoridade apostólica (Gál. 1:17), porque ele
recebera o evangelho e sua comissão diretamente do Senhor.

f) Paulo e o Antigo Testamento


Além da tradição e da revelação direta pelo Espírito Santo, uma fonte importante da teologia paulina era o
A.T., o que se mostra nas suas citações frequentes e na base veterotestamentária de muitos de seus conceitos.
As Escrituras são santas e proféticas (Rom. 1:2; 4:3) e constituem as palavras de Deus (Rom. 3:1,2). A Palavra é,
ainda, inspirada (II Tim. 3:16). Paulo cita o A.T. 93 vezes, não para ganhar autoridade para seus ensinamentos,
mas para mostrar que a redenção em Cristo é a continuação direta da revelação de Deus no A.T., e é
cumprimento da mesma. Especialmente em Rom. 9:11, que trata da história da salvação e mostra a sequência
Israel-Igreja, o apóstolo cita o Antigo Testamento 26 vezes. Justificação pela fé é ensinada no A.T. (Rom. 1:19;
4:3; 7:8; Gál. 3:6,11), e o evangelho é o cumprimento da promessa dada a Abraão (Rom. 4:17-18; Gál. 4.27-30).
Os fatos concernentes a Cristo são, por isso, "de acordo com as Escrituras" (I Cor. 15:3,4). O A.T. é usado para o
ensino cristão (Rom. 16:26; II Tim. 3;16; I Cor. 10:11). No seu uso do A.T., Paulo, muitas vezes, dá um significado
a uma passagem que não é aparente no contexto; em outras situações ele aplica uma mensagem a Israel para a
Igreja (Rom. 9:25,26; cfr. Os. 2:23; 1:10).
Isto não é manipulação nem abuso do A.T., antes ilustra algo essencial no pensamento paulino: o povo do
Messias é o verdadeiro povo de Deus, em continuação direta de Israel. A Igreja é o Israel de Deus. Esta
compreensão do A.T. não é automática, pelo que a iluminação do Espírito Santo é necessária. Quando um judeu
descrente lê o A.T., um véu cobre a sua mente (II Cor. 3:15) e ele não vê que se fala acerca de Cristo. A aliança
antiga tinha sua glória, mas esta era passageira (II Cor. 3:7ss). O A.T. deve ser lido à luz do cumprimento em
Cristo, com a iluminação do Espírito, se não ele se torna uma letra morta (II Cor. 3:6). Porém, o Espírito não revela
nas Escrituras verdade mística, esotérica, mas capacita o crente a entender, com base no A.T., o significado
redentor da morte de Cristo.

3. O HOMEM SEM CRISTO


Paulo tem sido interpretado muitas vezes em termos de um dualismo helenístico, que implica dualismo
cosmológico e também antropológico. Dualismo cosmológico é o contraste entre dois níveis de existência: o
terrestre e o celestial; dualismo antropológico é o contraste entre o corpo e a alma. O corpo pertence ao nível
terrestre e a alma, ao nível celestial. Platão considerava matéria não como má, mas como um impedimento à
alma. Redenção, para ele, é a libertação da alma, para que possa pertencer à realidade última. Os gregos não
conheciam um Deus criador.
Paulo conhece um dualismo escatológico (veja-se o que se diz anteriormente, na Introdução, p.34, 35). Sua
maneira de ver a criação é judaica, e não grega. Deus é o Criador de tudo neste mundo (Ef. 3:9; Col. 1:16),
inclusive do homem (I Cor. 15:45). Como criatura, o homem não tem direito sobre Deus (Rom. 9:20ss) enquanto
que o homem deve a Deus gratidão e adoração (Rom. 8:20). A criação é transitória e desaparecerá (I Cor.7:31), o
que não significa aniquilação, mas libertação (Rom. 8:21). Entretanto, Paulo nunca considera a matéria como algo
mau por causa de seu contraste com espírito, de modo que ele rejeita tendências ascéticas na Igreja.

a) O Mundo
Paulo usa a palavra kosmos (mundo) numa variedade de significados. Kosmos é uma palavra grega, que
não tem equivalente hebraico ou aramaico. O A.T. fala acerca de "céu e terra" ou "o tudo' (SI. 8:6,15; 44:24).
Porém, a palavra hebraica olam, significando "século", ganhou uma nova conotação de maneira que passou a
significar "Século" e "mundo". É como se explica o intercâmbio que o apostolo faz entre os termos kosmos
(mundo) e aion (eternidade, tempo longo, equivalente a séculos).
Kosmos significa, nos escritos de Paulo:
1. O universo, tudo que existe (Rom. 1:20; Ef. 1:14; I Cor. 3:22; I Cor. 8:4,5).
2. O mundo habitado, habitação dos homens, o lugar onde ocorre a história. (I Tim. 6:7; I Cor. 5:10b;
Rom. 4:13; 1:8; Col. 1:6; Ef. 2:12).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.39


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

3. A humanidade (II Cor. 1:12; I Cor. 4:13; I Cor. 1:27ss; Rom. 3:19,6; 11:15; II Cor.5:19).
4. A humanidade em seu relacionamento com Deus. Como tal, a humanidade é perdida no pecado O
mundo em si não é mal, mas o homem e seu mundo o são por causa de sua rebelião contra Deus.
Aqui, kosmos e aion são usados misturadamente. Os gentios vivem de acordo com o curso deste
mundo (Ef.2:2). A sabedoria deste século está em contraste com a sabedoria divina (I Cor. 1:20ss).
Inteligência e sabedoria humanas não são condenadas, mas o resultado intelectual mais alto não é
suficiente para conhecimento de Deus, a revelação é necessária. O espírito do mundo, isto é, a
orientação total da vida deste mundo, é de um nível diferente do Espírito de Deus (I Cor. 2:12). Por
isso, sabedoria deste mundo afasta o homem de Deus (I Cor. 3:19). Os princípios deste mundo são
contrários a Cristo (Col. 2:8) e sem Cristo a humanidade é escrava destes princípios do mundo
(Gal.4:3). O mundo também tem sua religião, que escraviza o homem em ascetismo ou legalismo que
podem ter a aparência de sabedoria e promover um tipo de devoção e auto-disciplina, mas que não
oferecem uma solução para o dilema moral do homem (Col. 2:20ss), de modo que o mundo está
debaixo do juízo de Deus (I Cor. 11:32) e precisa de reconciliação (II Cor. 5:19; Rom. 11:15).
5. Não é apenas o mundo, mas o sistema criado pelo homem. Paulo adverte, que o homem não deve se
envolver demais com o mundo (I Cor. 7.29-31), porque a estrutura deste mundo passará. O sistema
não é mau, por isso não precisa haver ascetismo, mas passageiro, e por que o homem em Cristo
pertence a uma nova ordem ele não deve procurar suas motivações e satisfações mais profundas no
nível deste mundo. Nos recursos e objetivos do mundo espiritual o homem encontra o significado mais
profundo de sua existência.
O relacionamento ideal do cristão é ensinado em Gál. 6:14. O significado é encontrado no versículo
seguinte, onde Paulo inclui circuncisão como algo pertencendo a este mundo. Os judaizante se gloriavam na
circuncisão e a usavam para obter um estado espiritual mais elevado. Tal atitude apela para o orgulho humano,
mas não interessa mais a Paulo, pois ele já foi “crucificado” quanto ao mundo. Isto não quer dizer que Paulo se
opôs à circuncisão para os judeus. Ele circuncidou Timóteo por causa do fato que sua mãe ser judia (At. 16:3) e
contradisse os rumores de que ele tentava impedir os judeus nos países gentílicos de se circuncidar. Ele
reconhece sua herança judaica (Rom. 11.1) e os privilégios e a glória do chamado de Israel (Rom. 9:4ss), mas
tudo isto pertencia ao sistema do mundo, e não era mais motivo de orgulho. O mal deste mundo não está no
mundo em si, mas nas atitudes erradas, nos homens, que impedem uma adoração e comunicação com o Criador.
Concluímos, então, que a doutrina paulina não contém dualismo cosmológico.

b) Poderes espirituais.
Poderes sobrenaturais formam um elemento importante do pensamento paulino. Há espíritos bons e maus.
Anjos são espíritos bons a serviço de Deus; eram intermediários na comunicação da lei (Gál. 3:19) e contemplam
a vida humana (I Cor. 4:9; 11:10; I Tim. 5:21). Eles testemunharam a ascensão de Jesus (I Tim. 3:16) e
acompanharão o Senhor Jesus quando Ele voltar para julgar os ímpios (II Tess. 1:7)
Há anjos maus também, hostis a Deus e aos homens, que tentam separar o homem do amor de Deus
(Rom. 8:38), se tornam objetos de adoração (Col. 2:18) e para os quais haverá um julgamento (I Cor. 6:3). Paulo
fala sobre anjos maus e demônios em relação à idolatria. Há um poder demoníaco residindo nos ídolos (I Cor.
10:19,21). Sacrificar aos ídolos, por isso, é sacrificar aos demônios. No final dos tempos, espíritos enganadores e
demônios exercerão suas atividades (I Tim. 4:1,3).
O maior inimigo de Deus é um espírito mau chamado diabo (Ef. 4:27; 6:11; I Tim. 3:7), ou Satanás, o
príncipe das autoridades no ar (Ef. 2:2), o deus deste século (II Cor. 4:4), que cega a mente dos homens. Ele é o
tentador que, por meio de aflições, tenta afastar o homem do evangelho (I Tess. 2:18), que levanta falsos
apóstolos para mudar a verdade do Evangelho (II Cor. 11:14), e que sempre procura vencer o povo de Deus (Ef.
6:11,12,16). Ele quer frustrar o plano redentor de Deus e, no final dos tempos, se encarnará no homem da
iniqüidade, para derrubar a obra de Deus e levar o homem a adorar o mal (II Tess. 2:4-10). Ele usa até aflições
físicas para atacar o servo de Deus (II Cor. 12). Porém, Deus o esmagará debaixo dos pés dos santos (Rom.
16:20).
Além de anjos bons e maus, Satanás e demônios, Paulo usa muitos outros nomes para designar espíritos:
Príncipe (archê) – I Cor. 15:24; Ef. 1:21; Col. 2:10
Príncipes (archai) – Ef. 3:10; 6:12; Col. 1:16; 2:15; Rom. 8:38.
Autoridade (exousia) – I Cor. 15:24; Ef. 1:21; Col. 2:10.
Autoridades (exousiai) – Ef. 3:10; 6:12; Col. 1:16; 2:15.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.40


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Poder (dynamis) – I Cor. 15:24; Ef. 1:21; ou poderes (dynameis) – Rom. 8:38
Tronos (thronoi) – Col. 1:16.
Domínio (kyriotês) – Ef. 1:21; ou domínios (kyriotetês) – Col. 1:16.
Príncipe das trevas – Ef. 6:12.
Espíritos do mal nos lugares celestiais – Ef. 6:11.
Autoridade das trevas – Ef. 6:13.
Todo nome que é mencionado – Ef. 1:21.
Seres celestes, terrestres e debaixo da terra – Fil.2:10.
Estes espíritos são sobrenaturais e se opõem à obra de Deus. Há referências também onde não se enfatiza
o aspecto negativo, mas onde estes seres são descritos como criaturas, que existem para servir a glória de Deus
(Col. 1:16). Cristo é o cabeça de toda autoridade (Col. 2:10) e a multiforme sabedoria de Deus será demonstrada
através da igreja a estes príncipes e poderes.
Paulo usa deliberadamente uma linguagem variada para descrever estes espíritos. Isto é visto
particularmente em sua alternação entre as formas singular e plural de várias das palavras. É impossível agrupar
com êxito esta terminologia em ondens de seres angelicais claramente definidos, bem como não está claro que,
pelos vários termos, o propósito de Paulo era designar diferentes espécies ou ordens de anjos. É provável que
Paulo quisesse, com sua linguagem flexível, quase simbólica, declarar que todos os poderes maléficos, quaisquer
que possam ser, quer pessoais ou impessoais, foram levados à subordinação através da morte e glorificação de
Cristo e que serão eventualmente destruídos através do reino messiânico.

c) Stoicheia
Uma frase de difícil interpretação é "ta stocheia tou kosmou" traduzida como "os rudimentos do mundo" ou
"os espíritos elementares do universo" (Gál. 4:3,9; Col. 2:8,20). A palavra stocheia significa originalmente uma
série de coisas, como as letras do alfabeto. Daí passou a significar "os elementos básicos, necessários para um
conhecimento rudimenta" (cfr. Hb. 5:12), ou os materiais básicos de um organismo, os elementos do mundo físico
(II Ped. 3:10-12). No grego do século III d.C., a palavra foi aplicada a uma série de estrelas ou deidades astrais.
Deste último significado vem a tradução "espíritos elementares do universo". Esta tradução, porém, é errônea
pelos seguintes motivos:
1. A expressão não é encontrada nesta forma em lugar algum.
2. O uso de stocheia para indicar deidades é do século IIl e não há evidência contemporânea aos
escritos do apóstolo Paulo.
3. Segundo essa acepção, Gál. 4:3 significaria que os judeus teriam sido presos a deidades astrais.
Paulo, então, classificaria os judeus com os gentios na sua servidão a deidades astrológicas, o que é
impossível.
A expressão se refere ao quinto uso da palavra kosmos: o sistema total de relacionamentos humanos,
incluindo sua sabedoria e religião. Como Paulo foi crucificado quanto ao mundo, e por isso era indiferente à
circuncisão (Gal. 6:14-15), assim os gentios morreram com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, e não
praticam o ascetismo que o mundo exigia (Col. 2.20,21). O sistema legalístico dos judeus era também uma
escravidão aos rudimentos do mundo.
Outras expressões que se relacionam com a vida do homem sem Cristo são consciência, pecado, lei, ira e
morte, e serão tratadas mais adiante.

4. CRISTOLOGIA – A PESSOA DE CRISTO


a) Cristo – Messias
A diferença marcante entre Saulo, o fariseu, e Paulo, o apóstolo, é a sua concepção da pessoa de Cristo.
Todas as outras idéias e conceitos são determinados por isso. No caminho a Damasco, Paulo reconheceu Jesus
como o Messias. Aparentemente Paulo não escreve muito sobre o fato de Jesus ser o Messias. Nas suas
epístolas, Christos (Ungido, em grego, equivalente a Messias, em hebraico) se tornou um nome, e não um título. O
de Paulo escrever pouco sobre Jesus como Messias não quer dizer que a doutrina não seja importante para

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Paulo. Reconhecer que o Jesus exaltado é o Messias levou Paulo a uma reinterpretação da função do Messias,
embora algumas funções tradicionais permanecesem reservadas para Jesus: Ele está dentro da história da
salvação (Rom. 9:3), cumpre as profecias (Rom. 1:2) e age "de acordo com as Escrituras" (I Cor. 15:3); Ele é o
Redentor escatológico, que aparecerá em glória para estabelecer seu Reino (II Tim. 4:1; II Tess. 1:5), será o juiz
dos homens (I Cor. 5:10) e destruirá os ímpios (II Tess. 2:8). Sua missão será estabelecer o Reino de Deus neste
mundo.
Paulo escreve pouco sobre o Reino de Deus, mas tanto esta doutrina quanto a do messianato de Cristo são
fundamentais para Paulo. O motivo para isto provavelmente é que suas epístolas foram dirigidas a Igrejas
gentílicas. Além disto havia a possibilidade de uma interpretação errônea da doutrina sobre o Reino porque a
proclamação de um outro rei poderia ser considerada um ato de rebelião (Atos 17:3,7). O Reino de Jesus como
Messias começou com sua ressurreição e terminará quando todos os inimigos estiverem debaixo de seus pés (I
Cor. 15:25). Ele destruirá toda autoridade e poder, dos quais o último é a morte. Depois Ele entregará o reino a
seu Pai (I Cor. 15:24). O Reino de Deus, portanto, é o domínio de Deus em Cristo para colocar ordem num
universo sem ordem e para alcançar a finalidade redentora de Deus. Isto tem um aspecto positivo e um aspecto
negativo: ressurreição para aqueles que estão em Cristo e subjugação de espíritos maus. O Reino de Deus tem
um aspecto presente e um aspecto futuro no ensino de Paulo. É futuro, porque é uma herança (I Cor. 6:9,10,15,
50; Gál. 5:21), é glória, um conceito escatológico (I Tess. 2:12) e será visível quando Cristo aparecer (II Tim. 4:1).
O sofrimento deve ser suportado por causa do Reino, e sofrimento não é algo passivo, mas é labor (Col. 4:11). Por
outro lado, o Reino também é uma bênção no presente. Os crentes já foram transferidos do Reino das trevas para
o Reino de Deus (Col. 1:13), uma realidade espiritual que consiste de justiça, paz e alegria no Espírito Santo
(Rom. 14:17). Não é como um monarca terrestre que Jesus reina, mas como o Senhor exaltado (Rom. 8:34), à
mão direita de Deus (Col. 3:1) Seus inimigos não são mais reinos terrestres, mas poderes espirituais invisíveis,
aos quais Ele subjugará a todos, inclusive a morte (I Cor. 15:26). Isto concorda com o ensinamento do próprio
Jesus, que disse que seu Reino não é deste mundo (João 18:31; 6:15) e encontrou poderes espirituais como
principais inimigos (Mt. 12:28s).

b) Jesus é o Messias
Paulo não nos dá muitos detalhes quanto à vida de Cristo aqui na terra. Isto levou a um debate
contemporâneo sobre a distinção entre o Jesus da história e o Cristo do kerygma. Qualquer que seja a nossa
posição, uma coisa é clara: para Paulo, o Jesus histórico é o Cristo exaltado. Jesus é um israelita (Rom. 9.5) da
família de Davi (Rom. 1:3), vivia debaixo da lei (Gál. 4:4), tinha um irmão, chamado Tiago (Gál. 1:1), era pobre (II
Cor. 8:9), ministrava aos judeus (Rom. 15:2), tinha doze discípulos (I Cor. 15.5), instituíra a Ceia (I Cor. 1:23,ss),
foi crucificado, sepultado, e ressuscitou (II Cor. 1:3,4; I Cor. 15:4). Paulo conhecia a tradição sobre o caráter de
Jesus, porque ele se refere à sua mansidão e gentileza (II Cor. 10:1), sua obediência a Deus (Rom. 5:19), sua
perseverança (II Tess. 3:5), sua graça (II Cor. 8:9), sua abnegação (Fil. 2.5,9), seu amor (Rom. 8:35) e justiça
(Rom. 5:18). Estas descrições mostram que Paulo tinha um conhecimento histórico de Jesus, já que nenhuma
expectação judaica descrevia tal caráter, nem as passagens sobre o servo de Jahweh.
2
Por que há tão poucas referências à vida terrestre de Jesus? Bultmann responde que salvação depende
somente do kerygma, e não dos fatos históricos. Mas o que fazer com I Cor. 15:5-8, onde Paulo usa testemunhas
para provar a ressurreição de Cristo?
A solução está na posição histórica, tanto de Jesus como de Paulo. O kerygma de Jesus e o de Paulo é
basicamente o mesmo: na pessoa e missão de Jesus, Deus visitara os homens, trazendo salvação. Contudo
Paulo podia ensinar o que Jesus não pudera, a saber, o significado escatológico da morte e ressurreição de
Cristo. O que Jesus fez durante sua vida era incompleto sem a cruz e sem o túmulo vazio. A maior bênção do
Reino de Deus era a conquista da morte e a dádiva da vida, e somente através da morte e ressurreição de Jesus
esta bênção foi alcançada.
Além disto, durante sua vida terrestre os poderes do século futuro estavam presentes em uma pessoa
histórica, e por isso a manifestação dos mesmos era limitada. Agora, depois da ressurreição, estes poderes não
são mais limitados em espaço e tempo, porque Jesus, depois de sua ressurreição, foi declarado Filho de Deus em
poder de acordo com o Espírito de santidade (Rom. 1:4) se tornou um Espírito vivificante (I Cor. 15:45). Por isso
Paulo escreveu que o Reino de Deus é paz, justiça e alegria no Espírito Santo. Quando Paulo, então, escreve
sobre a morte, ressurreição e exaltação de Cristo, ele proclama o mesmo que a vida, os atos e palavras de Jesus
significam, e muito mais ainda.
A questão do relacionamento entre Paulo e Jesus deve incluir uma discussão de II Cor. 5:16. O que quer
dizer "Conhecer Cristo na carne" (Christos kata sarka)? Muitos vêem aqui um contraste entre o Jesus da história e

2
Rudolf Bultmann, teólogo alemão do século XX.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

o Cristo exaltado. Bultmann vê o contraste entre o Jesus da história e o Cristo do kerygma. Ele acha que o Cristo
exaltado está perdido atrás da tradição. Conforme ele pensa, a fé cristã não conhece nem precisa do Jesus da
história. O fato de que teólogos conservadores tentam salvar o Jesus histórico da destruição pelos métodos da
crítica bíblica é cômico, porque eles tentam recuperar o Christos kata sarka, mas este não é importante para a fé;
importante é o Cristo do kerygma. Nesta interpretação, de fato se trata de dois Cristos: o Cristo kata sarka, que
vivia em Palestina no século I, e o Cristo kata pneuma (segundo o Espírito), proclamado pela Igreja como
ressurreto e exaltado. O primeiro é objeto de estudos históricos, o último, de teologia. Bultmann afirma que não há
continuidade entre os dois porque o Cristo do kerygma, visto nos Evangelhos e em Paulo, é divino, isto é: um ser
mitológico e não histórico, humano. Porém, como até Bultmann concorda, a expressão kata sarka é ligada, não
com Cristo, mas com o verbo: conhecer kata sarka. Entretanto, o teólogo alemão iguala as duas coisas, sendo
que, para Paulo, havia uma diferença: conhecer Cristo kata sarka é não conhecer, não entender o Jesus
verdadeiro. Conhecer Cristo segundo a carne é blasfêmia, porque Ele disse que é o Messias, e conhecê-lo kata
sarka é considerá-lo um transgressor da lei. Este conhecimento kata sarka levou o Sinédrio a pedir sua
crucificação e Saulo a perseguir a Igreja. Só quando o Espírito abriu os olhos de Paulo ele viu Jesus como Ele é.
Para Paulo, a opinião moderna do Jesus “histórico”, a de um profeta apocalíptico judeu que pregava o iminente fim
do mundo, mas que não pode ser o Filho de Deus que foi condenado à morte por nossos pecados e ressuscitado
para nossa justificação (Rom. 4:25), é de fato um Christos kata sarka – uma má interpretação, uma perversão do
Jesus que realmente viveu na história. Para Paulo, só o Espírito pode capacitar uma pessoa a compreender o que
aconteceu na história, a conhecer Jesus kata pneuma.

