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Obra e Vida de Pedro Nunes

"O século XVI pode ser chamado na história da


Matemática ibérica o século de Pedro Nunes.
Portugal teve neste século a hegemonia das
Matemáticas na nossa Península, não porque
tivesse muitos cultores destas ciências, mas porqu e Pedro Nunes por si
só vale por muitos. Nos variados ramos da referida ciência de que tratou,
nenhum outro matemático português ou espanhol o igualou".

Francisco Gomes Teixeira, Elogio Histórico de Pedro Nunes in PANEGÍRICOS E CONFERÊNCIAS (1925)

Pedro Nunes (1502-1578) nasceu em Alcácer do


Sal que nessa época era muito importante,
sendo um destacado centro de comércio, onde
casou o Rei D. Manuel I.

Pedro Nunes estudou na Unive rsidade de Salamanca, em


1522. De 1530 a 1533 ensinou, na Universidade de Lisboa,
disciplinas como Filosofia, Lógica e Medicina, mas cedo
abandonou estas disciplinas para se dedicar à Matemática,
Física e Náutica.

Foi professor de
Matemática na
Universidade de
Coimbra, instituição que desfrutava de uma boa
reputação na Europ a e aí ministrou ensinamentos
de Elementos de Geometria de Euclides, Aritmética,
Cosmografia, Mecânica de Aristóteles e parte da
obra Almajesto de Ptolomeu.

Em 1529 foi nomeado, por D. João III, cosmógrafo do reino e em 1547 cosmógrafo-mor do
reino.

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Os navegadores portugueses, que navegavam em caravelas por mares nunca dantes
navegados, tinham à sua frente um período
histórico e de desenvolvimento que até então
não tinham vivido. Estava -se em pleno apogeu
dos Descobrimentos Portugueses e Pedro
Nunes foi um vulto de ciência, sendo, sem
dúvida, uma referência na Europa como
matemático e homem de ciência.

É considerado o maior matemático da Península Ibérica do século XVI. Esta apreciação é


feita com base na opinião de "genialidade" e "inovação" de outros cientistas da época e de
épocas vindouras. Na sua obra, reflexo da época histórica em que viveu, desenvolveu
soluções para diversos problemas inerentes à Arte de Navegar, tendo dado um valioso
contributo para a Náutica Astronómica e para a Matemática, facto reconhecido mesmo pelos
seus críticos.

São exemplo desses elogios:

“O maior matemático de quantos houve nos nossos tempos.”

Simón Tobar, importante cosmógrafo espanhol

“Nunes foi um dos algebristas eminentes do século XVI. Entre os grandes m atemáticos que
separam Stifel e Cardan, de Viéte, brilha em primeiro lugar. É uma glória de Portugal .”

Padre H. Bosmans, Coimbra, 1908

Os Mestres de Pedro Nunes

Arquimedes (287-212 a.C.) nasceu em Siracusa, físico e


matemático famoso, escreveu uma obra notável e surpreendente
pela sua actualidade. A importância científica da sua obra levou à
edição de “As Obras de Arquimedes” que teve uma grande
importância na História da Ciência, pois levou ao ressurgimento
de estudos de Mecânica, no séc. X VI.

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Euclides

Euclides (306-238 a.C.) nasceu na Síria, ensinou em Alexandria e


foi responsável pela criação da mais importante escola de
matemática da antiguidade.

A sua obra “Elementos de Euclides” é a mais importante obra na


História da Matemátic a cujo impacto durou mais de 2000 anos.

Ptolomeu

Ptolomeu (90-168 d.C.) foi um grande astrónomo da Grécia,


autor de uma importante enciclopédia astronómica conhecida
por Almagesto.

A sua obra “Geografia” foi uma das mais importantes obras de


Geografia reconhecida no Renascimento e bem conhecida em
Portugal.

Estas obras tornaram -se símbolos dos homens do saber.

Obra de Pedro Nunes

A obra de Pedro Nunes é composta por traduções anotadas e


textos originais.

Em 1537, publica a importante obra "Tratado da Sphera",


que integrava três obras traduzidas do latim:

“Tratado da Esfera” do monge inglês Sacrobosco

“Teoria do Sol e da Lua” de Purbachio

“Livro I da Geografia ” de Ptolomeu que enriqueceu com


observações da sua autoria .