c) Jesus é Senhor
O nome mais freqüente para Jesus nas epístolas paulinas e no cristianismo gentílico em geral é Senhor –
Kyrios. Alguém se tornava participante da comunhão da Igreja crendo na ressurreição de Jesus e confessando
seu senhorio (Rom. 10:9). O coração da proclamação paulina é o senhorio de Cristo (II Cor. 4:5). II Cor. 12:3
mostra a importância desta confissão. A característica do cristão é sua confissão do senhorio de Cristo (I Cor. 1:2;
cf. At. 9:14,21; 22:16; II Tim. 2:22).
Esta confissão tem significado duplo, porque reflete primeiramente a experiência pessoal daquele que
confessa. Ele recebeu Cristo como Senhor (Col. 2.6) e reconhece a soberania e autoridade absoluta de Jesus
sobre sua vida. Há muitas outras autoridades no mundo – deuses e autoridades humanas – mas o cristão
reconhece Jesus como a última autoridade sobre a sua vida, a qual não é imposta externamente, mas aceita
internamente. Este relacionamento não é apenas individual e pessoal, antes, a Igreja toda a experimenta, como
mostra o uso de expressões como nosso Senhor Jesus Cristo (28 vezes) etc. Na confissão do senhorio de Cristo,
alguém experimenta comunhão com aqueles que também reconheceram seu senhorio.
Em segundo lugar, existe o senhorio cósmico de Cristo, que é base para a confissão pessoal. Jesus foi
exaltado, tem autoridade sobre todos os homens, vivos e mortos (Rom. 14:9), e está cima de todos os deuses e
senhores (I Cor. 8:5,6). Isto é bem claro em Fil. 2. Seja qual for a morphê theou (forma de Deus), é claro que por
causa de sua morte e humilhação Jesus foi exaltado e um nome novo foi lhe dado: Kyrios, a quem todo o universo
um dia será submisso.
O significado de kyrios é encontrado no fato de ser a tradução do hebraico YHWH, o nome de Deus no A.T.
O Jesus exaltado ocupa o lugar de Deus no governo do mundo; este, por sua vez, restaura o mundo através de
seu Filho Jesus Cristo.
O tempo da confissão universal do senhorio de Cristo é na parousia, apesar de o nome Senhor e a
exaltação terem sido dados depois da ressurreição (cf. I Cor. 15:25-26).
Isto nos leva ao significado básico do título Kyrios: Jesus recebe os atributos da divindade. A confissão de
Jesus significa salvação (Rom. 10:9), e isto é baseado no conceito veterotestamentário de invocar o nome de
Jahweh (confira Rom. 10:13 com Joel 2:32). O Dia do Senhor se tornou o Dia de Jesus Cristo (II Cor. 1:14; I Cor.
1:8; Fil. 1:6,10; 2:16). O trono de julgamento de Deus (Rom. 14:10) também é o trono de Cristo (II Cor. 5:10). Deus
julgará o mundo através de Cristo (Rom.2:16) e até o final do reino messiânico Deus governará o mundo através
de Cristo.
É claro que o título de Senhor e o messiado são categorias semelhantes, duas maneiras de expressar a
mesma verdade. O motivo por que Paulo enfatiza menos que Jesus é o Messias é que este é um conceito
tipicamente judeu, e não seria sábio proclamar o reinado de outra pessoa além do imperador, mesmo que seja
este rei um judeu crucificado. O senhorio de Cristo era algo aceitável para o mundo hellenístico, mesmo com o
risco também de mal-entendimento neste conceito por causa das religiões de mistério (I Cor. 8:5,6). Por isso, ser
Senhor dos vivos e dos mortos (kyrieuse), em Rom. 14:9, é igual a reinar como rei (basileuein) até subjugar todos
os inimigos (I Cor. 15:25).

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

d) Jesus, o Filho de Deus


Paulo fala freqüentemente sobre Jesus como Filho de Deus (Rom. 1:3,4). Estas palavras não são originais
de Paulo, mas contêm uma confissão da Igreja primitiva. O versículo não ensina que o homem Jesus foi adotado
como Filho de Deus pela ressurreição. Alguns teólogos interpretaram a passagem desta maneira: Jesus foi
predestinado, a partir da ressurreição, a ser o Filho escatológico de Deus na parousia. Contudo Paulo designa
Jesus como Filho de Deus em fraqueza durante seus dias na came, e Filho de Deus com poder pela ressurreição.
Jesus era Filho de Deus quando Deus lhe mandou fazer por sua morte o que a lei não conseguiu fazer (Rom. 8:3).
A chave para o entendimento de Jesus ser Filho de Deus está no fato de que Ele veio para levar outras pessoas a
esta posição (Gál. 4.5). Porém, Jesus é o próprio Filho de Deus, em sentido único (Rom. 8:33), o Filho de seu
amor (Col. 1:13), enquanto nós o somos por adoção (Gál. 4:5).
Paulo não considera Jesus como meramente humano e histórico, mas como pré-existente e ativo na criação
do universo junto com Deus, o Pai (I Cor. 8.6). Ele é imagem do Deus invisível (Col 1:15-17). Primogênito (em
grego, prototokos) pode ter dois significados: prioridade temporal ou soberania de posição. Davi, o mais novo de
oito filhos, foi feito o primogênito, o mais ilustre dos reis da terra. (Sl. 89:27). Como Paulo não diz nada sobre a
geração do Filho pré-existente, e como Cristo mesmo criou o universo, o segundo significado de primogenitura –
soberania de posição – parece ser o significado mais provável.
Este ser pré-existente foi mandado por Deus a este mundo (Gál. 4:4). A passagem de Fil. 2:6-11 é a
afirmação clássica, muito difícil de interpretar. As afirmações principais são as seguintes: Cristo pré-existia na
morphe (forma) de Deus; Ele não considerava igualdade com Deus um harpagmon; Ele se esvaziou, adotou a
morphe de um escravo e nasceu em semelhança dos homens. No schema dos homens, Ele se humilhou em
obediência até a morte da cruz. Por isso Deus o exaltou, colocando-o como Senhor sobre toda a criação.
Nós já discutimos o significado de exaltação e senhorio, que se refere a um status que Jesus não possuía
antes de sua ressurreição. As questões difíceis são: Qual é a morphe theou (forma de Deus)? É essência divina –
ser Deus, ou é modo de existência divina – glória? Jesus possuía a morphe theou, mas sem ser igual a Deus? Ou
morphe theou quer dizer igualdade com Deus? Harpagmon pode ser ativo em significado, mas também passivo; o
ativo, entretanto, que significa o ato de apoderar-se de algo, um ato de roubo, é improvável. Se a palavra é
passiva, se referindo à coisa apropriada, então permanecem duas possibildiades: algo não possuído que é tomado
(res rapienda), ou algo possuído que é segurado (res rapta). É difícil decidir entre os dois significados.
Outra questão importante é: De quê Cristo se esvaziou? Da morphe? Ou: se morphe theou é igualdade com
Deus, Ele se esvaziou de igualdade com Deus? A interpretação da passagem depende do significado de
harpagmon. Se é a "res rapta", então o significado provável será: Cristo existia na forma e na glória de Deus, mas
não considerava isto algo a ser forçosamente retido, antes se esvaziou disto e tomou forma de homem.
A outra interpretação considera harpagmon como “res rapienda”: Jesus existia na forma e na glória de
Deus, contudo não possuía igualdade de status com Deus. Porém, Ele não achou que devia pegar esta igualdade
pela força, mas Ele tomou sobre si a forma de um escravo, e se humilhou até a morte. Por isso Deus o exaltou e o
fez igual a Si mesmo, dando-lhe seu próprio nome, Senhor, para que todas as criaturas adorassem o Cristo
exaltado como eles adoram a Deus.
É difícil decidir entre as duas interpretações em base exegética. Ponto de partida é que o texto não diz que
Jesus se esvaziou de alguma coisa, nem da morphe theou, nem de igualdade com Deus. Paulo considerava Jesus
na carne como Deus (Col. 1:19). Tudo que o texto diz é que Jesus se esvaziou, e Ele fez isto tomando a forma de
servo (escravo). Outro fator a ser considerado é a comparação implícita nesta passagem entre Adão e Cristo. A
tentação de Adão era de tomar para si igualdade com Deus (Gên. 3:5), coisa que Cristo não tentou fazer. Em
contraste, Jesus seguiu o caminho da humilhação em vez de exaltação. Por estes dois motivos a Segunda
interpretação (res rapienda) é preferível.
Nenhuma das duas interpretações, todavia, dá a idéia de que Cristo se esvaziou de sua deidade. Paulo
considera Jesus como Deus (Tito 2:13). Cristo é Filho de Deus, agente da criação e da redenção, e é objeto de
adoração universal, como o próprio Deus. É difícil negar, porém, que Paulo ensina um tipo de subordinação final
do Filho ao Pai (I Cor. 15:28). É, porém, uma subordinação de status, não de deidade, de autoridade ou de
natureza. Apesar de Cristo ser o Filho de Deus, Paulo não diminui a humanidade de Jesus. Ele nasceu de uma
mulher (Gál. 4:4) em semelhança dos homens (Fil. 2:7). Paulo usa uma expressão interessante em Rom.8:3:
"Deus enviou sei Filho na semelhança da carne de pecado". Dizer que Cristo veio em semelhança da carne seria
doscetismo e dizer que Ele veio em carne pecaminosa o faria pecador. O que Paulo diz é que Jesus veio em
carne, com apenas uma exceção: Ele não participou do pecado.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.44


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

e) Cristo, o último Adão


Em duas passagens Paulo fala acerca de Jesus como o último Adão (I Cor. 15:45). Muitos comentaristas
viram nesta passagem uma alusão a um homem primitivo, que desceu do céu para livrar o homem de sua prisão
no mundo material, e para levá-lo de volta para a luz e vida. Encontramos em literatura religiosa dos dias de Paulo
um pensamento semelhante. Philo o vê em Gên. 1:27 e 2:7 dois Adãos diferentes. O primeiro é Adão celestial, tipo
de Adão terrestre, porém, sem participação em substância corruptível ou terrestre. O Adão terrestre foi feito de
barro, vivificado pelo sopro divino. Esta idéia é mais platônica do que religiosa. O homem celeste não tem nada a
ver com salvação ou redenção, pois a salvação é alcançada pelo domínio da mente sobre os apetites carnais,
resultando na libertação do corpo do mundo material para o mundo dos anjos.
Nos escritos herméticos há uma história semelhante. O homem celestial não foi criado, mas é Filho de
Deus, conforme a imagem e semelhança de Deus, isto é, como Deus mesmo, como uma mente. Este primeiro
homem foi colocado acima da criação, mas se apaixonou pela matéria e assim se materializou. A queda do
homem celeste foi a origem do homem terrestre.
Quando Paulo fala acerca de Cristo como homem celeste, ele não tem tais idéias. O homem do céu (I Cor.
15:47) não é um ser primitivo, que pré-existia como homem, mas é o homem que foi crucificado, morto,
ressuscitou e foi exaltado e cuja vida é esperada. Esta terminologia substitui a expressão filho do homem – nunca
usada por Paulo. Jesus pré-existia como Deus (Fil. 2:6), e é o homem do céu porque Ele adotou a nossa natureza
na encarnação e a retém na vida celestial. Ele é o último Adão (vs.45) porque Ele se tornou um espírito vivificante
por causa da ressurreição. Esta interpretação é reforçada por Rom. 5:12 ss, onde Adão e Cristo são vistos como
líderes de duas famílias: Adão é a fonte de pecado e morte, Cristo de justiça e vida para todos os que estão n‟Ele.

5. A OBRA DE CRISTO: EXPIAÇÃO


A palavra "expiação" ocorre somente uma vez no N.T., em Rom. 5.11, onde é traduzida como reconciliação
(ARA). Apesar de a palavra não ser neotestamentária, a idéia de que a morte de Cristo tratou com o problema do
pecado e da restauração do homem em comunhão com Deus é central no pensamento paulino. Ele se refere à
mesma numa confissão que ele recebeu da Igreja primitiva: Cristo morreu por nossos pecados (I Cor. 15:3), e ele
usa uma variedade de expressões, como morte de Cristo, seu sangue, sua cruz ou sua crucificação.

a) Expiação e o amor de Deus


Em primeiro lugar, a morte de Cristo é vista como expressão do amor de Deus. Embora tanto o A.T. como o
N.T. falem sobre a ira de Deus, não devemos ver a morte de Jesus como a maneira de converter a ira de Deus em
amor. O amor de Deus é o motivo básico da expiação. Paulo não se interessa demais pelas circunstâncias
históricas que levaram à morte de Jesus, mas não porque isto não fosse importante. Antes, em primeiro lugar, ele
se preocupa com o significado teológico da morte de Jesus: a cruz não era apenas uma demonstração do amor de
Cristo, mas de Deus (II Cor. 5:19; Rom. 5.8; 8:3,8; 32). Não há diferença entre o amor de Deus e o amor de Cristo
(Gál. 2:20; II Cor. 5:14; Ef. 5.25), e a idéia de que Cristo amou o homem e alcançou expiação com o Pai contra a
vontade deste é uma idéia errada. Ao mesmo tempo em que nós reconhecemos que a cruz é uma manifestação
do amor de Deus, a necessidade da crucificação é a ira de Deus (Rom. 1:18), de modo que não há contradição
entre o amor e a ira de Deus.
Paulo atribui pecado, não a um princípio impessoal, ma à vontade de um Deus pessoal, que não se deixa
zombar (Gal.6:7). Enquanto Deus quer redimir o homem em seu amor infinito, Ele precisa agir de acordo com sua
natureza, não negando sua justiça. Até que nós demos um conteúdo real à ira de Deus, e admitamos que nós
merecemos a ira de Deus nós teremos o significado de perdão.

b) Sacrifício
Paulo se refere à morte de Jesus em termos de sacrifício: hilasterion (Rom. 3:25); se refere ao Dia da
Expiação, quando o sumo sacerdote oferecia o sangue pelos pecados do povo a Deus. A morte de Jesus é uma
"oferta e sacrifício em aroma suave" (Ef. 5:2); Cristo é o Cordeiro Pascal (I Cor. 5:7). Há muitas referências ao
sangue de Jesus que confirmam o mesmo: somos justificados (Rom. 5:90), remidos (Ef. 1.7), aproximados (Ef.

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2:13), temos paz pelo sangue (Col. 1:20). Sangue não se refere primeiramente ao sangue físico, mas representa
vida que foi tomada violentamente, vida oferecida em sacrifício.

c) Morte Vicária
A teologia tem usado a palavra “vicária” para descrever a morte de Jesus, significando que Cristo não
morreu meramente como um evento histórico, nem morreu para si próprio, ou foi a sua morte em favor de si
mesmo. Ele "morreu por nós"(I Tess.5:9; cf. Rom. 5:8; 8:32; Ef. 5:2; Gál.3.13), nos representando diante de Deus.

d) Substituição
Cristo não somente morreu para o homem (morte vicária), mas também pelo homem, em seu lugar. Por
causa de Sua morte, o homem pode viver eternamente. Jesus morreu não por seus próprios pecados (II Cor.
5:21), antes morreu no lugar de outros, que eram culpados. Paulo diz que por causa de sua morte "todos
morreram" (II Cor. 5:14). Isto não é a identificação do cristão com a morte de Cristo, como em Gálatas 2:20, mas a
um evento objetivo, que ocorreu na morte histórica de Jesus. Muitos levantam objeções contra esta idéia por
causa do fato de Paulo nunca usar a preposição "anti" que indica substituição, a não ser em I Tim. 2:6, mas
"hyper". Este argumento, porém, não exclui o elemento substitucionário, porque no grego helenístico hyper muitas
vezes indica substituição, e é usado em lugar de anti. A substituição está implícita em II Cor. 5:5 e Gál. 3:13. O
argumento contra esta teoria tem sido que tudo é feito sem a cooperação pelo homem. Mas é exatamente isto que
Paulo ensina em Ef. 2:8, quando diz que salvação é pela graça. Há também experiências subjetivas ligadas à
salvação, como libertação do domínio do pecado, da lei, do mundo e do diabo. O cristão deve se identificar com a
morte de Jesus para viver em novidade de vida (Rom. 6:1ss; Gál. 2:20), mas o aspecto de substituição não é
subjetivo, é um evento objetivo: na morte histórica de Cristo, Deus puniu o pecado, com sua justa condenação e
penalidade, n‟Ele, que não é apenas o representante dos pecadores, mas também o seu substituto, Jesus Cristo.

e) Propiciação
A morte de Cristo tem a ver não somente com o homem e seu pecado, mas com Deus também. Neste
sentido, a mesma é uma propiciação: hilasterion (Rom. 3:24,25). Esta palavra, que tem sido traduzida por
propiciação, foi traduzida expiação por teólogos modernos. O substantivo é derivado do verbo exhilaskomai, que
significa apaziguar uma pessoa ofendida. Tradicionalmente a teologia deu a esta palavra o significado de que a
morte de Cristo efetuou a satisfação da ira de Deus, de maneira que o homem possa receber a graça divina.
A ira de Deus (Rom. 1:18) se manifesta em juízo (Rom. 2:5). Paulo mostra, em Rom. 1:18-32, a
universalidade do pecado e culpa diante de Deus. Tanto judeus como gentios receberam iluminação através da
natureza, a consciência e a lei, e ambos os grupos não conseguiram obter justiça diante de Deus. A última
consequência da ira de Deus é a morte (Rom. 1:32; 2:12; 6:23). Pela morte de Jesus o homem é salvo e tem vida
(I Tess. 5:9). A morte de Jesus, portanto, deve levar a uma reação de amor para com Deus como conseqüência
subjetiva. O cristão deve dedicar-se a Deus (II Cor. 5:14,15) e a um andar em amor (Ef. 2). Deve haver humildade
do cristão em seu relacionamento com os outros (Fil. 2:5ss). Esta reação é o significado subjetivo da morte de
Cristo.

d) Redenção
Uma outra finalidade da morte de Cristo é redenção, expressa por dois grupos de palavras; lytron e
apolytrosis, de um lado, agorazo e exagorazo do outro, significando comprar, adquirir. O substantivo lytron –
resgate, resdenção – não aparece em Paulo, mas sim em Mc. 10:45, indicando o preço pago para a libertação de
prisioneiros de guerra ou escravos. O verbo lytroo é encontrado em Tito 2:14, que se refere a Mc. 10:45 e indica o
preço da redenção: Cristo deu-se a si mesmo, como também em I Tim. 2:6, onde a preposição anti indica
substituição.
A palavra mais comum em Paulo é apolytrosis. Muitas vezes o preço da redenção é mencionado no
contexto (Rom. 3:24; Ef. 1:17); a ênfase do uso desta palavra, portanto, está no preço da redenção. Apolytrosis
também é usado no sentido escatológico: a redenção do corpo (Rom. 8:23; Ef. 4:30).
Redenção também se expressa no verbo agorazo – comprar ou adquirir (I Cor. 6:19,20; 7:22,23). Enquanto
lytron etc. enfatiza aquilo de que alguém é liberto, agorazo indica uma mudança de proprietário. O cristão pertence

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a Deus, porque Deus o comprou: "Não sois de vós mesmos". Alguns teólogos resumem a doutrina da redenção da
seguinte maneira:
1. O estado de pecado do qual o homem é liberto, que é uma escravidão da qual o homem não
consegue se livrar. Redenção é o ato de uma terceira pessoa que pagou o preço que o homem não
pode pagar.
2. O preço que é pago. Cristo pagou este preço, que necessariamente deveria ser pago.
3. O resultado de redenção para o crente. Este resultado se expressa num paradoxo: nós somos libertos
para termos liberdade como filhos de Deus, mas esta liberdade significa escravidão a Deus. O pecado
não domina mais, e os remidos estão livres para fazerem a vontade de seu Mestre.

e) Vitória
Outra finalidade alcançada pela morte de Jesus é sua vitória sobre os espíritos contrários a Deus. O homem
é liberto, não somente da lei, do pecado e da morte, mas também destes espíritos maus. A missão de Jesus é
destruir estas forças (I Cor. 15:24,25), e Sua morte é o início da derrota final e total das mesmas (Col. 2:15).
Observe-se, entretanto, que I Cor. 2:6-8 e Rom. 13:1,2 não se referem a espíritos, mas a governadores humanos,
e a passagem não ensina nada sobre a vitória de Jesus sobre os espíritos maus.

6. A OBRA DE CRISTO: JUSTIFICAÇÃO


Uma das palavras básicas em relação com a obra de Cristo é justificação. O verbo dikaioo significa
"declarar justo" e não "fazer justo". Como veremos, a idéia básica de justificação é a declaração de Deus, que o
homem em Cristo, apesar de seu pecado, é justo, porque em Cristo ele está no relacionamento certo çom Deus.

a) A Importância da Doutrina
Paulo usa as palavras que indicam "perdão" somente 5 vezes (Rom. 4:7; Ef. 1:7; Col. 1:14; Ef. 4:32; Col.
2:13), porém a palavra “justificar” aparece 14 vezes; e “justiça”, 52 vezes. Com exceção de duas referências (Tito
3:7; I Cor. 6:11) as palavras se encontram somente nas Epístolas aos Romanos e aos Gálatas. Alguns concluíram,
por isso, que a doutrina não é de importância central para Paulo, mas que ele a formulou apenas para ter uma
resposta para os judaizantes, que ensinavam que os gentios deveriam observar a lei de Moisés e a circuncisão
para serem salvos.
Para Paulo a doutrina central é a doutrina mística da redenção: estar em Cristo, ou a vinda dos poderes do
século futuro.
Porém, não existe uma antitese entre as duas coisas: a justificação é uma das bênçãos escatológicas que
vêm para nós na história, e é uma descrição objetiva daquilo que Jesus fez por nós na história, enquanto a vida
em Cristo é o lado subjetivo, experimental da mesma redenção.

b) Base para a doutrina de justificação


O conceito paulino de justificação é baseado no A.T. Para os gregos, a justiça era algo inerente à natureza
humana. Platão discernia quatro qualidades daquela natureza: justiça, sabedoria, temperança e coragem. No A.T.,
porém, justiça é uma doutrina religiosa.
O significado básico de justificação no N.T. envolve antes um relacionamento que uma qualidade ética.
Também no A.T., justiça não é em primeiro lugar uma qualidade ética, visto que o significado básico de tsedeq
(justiça, em hebraico) é "a norma nos assuntos do mundo à qual homens e coisas devem conformar-se e pela qual
os mesmos podem ser medidos". Assim, o homem justo é o homem que é conforme a norma. O verbo "ser justo"
(tsadaq) significa "conformar com a norma" e, em certas formas, especialmente no hifil (modo verbal hebraico),
"declarar justo" ou "justificar". Basicamente, justiça é uma questão de relacionamento no qual o homem está.
Neste sentido, a justiça se torna dependente somente de Deus, pois só Ele pode decidir se alguém é justo (Gên.
18:25). Justiça muitas vezes é usada também num contexto jurídico: o justo é aquele que foi declarado livre de
culpa (cf. Deut. 25:1 e I Rs. 8:32).

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No judaísmo, a justiça era definida em termos de conformidade à lei, de acordo com a interpretação dos
escribas. Obediência sem falha é impossível, mas o homem justo deve cultivar os seus bons impulsos e reprimir
os maus. A justiça de Deus, assim, era dada aos homens de acordo com suas obras. Às vezes a posição do
homem em relação a Deus é mostrada como um tipo de “conta corrente” que Deus mantém com cada israelita, e
para a qual diariamente é feito um “balanço”. Se há um crédito, então o homem é justificado diante de Deus; se há
um débito, ele é condenado. No uso feito por Paulo do termo justiça, por eu turno, Deus justifica o ímpio – e isto é
chocante para o judeu (Rom. 4:5), já que o ímpio mereceria condenação automática. Paulo mostra que Deus é
justo quando justifica o pecador (Rom.3:26), e esta justificação é fora das obras da lei (Gál.2:16; 3:11) – é dada ao
homem só pela fé.

c) Justificação é escatológica
Justificação é uma doutrina escatológica. Em judaísmo, uma pessoa é justificada ou condenada no dia do
Juízo Final por Deus, porque somente Ele pode determinar se a pessoa cumpriu as exigências da religião. Este
significado escatológico de justificação é visto em várias maneiras de usar o verbo dikaioo (transformar em justo,
justificar). Rom.8:33,34, fala do juízo final, quando nenhum acusador poderá alterar a sentença de Deus. Os
praticantes da lei serão (futuro) justificados (Rom.2:13). Apesar do fato que Paulo concorda com o conceito judaico
de justificação no sentido escatológico, há várias diferenças também, das quais a principal é que justificação já
ocorreu e terminou. Isto está de acordo com o esquema escatológico do N.T., onde sempre encontramos que o
século futuro penetra no século presente. Em Cristo o futuro se tornou presente.

d) Justificação é jurídica
Deus é considerado Juiz e Ele declara o homem justo. A justificação, por conseguinte, se trata do
relacionamento entre Deus e o homem, sem levar em consideração qualidade ética. Dikaioo é declarar justo, e
não fazer justo. Alguns dizem que esta justiça é uma ficção, que na realidade não existe, mas isto não é verdade.
A justiça é real, porque o relacionamento do homem com Deus é real. Deus não trata o homem como se ele fosse
justo, mas porque ele (o homem) é justo. Não devemos confundir os aspectos objetivo e subjetivo de salvação. O
uso teológico da palavra por Paulo mostra que justificação é uma questão de relacionamento com Deus e não de
justiça ética.
O uso teológico da palavra, em Paulo, reforça a argumentação de que a justificação é uma questão de
relacionamento com Deus, e não de justiça ética. Justificação é o oposto de condenação (Rom. 8:33,34).
Condenação não é uma pecaminosidade de caráter ou de vida; é o decreto de condenação pronunicado contra o
homem culpado. Semelhantemente, a justificação não é uma justiça ética subjetiva; é o decreto de absolvição de
toda a culpa, e resulta em libertação de toda a condenação e punição, comparado com a dispensa de justiça (II
Cor. 3:9). Em II Cor. 5:21, Jesus é sem pecado, mas ao mesmo tempo é pecador, já que Ele foi feito pecado no
sentido jurídico, porque Ele ficou no lugar do pecador, levou seus pecados, sua culpa e condenação. Justiça e
pecaminosidade não são conceitos éticos, mas se referem apenas a relacionamentos.

e) A base e os meios da justificação


Para os judeus, a base de justificação era obediência à lei: atos de justiça devem ser mais em número e
importância do que os pecados. Para Paulo, uma pessoa deve obedecer à lei toda para ser salvo (Rom. 3:20;
2:13). Não é o grau de pecado, mas o fato do pecado que leva à condenação. A lei traz condenação, antes que a
vida, porque pela lei o pecado é definido (Rom. 3:20), e ela conscientiza o homem de seu pecado (Rom. 7:7-12). É
impossível para o homem ser justificado pelas obras da lei (Gál. 2:16; 3:11) e o homem que creu em Cristo e
agora procura justificação na obediência à lei caiu da graça (Gál. 5:4). A base para a justificação não é obediência
à lei, mas é a morte de Cristo (Rom. 5:9). Se o homem pudesse ser salvo pelas obras da lei, então a morte de
Cristo teria sido em vão. Que a morte de Cristo é a base de justificação é explicado em Rom. 3:21-26. A morte de
Cristo é um ato de justiça da parte de Deus. Cristo não merece a morte, porque era sem pecado, mas Ele sofreu
as conseqüências do pecado para que nós possamos ser justificados diante de Deus.
O meio para obter a justificação é a fé (Rom. 3:24,25), que significa aceitação e completa dependência da
obra de Deus em Cristo. Fé é o contrário de obras, o esforço próprio da parte do pecador (Rom. 3:28). Fé exclui a
possibilidade de vanglória, que significa a exaltação de si próprio, o que, na verdade, é pecado.

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7. RECONCILIAÇÃO
A reconciliação é ligada à justificação. Justificação é absolvição de toda a culpa do pecado, e reconciliação
é a restauração da comunhão com Deus. A reconciliação é necessária, porque algo quebrou a comunhão e
alienou o homem de Deus. Quem precisa de reconciliação? Somente o homem ou Deus também? É necessário
que a ira de Deus seja transformada em amor, antes que o homem possa ser salvo?

a) O testemunho bíblico
Quando examinamos os escritos de Paulo, descobrimos que ele nunca fala que Deus se reconcilia com
homem, mas que Deus sempre é o agente da reconciliação e o homem, o objeto (II Cor. 5:19; Rom. 5.10; Col.
1:21,22; Ef. 2:15,16). O homem não pode se reconciliar com Deus, ele precisa ser reconciliado por Deus.
Uma coisa é clara: Deus iniciou e efetuou a reconciliação em Cristo. Não há uma divisão dentro do caráter
de Deus entre amor e ira ou inimizade, ou uma antitese entre Deus Pai e Jesus Cristo, de modo que a ação do
Filho tenha sido uma forma de aplacar a ira do Pai. Na verdade, o amor de Deus é o motivo básico da
reconciliação. A morte de Cristo, por sua vez, é a prova daquele amor quando o homem ainda era pecador e
inimigo de Deus (Rom. 5:8). Talvez a tradução correta de II Coríntios 5:19 seja: “Deus, em Cristo, estava
reconciliando consigo o mundo”. Assim, não pode ser satisfatória nenhuma interpretação da doutrina da
reconciliação que diga que a ira de Deus tem que se transformar em amor, já que é o próprio amor de Deus a
fonte e o fundamento da reconciliação com o homem pecador.

b) A reconciliação é objetiva e necessária


Um exame das passagens em Rom. 5 e II Cor. 5 leva à conclusão de que reconciliação não é, em primeiro
lugar, uma mudança de atitude a respeito de Deus, mas, como justificação, um ato objetivo de Deus. A
reconciliação é feita para o homem, não no homem (Rom. 5:8,10). A reconciliação, por isso, é uma dádiva que o
homem deve receber (Rom. 5:11). O caráter objetivo da reconciliação se mostra também pelo fato de que é
operada por Deus, de modo que o homem deve responder com submissão ao Senhor e se reconciliar com Ele.
A reconciliação é, também, necessária por causa do fato de os homens serem inimigos de Deus, não
subjetivamente, mas objetivamente. (Rom. 5:10; Col. 1:21). Deus ama seus inimigos, e o milagre de reconciliação
é que, enquanto o homem ainda é inimigo de Deus, Ele operou a reconciliação, para que o homem possa receber
o Seu amor.

c) A natureza da reconciliação
II Cor. 5:19 mostra que reconciliação existe no fato de que Deus não conta as transgressões contra Ele
cometidas. Reconciliação, portanto, é atitude de Deus para com o homem: Deus não o vê mais como inimigo. A
barreira do pecado foi eliminada, e o Senhor libertou os homens da culpa e do débito do pecado, e isto foi
inteiramente realizado através da iniciativa divina, não por capacidade humana. Assim, a reconciliação faz uma
diferença tanto para Deus como para os homens.

d) O aspecto subjetivo da reconciliação


A reconciliação é um ato objetivo, mas a comunhão não é restaurada enquanto o homem não aceita a
reconciliação. Por isso Deus deu a mensagem de reconciliação aos apóstolos, para que o homem possa
responder a este apelo (II Cor. 5.20). Parece que Col. 1:21,22, por outro lado, se refere à reconciliação subjetiva:
enquanto um homem for “inimigo no entendimento”, ele rejeitará a reconciliação proferida por Deus e permanecerá
irreconciliado. Isso mostra mais uma vez que é impossível separar os aspectos subjetivos e objetivos da obra de
Cristo: é impossível ao homem aceitar a reconciliação objetiva como dádiva de Deus, sem, ao mesmo tempo,
experimentar uma reconciliação dentro de sua própria mente, para com Deus, que o inicia numa vida santificada,
que será levada à sua consumação no dia escatológico, quando Cristo apresentará os redimidos, aperfeiçoados
em santidade, a Deus.

e) Os resultados da reconciliação
O primeiro resultado de reconciliação é paz com Deus (Rom. 5:1), o que não é uma experiência subjetiva,
antes, é o contrário de inimizade ou hostilidade. A ira de Deus não é mais uma ameaça, e o homem é aceito em

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Cristo, podendo gozar, então, de uma paz que só a comunhão com Deus propicia. Logo, a paz com Deus baseia-
se na obra redentora de Cristo.
Em segundo lugar, um dos resultados da reconciliação com Deus é a reconciliação entre os homens (Ef. 2).
Através da morte de Jesus, a barreira entre judeus e gentios foi tirada (vss. 14-16), e esta barreira é um tipo de
todas as barreiras entre homens. Em Cristo há, pois, paz entre os homens.

8. A PSICOLOGIA PAULINA
Paulo tem um vocabulário rico para descrever o homem. Há duas interpretações possíveis: alguns, se
baseando em I Tess. 5:23, discernem na teologia paulina uma tricotomia de espírito, alma e corpo, que podem ser
separados um do outro; outros interpretam Paulo como tendo um certo dualismo grego de alma X corpo.

a) Conceitos fundamentais
Para compreendermos a psicologia paulina nós devemos conhecer os conceitos grego e hebraico de
homem:

1. Os conceitos gregos. Um dos pensadores mais influentes era Platão, que ensinava um dualismo entre
dois mundos (o mundo das idéias e o mundo físico), e um dualismo antropológico, dividindo a alma do corpo. O
corpo em si não era mal, mas formava um impedimento para a alma. O homem sábio cultiva sua alma para que
ela possa, na hora da morte, escapar do corpo, para o mundo de cima. Mais tarde, os gnósticos consideravam o
corpo em si mal, por ser material. A influência de Platão é tão grande, que mesmo hoje em todo debate sobre a
divisão do homem se pode percebê-la.

2. Os conceitos hebraicos. No pensamento hebraico não há lugar para um dualismo. A palavra hebraica
para corpo ocorre 14 vezes e nunca está em contraste com a alma. Basar – carne – é usada mais vezes para
designar corpo, e denota primeiramente a fragilidade humana em relação a Deus, que é infinito (Gên. 6:3; Is.
31:3). Alma – nephesh – não é uma parte superior do homem, mas é o princípio de vida (Gên. 2:7). O corpo e o
sopro divino juntos formam a alma. Mais tarde, nephesh inclui a vontade, as emoções, e até a mentalidade do
homem. A palavra se torna sinônimo para homem (Gên. 12:5; 46:27). Uma terceira palavra é espírito – ruach, cujo
significado básico é "ar em movimento" e, daí, vento, fôlego, ou "espírito". O ruach de Deus é seu poder operando
no mundo (Is. 40.7), criando e sustentando vida (Sl. 33:6; 104:29,30). O ruach do homem vem do ruach de Deus
(Is. 42:5; Jó 27;3), e, no homem, inclui toda a vida emocional e sua vontade. A diferença entre nephesh e ruach é
que nephesh fala do homem em relação com outros homens, enquanto ruach denota o homem em relação com
Deus. Porém, nem nephesh nem ruach sobrevive após a morte de basar; de fato, ambos os termos designam o
homem como um todo, visto de perspectivas diferentes.
No período intertestamentário há ainda alguns outros desenvolvimentos: pneuma e psyche (espírito e alma,
em grego) são considerados capazes de existirem separadamente, e o pneuma de Deus é visto como uma coisa
pessoal, e não apenas o poder de Deus operando no mundo. Pneuma é usado também, muitas vezes, para
designar espíritos sobrenaturais que podem influenciar a vida humana para o bem ou para o mal.

b) Psyche
Paulo usa psyche no sentido próximo ao do A.T.: é vida e não pode sobreviver separadamente do corpo
após a morte (cf. Rom. 11:3 e Fil. 2:30). Duas vezes psyche é sinônimo de homem (Rom. 2:9 e 13:1).
Freqüentemente, contudo, psyche vai além da vida meramente física, e se refere a mais do que a vida no corpo (I
Tess. 2:8). Deus deve ser servido de todo coração – ek psyches (Ef. 6:6), isto é, com toda a personalidade e
existência. Paulo nunca fala da salvação da alma, nem da pré-existência da alma. Há uma diferença apenas entre
Paulo e o A.T.: na literatura veterotestamentária e rabínica (no período intertestamentário), nephesh ou psyche é a
expressão central para designar o homem, enquanto que em Paulo é pneuma.

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c) Espírito
Pneuma designa, em primeiro lugar, o Espírito de Deus (Rom. 8:14; I Cor. 2:11; 3:16; II Cor. 3:3 etc), ou
Espírito Santo (I Tess. 4:8; Ef. 1:13; 4:30), Espírito de Cristo (Rom. 8:9; Gál. 4:6; Fil. 1:19). O Espírito opera no
homem, e principalmente no espírito humano.
O homem serve a Deus com seu espírito – pneuma (Rom. 1:9). No espírito, o homem tem comunhão com
Deus (I Cor. 17); oração (I Cor. 14:14) e profecia (I Cor. 14:32) são exercícios do espírito humano. Vida divina é
dada ao espírito, mesmo que o corpo pereça (Rom. 8:10). Deus testifica ao espírito humano através do Espírito
Santo, que alguém é filho de Deus (Rom. 8:16). Por ser o homem espírito, ele é capaz de ter relacionamento com
Deus, ter comunhão com Deus, e gozar as Suas bênçãos.
Outro significado de pneuma é encontrado nas passagens onde o termo está em contraste com o corpo,
como parte interior em contraste com a exterior (Rom. 8:11). Quando alguém fala em línguas, seu espírito também
é separado de sua mente (I Cor. 14:14). Assim, há uma maneira de ter comunhão com Deus no nível espiritual,
que transcende o nível cognitivo.
Pneuma também indica a autoconsciência do homem como pessoa que pensa e tem vontade. Agir no
mesmo espírito (II Cor. 12:18) quer dizer agir com a mesma atitude e intenção. Estar firme em um só espírito (Fil.
1:27), descanso do espírito (I Cor. 6:18; II Cor. 2:13; 7:13) são outras referências que usam a palavra pneuma
neste sentido.
Uma questão para se pensar é se todos os homens possuem pneuma, ou apenas os cristãos, por eles
terem recebido o Espírito de Deus. I Cor. 2:11 não fala especificamente dos cristãos, e podemos deduzir que
Paulo considera todos os homens pneumata, ou seja, possuidores de pneuma. Quando o cristão recebe o Espírito
de Deus, seu próprio espírito é renovado e alcança novas dimensões. Quando Paulo fala que os homens estavam
mortos, ele se refere à morte espiritual, isto é, o espírito não estava num relacionamento pessoal com Deus.
Assim, ser vivificado quer dizer entrar em comunhão com Deus.
Sobre a sobrevivência da alma ou do espírito após a morte do corpo, Paulo se posiciona a favor da
sobrevivência depois da morte. Estar fora do corpo é estar com o Senhor (II Cor. 5:8; Fil. 1:23,24), mas esta
existência não é completa, e Paulo deseja a ressurreição do corpo.

d) Soma (corpo)
A soma (corpo) não deveria dar dificuldades de interpretação. Bultmann, porém, tem defendido a tese de
que o homem não é constituído de diversas partes, mas que pneuma, psyche e soma indicam diversas maneiras
de considerar o homem em sua totalidade. Soma expressa o total do ser humano – o homem é uma soma (I Cor.
13.3; 9:27; 7:4; Rom. 12:2; Fil. 1:20). Há alguma verdade nisto. Certamente o corpo é essencial, e pode significar
"eu". Existência somática é o modo normal de existir e não há um dualismo antropológico no N.T. como nas
filosofias gregas. O corpo pode se tornar um obstáculo para a vida espiritual do homem, mas não o é em si.
A existência glorificada será corporal, e não espiritual no sentido de a-material, já que glorificação inclui a
redenção do corpo (Rom. 8:23). A vinda de Cristo significará a transformação do nosso corpo (Fil. 4.3-21). O
argumento básico de I Cor. 15 é contra o pensamento grego que preconizava a continuação da existência fora do
corpo. A existência somática (corpórea), contudo, não é existência carnal, antes, será dado ao homem um “novo
corpo”, uma nova forma de existência somática. Carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus (I Cor.
15:50), não por causa da pecaminosidade do corpo, mas por causa da mortalidade. Existem vários tipos de
corpos: Paulo fala de um corpo espiritual (I Cor. 15:44), que é um corpo real, apesar do fato de que é diferente de
um corpo mortal. A redenção não é apenas a salvação da alma ou do espírito, mas também do corpo.
Qual seria, pois, a atitude do cristão a respeito de seu corpo, conforme Paulo?
1. Apesar do corpo ser um elemento essencial, o corpo carnal é corruptível e mortal. (Rom. 6:12; 8:11; II
Cor. 4:11), e não é o verdadeiro modo de existência (Rom. 7:24).
2. O corpo não é apenas fraco e mortal, mas também um instrumento da carne. Porém, o pecado não
está no corpo, mas na carne. O pecado pode reinar no corpo (Rom. 6:12), já que é um corpo
pecaminoso (Rom. 6.6) e os atos do corpo devem ser mortificados (Rom. 8:13). Isto, contudo, não é
mortificação do corpo, mas de seus atos pecaminosos.
3. O corpo deve estar em submissa; não deve dominar a vida espiritual. O objetivo mais alto da existência
está no nível espiritual, e por isso o corpo deve servir ao espírito (I Cor. 9). Não há nada errado nos
impulsos e satisfações físicos, mas estes não podem se tornar a finalidade da vida.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.51


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

4. O controle sobre o corpo é alcançado através de consagração a Deus. O corpo deve ser apresentado a
Deus como sacrifício vivo (Rom. 12:1). Isto não é alcançado através do ascetismo ou da mortificação
do próprio corpo. Ao contrário, o corpo é templo do Espírito Santo (I Cor. 6:19) e membro de Cristo (I
Cor. 6:15). O corpo é, pois, um instrumento a serviço de Deus, e o cristão deve cuidar do seu corpo e
usá-lo para a realização mais plena de sua vida espiritual.
5. Os corpos dos remidos serão remidos no dia da consumação da salvação (Rom. 8:23).

e) Sarx (Carne)
A parte mais difícil da psicologia paulina é sua doutrina sobre a carne – sarx, em grego, porque a palavra
tem vários significados, e um destes é usado só por Paulo. Esta doutrina, portanto, tem sido interpretada de
diversas maneiras. Primeiramente, vejamos os sentidos dados à palavra na terminologia paulina:

1. O significado de sarx
Sarx é parte do corpo, em contraste com sangue e osso (I Cor. 15:39; II Cor. 12:7; Rom. 2:28; Col. 1;22).
Sarx é o próprio corpo (I Cor. 5:3; cfr. Col. 2:5; I Cor. 6:16,17; II Cor. 4:10,11).
Sarx é o homem, com referência a sua origem (Rom. 9:3,8; I Cor.10:18; Rom. 11:14; 1:3.
Sarx é o homem em sua aparência e condições exteriores. Confiar na carne (Fil. 3:3ss) não é confiar no
corpo, mas confiar no total de existência humana, como a descendência judaica de Paulo, sua educação
religiosa, seu zelo e sua proeminência no meio dos judeus. Veja-se também II Cor. 11:18; Gál.6:12-14. Em
todas estas referências, sarx se refere à esfera de relacionamentos sociais nos quais o homem é comparado
com seus companheiros, e a ênfase está especialmente na vida religiosa e seu apelo ao orgulho humano. A
palavra também se refere ao relacionamento entre o escravo e seu senhor (Film. 16; Col. 3:22; Ef. 6:5) e o
matrimônio (I Cor. 7:28).