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e duas obras originais:

“Tratado em defensam da carta de marear” , onde Pedro Nunes apresentou o processo para
determinar a declinação magnética, apoiado em observações solares e o processo para
determinação de latitudes baseado nas alturas extrameridianas do Sol.

“Tratado sobre certas dúvidas de navegação” que contém respostas dadas a dúvidas
colocadas por Martim Afonso de Sousa, em 1533, aquando do seu regresso de uma viagem
ao Brasil.

Pedro Nunes ocupa-se das célebres linhas de rumo, loxodromias, que vieram a ter grande
reflexo na Cartografia.

“De Crepusculis”, considerada a sua obra -prima, foi publicada


em 1542 e é um tratado de astronomia esférica. Estuda o
problema da variação da duração do crepúsculo em função da
latitude do lugar e da declinação do Sol.

É neste livro que Pedro Nunes descreve o Nónio.

“De erratis Orontii Finae ”

Publicada em 1546, é a única obra de polémica de Pedro Nunes.

Trata-se de uma crítica a um matemático francês, Oronce Finé,


professor do Colégio Real de Paris.

Pedro Nunes demonstra de uma forma rigorosa a não veracidade


das teses de Oronce Finé.

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“Opera”

É considerada um dos trabalhos mais influentes e conhecidos de Pedro Nunes.

Publicada em Basileia, em 1566 Publicada em Coimbra , em 1573,integra:

De Crepusculis e De erratis Orontii Finae

“Libro de Algebra en Aritmetica y Geometria ”

Esta obra foi publicada em 1567 e dedicada ao Cardeal Infante


D. Henrique.

Pedro Nunes trata assuntos dedicados à Álgebra e preocupa-se


com o rigor e a clarividência dos conceitos.

Nesta obra, Pedro Nunes determina uma quantidade


desconhecida, explicita métodos para a resolução de equações,
estuda o cálculo al gébrico e as operações com polinómios.

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Pedro Nunes trabalhou de uma forma muito estreita com os navegadores e pilotos,
preocupado que estava em resolver problemas que estes sentiam na navegação, sugeriu -
lhes técnicas de observação, criou instrumentos de medição da altura de astros ou de
medição da declinação magnética.
No entanto foi alvo de severas
críticas por parte de alguns deles.
Segundo Pedro Nunes os
marinheiros não lhe perdoavam o
facto de, sem nunca ter navegado,
intervir nos problemas da náu tica,
reformulando as soluções por eles
protagonizadas, interrogando -se
sobre a validade das práticas
seguidas.

Um dos problema que se colocava à navegação era determinar rigorosamente a posição do


navio. Precisavam conhecer a latitude e longitude.

Localização de um Ponto no Globo

Para localizar um ponto à superfície do mar é preciso conhecer as


suas coordenadas geográficas:

A latitude

A longitude

Mas o que são estas coordenadas e como se calculam?

A latitude de um lugar é a medida do


ângulo que se percorre quando se vai do
equador até ao paralelo que passa por
esse lugar, perpendicularmente ao
equador. Esse ângulo é igual ao ângulo
que a Estrela Polar faz com o
horizonte, a qualquer hora.

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Determinar a latitude é simples . À noite, no hemisfério Norte, a Estrela Polar dá o valor da
latitude directamente. De dia a altura do Sol, após uns cálculos, dá o valor dessa
coordenada.
Para determinar a latitude os marinheiros tinham que fazer uma de duas operações :

medir o ângulo que o Sol faz com o horizonte ao meio-dia solar;


medir o ângulo que a Estrela Polar faz com o horizonte.

Precisavam de usar instrumentos de medição.

Longitude de um lugar

A longitude de um lugar é a medida do arco que se


percorre quando se vai do meridiano de
Greenwich até ao meridiano de lugar.

A determinação da longitude de um lugar


baseia-se no facto de a Terra dar uma volta
completa em torno do seu eixo em
aproximadamente 24 horas.

Como a Terra faz uma rotação completa sobre si mesma em 24 horas, isto é roda 360 graus
em 24 horas, significa que descreve 15º numa hora. Por cada hora de diferença entre o
ponto onde estamos e do ponto de referência, são percorridos 15 graus para este ou para
oeste.