2. O Uso ético de sarx


Há ainda um grupo de referências exclusivamente usado nos escritos de Paulo, no qual a carne está em
contraste com o Espírito, é pecaminosa e não pode agradar a Deus sem a ajuda do Espírito. A passagem central é
Rom. 8, onde "Na carne" (vv.8,9) significa viver sem o Espírito. A lei não podia fazer os homens agradarem a Deus
por causa da fraqueza da carne (Rom. 8.2). Na carne não habita bem algum (Rom. 7:18). Carne aqui não é o
corpo em si, porque o Espírito habita no corpo, que é seu templo (I Cor. 6:19,20), antes, Paulo diz que na sua
natureza não habita bem algum. A carne permanece, mesmo depois que o cristão recebe o Espírito, de modo que
carne e Espírito se opõem um ao outro (Gál. 5:17). Há um conflito e o crente deve aprender a deixar o Espírito ter
predominância.

3. Diferentes pontos de vista teológicos sobre a doutrina da sarx


1. A carne é o corpo, e o corpo é pecaminoso. Pecado é um espírito mau que reside no corpo, e o homem se
torna escravo do poder pecaminoso que habita em sua substância. Porém, Paulo não considera o corpo
pecaminoso; por isso sarx e o corpo não podem ser idênticos.
2. Dentro do homem há dois princípios, sarx e pneuma, que estão num conflito constante. O cristão acha ajuda
para o princípio mais alto – pneuma – vencer. Contudo, o conflito que Paulo descreve não é entre a carne e o
espírito humano, mas entre a carne e o Espírito de Deus. Rom. 8.9 mostra isso bem clararemente: a carne
deve ser crucificada.
3. A carne é a existência terrestre e natural do homem, em contraste com o eterno e transcendental. Quando o
natural se torna a finalidade da vida humana, isto se torna pecado contra Deus, porque o homem deve
procurar sua verdadeira vida em Deus. Embora esta interpretação seja mais de acordo com os dados
exegéticos, ela não é completa. Às vezes sarx é quase o equivalente de "eu", e os pecados da carne não se
referem só ao terrestre ou natural, mas incluem também os "pecados do espírito". "Estar no Espírito" em
contraste com "estar na carne" (Rom. 7:5; 8:9) não se refere a nossa glorificação, mas a uma existência
espiritual no presente. Quem está no Espírito continua vivendo na carne (Gál. 2:20). Concluímos, então, que
viver na carne é viver como pessoa não regenerada, como pessoa em quem o Espírito não habita.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.52


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4. Davies interpreta carne e espírito, em conformidade com a tradição rabínica, como a inclinação para o bem
em conflito com a inclinação para o mal, que opera em todos os homens. Entretanto, há uma diferença:
enquanto para os rabinos judeus a inclinação para o bem está presente em todos os homens, para Paulo, o
espírito que se opõe à carne é o Espírito de Deus, possuído somente pelos crentes em Jesus.

4. Sarx é a natureza não regenerada


A sarx não se refere à materialidade ou a um elemento inferior da natureza humana, mas ao homem em seu
estado decaído, em oposição a Deus. Isto é um desenvolvimento natural do uso veterotestamentário de basar – o
homem em sua fragilidade e fraqueza diante de Deus. Aplicado à ética, carne denota o homem em sua fraqueza
ética – isto é, em sua pecaminosidade diante de Deus. Sarx, portanto, não denota uma parte do homem, mas o
homem não regenerado, decaído, pecaminoso em seu total.
Enquanto Paulo faz diferença entre "estar na carne" e "estar no Espírito", no crente continua o conflito entre
a carne e o Espírito (Gál.5:17), já que o homem continua tendo a natureza não regenerada, mesmo que possua o
Espírito. Esta situação se reflete em I Cor. 2:14–3:3, onde Paulo descreve três tipos de pessoas: psychikos
(natural – 2.14), sarkikos (carnal – 3:3) e pneumatikos (espiritual – 3:1). O homem natural é a pessoa não
regenerada, que está na carne (Rom. 8:9); toda sua vida é dedicada ao nível meramente humano e ele não
conhece as coisas de Deus. O homem espiritual é dirigido pelo Espírito Santo, e há um grupo intermediário de
carnais, que são “bebês” em Cristo, que estão no Espírito, mas não andam conforme o Espírito. O Espírito está
neles, mas não exerce um controle total sobre eles.

5. Vitória sobre a carne


A carne, no sentido de corpo, deve ser santificado (I Tess. 5:23), mas carne no sentido de natureza não
regenerada somente pode ser morta. Aqui temos a tensão entre o indicativo e o imperativo. Paulo considera a
morte da carne como algo que já ocorreu na morte de Cristo. Aqueles que pertencem a Cristo têm a carne
crucificada com seus desejos e paixões (Gál. 5:24; 2.20; Rom. 6.6). A mesma mudança está implícita em Col.3:9,
num sentido que indica que a mudança já ocorreu.
A morte da carne, porém, não funciona automaticamente, mas é algo que deve ser apropriado pela fé. Isto
envolve dois aspectos: os crentes devem se considerar mortos para o pecado e vivos para Cristo (Rom. 6:11). Por
causa de a morte da carne ser uma realidade, eu devo também mortificar as obras da carne e entregar meus
membros como instrumentos a Deus (Rom. 6:13).
Outra maneira de descrever a vitória sobre a carne é "andar no Espírito" (Gál. 5:16; Rom. 8:4). Andar no
Espírito é viver todos os momentos debaixo da direção do Espírito. Envolve, por isso, viver momento por
momento, passo por passo.

f) Coração (kardia)
Há várias outras palavras usadas por Paulo, para caracterizar o homem, a mais importante das quais é
coração (kardia, em grego). O uso paulino é essencialmente o mesmo da palavra hebraica leb e designa a vida
interior do homem a partir de vários pontos de vista. O coração ou aspecto interior do homem é comparado ao
exterior visível; assim, a verdadeira circuncisão é a do coração (Rom. 2:29), não a da carne. A ausência física
pode significar presença em coração (I Tess. 2:17). A glória exterior é vã, comparada à do coração (II Cor. 5:12).
O coração ainda oculta segredos que só o Espírito Santo pode revelar (I Cor. 4:5; 14:25), de modo que o
verdadeiro conhecimento do homem só pode ser encontrado esquadrinhando-se o coração (Rom. 8:27).
O coração é o trono das emoções, tanto boas como más (Rom, 1:24; 10:1; II Cor. 2:4). Kardia pode também
ser usado para a atividade intelectual do homem (Rom. 1:21; II Cor. 9:7; Ef. 1:18); para designar o trono da
vontade (I Cor. 4:5; Rom. 2:5; 6:17); é o órgão do juízo ético (Rom. 1:21; 2:5, 14; II Cor. 4:6); finalmente, kardia é o
lugar da experiência religiosa, onde se pode experimentar o amor de Deus, a paz de Cristo, o penhor do Espírito
etc. (II Cor. 1:22; Rom. 5:5; Ef. 3:17; Col. 3:15).

g) Mente (nous)
Paulo fala da mente (nous), pela qual designa o homem como criatura que conhece, pensa e julga. Nous
não é usado para designar o homem engajado em razão especulativa, reflexiva, antes, é usada para o juízo

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.53


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prático, uma faculdade humana que pode ser dominada tanto pelo mal como por Deus (Rom. 1:28; 12:2; 7:22, 25;
Ef. 4:17, 23; Col. 2:18).
O aspecto religioso da palavra é visto quando Paulo fala da mente de Deus (Rom. 11:34) e da mente de
Cristo (I Cor. 2:16), que significa compreensão da mente do próprio Deus. A mente do Senhor é indubitavelmente
seu plano de salvação oculto, agora revelado.

h) O homem interior
A expressão homem interior é usada por Paulo para se referir ao homem não-regenerado e ao homem
regenerado. Em Rom. 7:22, a expressão é sinônima de “mente”. Em II Cor. 4:16, o homem interior é comparado
ao homem exterior – enquanto o homem exterior se desgasta, o homem interior se renova todos os dias. Em
ambos os exemplos, o homem interior é o eu superior, essencial, tanto redimido como redimível, feito por Deus, e
que opõe ao pecado.

i) Consciência
Consciência (syneidesis, no grego), é algo que todos possuem (Rom. 9.1; 2:15; I Cor. 8:1-13; 10:23; 11:1). A
consciência é o julgamento moral, indicando se a conduta é certa ou errada; não é autônoma e infalível (I Cor.4:4),
e pode ser cauterizada (I Tim. 4:2) ou fraca (I Cor. 8.7).
Os gentios têm a lei escrita nos seus corações, testificando com a sua consciência (Rom. 2:15). Isto não
quer dizer que a consciência leve à salvação, mas apenas que os gentios, através da consciência, conhecem a
diferença entre certo e errado.

9. A NOVA VIDA EM CRISTO


a) Introdução
A nova vida em Cristo pode ser resumida nas palavras de II Cor. 5:17: “Se alguém está em Cristo, nova
criatura é, as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo”. Este verso tem sido interpretado em termos de
experiência subjetiva, porém deve ser interpretado no contexto do pensamento paulino e neotestamentário.
"Novo" é um conceito escatológico nos escritos dos profetas do A.T. Eles profetizaram acerca de uma coisa
nova (Is. 43:19; Jer. 31:21), uma nova aliança (Jer. 31.31ss; Ez. 34:25; 37:27); um novo coração (Ez. 11:19; 18:31;
36:26), um nome novo (Is. 62:2), uma nova canção (Sl. 96:1), novos céus e uma nova terra (Is. 65:17; 66:22).
No N.T. esta idéia escatológica continua: novo céu e nova terra (Ap. 21:1; II Ped. 31:3), a nova Jerusalém
(Ap. 21:2 cfr. 3:13), vinho novo (Mc. 14:22), um novo nome (Ap. 2:17; 3:12), um novo cântico (Ap. 5:9; 14:3), e
todas as coisas novas (Ap. 21:5). Uma nova criação e a finalidade suprema da história da salvação (II Cor. 11:25)
indicam que, enquanto os crentes estão vivendo no século antigo, eles pertencem ao século futuro, porque estão
em Cristo. Esta nova vida deve, então, ser vivida.

b) Em Cristo
Uma das expressões mais características de Paulo é "em Cristo". Algumas interpretações são possíveis:
1. Isto tem sido interpretado por Deixmann como expressão de comunhão mística. Nada nos separará do amor
de Deus em Cristo (Rom. 8:39). A nova vida é justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rom. 14:17). Há
encorajamento em Cristo (Fil. 2:1) e em serviço humilde (Fil. 2:5). A paz de Deus guarda os sentimentos e
pensamentos daqueles que estão em Cristo (Fil. 4.7). Paulo pode tudo naquele que o fortalece. (Fil. 4:13).
2. Outros têm dado uma interpretação escatológica. Estar em Cristo é quase igual a estar na Igreja (Gál. 1:22; I
Cor. 4:15; Rom. 12:5; Gál. 3:28; Ef. 3:6; Col. 1:2). Há uma ênfase óbvia de coletividade nestes versos.
3. Outros versos indicam um fato objetivo, algo que Deus fez em Cristo, como eleição (Ef. 1:4), predestinação
(Ef. 1:7), redenção (Rom. 3:24), santificação (I Cor. 1:2), reconciliação (II Cor. 5:19), justificação (Gál. 2:17),
acesso a Deus (Ef. 2:12), perdão dos pecados (Ef. 4:32), salvação em sua totalidade (II Tim. 2:10). Em outros

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contextos, a expressão se refere à vida cristã e o serviço cristão (Rom. 9:1; 15:17; I Cor. 4:17; Fil. 1:13; I Tess.
4:6).
4. Devemos considerar a expressão "em Cristo" como a expressão "em Adão". Como em Adão todos morrem,
em Cristo todos serão vivificados (I Cor. 15:22). Isto envolve duas idéias: de solidariedade e de contraste entre
dois séculos. Os homens naturais estão em Adão, que é o chefe e representante da raça antiga, e homens
renovados estão em Cristo. Através de Adão entra o pecado, desobediência, condenação e morte; em Cristo
vem justiça, obediência e vida (Rom. 5:12ss). Os que estão em Adão pertencem ao século presente, os que
estão em Cristo pertencem ao século vindouro. Estar em Cristo é, pois, viver na novidade do século futuro.

c) No Espírito
Outra expressão que Paulo usa é "estar no Espírito". Como o contrário de "estar em Cristo" é "estar em
Adão", assim o contrário de "estar no Espírito" é "estar na came" (como já se discutiu). O homem que está em
Cristo também está no Espírito, não há diferença entre as duas expressões. Vida "no Espírito" não é a experiência
de um grupo particular de crentes – ser cristão quer dizer ter recebido vida pelo Espírito (Rom. 15:16; Ef. 4:30;
2:18; 2:22; Rom. 14:17; Col. 1:13).
Outras passagens sobre aqueles que estão no Espírito têm a ver como questões da vida cristã: a oração
deve ser "no Espírito" (Ef. 6:18); o ministério do evengelho deve ser realizado no Espírito (I Tess. 1:5), assim
também o culto e adoração de Cristo (I Cor. 12:3).

d) Não estar na carne


Quem está no Espírito não está na carne (Rom. 8:9). Isto expressa o contraste entre dois modos de
existência. É lógico que em outro sentido aquele que está no Espírito continua na carne (Gl. 2:20), isto é, em
existência humana e mortal. Todos os homens estão ou numa esfera ou noutra – ou concentrando-se na vida na
carne, ou buscando um viver no Espírito. Não se passa de um nível para o outro por crescimento, mas por
aceitação de Cristo como Senhor.

e) Mortos quanto à carne


Quando alguém está no Espírito, a carne é crucificada (Gál. 5:24). Paulo mesmo afirma que já morreu (Gál.
2:20). Isto não é uma experiência subjetiva, mas uma firmação teológica da posição do crente em Cristo, que tem
grandes e profundas conseqüências para a vida cristã. Pela fé, o cristão deve aceitar estas verdades como
realidade para a sua vida. As coisas velhas já passaram, uma coisa nova chegou.

f) Morto/vivo com Cristo


A expressão de morrer e ressuscitar com Cristo é usada por Paulo para expressar a mesma verdade
(Rom.6:1-11). O batismo em Cristo (vs.2) significa união com Ele em sua morte, sepultamento, que significa morte
para o pecado, crucificação do velho homem (vs.6), e, do lado positivo, liberdade do pecado e vida para Deus (cfr.
Ef. 2:5,6). Também isto não se refere a uma experiência mística, contudo deve ser interpretado no contexto do
pensamento paulino.
Também não há indicação de uma mudança na natureza humana através do batismo. O homem deve
escolher entre dois domínios: ele pode continuar no caminho da morte do pecado, ou optar por Cristo, e por fé
entrar em vida e justiça. Isto é um fato que todo cristão deve saber (Rom. 6:2,6), e, baseado nisto, ele deve se
considerar vivo para Deus e se juntar a Ele, em vez de juntar-se ao pecado (vs. 17:18,22).

g) Cristo no Cristão
Não somente o cristão está em Cristo ou no Espírito, mas também Cristo e o Espírito estão no cristão (Rom.
8.9,10; Gál. 2:20; Col. 1:27, 3:4). Mais freqüentemente Paulo diz que o Espírito habita no cristão (Rom. 5:5; II Cor.
1:22; 5:5; Gal.3:5; ITess.4:8), que cristãos receberam o Espírito (Rom. 8:15; I Cor. 2:12; 12:13b; II Cor. 11:4; Gál.
3:2), e têm o Espírito (Rom. 8.23). O Espírito testifica ao cristão (Rom. 8:16), ajuda em fraqueza (8:26), dirige
(8:14).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.55


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h) O Senhor é o Espírito
II Cor. 3:17 diz que “o Senhor é o Espírito”. Isto não denota identificação pessoal entre Cristo e o Espírito,
como advogavam os gnósticos, já que Paulo faz clara distinção entre o Espírito e o Senhor. No contexto, Paulo
compara a dispensação da lei com a nova ordem em Cristo. A dispensação da lei era uma "dispensação de morte"
(II Cor. 3.7) e a nova ordem é a do Espírito, o que significa vida. Esta nova ordem foi inaugurada pelo Senhor e
através do Espírito, o Senhor opera. O Espírito é a presença do Senhor na Igreja. O Espírito que habita no cristão
é uma dinâmica e um poder interior pela qual Deus renova o homem interior (Ef. 3:16,17; II Cor. 4:16).
A primeira obra do Espírito é fazer com que os homens entendam a obra de redenção. O verdadeiro
significado do evento histórico – a morte de Jesus – pode ser entendido somente pela iluminação do Espírito
Santo (I Cor. 2.14). O homem natural não entende as coisas de Deus. Esta passagem não indica que apenas um
grupo de pessoas especiais por iluminação espiritual entende de realidades celestiais, mas se refere ao fato de
que, sem a obra do Espírito, o significado verdadeiro da morte de Jesus não pode ser entendido, porque a mesma
é loucura (I Cor. 1:18). Somente pela obra do Espírito o homem pode confessar Jesus como Senhor (I Cor. 12:3).
Por isso o Espírito é o Espírito de revelação e sabedoria (Ef. 1:17). O Espírito opera fé (II Cor. 4:13).
Em segundo lugar, o Espírito capacita os homens a viver segundo o Espírito. Ele dá ao crente a convicção
de que é filho de Deus (Rom. 8:15,16; Gál. 4:6) e que tem acesso ao Pai (Ef. 3:16,17). Ele capacita o homem para
adorar a Deus (Fil. 3:3) e entender alguma coisa sobre o amor de Deus (Ef. 3:16,17). Ele ajuda em oração (Rom.
8:26; Ef. 6:18); opera esperança, que é uma convicção profunda da certeza da consumação escatológica (Rom.
15:13; Gál. 5:5); produz o fruto do Espírito, que é amor (Rom. 5:5; 15:30; Col. 1:8; 15:13; Gál. 5:5); opera alegria e
paz (Rom. 14:17; Gál. 5:22; Rom. 15:13). E isto não se refere apenas a uma experiência humana, mas alegria e
paz são palavras com profundo significado teológico: alegria é baseada no Senhor, e é possível no meio do
sofrimento (II Cor. 6:10; Col. 12:4; I Tess. 1:6) e paz se refere à salvação do homem total (Ef. 6:15; Rom. 5:1).

i) Conclusão
Concluímos que a união com Cristo na sua morte e ressurreição, a habitação interior de Cristo através do
Espírito e a vida eterna são diversas maneiras para descrever a mesma realidade: a nova vida é espiritual. O
espírito humano estava morto por causa das transgressões (Ef. 2:1), mas foi vivificado (Rom. 8:10) pelo Espírito
Santo. Na prática há uma tensão entre o imperativo e o indicativo, de modo que aquilo que objetivamente
aconteceu (a crucificação e morte da carne) deve se tornar uma realidade viva (a nova vida em Cristo).

10. A LEI
a) Introdução.
O conceito paulino de lei é difícil de entender porque parece haver muitas contradições nas afirmações do
apóstolo (confira-se Rom. 2:13; 10:5; Gál.3:12 com Rom. 3:20; II Cor. 3:6; Gál. 3:21; e Fil. 3:6 com Rom. 8:7).
Muitas vezes sua atitude é interpretada em termos de sua experiência religiosa pessoal ou de um judeu típico do
primeiro século. Porém, seu pensamento é uma interpretação cristã de duas formas de justiça: pela fé e pelo
legalismo.

b) Fundamentos do conceito paulino sobre a Lei.


1. A religião do A.T. A religião do A.T. não era legalista, porque a lei não foi dada para alcançar um
relacionamento certo com Deus. Israel foi constituído o povo de Deus por eleição, e não por causa de obras.
Deus fizera uma aliança com seu povo, e a lei providenciou a descrição do tipo de vida necessária para se
viver esta aliança. A vida é uma dádiva de Deus, alcançada pela fé (Hab. 2:4, Amós 5:4,14, Jer. 38:20), e a
obediência à lei é mais do que legalismo, porque a lei exige amor para com Deus (Deut. 6:5; 10:12) e o
próximo (Lev. 19:18). No A.T. já podemos discernir entre o Israel "natural" e o "espiritual" (Jer. 4:4; Deut.
10:16).
2. O período intertestamentário. No período intertestamentário ocorre uma mudança e a lei se torna mais
importante do que a aliança. Obediência à lei resultará em ressurreição (II Macabeus 7:9), esperança (Judite
26:1), justificação (Apoc. Baruque 51:3), salvação (Apoc. Bar. 51:7), justiça (Apoc. Bar. 57:6), vida (IV Esdras
7:21; 9:31). O rabinismo judaico se baseia completamente nisto. Isto não quer dizer que não existem valores
espirituais no judaísmo, tais como piedade e devoção, mas a ênfase estava nas formas exteriores. Conforme

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.56


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o judaísmo legalístico, o homem justo não é aquele que obedece sem falta alguma à lei, mas aquele que se
esforça para fazer isso e se arrepende quando não consegue. Os sacrifícios não têm valor expiatório, antes
são feitos porque a lei os prescreve. Por conseguinte, os israelitas são classificados em três grupos quanto ao
seu destino após a morte: os justos gozarão imediatamente a vida eterna no céu; os maus entram
imediatamente no inferno, para sempre; outros, menos maus, junto com as pessoas das nações gentílicas,
são castigados no inferno durante 12 meses e depois destruídos. Quanto à grande maioria dos israelitas, nem
justos nem injustos, as opiniões divergiam. Alguns pensavam que Deus os mandaria para o céu, outros que
Deus os lançaria no inferno, mas depois os tiraria de lá, purificados.
3. A experiência pessoal de Paulo. A vida de Paulo era uma vida de obediência legalística à lei (Fil. 3:5,6; Gál.
1:14). Entretanto, é impossível interpretar Rom. 7 como uma descrição da vida de Paulo debaixo da lei,
porque sua vida de devoção à lei levou a orgulho (Fil. 3:4,7) e vanglória (Rom. 2:13,23). Gloriar-se é o
contrário de fé (Rom. 4.2) e é uma afronta ao caráter de Deus, que deve receber toda honra e toda glória (I
Cor. 1:29). O homem pode gloriar-se somente em Deus (I Cor. 1:31; II Cor. 10:17). O zelo pela lei, porém,
cegou Paulo para a justiça que há em Cristo. Por isso, depois de sua conversão, ele procurou re-interpretar
sua teologia da lei.

c) A Lei na era Messiânica


Em Cristo, uma nova era começou (II Cor. 5:17). Antes de estar em Cristo, Paulo entendeu a lei kata sarka
– do ponto de vista humano –, como toda sua experiência. Do ponto de vista espiritual, a lei assume uma posição
inteiramente diferente. Os profetas predisseram que um dia Deus escreveria sua lei nos corações de seu povo
(Jer. 31:31). Isto não significa abolição total da lei de Moisés. Paulo compara as duas eras, da lei e do evangelho,
como duas alianças, da letra e do Espírito (II Cor. 3:6). Estas palavras não se referem a dois tipos de interpretação
bíblica – alegórica e literal –, mas a duas leis: a lei exterior, que expressa a vontade de Deus, e que deve ser
obedecida pelo homem, e a lei interior, escrita no coração pelo Espírito Santo. Assim a lei não é mais uma lei
exterior, mas uma dinâmica interior que produz vida.
Cristo é o fim da lei (Rom. 10:4) para justiça de todo aquele que crê, o que quer dizer que a lei em si não foi
abolida, mas que ela não é mais o meio de obter justiça da parte de Deus. Fim (grego: telos), tem dois
significados: fim e finalidade. Ambos os significados estão incluídos aqui: Cristo levou a era da lei ao fim, porque
Ele cumpriu todas as exigências da lei. Paulo descreve a vida nesta era nova de diversas maneiras, de modo que
se o cristão se identificou com Cristo em sua morte e ressurreição, consequentemente o homem é morto para o
domínio da lei (Rom.7:4-6; Gál.2:19).
Uma aparente contradição há no fato de que Paulo aprova a lei para cristãos judeus (At. 21:20ss), e
circuncidou Timóteo (At. 16:3). Mas isto está de acordo com a perspectiva escatológica de Paulo. O cristão vive
em dois mundos e a atitude a respeito do mundo antigo, ao qual a Lei e suas cerimônias pertencem, não deve ser
negativa, mas neutra. (Gál. 6:15). Paulo aplica este princípio a si mesmo, quando estava em ambiente judaico (I
Cor. 9.20). Esta incoerência de conduta se baseia em coerência na aplicação de uma verdade teológica: que
Cristo pertence a dois mundos ao mesmo tempo e tem obrigações para com ambas as ordens.

d) A Lei como expressão da vontade de Deus


Para Paulo a lei não chegou ao fim por causa das suas imperfeições. A lei continua sendo de Deus (Rom.
7:22,25), não é pecaminosa (Rom. 7:7), mas santa, boa e justa (Rom. 7:12), porque vem de Deus (Rom. 7:14 – é
espiritual).
É importante saber que Paulo usa a lei (nomos) no sentido grego para designar legislação e também no
sentido da Torah, que é instrução que vem da parte de Deus, e até revelação. Em ainda outras referências, Paulo
usa nomos no sentido de princípio (Ef. 2:15; Rom. 3:27; 7:23; 8:2).
A lei é a expressão da vontade e da justiça de Deus (Rom. 3:21), e somente o amor pode satisfazer as suas
exigências (Rom. 13:8). A lei exige mais que obediência exterior, mas uma submissão interior. Aqui foi que os
judeus falharam, porque obediência legalística leva a orgulho e egoísmo (Rom. 2:17-21; Fil. 3:3). A circuncisão
deve ser do coração, e não só da carne (Rom. 2:25-29).
Se a lei então é a vontade de Deus, conseqüentemente aquele que guarda a lei terá vida (Rom. 7:10).
Aqueles que obedecem à lei serão justificados (Rom. 2:13), mas aqui Paulo vai além do judaísmo. Por causa do
fato de que ninguém consegue obedecer à lei, a graça é necessária, e graça e obras são o contrário um do outro.
Por isso a salvação não pode se dar por obediência à lei, menos ainda porque obediência envolve uma submissão
de coração, e não obediência legalista.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

e) A Falha da Lei
Apesar de a lei ser divina, boa e santa, ela não conseguiu fazer o homem justo diante de Deus (Gál. 2:16;
3:21) por dois motivos: a) a fraqueza e pecaminosidade do homem o incapacitam a render a obediência exigida
pela lei. A lei não muda a fraqueza da carne (Rom. 8:3) nem a pecaminosidade da natureza humana (Rom. 7:23).
b) A lei é um código externo, enquanto que o homem precisa de um poder transformador interior (Rom. 7:6).

f) A Reinterpretação da Lei
Paulo reinterpreta a função da lei no plano de Deus:
1. A lei é secundária à promessa. Deus deu uma promessa a Abraão antes de dar a lei a Moisés (Gál. 3:15-
18). Como a diatheke (grego: testamento, concerto) não pode ser mudada ou aniquilada, assim a promessa
de Deus a Abraão não pode se tornar sem valor por causa da lei que veio posteriormente. Além disto, Abraão
foi justificado pela fé sem a lei (Rom. 4:1-5), até antes do sinal da circuncisão ter sido dado (Rom. 4:1-5).
2. A lei foi dada não para salvar os homens de seus pecados, mas para lhes mostrar o que é pecado.
(Rom. 3:20; 5:13; 20; Gál. 3:19). Assim o poder do pecado é a lei (I Cor. 15:56) porque só pela lei o pecado é
claramente definido. Por isso a lei é um instrumento de condenação (Rom. 5:13), ira (Rom. 4:15) e morte
(Rom. 7:19, II Cor. 3:6), não por causa da lei em si, mas por causa do pecado no homem. Assim, a
dispensação da lei é uma dispensação de morte (II Cor. 3.7), escravidão ao mundo (Gál. 4:1-10), uma aliança
de escravidão (Gál. 4:21-31) e um período de infância (Gál. 3:23-26). Isto não quer dizer que não havia
salvação antes de Cristo, como mostram os exemplos de Abraão e Davi (Rom. 4:6-8). Na verdade, Romanos
e Gálatas foram escritas para advertir aos cristãos gentios que não trocassem graça por obras.

g) A Permanência da Lei
A lei não foi abolida com a vinda de Cristo, mas continua sendo a expressão da vontade de Deus. A
redenção em Cristo capacita o cristão a cumprir a lei (Rom. 8.3-4). Aqui encontramos um paradoxo, já que somos
libertos da lei para cumprirmos a lei (Rom. 3:31). É claro que isto se refere a uma forma de obediência mais
profunda do que obediência exterior. Isto é confirmado pelo fato de Paulo muitas vezes se referir a mandamentos
específicos da lei como normas para a conduta do cristão. A lei continua sendo uma expressão da vontade de
Deus, mesmo para aqueles que não estão debaixo da lei. O aspecto permanente da lei é a parte ética, e não a
cerimonial (I Cor. 7:19). Os mandamentos de Deus são recomendados por Paulo, mas os mandamentos
cerimoniais, rejeitados (Col. 2:16).

11. A VIDA CRISTÃ


Como é que a nova vida em Cristo se manifesta em conduta ética e prática? Paulo não tem um sistema de
ética bem elaborado, mas podemos encontrar atitudes dele a respeito de situações históricas concretas.

a) As fontes
Possíveis fontes para a ética paulina são:
O Antigo Testamento: Paulo considera a lei como expressão da vontade de Deus e cita diversos
mandamentos do A.T., porém ele nunca o usa como manual de ética.
Conceitos helenísticos: Provérbios gregos (I Cor. 15:33), metáforas gregas (II Cor. 10:3ss; I Tess. 5:8; I Cor.
9:25), expressões idiomáticas (Fil. 8; Col. 3:18; Ef. 5:3, 4, 12) mostram influência dos filósofos gregos.
Os ensinamentos de Jesus: Às vezes Paulo apela para a autoridade do próprio Senhor Jesus, como no
assunto de divórcio (I Cor. 7:10-11), sustento de obreiros (I Cor. 9:14), conduta durante a ceia do Senhor (I
Cor. 11:22ss), a vinda do Senhor (I Tess. 4:15), e em geral (I Cor. 14:37). Em outras referências, Paulo cita as
palavras de Jesus, contudo sem mencionar isto especificamente. Confira-se Rom. 12:14 com Mt. 5:44; Rom.
12:17 com Mt. 5:39; Rom. 13:7 com Mt. 22:15-22; I Tess.5:2; com Mt. 24:34; I Tess. 5.13 com Mc. 9:50; I
Tess. 5.15 com Mt. 5:39-47. Entretanto, Paulo se refere ao ensinamento ético de Jesus poucas vezes.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Está claro que Paulo não é um legalista. Ele não tenta instituir um novo código de ética cristão em
substituição ao AT. Por outro lado, tem fortes convicções sobre a conduta cristã correta. As fontes do seu
pensamento ético são complexas: a sua infra-estrutura é veterotestamentária, mas ele não hesita em usar
conceitos helenísticos, reinterpretando-os nos termos da nova vida em Cristo. Paulo extrai os ideais éticos para
ele disponíveis, a fim de expressar suas convicções a respeito de como o crente deveria viver.

b) Motivações

Um ponto de vista popular é de que a habitação do Espírito Santo no crente é a motivação básica para a
vida cristã. O homem dirigido pelo Espírito conhece a vontade de Deus e é capaz de fazê-la. Porém, Paulo apela
para outras coisas além da habitação do Espírito. Paulo às vezes apela para a mente e o bom senso; assim, a
embriaguez é ruim (Ef. 5:18), os cristãos devem conquistar o respeito das pessoas fora da Igreja (I Tess.4:12) e a
aprovação dos homens (Rom. 14:18). Há, portanto, diversos motivos teológicos para a vida cristã.

1. A imitação de Cristo. As motivações mencionadas acima são secundárias. As motivações teológicas são as
mais importantes. Uma destas é a imitação de Cristo (I Tess. 1:6; I Cor. 11:1; Fil. 2:5ss; II Cor. 8:9). A
referência aqui não é a vida terrestre de Jesus, mas a abnegação dEle em sua morte sacrificial. A ética
paulina é, pois, baseada na sua teologia, de modo que corrupção e vícios são o resultado da rejeição a Deus
(Rom. 1:28), assim como a impiedade leva ao pecado (Rom. 1:18).

2. União com Cristo. Esta é uma das mais fortes motivações (I Cor. 6:15) por que o cristão deve viver uma vida
diferente. Esta união implica corpo, alma e espírito, e não como os gnósticos ensinavam em Corinto, somente
o espírito, de maneira que pecado no corpo não teria consequências para o espírito. Por causa da sua união
com Cristo na sua morte, o homem é morto para o pecado (Rom. 6:4), e por sua união com Ele na
ressurreição, o homem vive uma vida diferente (cfr. Ef. 2:1-10).

3. A habitação de Cristo no crente. Outra motivação para uma vida agradável a Deus é a habitação no crente
do Espírito Santo e de Cristo. O contraste entre a era da lei e a era do Espírito, todavia, não implica que o
Espírito no crente é um poder espontâneo, que capacitará o homem a fazer o bem automaticamente. A lei
como meio para obter justiça terminou (Rom. 10:4), mas como revelação ela continua. A nova vida é dádiva
do Espírito Santo (II Cor. 3:6; Gál. 6:25) e esta vida se evidencia no "fruto do Espírito" (Gál. 5:22). O Espírito
no crente significa amor (Rom. 5:5), liberdade (Rom. 8:2) e serviço (Rom. 7:6). Há uma tensão entre indicativo
e imperativo quanto à vida no Espírito: "Se vivemos pelo Espírito (indicativo), andemos (imperativo) também
no Espírito" (Gál. 5:25). Há uma tensão entre carne e espírito, que se opõem um contra o outro. A solução é
uma vida de tomar decisões constantemente (Fil. 2:12; Rom. 8:14; Gál. 5:18).

4. Santificação. Santidade não é, em primeiro lugar, um conceito ético, e santificação não é sinônimo de
crescimento moral. Santo é aquilo que é dedicado a Deus e pertence a Ele. Isto é claro em referências como I
Cor. 7:34. Se santidade fosse moral, o casamento seria imoral. Esta conclusão seria uma contradição com
todo o ensinamento paulino e bíblico. A santificação do cristão quer dizer que o ele pertence a Deus, por isso
Paulo chama o povo de Deus de santos – eles pertencem a Deus. Todos os cristãos são chamados santos.
Pelo fato de os crentes pertencerem a Deus, eles devem experimentar santificação e evitar impureza. A
santificação é obra do Espírito (I Tess. 2:13), mas envolve uma reação humana também (II Cor. 7:1; Rom.
6:19; I Tess. 4:7). Quando a santificação envolve ética, a palavra enfatiza pureza. O contrário de santidade é
impureza (akatharsia – I Tess. 4:7). Paulo enfatiza pureza moral por causa dos pecados sexuais que
predominavam no mundo grego, especialmente nas religiões pagãs. Consequentemente, o homem
consagrado a Deus evitará pecaminosidade pagã. Também em santificação existe a tensão entre o indicativo
e o imperativo: o crente foi santificado (indicativo), logo, deve se purificar (imperativo) de todas as máculas.

5. Escatologia. Outro motivo forte que influencia na conduta é a escatologia. Os cristãos e o mundo serão
julgados diante de Deus (Rom. 14:10; II Cor. 5:10); deve, então, haver temor na santificação (II Cor. 7:1; Ef.
6:5; Fil. 2:12). Paulo usa a recompensa como motivação, principalmente para um ministério fiel. No dia do
julgamento a obra de cada um será testada; aqueles cuja obra for aprovada, serão recompensados; aqueles
cuja obra for reprovada, serão salvos como pelo fogo (I Cor.3:15). Paulo parece pensar em graduações dentro
do Reino de Deus, baseadas em fidelidade cristã. I Cor. 3:17; 10:6ss, Ef. 5:5, Fil. 3:11e I Cor. 9:27 deixam
bem claro que é possível o cristão não chegar até o final de sua carreira. Porém, Paulo sempre usa este tipo
de exortação como motivação, nunca como forma de teorizar sobre a perda da salvação: a motivação da
conquista da salvação no Reino de Deus é a verdadeira motivação para a vida cristã fiel e devota, e não o
contrário.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

6. Amor. A motivação mais importante para a vida cristã é o amor, que é a própria lei de Cristo (Gál. 6:2). Isto
quer dizer que toda a lei de conduta ética pode ser resumida em uma só coisa: amor (veja Gál. 5:22; Rom.
15:30; Col. 1:8; Rom. 5:5; I Cor. 13; Col. 3:14). Uma das ilustrações de como funciona o princípio de amor é
visto no problema de carne sacrificada aos ídolos: como comer carne sacrificada aos ídolos era uma ofensa
muito grave para os judeus, os cristãos gentios deveriam deixar de comer esta carne por amor a seus irmãos
judeus (At. 15:20). Em outras cidades parece Ter havido uma situação diferente. As opiniões dentro das
igrejas eram divididas quanto ao assunto. Alguns acharam este tipo de carne impura, outros não. A solução
que Paulo dá é uma tensão entre liberdade e amor, exemplificada em preceitos como os seguintes:
A participação das festas nos templos é proibida (I Cor. 8:10), mas a carne em si não (Rom. 14:1)
Aqueles que têm problemas em comer carne são chamados fracos na fé (Rom. 14:1).
Não se deve perguntar qual a origem da carne dos templos por causa da consciência (I Cor. 10:25).
Os que têm problemas de consciência não devem julgar os que não têm (Rom. 14:3).
Se a consciência não permitir, a pessoa não deve comer (Rom. 14:22).
Quando alguém ofende a seu irmão, comendo esta carne, ele deve deixar de comer. Parece claro
que ofender significa "causar o pecar", porque senão a consciência do irmão mais fraco dominaria a
conduta dos cristãos em geral.
O princípio básico é claro: a liberdade pessoal deve ser temperada com amor fraternal.

c) Ascetismo
Paulo ensina controle sobre o corpo, mas não ascetismo (I Cor. 9:27). Os desejos do corpo, em si, não são
maus (I Cor. 6:20), e o cristão deve comer e beber para a glória de Deus (I Cor. 10:31). Entretanto, o pecado pode
operar através do corpo, e por isso as obras do corpo devem ser mortificadas (Rom. 8:13; Col. 3:5). Paulo, de fato,
rejeita o ascetismo (Col. 2:23), considerando-o algo do mundo, porque leva a orgulho humano, e não a humildade
cristã. Paulo, pessoalmente, não era casado, mas não por motivos de santificação, antes por questões práticas,
como mostra I Cor. 7: 1ss.

d) Separação
Em relacionamentos sociais, o crente não deve estar em jugo desigual com o incrédulo (II Cor. 6:14). Isto,
porém, não indica que ele deve viver completamente separado. Paulo aprova relacionamentos sociais com
incrédulos (I Cor. 10:27), mas não pode haver participação em festas dos ídolos nos templos (I Cor. 8:10). Não
pode haver relacionamentos que liguem o cristão com os pagãos em pensamento e/ou ação. A não-confirmidade
a este mundo não significa nem acetismo nem uma rejeição das regras sociais do mundo, mas uma rejeição da
sua idolatria e conduta pecaminosa. O crente é tanto um cidadão de sua própria cultura como um cidadão do
Século Vindouro ao mesmo tempo.

e) Vícios
Vícios devem ser evitados (Rom. 29:37; I Cor. 5:11; 6:9; II Cor. 12:20; Gál. 5:19,20,21; Ef. 4:31; 5:3,4; Col.
3:5-9). Estes pecados podem ser classificados em 5 grupos: 1) pecados sexuais; 2) egoísmo; 3) pecados de fala;
4) pecados de atitude e relacionamentos humanos; 5) pecado de embriaguez. Os pecados sexuais predominam
nestas referências, não por causa de sua importância especial, mas por causa do fato de predominarem no
contexto da época, já que conduta imoral era aceita e havia prostituição religiosa nos templos. Embora a lista de
vícios que Paulo cita não seja original sua, uma vez que se é encontrada também nos melhores escritos
filosóficos, o que se destaca é a motivação fundamental para se viver uma vida longe de tais vícios: para os
gregos, isso exalta a realização humana; para Paulo, é um viver centrado no ato redentor de Deus em Jesus
Cristo.

f) Ética social
A ética social se preocupa com as estruturas sociais e sua influência sobre o homem. Parece que Paulo, por
sua vez, não se preocupou com estruturas sociais e ética social (I Cor.7:26 ss - "é bom que o homem continue no

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.60


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

estado em que ele está"). Essa atitude de Paulo se explica por sua consciência da proximidade da consumação
escatológica, e por isso a ética social se torna de pouca relevância. Compreender isso é dificil em nosso mundo
moderno, se significar indiferença ára com o impacto do evangelho nas estruturas sociais. A situação cultural e a
estrutura da Igreja são bem diferentes do cristianismo do primeiro século, e o crente moderno não pode aplicar os
ensinamentos da Escritura num relacionamento de igual para igual, mas deve buscar a verdade básica que subjaz
às formulações particulares no NT.

Apesar da postura paulina, três assuntos são mencionados nas suas Epístolas:

1. A posição da mulher. Sobre o assunto, Paulo formula um novo princípio (Gál. 3:28): o homem deve amar sua
esposa como Cristo amou a Igreja (Ef. 5:25). Este princípio era revolucionário no mundo judaico-romano, no
qual a posição da mulher era inferior. Paulo mantém, contudo, o princípio de submissão da mulher em relação
ao homem (I Cor. 11:2ss; 14:34ss).