Para se determinar a longitude de um lugar, não basta definir os meridian os, são
necessários instrumentos para o fazer, nomeadamente é preciso medir o tempo, ou seja, é
preciso um relógio.

As dificuldades encontradas por perda de


rumo e de naufrágios foram tantas que, em
1598, o rei Filipe III de Espanha ofereceu
um prémio para quem descobrisse um
processo prático de determinar a longitude.

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A invenção do relógio que não se desacertava nos navios foi feita pelo artesão inglês John
Harrison, em meados do século XVIII, e o primeiro teste náutico foi efectuado em 1736,
numa viagem para Lisboa. A invenção de John Harrison só foi reconhecida em 1773, quando
recebeu o prémio do Acto das Longitudes.

Só depois de 1773 é que se tornou possível determinar com

precisão longitudes no mar. Até lá, a navegação era feita com

grande risco, tendo ficado na história vários relatos de acidentes

por perda de orientação. Muitas vezes, por segurança, os

navegadores seguiam rotas ao longo de paralelos, mantendo sempre a mesma altura do Sol
ao meio-dia. Foi o caso de Cristóvão Colombo que, e m 1492, chegou à América navegando
sempre ao longo de um paralelo.

Muitos eram os instrumentos utilizados, o astrolábio, o quadrante e a balestilha permitiam


determinar alturas de astros, o nocturlábio e o relógio de sol permitiam determinar a hora, a
ampulheta determinava intervalos de tempo e o globo, o compasso e os mapas permitiam
localizar a posição do navio na Terra.

As viagens comerciais eram muitas e p ara terras distantes. Era necessário garantir a
chegada a bom porto das caravelas, evitar os naufrágios.
Estas necesidades tornavam urgente o estudo do problema
e o desenvolvimento de utensilagem náutica.

É assim que Pedro Nunes assume um papel de destaque .

A sua vasta formação teórica e preocupação com o rigor

das medições incentivaram -no a inventar vários


instrumentos astronómicos e métodos gráficos para
resolução de alguns problemas.

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Realçamos o anel náutico, o instrumento de sombras e o nónio

O anel, de secção circular, tem lateralmente dois orifícios muito estreitos sulcados a igual
distância da argola de modo que a medida do arco BC seja de 90º.
No seu interior existe uma escala de 0º a 90º, marcada na semicircunferência, como se vê
na figura.
Sol
De acordo com o sentido da g raduação, o anel náutico
mede a altura do Sol ou a distância zen ital. No caso da
figura, o anel dá-nos, por leitura directa, a altura do Sol. Horizonte C
B 0º
Para conhecer essa coordenada basta suspender o anel
pela argola e rodá-lo de modo que os raios solares passem O

pelo orifício B incidindo sobre um ponto situado na escala A


90º
graduada e ler o valor aí registado. Essa é a altura do Sol.

O instrumento de sombras é simples


e muito engenhoso permite medir a
altura angular do Sol no plano
horizontal, através da sombra de um
dos catetos de um triângulo
rectângulo isósceles projectada sobre
uma recta. É muito fácil de construir.

A figura que observam é uma estilização do instrumento de sombras.

Sol

O triângulo [BDS] é rectângulo e isósceles. O


A ângulo recto tem vértice em B.
T
S TT' é tangente à circunferência no ponto B. O
E' D
E arco AB é graduado de 0º a 90º.
Provada a igualdade dos triângulos EBS e EBD
B
resulta que a altura angular do Sol que é
C
dada pelo ângulo SEB, é igual à medida do
arco AE’.
T'

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Para se determinar a altura do Sol é necessário orientar o instrumento. Primeiro tem que se
colocar a tábua na posição horizontal e rodar a peça até que a sombra do cateto SB
(vertical) coincida com a tangente TT’. Nessa altura regista -se o valor do ângulo ADE’ que é
o valor da altura angular do Sol.

Estes instrumentos foram experimentados com êxito por D. João de Castro nas suas viagens
a Goa e ao Mar Vermelho que, perante resultados tão satisfa tórios, não se cansou de elogiar
o mestre segundo descreve na sua obra “Roteiro de Lisboa a Goa” .

As dificuldades da época provocadas pelo atraso da técnica levavam a que a menor divisão
na graduação dos instrumentos náuticos fosse o grau, excepcionalmen te, o meio grau.
Muitas vezes os cálculos eram feitos por estima o que tornava a navegação incerta (muitos
foram os naufrágios).
Pedro Nunes sensível a este problema e de espírito rigoroso inventou o nónio.