2. Casamento. Paulo não era casado e considera isto a situação ideal para todos. Porém, é melhor se casar do
que ser consumado por desejos sexuais não satisfeitos (I Cor.7:1ss). Nem marido nem esposa deve privar a
outra pessoa de prazer sexual (I Cor. 7:4,5). O sexo é considerado algo que providencia prazer mútuo, e não é
apenas meio para a procriação. O divórcio deve ser evitado, apesar de que há alguns casos em que seria
permitido (I Cor. 7:10-15; 39).

3. Escravidão. O sistema escravagista era muito comum nos dias de Paulo. Estima-se que havia tantos
escravos quantos livres em Roma. Às vezes a população inteira de uma cidade era vendida como escravos.
Eles muitas vezes recebiam um tratamento bastante humano, mas legalmente eles eram considerados coisas
e não pessoas. Paulo não criticava a escravidão em si. Antes, ensina que o escravo deve estar satisfeito com
sua situação (I Cor. 7:21) e deve obedecer a seu Senhor (Col. 3:21-25), enquanto que os senhores devem
tratar seus escravos com justiça e consideração (Col.4:l; Ef.6:9). Onésimo, que fugira, foi mandado de volta
por Paulo (Filemon 1 ss). Dentro da Igreja, contudo, a distinção entre escravo e livre não existe (I Cor. 12:13,
Gál. 3.28). O cristão deve ser submisso ao governo, mesmo sendo a estrutura da sociedade autoritária e
pagã, porque mesmo assim ele está a serviço da lei e da ordem (Rom. 13:1ss). Fianlmente, os cristãos devem
pagar seus devidos impostos.

O fato é que Paulo não se preocupa com estruturas sociais, mas com a maneira de viver a vida cristã no
contexto social contemporâneo. O apóstolo sabia que seus princípios iriam fazer um impacto muito grande nas
estruturas sociais se fossem praticados por todos.

12. A IGREJA

a) Forma
A forma exterior da Igreja como a encontramos nas Epístolas de Paulo é igual a do livro de Atos. A Igreja
consistia de grupos de crentes, espalhados numa região que se estendia de Antioquia a Roma, sem que tivesse
alguma organização que as unisse. A única ligação entre elas era a autoridade apostólica, que não era formal ou
legal, mas espiritual e moral. Paulo, por exemplo, nunca tomou medidas formais contra os judaizantes (Gál. 1:8) –
a sua autoridade era exercida em termos de persuasão, e não de autoridade oficial.
A forma da Igreja em uma determinada cidade não é clara. A carta aos Coríntios dá a impressão de que
todos os crentes se reuniam em um só lugar (I Cor. 14:23). Atos fala de reuniões nas casas ou em cenáculos (At.
1:13; 12:12; 20:8), mas é improvável que estes fossem de tamanho suficiente para servir de local de reunião para
todos os crentes de uma cidade. Paulo se refere a igrejas que se reúnem em casas particulares (Rom. 16:5; I Cor.
16:19; Col. 4:15; Fil. 2). Provavelmente havia diversas igrejas assim em cada cidade.
A organização da Igreja local também não é muito clara nas Epístolas paulinas. Atos menciona que Paulo
apontava presbíteros nas igrejas que ele fundara (At. 14:23). A linguagem de Atos sugere ainda que estes
presbíteros são chamados de bispos também (At. 20:17,28) e, nas suas epístolas, Paulo usa este termo mais
freqüentemente.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.61


“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

As igrejas tinham uma liderança formal, como indica o particípio "proistamenoi" – presidem, em I Tess. 5:12
e Rom. 12:8. Este mesmo participio se usa para designar bispos (I Tim. 3:4), diáconos (I Tim. 3:12) e presbíteros (I
Tim. 5:17).
Em Efésios, Paulo se refere a evangelistas e pastores-mestres (Ef. 4:11). Evangelistas são pregadores que
levam a mensagem do evangelho para novos lugares, mas sem autoridade apostólica. A linguagem de Ef. 4:11
sugere que pastores-mestres formam uma função só: supervisionar o rebanho e ensinar. Paulo também menciona
o dom da administração ou governo (I Cor. 12:28); a palavra significa literalmente timoneiro, e deve referir-se à
liderança nas igrejas, um verdadeiro diretor da dusa ordem, e, portanto, da sua vida. Provavelmente este é o dom
dos bispos (espiskopoi) e "proistamenoi".
A organização da Igreja se torna mais clara nas Epístolas Pastorais. As funções dos diáconos não são
claramente descritas, porque eram bem conhedicas; a ênfase está, por isso, nas suas qualificações (I Tim. 3:8-
12). Paulo também fala de diaconisas (cfr. Rom. 16:1).
Tanto as qualificações como as tarefas dos presbíteros ou ançiãos são descritos em I Tim. 5:17-22. A
função deles é tripla: governar, pregar e ensinar. A passagem parece indicar que todos os presbíteros governam,
mas que nem todos pregam e ensinam. As qualificações para os bispos são mencionadas ainda em I Tim. 3:15 e
Tito 1:5-9.
Alguns vêm nas Epístolas Pastorais o início do ministério do bispo como pessoa distinta dos presbíteros,
porque a palavra bispo sempre é usada no singular; outros estudiosos, porém, persuadiram muitos a aceitarem
que presbíteros e bispos são palavras usadas para designar o mesmo grupo de pessoas. Outros, por sua vez,
acham que os líderes da Igreja são chamados presbíteros nas igrejas judaicas, e episkopoi (bispos) nas igrejas
paulinas. Seja como for, é claro que os presbíteros agiam como um colégio ou equipe (I Tim. 4:14), onde Timóteo
foi ordenado com “a imposição das mãos do presbitério”. Contudo, não está claro se havia apenas um ancião-
bispo para cada congregação local ou um colégio de anciãos, como na sinagoga judaica; e, numa grande cidade,
com várias congregações, não está claro se os anciãos das várias congregações constituíam um único presbitério
para a comunidade cristã da cidade inteira. Parece provável que não havia um padrão normativo de igreja na era
apostólica, e que a estrutura organizacional da igreja não é elemento essencial da teologia da igreja. À vista da
ênfase teológica central sobre a unidade da igreja, é importante entender que unidade não significa uniformidade
organizacional.

b) Charismata
Outro fator importante nas Igrejas paulinas era o exercício de dons espirituais ou charismata. Há diversas
listas:
I Cor. I Cor. I Cor. Rom.
Dons ou charismata 12:28 12:29-30 12:8-10 16:6-8
Ef. 4:4
Apóstolo 1 1 1
Profeta 2 2 5 1 2
Discernimento de espíritos 6
Mestre 3 3 3 4
Palavra de sabedoria – conhecimento 1
Evangelistas 3
Exortadores 4
Fé 2
Milagres 4 4 4
Curas 5 5 3
Línguas 8 6 7
Interpretação 7 8
Ministério 2
Administração 7
Direção 6
Socorros 6
Misericórdia 7
Repartir 5

* Os números se referem à ordem em que encontramos o charisma na lista.

Alguns estudiosos argumentam que a liderança nas Igrejas paulinas era carismática e não oficial. Porém, a
questão nestes capítulos é o lugar de cada cristão com Corpo de Cristo, conforme seus dons e ministérios (I Cor.
12:8). Não há ordem de importância nestas listas. Apóstolos e profetas são mencionadas primeiro porque
transmitiam a revelação (Ef. 3:5), providenciando o fundamento da Igreja (Ef. 2:20). Apóstolos possuíam uma

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autoridade que os profetas não tinham. Isto tudo era necessário porque a Igreja primitiva não possuía ainda o NT.
para testificar de Cristo. Os profetas falavam debaixo da inspiração direta do Espírito Santo. A profecia também
era dada como manifestação do Espírito a qualquer membro da congregação (I Cor. 12:8). O dom de línguas é o
dom de falar em uma língua desconhecida, tanto para aquele que fala, como para aquele que escuta. O raciocínio
não está envolvido no uso deste dom (I Cor. 14:4) e é necessário o dom de interpretação (I Cor. 14:13).
É importante notar que alguns dos charimasta são distintamente sobrenaturais e podem ser exercidos
somente pela atividade soberana do Espírito, enquanto que outros, tal como socorrer, demonstrar misericórdia e
repartir são dons que deveriam ser praticados por todos os crentes. A questão quanto a se todos os charismata
devem ser normativos para a vida da igreja inteira recebe diferentes respostas. Dado que os dons do apostolado e
da profecia foram concedidos para a fundação da Igreja (Ef. 2:20), é possível que dons distintamente
sobrenaturais pertençam primariamente ao períodos apostólico. De qualquer maneira, Paulo deixa claro que a
mais alta manifestação do Espírito é o amor. Nem sempre se nota que I Coríntios 13 é uma parte da discussão de
Paulo a respeito dos charismata. Outros dons, como da profecia e das línguas passarão, mas o amor permanece,
como a mais alta evidência de um crente dotado pelo Espírito.

c) Os nomes da Igreja
1. Ekklesia. A teologia paulina da Igreja é expressa no uso da palavra ekklesia. A palavra significa uma
assembléia política (At. 19:39) ou qualquer assembléia. Porém, Paulo usa a palavra no sentido do A.T., de
Israel como povo de Deus. A palavra implica que a Igreja é a continuação direta do povo de Deus no A.T.
Ekklesia nunca indica um prédio, sempre um grupo de crentes reunidos para adoração, seja num sentido
universal (Col. 1:18,24; Ef. 1:22; 3:10; 3:21; 5:23,24,25,27,29,32), local (Rom. 16:1; Col. 4:16; Gál. 1.22; 1:2),
ou até de uma igreja numa casa particular (Rom. 16:5, I Cor. 16:19; Col. 4:15; Filem. 2). Cada comunidade
cristã, seja grande ou pequena, representa a Igreja universal. A Igreja local não é parte da Igreja total, mas é
representante dela, e todo o poder de Cristo é disponível para cada Igreja local. Cada congregação local
funciona no mundo como a Igreja universal, não isoladamente, mas em solidariedade com a Igreja total.

2. Povo de Deus. A Igreja é o novo povo de Deus. No A.T. Israel era o povo de Deus. Paulo deixa bem claro em
Rom. 9:11 que a Igreja é o novo povo de Deus, como prova a citação do profeta Oséias (1:9,10). Isto quer
dizer que a Igreja é o povo de Deus, mas não que em certo sentido Israel não continua sendo o povo de Deus,
porque Paulo ainda o chama "uma nação santa" (Rom. 11:16).

3. A Igreja e Israel. Qual então é a relação entre Israel e a Igreja? Paulo discerne entre Israel natural e Israel
espiritual (Rom. 3:28ss; 9:6), o povo como um todo, que é desobediente a Deus, e um restante fiel (Rom.
11:5), ao qual foram adicionados os gentios que crêem. A figura da oliveira sugere a unidade do povo de
Deus: os ramos naturais foram tirados, e outros, os gentios, enxertados. Não só os judeus, mas todos os
crentes, incluindo judeus e gentios, formam a verdadeira circuncisão (Fil. 3:3) que é do coração (Col. 2:11), e
que provê os verdadeiros filhos de Abraão (Gál. 3:7; Rom. 4:11,16,18; Gál. 3:29). A igreja é, então, o Israel de
Deus (Gál. 6:16). Paulo previu que o Israel natural um dia há de crer e ser enxertado novamente na oliveira
(Rom. 11:23,24); "Todo Israel será salvo" (Rom. 11:26); isto não quer dizer que cada israelita individual será
salvo, mas o povo, como um todo, será salvo. Paulo não indica como isso vai acontecer, contudo uma coisa é
clara: a salvação de Israel será baseada na fé em Jesus como o Messias crucificado e ressurreto.

4. O Templo de Deus. Tanto o A.T. como o judaísmo estavam esperando um novo templo no reino de Deus.
(Ez. 37:26ss; 40:1ss; Ag. 2:9). Jesus falara acerca da formação da Igreja como a construção de um edifício
(Mt. 16:18). A Igreja primitiva, por sua vez, continuou adorando no templo (At.2:46), mas Estêvão foi o primeiro
a pregar que a adoração no templo não era importante (At. 7:48s). Paulo diz que a Igreja toma o lugar do
templo escatológico, o lugar onde Deus habita e é adorado. A metáfora tem uma ênfase tripla:
i. O crente individualmente é templo do Espírito Santo (I Cor. 6:19). Por isso o crente é santo, isto é, ele
não pertence a si mesmo e não é dono de sua própria vida, nem do seu próprio corpo.
ii. A congregação local é templo do Espírito Santo. Sendo assim, a Igreja é santa, por isso divisão na
Igreja é contra a vontade de Deus (I Cor. 3:17). Também por ser o templo de Deus o crente não pode
estar em jugo desigual com pessoas não-crentes (II Cor. 6:14).
iii. A Igreja universal é o templo do Espírito Santo (Ef. 2:19-22).

5. Um povo escatológico. A Igreja é o povo escatológico do Reino de Deus. Isto significa que a Igreja herdará o
Reino de Deus como herança escatológica (I Tess. 2:12; Rom. 8:17; Ef. 1:18), porque já experimentaram o
Reino (Rom. 14:17; Col. 1:13). Este fato é indicado em Fil. 3:20: a cidade do cristão é o céu. Cidade (grego:

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politeuma) é uma colônia de estrangeiros que é organizada como a pátria. A vida e comunhão dos cristãos na
história é um ante-gosto da vida do Reino de Deus e deve refletir a realidade escatológica na história.

d) O Espírito Santo
Ao mesmo tempo que o Espírito Santo obra diversamente na Igreja, concedendo diferentes dons a
diferentes indivíduos (I Cor. 12:7), ele próprio é posse de todos os crentes. Paulo afirma que a possessão do
Espírito é necessária para se pertencer a Cristo (Rom. 8:9), e embora ele coloque uma grande ênfase na obra do
Espírito na experiência cristã individual, isto também tem um lado coletivo: o Espírito Santo é quem forma a Igreja
(I Cor. 12:13). Outra ênfase importante está sobre o batismo do Espírito que reveste os crentes para que eles
possam manifestar dons espirituais e formar um só corpo.

e) Comunhão
Uma das características distintivas do povo de Deus é a comunhão – koinonia (At. 2:42). Comunhão é mais
que uma religião em comum, ou comunhão humana, mas é algo criado pelo Espírito Santo, é um relacionamento
com Cristo, que diversas pessoas têm em comum. Isto enfatiza que a Igreja não é primariamente uma instituição
humana nem um movimento religioso, fundado em boas obras, ou mesmo lealdade a um grande mestre ou líder; é
uma criação de Deus, baseada em seu propósito gracioso (Rom. 9:11; 11:5,6). A Igreja a comunhão dos eleitos
(Ef. 1:4; I Tess. 1:4), independente do status social, educação, riqueza ou raça (I Cor. 1:2), comunidade eleita de
Deus (Rom. 8:33; Col.3:12; II Tim.2:10; Tito 1:1).
A metáfora mais distinta de Paulo é que a Igreja é o corpo de Cristo. Paulo nunca fala da Igreja como um
corpo per se; ela é o corpo em Cristo (Rom. 12:5) ou o corpo de Cristo (I Cor. 12:27). Como seu corpo, a Igreja é,
de algum modo, identificada com Cristo (I Cor. 12:12). O apóstolo usa esta figura, tnato em Romanos como em
Coríntios para enfatizar a unidade da Igreja e o relacionamento dos cristãos uns com os outros. Há um corpo, mas
ele tem muitos membros, e estes membros diferem grandemente entre si. Visto que foi Deus quem organizou os
membros do corpo como lhe aprouve, não deve haver discórdia, e, sim, apenas amor mútuo e cosideração entre
os vários membros da Igreja (I Cor. 12:24ss). Paulo leva a metáfora um passo adiante nas espístolas da prisão e
fala de Cristo como o cabeça do corpo (Ef. 4:15; Col. 1:18). Isto deixa claro que Paulo não identifica Cristo
completamente com a sua Igreja; Ele é o salvador do corpo (Ef. 5:23); o corpo retira seu crescimento e unidade da
cabeça (Col. 2:19) e deve crescer em tudo naquele que é a cabeça (Ef. 4:15). Isto enfatiza, ainda mais do que as
epístolas anteriores, a completa dependência da Igreja, de Cristo, por toda a sua vida e desenvolvimento; ela é o
complemento daquele que cumpre tudo em todas as coisas (Ef. 1;23).
Há e pode haver somente uma igreja, porque só há um Cristo, e ele não pode ser dividido (I Cor. 1:13). “Há
um só corpo e um só Espirito...” (Ef. 4:4-6). Esta unidade não é uma coisa estática, organizacional. A unidade é de
Espírito e vida, de fé e comunhão. É uma unidade que se realiza em considerável diversidade. É uma unidade que
deve excluir cismas na congragação local (I Cor. 1:13), que se expresse em preferência humilde de um para com
o outro (Rom. 12:3) e em amor e afeição mútuos (I Cor. 12:25,26), que significa o fim das dintinções raciais (Ef.
2:16) e que deve excluir aberrações doutrinárias e religiosas (Col. 2:18,19).

f) Ceia e batismo
A unidade do corpo de Cristo é ilustrada pela ceia do Senhor (I Cor. 10:17-21). Paulo usa o simbolismo de
um pão cortado em pedaços e distribuído entre os fiéis, para ilustrar a unidade dos membros individuais. Tem que
existir unidade entre os participantes da Ceia do Senhor, porque eles têm uma unidade anterior com Cristo. O
cálice e o pão são de fato um memorial da morte de Cristo, e são usados em memória de Cristo, e são usados em
memória da morte de Jesus (I Cor. 11:25). Mas comer e beber envolvem mais do que uma memória de um evento
passado; também representam a participação do corpo e do sangue de Cristo, e, portanto, participação de seu
corpo. É através da fé que nos identificamos com Cristo em sua morte e tornamo-nos membros de seu corpo; a
partilha do pão e do cálice constitui um evento em que a fé apreende o significado da pessoa e da obra de Cristo.
O batismo também simboliza a união com Cristo; é o rito de admissão na igreja, mas representa a
identificação do crente com Cristo. Os homens são batizados “em Cristo Jesus”, o que significa revestir-se de
Cristo, estar em união com Ele em sua morte e ressurreição (Rom. 6:1-4; I Cor. 1:13-16; Gál. 3:27; Col. 2:12). Não
é uma repetioção da morte e da ressurreição de Cristo, nem simboliza sua morte e ressurreição, antes, simboliza
a união do crente com Cristo, na qual ele morre para a sua velha vida e é ressuscitado para caminhar em
novidade de vida. é um símbolo da morte e ressurreição espirituais.

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13. ESCATOLOGIA
O esquema básico do pensamento teológico de Paulo é o dualismo entre o século presente e o século
futuro, derivando do judaísmo, e também usado por Jesus, porém, com uma diferença: por causa daquilo que
Deus fez em Cristo o crente já experimentou bênçãos escatológicas no século presente. A transição, porém, é
parcial: o cristão continua vivendo em dois mundos. A presente ambigüidade da nova vida em Cristo requer o
retorno de Cristo, para completar a obra da redenção, já iniciada. O tema central da escatologia paulina é a
soncumação do propósito salvado de Deus. À parte do retorno de Cristo a a inauguração da Era Vindoura, a obra
redenteora de Deus permanece inacabada.

a) O Estado Intermediário
A questão do estado intermediário em Paulo depende da interpretação de II Cor. 5:1-10. O apóstolo enfatiza
fortemente a ressurreição do corpo: depois da morte, o cristão recebe de Deus um corpo celestial, imortal. No
nosso atual corpo, nós gememos por causa da sua fraqueza e mortalidade. A finalidade desejada é ser "revestido”
de um novo corpo, não de existir como um espírito desincorporado, despido. Depois da morte, entretanto, o crente
habita com o Senhor, até o dia da ressurreição. O modo de existência não é explicado por Paulo, ele apenas diz
que após a morte ele estará com o Senhor (Fil. 1:23). Note como Paulo considera existir somente em espírito algo
incompleto, em contraste com as idéias platônicas que valorizavam exatamente a existência fora da matéria (II
Cor. 5:2-4).
A tese de que a alma entre a morte e a ressurreição estará num estado inconsciente foi defendida
recentemente por alguns teólogos. É verdade que Paulo fala da morte como um sono (I Tess. 4:13; I Cor. 15:16
etc.), contudo o sono era uma figura muito comum em literatura grega e hebraica para designar a morte. Logo,
interpretar Fil. 1:2 e II Cor. 5:8, como estar com o Senhor num estado inconsciente não é muito provável.

b) A volta de Cristo.
No A.T., o "Dia do Senhor" indicava um dia no futuro imediato no qual Deus visitaria seu povo com
julgamento (Amós 5:8; cfr. Is. 2:12ss). Também podia indicar a vinda de Deus para estabelecer seu Reino na terra,
salvando os fiéis e julgando os ímpios (Sof. 1:14ss; Joel 3:14ss). No NT, a expressão denota a consumação do
século presente e a inauguração do século futuro.
A expressão no N.T. tem diversas formas: o dia do Senhor, o dia do Senhor Jesus, o dia de Jesus Cristo, o
dia de Cristo, aquele dia. Não podemos distinguir entre o dia de Cristo e o dia do Senhor como se indicassem dois
programas escatológicos diferentes. Paulo usa três palavras para indicar a vinda do Senhor:
Parousia – significa presença (Fil. 2:12) e chegada (I Cor. 6:17; II Cor.7:7). O uso da palavra era técnico,
indicando a visita oficial de um rei ou imperador a uma província. Jesus, depois de sua ressurreição,
exaltado à mão direita de Deus, visitará pessoalmente a terra (At. 1:11), ao final do século (Mt. 24:3),
para juntar seu povo para si (II Tess. 2:1) e destruir o mal (II Tess. 2:8).
Apokalypsis – significa revelação. A sua revelação será a revelação do poder e glória que Ele já possui,
mas que o mundo ainda não vê (Ef. 1:20-23; Fil. 2:9-11; I Cor. 15:25; II Tess. 1:7; I Cor. 1:7).
Epiphaneia – aparição, indica a visibilidade de sua vinda. A volta de Cristo não será segredo, mas será
algo visível. Epiphaneia também se refere à encarnação (II Tim. 1:10).
A teologia dispensacionalista divide a vinda do Senhor em duas partes: uma vinda secreta de Cristo antes
da Grande Tribulação para a igreja e uma vinda gloriosa para salvar Israel e estabelecer o milênio. Porém, a
esperança bendita da Igreja não é um evento secreto, invisível para o mundo, mas a aparência visível do Cristo
que volta (Tito 2:13), a revelação de Cristo como Senhor (II Tess. 1:7). A argumentação tem sido muitas vezes que
Cristo, para voltar "com seus santos" (I Tess. 3:13) necessariamente deve vir "para eles". Mas isto pode se referir
aos que dormiram (I Tess. 4:14) ou aos anjos que o acompanharão (II Tess. 1:7).
No NT, a teofania divina é cumprida na vindad de Cristo: Jesus voltará para trazer salvação para seu povo (I
Tess. 5.8) e julgamento dos ímpios (II Tess. 1:7-8) e para estabelecer o Reino no mundo (II Tim.4:1). O plano de
Deus, portanto, não é apenas a salvação da alma individual, mas envolve toda a humanidade. Esta redenção é
totalmente obra de Deus; a vida de Cristo é um evento cósmico, no qual Deus, que visitou os homens no humilde
Jesus histórico, visitá-los-á novamente no Cristo glorificado. A meta da redenção é nada menos do que o
estabelecimento da lei de Deu em todo o mundo, para que Deus seja tudo em todos (I Cor. 15:28).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.65


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c) O Mistério da iniqüidade
Paulo fala de certos eventos escatológicos que precederão à vinda do Senhor. Um destes é a aparição de
um governador mal, o homem da iniqüidade, que exigirá para si toda autoridade secular e sagrada, até o ponto de
ser adorado pelos homens (II Tess. 2:3,4; I Tess. 5:1-11). Ele se sentará no templo, uma maneira figurativa em
linguagem do A.T. para expressar que ele desafiará o próprio Deus (Ez. 28:2; Is. 14:1-4). Ele terá poder satânico
para enganar os homens (vs. 9 e 10).
Em Apocalipse, este homem é chamado a Besta (Ap.13) ou anticristo. Sua aparição será acompanhada
pela "rebelião" (II Tess. 2:3), uma apostasia dentro da Igreja, que não é um simples desvio do Senhor, mas uma
revolta deliberada contra Ele.
A "revelação" do homem da iniqüidade não será algo novo na história, mas simplesmente a manifestação
final de um princípio que já estava operando nos dias de Paulo (vs. 7). Há, porém, algo que restringe o
aparecimento do homem do pecado (vs. 6), mas Paulo não menciona qual é este princípio, só aifrma que é uma
pessoa (vs.7). Há diversas interpretações para este acontecimento:
1. O Espírito Santo deixará este mundo quando a Igreja for arrebatada. Todavia, não há indicação
nenhuma na Palavra de que o Espírito deixará a terra no dia da vinda do Senhor.
2. A passagem deve ser entendida à luz da missão missionária de Paulo. O mundo todo deve ser
evangelizado antes da vinda de Cristo. A Missão seria, então, o princípio que restringe, e está
incorporado na pessoa do próprio Paulo.
3. Trata-se do Império Romano e da pessoa do Imperador. Este ponto de vista, modificado, está mais de
acordo com a teologia paulina. Em Rom. 13:4 Paulo afirma que a autoridade está a serviço de Deus,
mesmo sendo autoridade pagã. As autoridades preservam a ordem, e o contraste disto é a iniqüidade
de II Tess. 2:4 – a deificação do Estado, de maneira que o mesmo não seja mais um instrumento da
lei e da ordem. Paulo então estaria prevendo um dia que toda ordem política desaparecerá, e a última
defesa contra os poderes do caos será demolida.

d) O endurecimento e a salvação final de Israel


Outro evento escatológico que Paulo espera acontecer é a salvação de Israel, como ele expõe em Rom. 9-
11. Deus tinha um plano na rejeição de Israel: salvação dos gentios (Rom. 11:11). Em 11:12, Paulo mostra que
sua "plenitude", isto é, plena salvação, trará bênçãos para todos. A salvação veio para o mundo através do povo
de Deus, Israel. Isto é o cerne da promessa a Abraão (Gen. 12:1-3; 17:6). Por isso Jesus nasceu como israelita. A
rejeição de Jesus pelos judeus era o meio de Deus dar salvação aos gentios. Mas isto não é o final da história:
Israel ainda é o povo escolhido, objeto do cuidado de Deus, e ainda será instrumento de salvação (Rom. 11:15-
16). Há um contraste nestes versos.

I II
A rejeição presente de Israel. Reconciliação do mundo.

A futura restauração de Israel. Vida dentre os mortos.

Pela estrutura gramatical "vida dentre os mortos" se refere ao mundo, não a Israel. Em outras palavras: a
restauração de Israel resultará em bênçãos para o mundo. Paulo não fala, contudo, quando ou como isto
acontecerá.
É claro que a base para a salvação de Israel é a fé em Jesus Cristo. As palavras de Rom. 11:26 podem se
referir à vinda de Jesus, mas esta interpretação não é necessária. Paulo cita Is. 59:20 e 27:9, contudo, nenhuma
destas passagens se refere ao Messias.

e) A ressurreição e o arrebatamento
Paulo ensina mais acerca da ressurreição que qualquer outro autor. A ressurreição é corporal (Rom. 8:23;
8:18; Fil. 3:21; Rom. 8:11) e ocorrerá instantaneamente com a vinda de Cristo (I Tess. 4:16; I Cor. 15:52). Também
aqueles crentes que são vivos serão transformados (I Cor. 15:51). Esta transformação é o que Paulo chama de
arrebatamento (I Tess.4:17).

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.66


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f) Juízo
Paulo se refere muitas vezes ao juízo, porém ele nunca trata o assunto sistematicamente (Rom. 2:5,16:
13.2; I Cor. 11:32; 4:5; II Tess. 2:12; II Tim. 4.1). De uma maneira ou de outra, os santos assistirão a Deus no
julgamento do mundo e até dos anjos (I Cor. 6:2-3).
A passagem mais explicativa é Rom. 2. Deus julgará conforme as obras de cada um (2:5). Para os justos,
Ele dará a vida eterna, para os ímpios a ira (vss. 6-10). Cada um será julgado conforme a luz que tem: a natureza
(Rom. 1:18ss), a lei (Rom. 2:12) e a consciência (vss. 14-16). Ninguém viveu de acordo com a revelação que Deus
deu (Rom. 1:21ss; Gál. 3:10-12), por isso Deus deu uma maneira de salvação em Cristo, e a base final do juízo
será o evangelho (Rom. 2:16; II Tess. 1:8). O juízo final de Deus será absolutamente justo e não arbitrário.
Também para o crente haverá julgamento (II Cor. 5:10), mas por causa da justificação em Cristo não traz
temor (Rom. 8:1; 33-34). As obras do crente serão avaliadas quanto a seu valor (I Cor. 3:12-15). O fundamento
sobre o qual os crentes constroem suas obras é Cristo, e cada um constrói sobre o fundamento com certo tipo de
material. Aqueles que fizeram uma obra de valor serão recompensados. Qual será a recompensa não é explicado.
O princípio, envolvido neste juízo, é que, enquanto a salvação é toda de graça, o crente não tem dúvida de que é
visto, por Deus, como completamente responsável pela qualidade de sua presente vida no corpo.

g) A Consumação
A finalidade do plano de redenção é a restauração de um universo perturbado pelo pecado e pelo mal. Isto
inclui o mundo espiritual (Ef. 1:10) e até a natureza; através de Cristo tudo será reconciliado (Col. 1:20). A morte
de Cristo é o triunfo sobre os poderes do mal (Col. 2:14-15), e a restauração final inclui o mundo material. A
criação espera a revelação dos filhos de Deus, quando eles experimentarão a redenção de seus corpos, pois a
criação será liberta da servidão à decadência e experimentará a libertação do domínio do mal ao qual se havia
sujeitado (Rom. 8:19-23). O propósito divino é que os homens possam se reunir em subordinação voluntária à
ordem divina, para que, no fim, “Deus seja tudo em todos” (I Cor. 15:28).

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V. A TEOLOGIA DA EPÍSTOLA AOS HEBREUS

1. Introdução
A questão sobre o autor e os destinatários da epístola aos Hebreus é um problema insolúvel. Pelo
conteúdo, é claro que a epístola foi dirigida a um grupo de crentes que enfrentava perseguição (10:32; 12:4),
conhecidos do autor (13:18; 19,23), que corriam o perigo de apostasia (veja as exortações: 2:14; 3:7-4:11; 5:11-
6:12; 10:19-39). O argumento do autor é a superioridade de Cristo: Ele é superior à revelação antiga (Heb.1:1-3),
aos anjos (1:4-2:18), a Moisés (3:1-19), a Josué (4:1-13), aos sacerdotes do A.T. (4:14-10:31).

2. Cristologia
Hebreus tem uma cristologia muito bem elaborada. Cristo é pre-existente, através de quem Deus criou o
mundo (1:2); Ele sustenta o universo (1:3) e reflete a glória de Deus (1:3). Filho de Deus é o nome mais usado
para designar Jesus na Epístola aos Hebreus. Como Filho de Deus, Ele é herdeiro de tudo (1:2), é divino e
adorado pelos anjos (1:6,8). A carta fala pouco sobre a sua ressurreição, mas enfatiza o fato de Ele estar no céu
(4:14; 1:3,13,22; 7.4). A ênfase na deidade de Jesus não diminui sua humanidade. Antes, sua humanidade,
sofrimentos, tentação foram necessárias para entender e ajudar seu povo. Ele se identificou com o povo em tudo,
exceto numa coisa: Ele era sem pecado (4:15).

3. O Sumo Sacerdote
O tema central da Epístola aos Hebreus é o sumo sacerdócio de Cristo. O sacerdócio do A.T. era apenas
uma sombra da futura realidade e não poderia resolver o problema do pecado. Jesus acabou com o pecado uma
vez para sempre, e por isso a apostasia de Cristo significa condenação.
O argumento do autor baseia-se no fato de que o culto do A.T. não purifica a consciência (9:9), não acaba
com o pecado (10:4), alcança somente pureza cerimonial (9:13), e por isso é fraco e sem utilidade (7:18). A
estrutura do tabernáculo separava o homem de Deus (9:8); os sacrifícios precisam de repetição (10:1) e não tiram
o pecado (10:11); os sacerdotes falham, porque são mortais (7:24), e devem sacrificar tanto para seus próprios
pecados como para os pecados do povo (5:3; 7:27).
Em outras ocasiões, o autor aos Hebreus descreve a falha da época do A.T. de levar o homem à perfeição,
que é a finalidade da vida cristã (6:1) e algo que Jesus precisava alcançar (2:11). Por isso é claro que esta
perfeição não é moral. Para Jesus esta perfeição é consagração a Deus para servir como Redentor suficiente e
eficiente. Para os homens, perfeição significa completa dedicação a Deus. Esta consagração completa não podia
ser alcançada na era do V.T. (7:11). Jesus era sumo sacerdote perfeito, Ele tinha todas as qualidades que o
capacitaram para tal função, melhor que os descendentes de Abraão. Ele era nomeado por Deus (5:5), era
humano (2:17), sofreu todas as tentações que os homens sofrem (4:15); Ele é um ser sem pecado e por isso não
precisava oferecer sacrifícios para si próprio como os sacerdotes do A.T. (7:27); e por ser imortal, seu sumo
sacerdócio continua para sempre (7:23).
Hebreus explica o sacerdócio de Jesus em termos do sacerdócio de Melquizedeque, o sacerdote de Salém
(Jerusalém) que se encontrou com Abraão, e que aparece e desaparece abruptamente. Não há menção de seu
nascimento, nem de seus ancestrais, ou de sua morte. Hebreus usa isto para comparar o sacerdócio de Jesus
com o dele (7:3). A analogia não é prefeita, mas o principal é que Abraão deu dízimos a Melquizedeque, assim
provando ser maior que Abraão. Cristo é sumo sacerdote conforme a mesma ordem de Melquizedeque, e por isso
Ele é superior ao sacerdócio de Aarão (5:6; 6:20; 7:1-17). Jesus é o sumo sacerdote e o sacrifício ao mesmo
tempo. (9:14; 26:1:3); Ele alcançou expiação para todos (2:17) e sem esta morte não haverá perdão (9:27).
Por sua morte, Jesus abriu o caminho ao céu (6:20). Ele é o Rei messiânico (8:1; 10;12; 12:2), mas também
o sacerdote celestial, o Mediador entre Deus e os homens (7:25; 9:24). Como sacerdote, Jesus alcançou
purificação para os seus (10:2; 9:14; 9:26; 10:22), santificação (10;10; 13:12) e perfeição (10:14), coisas que a
velha aliança não podia alcançar.
Cristo inaugurou uma nova aliança (7:12), necessária por causa da mudança de sacerdócio. A primeira
aliança era imperfeita. "Em muitas e várias maneiras" (1:1) em grego é muito mais forte: polymeros e polytropos -
a revelação do A.T. veio fragmentada, nenhuma revelação era completa e nenhuma forma de revelação conseguia
transmitir toda a verdade acerca de Deus. A nova aliança é interior (8:7ss), de forma que a velha aliança não tem
mais valor, ela foi abolida para dar lugar à nova ordem (10:9).

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

4. A vida Cristã
O primeiro requisito para a vida cristã é a fé. A fé tem outra ênfase em Hebreus, se comparada com João e
Paulo. Enquanto fé em Paulo e João é confiança e dedicação a Deus, em Hebreus, fé é a capacidade de perceber
a realidade invisível e fazer dela o objetivo da vida. Neste sentido, Jesus é o pioneiro e aperfeiçoador da nossa fé
(12:12). Ele suportava sofrimento por causa da alegria que estava reservada para Ele (12:2). De igual modo, os
heróis da fé (cap. 11) viviam conforme este mesmo princípio.

VI. A TEOLOGIA DE APOCALIPSE


1. Introdução
O livro de Apocalipse tem como propósito revelar os acontecimentos que levarão ao final dos séculos e o
estabelecimento do Reino de Deus. A sua teologia é, por isso, primeiramente escatológica. É uma profecia daquilo
que há de acontecer em breve (1:2-3), sendo o principal acontecimento a vinda de Cristo (1:7).
A interpretação deste livro tem sido mais difícil do que a dos outros livros do N.T., visto que há vários tipos
de interpretação. Devemos, pois, conhecer todas as possíveis, para que possamos criticar e purificar o mesmo
ponto de vista.

2. O Conteúdo de Apocalipse
O livro deve ser interpretado em sua totalidade, por isso devemos ter um esboço do mesmo em mente. O
esboço seguinte é baseado na sua estrutura literária, que é indicada pela expressão "no Espírito" (1:10; 4:17; 3;
21:10).
1) A primeira visão (1:9-3;22): Cristo exaltado está agindo ativamente na Igreja, simbolizada pelos castiçais
(1:12s). As sete cartas são dirigidas às Igrejas então existentes na Ásia Menor. O fato de que existiam outras
Igrejas na Ásia, naquela época, sugere que estas sete são escolhidas para representar a Igreja de Cristo em
sua totalidade. A mensagem nas cartas é a mensagem de Cristo à Sua Igreja em todos os tempos e lugares.
2) A Segunda visão (4:1-16.21): nos mostra o céu, onde Deus tem um livro selado na sua mão, que somente
pode ser aberto pelo Cordeiro de Deus, o leão da tribo de Judá (4:1-11). A seguir, há a abertura dos sete selos
(5:1-8.1), o tocar de sete trombetas (8:2-9:21) e o derramamento do conteúdo das sete taças (15:1-16, 21).
Cada selo, taça e trombeta é seguida pela representação simbólica de algo que acontece na terra. Antes do
som das sete trombetas, duas multidões são vistas – a primeira, 12.000 de cada tribo de Israel, é selada na
testa (7:3) para que não seja atingida pelas pragas das trombetas (9:4); a segunda multidão é composta de
inúmeras pessoas redimidas de todas as nações e raças (7:9-17) que saíram da "grande tribulação" (7:14).
Um tema central nesta segunda visão é o conflito entre Deus e Satanás, o grande dragão vermelho (12:3-4).
O dragão não consegue destruir o Messias (12:5) e depois de sua derrota numa batalha entre Miguel e seus
anjos (12:7ss) ele tenta destruir a Igreja na terra (12:17). Para alcançar isto, ele chama duas bestas (12:17-
13:1; 13:11), que desafiam a Deus (13:6), desviam homens d‟Ele (13:4,14) e perseguem a Igreja (13:7,15). A
esta Besta e seu Falso Profeta (19:20) é permitido conseguir suas finalidades e impor seu domínio sobre
todos os homens (13:7-8, 16-17).
3) A Terceira visão (17:1-21; 8): é sobre a grande meretriz, a Babilônia (17:1,5), a grande cidade que tem
domínio sobre os reis da terra (17:18). O julgamento e a destruição de Babilônia são anunciados e mostrados
(18:1-24), seguidos por um hino de louvor por causa da sua destruição (19:1-5). O restante da terceira visão
mostra a vitória final de Deus sobre os poderes do mal. Primeiramente vem um hino de louvor na ocasião das
bodas do Cordeiro e sua Noiva (19:6-10). Em seguida, Apocalipse nos mostra o Cristo vitorioso, se
preparando para o julgamento (19:11-16) e a destruição da Besta e do falso profeta (19:17-21). Isto é seguido
pela vitória sobre o dragão, que não é destruído de uma vez, como a Besta e seu falso Profeta. Primeiro ele é
amarrado e lançado no abismo durante mil anos (20:1-3), enquanto Cristo e seus santos, que "viveram", ou
seja, foram ressurretos (grego: ezesan), reinam na terra (20:4-6). Isto é chamado a primeira ressurreição
(20:5). No final deste reinado temporário, Satanás, o dragão, é solto por pouco tempo. Ele engana as nações,
incitando-as a uma guerra contra os santos (20;9). Agora Satanás é lançado junto com a Besta e o Falso

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Profeta no lago de fogo (20:10). Segue a segunda ressurreição, o juízo final (20:11-15) e a vinda do novo céu
e da nova terra para substituir os antigos céu e terra (21:1-8), nos quais os remidos gozam perfeita comunhão
com Deus (21:3-4).
4) A Quarta e última visão: mostra a Jerusalém Celestial, que é a noiva, a esposa do Cordeiro (21:9-22.5). O
livro termina com um epílogo (9:22. 6.21), convidando os homens a aceitarem a dádiva divina, constituída de
vida (22:17).