Fig. 1 Fig. 2

Fig. 1
Quadrante fabricado em 1595, sem a medeclina e a bússola, único instrumento com o nónio de Pedro Nunes que
existe, Museu da História da Ci ência, Florença.

Fig. 2
Reconstituição do quadrante com nónio de Pedro Nunes, a réplica encontra-se exposta ao público no Museu de
Marinha, de Lisboa.

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Com a criação do nónio, Pedro Nunes permitiu que se abandonasse a leitura por estimativa
cujo resultado dependia do critério do medidor e fosse possível fazer leituras precisas de
fracção do grau. Pedro Nunes refere o nónio na Proposição III do seu livro De Crepusculis,
em 1542, de enunciado: “um instrumento que seja muito apropriado às observações dos
astros, e com o qual se possam determinar rigorosamente as respectivas alturas”.

O processo de construção que Pedro Nunes concebeu para o Nónio, adaptado a um


astrolábio, foi dividir um dos seus quadrante, graduado de 0º a 90º, em 44 quadrantes
interiores e concêntricos. A escala exterior era dividida em 90 partes iguais, a escala que se
segue em 89 partes, a seguinte em 88 e assim sucessivamente até que a última escala foi
dividida em 46 partes. O número de ordem (89, 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90

88, 87, …) foi escrito lateralmente. 80


85

As partes em que cada escala foi dividida foram 75 80

assinaladas e foi marcada a numeração apenas 70


75

de 10 em 10 (ou de 5 em 5) divisões. 39 65
70

Para simplificar a construção, o quadrante 60


65

abaixo representado foi dividido em apenas 10 55


60

50
escalas concêntricas (90, 85, 80, …, 45) e em 55
45
50
cada uma destas escalas foi marcada a 40
45
35
numeração de 5 em 5 divisões, conforme a 30
40

figura. 25
30
35

20
15
Representando por: 0 5
10
20
25

15
0 10
5

n – número de partes em que foi dividido o quadrante (em que n é maior ou igual a 45 e
menor ou igual a 90);
p – número de divisões intei ras por onde passa o fio de prumo do quadrante (medeclina no
caso do astrolábio);
A – ângulo referente à altura da estrela que se pretende observar.

Atendendo à proporcionalidade existente podemos dizer que:

A p

90 n

Exemplo:
Vamos medir a altura angular de uma estrela. Ao fazermos a pontaria com o instrumento
para essa estrela verificamos que o fio de prumo do quadrante passa pela 39ª divisão da
escala que tem 60 por número de ordem. Estabelecendo a proporção:

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A 39 90* 39
  A  A  58,5
90 60 60
podemos dizer que o valor da altura da estrela é 58º 30’.

O nónio por ele concebido foi adaptado e utilizado na construção de dois grandes
quadrantes pelo astrónomo Tycho Brahe (1546 -1601) que tinha uma grande preocupação
em fazer observações astronómicas sistemáticas e com muito rigor.
Tycho Brahe convidou Kepler (1571 -1630) para trabalhar com ele e
legou-lhe o seu património. Deste modo, Kepler pôde analisar as
divergências entre as posições observadas e as previsões teóricas, o que
lhe permitiu, em 1604, publicar as duas primeiras leis referentes ao
movimento dos planetas. Ultrapassado que estava o problema da
medição rigorosa de grandezas e do seu registo sistemático, foi possível
o aparecimento de novas leis e dar um novo rumo à Ciência.

Pedro Nunes foi um homem que interligou a observação e a teoria, a ciência e a técnica e, ,
a melhor homenagem que lhe podemos prestar é divulgar a sua obra científica, é estudar e
discutir problemas teóricos que ocuparam a sua mente é aprender a constru ir e a manusear
os instrumentos por ele inventados.

Sítios em português

http://scientia.artenumerica.org/noniana/noniana.html

http://purl.pt/40/1/pn -obras.html (Biblioteca Nacional)

http://pedronunes.cien ciaviva.pt
http://nautilus.fis.uc.pt/personal/vieira/nav.htm

Sítio em inglês

http://www-groups.dcs.st-andrews.ac.uk/~history/Mathematicians/Nunes.html

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