3. Métodos de Interpretação
a) A interpretação preterista
Esta interpretação trata o livro como um exemplo típico de literatura apocalíptica e interpreta da mesma
maneira como Apocalipse de Enoque, a Ascenção de Moisés, IV Esdras e Baruque. Apocalipses são livros que
surgem em tempos difíceis com muita perseguição, e descrevem porque existe o mal e porque há sofrimento e
perseguições. A solução do problema do mal está no fato de que Deus entregou este século aos poderes do mal,
mas Ele intervirá breve, estabelecendo o seu reino. A mensagem dos Apocalipses é dirigida aos contemporâneos
e não contém profecias acerca do futuro, mas pseudo-profecias de história. O significado deve ser procurado no
ambiente histórico do livro. Esta interpretação considera Apocalipse como um livro produzido pela Igreja que
estava enfrentando perseguição da parte de Roma, talvez na província da Ásia Menor, onde florescia o culto ao
Imperador. A Besta é um dos imperadores romanos, e o Falso Profeta é o culto ao imperador. O autor afirma que,
apesar da possibilidade de martírio, Cristo em breve voltará para destruir Roma e estabelecer seu reino na terra.
Há certamente um elemento de verdade nesta teoria, porque, sem dúvida, Apocalipse continha uma
mensagem para a geração da época em que o livro foi escrito. Entretanto, o livro não é mais profético do que, por
exemplo, IV Esdras. Há, porém, algumas diferenças entre Apocalipse e a literatura Apocalíptica Judaica, das quais
a mais importante é a sua consciência de se tratar da "história de Salvação", um elemento que falta por completo
na literatura judaica.
Apesar do uso que o autor fez de acontecimentos contemporâneos, nós devemos admitir que o simbolismo
da literatura apocalíptica judaica era empregado para designar profeticamente a consumação do plano de
redenção.

b) O Método Histórico
Esta interpretação, apoiada pelos Reformadores, vê em Apocalipse uma profecia da história da Igreja.
Acontecimentos específicos, nações, personagens são procurados na história da Igreja para explicar os selos,
trombetas, taças etc. A identificação mais importante é a identificação da Besta e do Falso Profeta com o papado
romano em seus aspectos políticos e religiosos. Contra este método há objeções:
Quais são as diretrizes claras quanto aos acontecimentos abordados?
Qual é a mensagem de Apocalipse para as Igrejas de Ásia Menor?
Mesmo assim, este método era tão popular que durante algum tempo foi chamado de interpretação
protestante.

c) O Método Idealista ou Simbólico


Este é um dos métodos mais populares, que vê em Apocalipse somente símbolos de poderes espirituais
que operam no mundo. A mensagem do livro é o conforto dado aos santos sofredores, de que Deus finalmente
triunfará, mas não há descrição de acontecimentos específicos, nem do passado nem do futuro.
Objeção a este ponto de vista é que este tipo de literatura apocalíptica sempre descreve acontecimentos
históricos, e Apocalipse tem pelo menos esta característica em comum com outros livros do mesmo tipo.

d) A Interpretação futurista extrema ou dispensacionalista


Este ponto de vista tem tornado muito popular nas Igrejas Evangélicas. Apocalipse é interpretado em termos
de dois programas divinos diferentes, um para Israel e outro para a Igreja. Todos os selos, trombetas e taças
pertencem à Grande Tribulação, e desde que a mesma seja "o tempo de angústia para Jacó" (Jer. 30:7), ela se
aplica exclusivamente a Israel e não à Igreja. Nos capítulos 2 e 3, a Igreja se encontra na terra, mas "Igreja" nunca
mais aparece no livro, senão em 22:1. Os 24 anciãos em redor do trono de Deus são considerados a Igreja,

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

arrebatada e recompensada (4:4). Conseqüentemente, o arrebatamento ocorreu em 4:1, e o povo de Deus na


terra são os judeus, 12 mil de cada tribo (7:1-8), que proclamam o "evangelho do Reino" durante a tribulação e
ganham uma multidão de gentios (7:9-17). A Besta é o líder do Império Romano que deve ser restaurado nos
últimos dias. A profecia de Dario rompe, começando uma perseguição contra os judeus. O grande conflito em
Apocalipse é entre o anticristo e Israel, não anticristo e a Igreja. Por causas dos capítulos 4-19 tratarem da Grande
Tribulação, somente os capítulos 2 e 3 são para a igreja e a "dispensação da Igreja". Normalmente as sete Igrejas
representam sete períodos sucessivos da história da Igreja, dos quais os últimos, ou melhor, o último, é o período
de apostasia e apatia espiritual. Mas muitos teólogos dispensacionalistas já largaram este último ponto de vista.

e) A Interpretação Futurista Moderada


O Apocalipse descreve a consumação do plano divino de redenção, envolvendo julgamento e salvação. Um
dos problemas chaves na interpretação do livro é a relação entre selos, trombetas e taças. Na solução deste
problema talvez esteja a chave para a interpretação do livro. João vê um livro na forma de um rolo, selado com
sete selos, nas mãos de Deus. Nenhuma criatura era achada digna de abrir o livro, exceto o Leão de Judá, o
Cordeiro de Deus que havia sido morto. Aqui existe a idéia básica do livro: o Leão conquistador que pode abrir as
finalidades secretas de Deus é Jesus, que morrera na cruz.
O pequeno livro tem a forma de um testamento antigo, que normalmente era selado com os selos das sete
testemunhas. O livro contém a herança de Deus para seu povo, que é baseada na morte de Seu Filho. A herança
dos Santos é o reino de Deus, mas as bênçãos de Deus ou do Reino não podem se dadas sem a destruição do
mal. Esta destruição dos poderes do mal na verdade é uma bênção do Reino de Deus. Aqui está o tema duplo de
Apocalipse: o julgamento do mal e a vinda do Reino. O quebrar dos selos não abre aos poucos o livro; na verdade,
o conteúdo só pode ser conhecido depois do sétimo selo. Porém, quando cada um dos selos é quebrado, algo
acontece: depois do primeiro selo, a vitória passa na terra; depois do segundo, guerra; em seguida, fome, morte e
martírio. O sexto selo nos leva ao final dos séculos e à vinda do grande dia do Senhor e à ira do Cordeiro (6:16-
17). Isto sugere que o quebrar dos selos não é o fim ainda, mas precede ao fim. Esta estrutura tem seu paralelo
em Mt. 24, onde guerras, fomes e outros males são apenas o "princípio de dores", e ainda não é o próprio fim (Mt.
24:8). Além disto, o cavalo branco vitorioso é um paralelo de Mt. 24:14 e mostra as vitórias ganhas pela pregação
do evangelho pelo mundo. Muitos comentaristas acham que o cavalo branco deve ser como os outros, e por isto
representa uma força má. Porém, não há menção de uma calamidade como os outros cavalos, e branco, em
Apocalipse, é sempre associado com Cristo ou com a vitória Espiritual (1:14; 2:17; 3:4-5; 3. 18;4-4; 6:11;9:7,13;
14:14; 19:11; 20:11).
Que a pregação do evangelho é mencionada junto com as pragas e desastres não é mais incoerente aqui
do que em Mateus 24:1-14. Não é objeção dizer que nesta ordem presente o evangelho não é triunfante; isto é
verdade, mas o evangelho alcança vitórias. Tanto a espada (Heb. 4:12; Ap. 2:12) como o arco (Is. 49:2-3) são
símbolos de operação divina no meio dos homens. No quebrar dos sete selos, os acontecimentos que levam ao
final (a pregação do evangelho, guerra, morte, fome e martírio) são revelados. Estas são as antecipações da
futura salvação e do futuro julgamento, contidos no livro selado. O sexto selo nos leva ao final, mas com o quebrar
do sétimo selo, quando finalmente o livro pode ser aberto e seu conteúdo revelado, nada acontece (8:1). Não há
desastre. Enquanto, de acordo com o simbolismo apocalíptico, o livro não recebe mais menção nenhuma, o fato
de que nenhum conteúdo específico é dado ao sétimo selo sugere que tudo que se segue, começando com as
sete trombetas, constitui o conteúdo do livro em si. Com isto, começa a própria revelação da consumação.
A interpretação futurista moderada considera as sete cartas como dirigidas a sete Igrejas históricas que
representam a Igreja toda. Os selos representam as forças históricas, que levam ao final da história. Os eventos, a
partir do capítulo 7, são futuros e são o testemunho de Deus para a história humana. Podemos concluir que o
método correto de interpretar o livro é uma mescla dos métodos preteristas e futuristas; a Besta é Roma e também
o anticristo escatológico – e poderíamos acrescentar qualquer poder demoníaco que a Igreja tende a enfrentar em
toda a sua história. A Grande Tribulação é primeiramente um evento escatológico, mas inclui todas as tribulações
que a Igreja possa experimentar no mundo, sejam causadas por Roma no século I, ou por poderes malignos
posteriores. Esta interpretação é sustentada por vários fatos objetivos:
Faz parte da natureza apocalíptica de um escrito, que ele se ocupe primeiramente com a consumação
do propósito redentor de Deus e com o fim escatológico dos tempos. Este é o tema de Apocalipse.
(1:7)
Faz parte da natureza apocalíptica de um escrito referir-se simbolicamente a eventos históricos que
indicam e estão associados à consumação escatológica.
O livro dá a si mesmo o nome de profecia. E por natureza, a profecia lida com alguma luz do futuro
sobre o presente.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

Não é aqui o lugar de tratar detalhes teológicos, porém, devemos advertir contra certas interpretações
escatológicas dispensacionalistas. Contra a separação entre Israel e a Igreja, por exemplo, há várias objeções:
1) O plano de redenção é progressivo, isto quer dizer que há uma gradual evolução da revelação divina, que
resultou na revelação através de Cristo como máxima revelação (Heb. 1:1). Não há salvação, senão através
de Jesus, que morreu pelos judeus e gentios igualmente. Não há possibilidade de um outro plano redentor
para os judeus fora de Cristo.
2) O povo de Deus é um só. Jesus tirou a separação e uniu gentios e judeus na Igreja, a noiva de Cristo
(Ef.2:14-16). Uma distinção entre Israel e a Igreja leva a afirmações teológicas das mais absurdas, como
mostram as citações a seguir:
"É claro, porém, que enquanto a Igreja é a noiva, levarão também convidados na festa. João Batista é um
"amigo" do Noivo (Jo.3:29). Em Apocalipse 19:9 uma bênção é pronunciada sobre aqueles que são
convidados para as bodas do Cordeiro. Devemos lembrar que, apesar do fato de que todos os Santos do
A.T. e do NT. serão ressuscitados durante o arrebatamento, nem todos são parte da Igreja e
consequentemente da Noiva. Há diferença entre Israel e a Igreja". (H.C. Thiesse, Lectur insyst. Theology;
Eerdmans 1949 - p.455).
"A Esposa do Cordeiro aqui em Apoc. 19:7 é a noiva" (Apoc. 22:9), a Igreja identificada com o Jerusalém
celestial (Heb. 12:22,23), distinta de Israel, a "esposa" adúltera é rejeitada de Jahvé, que, porém, será
restaurada (Is.54:1-10; Os.2:1-17); identificada com a terra (Os. 2:23). Uma esposa perdoada e restaurada
não poderá ser chamada uma virgem (II Cor. 11:2,3) ou Noiva". (Scofield, p.1348)
"Durante algum tempo Israel era a esposa de Jahweh (Is.54:4-1), mas por causa de sua maldade foi
divorciada. Ela será tomada de volta no dia de seu arrependimento nacional, quando o Senhor vem... Como
já vimos, os 24 anciãos representam todos os remidos dos dois testemunhos. Mas aqui, isto é, em
Apocalipse 19, há uma divisão. A noiva, a Igreja, ocupa o seu lugar exaltado ao lado dEle, e os santos do
A.T. são os amigos do Noivo (João 3:29)" (AC Gaebclein. The Revelation Pub. Office of Our Hope, 1943-45,
p.1165).
Ottrman (The Unfolding of the A es. Off of Our Hope, nd p 420) fala de um “casamento duplo", um de Cristo
com a Igreja, outro de Cristo com Israel, e os convidados do primeiro é Israel, do segundo é a Igreja.

3) Conforme os dispenscionalistas, a Igreja será arrebatada antes da Grande Tribulação, e junto com a Igreja o
Espírito Santo será tirado da terra. Durante a Grande Tribulação haverá a pregação do "Evangelho do Reino".
Na verdade, o dispensacionalismo conhece quatro evangelhos.
i. O evangelho do Reino. Deus estabelece um Reino para Israel em termos políticos, materiais e
nacionais. Este evangelho foi pregado por João Batista e por Jesus no início de sua carreira,
exclusivamente a Israel.
ii. O evangelho da Graça. As boas Novas a respeito da salvação através da vida e morte do nosso
Senhor Jesus Cristo. Este evangelho foi pregado por Jesus no final de sua vida, quando via que seu
"Evangelho do Reino" estava sendo rejeitado pelos judeus e pelos apóstolos.
iii. O Evangelho Eterno, que é a continuação de Jesus a respeito do reino para Israel. Este evangelho
será pregado pelos Judeus salvos na Grande Tribulação.
iv. Meu Evangelho (de Paulo), que é o mesmo evangelho da graça, pregado por Jesus, enriquecido por
uma revelação adicional dada ao apóstolo Paulo a respeito da realidade até então revelada da
existência da Igreja.
Mas podemos nos perguntar:
Como se aplicariam as advertências de Gálatas 1:6 e II Cor. 11:4 à teoria dos quatro evangelhos?
Teria o apóstolo Paulo pregado um evangelho mais completo do que aquele pregado pelo próprio mestre?
(Veja-se a Teologia Paulina).
A definição de "evangelho do Reino de Deus” não está de acordo com aquilo que já está definido (Veja-se a
Teologia dos Sinópticos).
Esta teoria está de acordo com o plano progressivo de revelação?
Se a Igreja for tirada do mundo junto com o Espírito Santo, como alguém poderia ser salvo e nascer do Espírito
para ver o Reino de Deus?
Concluímos que na interpretação dispensacionalista faltam argumentos exegéticos e teológicos.

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

3. A TEOLOGIA DE APOCALIPSE
a) O Problema do mal
Apocalipse prevê um breve período de mal terrível na história. Como em Mt.24:15ss e II Tess.2:3ss. Um
personagem, inspirado e capacitado satánicamente, se levanta, desafiando Deus e exigindo adoração da parte do
homem. Ele perseguirá a Igreja, e estabelecerá um domínio mundial (Apc.l3:l-10). Suas finalidades serão
reforçadas por um falso profeta, que perverte religião em adoração da Besta. O falso profeta é capaz de combinar
poder político e econômico, para assim exercer um controle perfeito (13:11-18). Aqui encontramos a deificação do
estado, que domina até a adoração dos seus sujeitos. A civilização apóstata é descrita como Babilónia, a grande
meretriz, que seduziu até os reis da terra para se tornar contra Cristo e adorar a Besta.
Este intervalo breve (3:1-2 em 11:2, 14: 13,5 provavelmente simboliza um período muito curto de tempo)
conhecerá um martírio terrível. Um número grande de pessoas de muitas nações morrerá por lealdade ao
Cordeiro (7:9-17). Seu martírio é uma vitória (15:1-4). Quando se trata do destino eterno dos homens, martírio é
uma vitória.
Porém, a luta entre a Besta e o Cordeiro não é algo novo, nem é a mesma limitada ao final dos tempos. A
visão de Apocalipse 12 que descreve a última grande perseguição, é uma das visões mais importantes. João vê
as forças que operam no mundo espiritual. A Igreja é uma mulher enfeitada (Ap,12:l), simbolizando a Igreja
celestial, o povo ideal de Deus no céu (Gal.4:26), que não é nem Israel, nem a Igreja, mas inclui ambos, dando à
luz o Messias (12:2-5)ea Igreja na terra (12:17). As tentativas do dragão vermelho (Satanás) de destruir a mulher
representam a luta através dos séculos entre Satanás e o povo de Deus. Satanás não consegue destruir o
Messias (12:4,5). Ele mesmo é expulso de seu lugar num conflito espiritual, mostrado como uma luta entre Miguel
e o dragão (12:10-12). Esta vitória não é escatológica, mas refere-se à derrota de Satanás pela pessoa de Jesus e
os poderes do reino no meio dos homens (Lc.l0;17; cfr.Mt. 12:28-29). Por causa disto o dragão tenta mais ainda
destruir a mulher.
Isto mostra a inimizade constante entre Satanás e o povo de Deus, inimizade que se expressa
historicamente (12:7) É o dragão que chama a besta que sobre do mar para destruir o povo de Deus. A besta é
composta dos quatro animais de Dan.7 (13:2). Isto sugere que a perseguição do final dos tempos já se manifestou
através dos séculos. A única novidade, no final dos tempos, é a intensidade; mas Jesus falou acerca do mesmo
(Mt.24:21,22).
O medo do sofrimento que domina as Igrejas evangélicas hoje em dia esqueceu o ensinamento que a Igreja
sem eu caráter fundamental sempre é uma Igreja de mártires. (At. 1:22). A verdadeira vitória consiste em vencer a
Besta por lealdade a Cristo até na morte (15.12).

b) A Ira de Deus
Apocalipse mostra algo, que não é ensinado em outras partes da Bíblia: o tempo da grande Tribulação será
o tempo que deus julga antecipadamente os homens. Isto é o significado das sete trombetas e sete taças, que
representam simbolicamente alguns julgamentos que Deus exercerá nas horas finais da luta entre o Cordeiro e o
Dragão. As descrições aqui são altamente simbólicas; o julgamento é uma antecipação da ira de Deus (16:1). Três
fatos devem ser notados:
1. As calamidades são destinadas aos homens que tem a marca da Besta e que adoraram a sua imagem (16:2).
O homem terá que decidir. Há um martírio para aqueles que seguem o Cordeiro, e a ira de um Deus santo
para aqueles que se submetem à Besta.
2. As pragas têm como base a misericórdia de Deus. Eles devem levar o homem a arrependimento, antes que
seja tarde demais (9;20; 16:9-11).
3. Há um grupo de selados que não sofrem por causa da ira de Deus. Antes que a trombeta seja tocada, João vê
uma multidão de 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel sendo selada. (7:1-8). Estes são selados para
serem protegidos contra as pragas que Deus derramará sobre a Besta e seus seguidores (7:3-9,4). O selo de
Deus ou a marca da Besta distinguirão os homens nesta última hora, se estão ao lado de Deus ou de
Satanás.
Muitos comentaristas vêem nesta multidão selada a salvação final de Israel, que Paulo descreve em Rom.ll
(veja também Mt.l0;23; 23:39). Assim pode parecer exceto um fato: estas 12 tribos não podem ser o Israel literal,
porque não são as 12 tribos do Israel veterotestamentário. Há 3 irregularidades:
(a) Judá é mencionado primeiro, ignorando a sequência do V.T.

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(b) Dan. É omitido (enquanto, é a primeira tribo mencionada na visão que Ezequiel tinha do Reino em
Ez.48:l.
(c) José é mencionado no lugar de Efraim.
Parece que João quer indicar através destas irregularidades que Israel aqui não é o Israel literal,. João tem
um conceito de um Israel espiritual. Duas vezes ele fala de pessoas que dizem que são judeus e não o são (2:9;
3:9). São judeus por nascimento, mas não espiritualmente. Um verdadeiro judeu não o é religiosamente ou
racialmente, mas por causa de reconhecer Cristo.
Com esta chave podemos dizer que as doze tribos em Apc..7 é o Israel verdadeiro, os eleitos de Deus,
sejam judeus ou gentios. O povo de Deus é selado nestes últimos dias para não sofrer a ira de Deus sobre a
Besta e seus seguidores. Sem dúvida João lembrou da marca do sangue nos portais das casas dos israelitas em
Egito. O povo passa na tribulação, mas não sofre a ira de Deus. O dois grupos de Apoc.7. descrevem o povo de
Deus de duas perspectivas diferentes. Da perspectiva divina é um número ideal - 12.000 de cada uma das 12
tribos. O povo de Deus será completo e será guardado seguramente através deste tempo da ira.
De perspectiva humana a Igreja é uma multidão sem número de todas as nações que sofrerão martírio, mas
surgirão da tribulação triunfante e estarão diante do trono de Deus em vitória, porque seus vestes são lavados no
sangue do Cordeiro (7:14).

c) A Vinda do Reino
A vinda do Reino significa a destruição do mal e a vida eterna. A destruição do mal ocorrerá em várias
etapas. A finalidade da Segunda vinda (19:11-16) é a destruição do mal. A vinda é descrita em termos de guerras
daquela época. Apesar do exército, aparentemente de anjos, a vitória será sua.
Primeiro ele vence a Besta e o falso Profeta e seus seguidores (19;17-21). Eles são lançados no lago de
fogo. Depois o dragão é vencido. Ele não é lançado no lago de fogo: o Vencedor desaparece, e um anjo vem em
seu lugar, colocando o dragão no abismo, para um período de 1.000 anos. No final deste período ele é solto, e
engana homens a se revoltarem contra Cristo e seus santos. Finalmente ele é vencido, e lançado no lago de fogo,
junto com a Besta e o Falso Profeta. Também o aspecto positivo da vinda do Reino ocorre em diversas etapas.
Primeiramente há um reino eterno, com um novo céu e uma nova terra. Cada um destes aspectos é precedido por
uma ressurreição. A ressurreição antes do milênio é chamada a "primeira ressurreição"(20:5). Alguns
comentaristas acham que esta ressurreição é somente para os mártires indicados como "aqueles aos quais foi
dado o poder de julgar" são todos os santos de Deus. A promessa que os santos participarão no domínio de Cristo
é encontrado frequentemente na Escritura (Dan.7:9; 7.22; Mt. 19:28; I Cor.4:8; 6:3; II Tim.2:12; Apoc.2:26,28;
3:12,21; 5:9,10).Em seguida tem um segundo grupo, os mártires, especialmente os da última tribulação, e um
terceiro, daqueles que não tinham adorado a Besta ou sua imagem e não tinham recebido a marca nas suas
testas ou mãos. O syntaxis em grego mostra claramente estes três grupos, que reinarão com Cristo durante o
milênio.
A primeira ressurreição é parcial (20.5). A Segunda ressurreição ocorre no final do milênio (20:11-15)
seguida pelo juízo final. Na Segunda ressurreição todos que não participaram da primeira ressurreição, junto com
aqueles que morreram durante o milênio, (20.13 - durante o milênio haverá morte) ressurreição. A base do
julgamento é dupla: obras e o livro da vida.
A doutrina do milênio tem sido rejeitado por muitos, mas não em base exegética. Apenas em base teológica.
Qual seria a necessidade de um reino temporário? O NT. não nos fornece uma resposta, mas não existe objeção
contra um reino parcial e temporário. Nós mesmos experimentamos um reino parcial (Fp.2:9). Jesus reinará até
subjugar todos os inimigos (I Cor.15.24 SS). O MILÊNIO É O TEMPO EM QUE O DOMÍNIO DE Cristo se tornará
visível. Além disto, o milênio provará que, mesmo depois de um período grande de justiça a prosperidade, os
homens ainda darão ouvidos à Satanás. Este fato justificará o julgamento de Deus e a condenação eterna de
todos aqueles que não são de Deus. (Cfr. Rom.3.19 com 3.4; II Tess. 1:5,6; II Tim. 4.8; Apoc. 16:5,7; 19:2;
IIPed.2:23). O estado final do Reino de Deus é um novo céu e uma nova terra (21: lss). O A.T. descreve o Reino
de Deus em termos de uma terra remida (Is. 11:6-9; Joel.3:18; Amós 9:13-15). O NT. continua neste ensino: Jesus
falou da regeneração da terra (Mt. 19:28) e Paulo fala da redenção da criação (Rom.8:20-21).
Deus habitará com os homens para sempre (Apc.21:3), o que é o tema central de todas as alianças através
da Bíblia com Abraão (Gen.l7:7), Moisés (Ex.6:7), Davi (II Sam.7:24ss) e a nova aliança (Jer.31:l; 33: Ez.37:23;
3N6:28).
Assim termina a Bíblia, descrevendo a sociedade remida numa terra nova, purificada de todo mal, com
Deus habitando no meio de todo seu povo. Isto é o objetivo de toda a história da salvação.

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO – p.74

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