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César Augusto Costa

Cálculo C
2ª edição

Brazcubas

Mogi das Cruzes - SP

2018
Av. Francisco Rodrigues Filho, 1233 - Mogilar

CEP 08773-380 - Mogi das Cruzes - SP

Reitor: Prof. Maurício Chermann

EQUIPE PRODUÇÃO CORPORATIVA

Gerência: Adriane Aparecida Carvalho

Coordenação de Produção: Diego de Castro Alvim

Coordenação Pedagógica: Karen de Campos Shinoda

Equipe Pedagógica: Alessandra Matos, Graziela Franco,

Rúbia Nogueira, Vania Ferreira

Coordenação Material Didático: Michelle Carrete

Revisão de Textos: Adrielly Rodrigues, Aline Gonçalves,

Claudio Nascimento, Telma Santos

Diagramação: Amanda Holanda, Douglas Lira, Fábio Francisco,

Nilton Alves, Priscila Noberto

Ilustração: Everton Arcanjo, Noel Gonçalves

Impressão: Grupo VLS / Gráfica Cintra

Imagens: Fotolia / Acervo próprio

Os autores dos textos presentes neste material didático assumem total

responsabilidade sobre os conteúdos e originalidade.

Proibida a reprodução total e/ou parcial.

© Copyright Brazcubas 2017


Sumário

Sumário

Apresentação 5
O Professor 7
Introdução 9

1Unidade I
Funções de várias variáveis 11
1.1 Visão Geral 11
1.1.1 Curvas de Nível 14
1.1.2 Limite e continuidade 16
1.2 Funções compostas 22

Referências da unidade I 23

2Unidade II
Derivadas parciais 25
2.1 Ampliando o conceito de derivada 25
2.1.1 Interpretação geométrica das derivadas parciais 30
2.2 Diferenciabilidade e derivada total 33
2.3 A regra da cadeia 36
2.3.1 Derivada implícita 38
2.4 Derivadas direcionais 39
2.5 Plano tangente e a normal à superfície 42
2.6 Uma aplicação simples à engenharia 43

Referências da unidade II 46

3Unidade III
Equações diferenciais 47
3.1 O que são EDOs?  47
3.2 Equações diferenciais de 1ª ordem 48
3.2.1 Equações diferenciais homogêneas lineares 53
3.2.2 Equações diferenciais lineares 54
3.2.3 Aproximação 58
3.3 Equação homogênea de 2ª ordem 63
3.3.1 Equação linear de 2ª ordem 66
3.4 Aplicações à engenharia 69
3.4.1 Vibração de um prédio sob uma força externa 69
3.4.2 Circuitos elétricos 70
3.4.2.1 Circuitos RC 70
3.4.2.2 Circuito RLC em série 71

Referências da unidade III 72

4Unidade IV
Integrais múltiplas 73
4.1 Integrando conceitos 73
4.2 Integrais duplas 76
Sumário

4.2.1 Integrais duplas em coordenadas cilíndricas  82


4.2.2 Momento e centro de massa 86
4.2.3 Área superficial 88
4.3 Integrais triplas 89
4.3.1 Integrais triplas em coordenadas cilíndricas e esféricas 92
4.4 Mudanças de coordenadas e o Jacobiano 96

Referências da unidade IV 101


Apresentação

Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Embora, por muitas vezes incompreendida, a Matemática é a principal ferra-


menta por trás da construção do conhecimento lógico e da solução de problemas do
nosso cotidiano. Mas, como estabelecer a ponte entre o que aprendemos na teoria
matemática e em suas aplicações na ciência e na engenharia?

A profissão de engenheiro tem como uma de suas principais funções a capaci-


dade de solucionar problemas. Neste contexto, a Matemática lhe dará habilidade de
modelar e codificar situações reais e até mesmo cotidianas permitindo, através do
uso de seus conceitos e técnicas, a interpretação de resultados para a solução das
mais diversas situações.

O conceito inicial de derivada de funções de uma variável nos leva a compreen-


são do conceito de taxas de variação. Um conceito útil quando estudamos na Física,
por exemplo, grandezas como a aceleração que representa uma variação da velo-
cidade no tempo. Já o estudo das integrais nos permite observar, em um domínio
pré-estabelecido, o comportamento global da modelagem de um sistema.

Neste livro estudaremos estas ferramentas aplicadas a funções de várias va-


riáveis. Estas funções são, comumente, utilizadas em cálculos de volumes, pressão
de um gás, comportamento de um circuito elétrico, balanceamento de forças em
estruturas da construção civil etc.

Assim, apresentaremos novos conceitos como: derivadas parciais, que repre-


sentam a taxa de variação de uma função dependente de várias variáveis indepen-
dentes; e o de integrais múltiplas que permite o cálculo de volumes, forças resultan-
tes sobre uma superfície etc.

Além disso, teremos o conceito de equações diferenciais, ou seja, equações nas


quais a incógnita é uma função apresentada sob a forma de suas derivadas. As equa-
ções diferenciais são aplicadas nas mais diversas áreas desde a física até outras ativida-
des sociais ou humanas. Num circuito elétrico, por exemplo, elas descrevem a equação
da soma das quedas de tensão em indutores e resistores. Em um estudo populacional,
auxiliam na avaliação do crescimento ou decrescimento de uma população.

As aplicações são diversas e as possibilidades são infinitas mas, para utilizá-las


com sabedoria e coerência, é preciso compreender a teoria matemática destes con-
ceitos.

5
Apresentação

Aqui você aprenderá sobre os principais conceitos do cálculo de funções de


várias variáveis não só do seu ponto de vista teórico, você poderá, também, observar
sua aplicação através de exemplos relacionados às Engenharias Elétrica e Civil.

Que tal começarmos já?

Bons Estudos!

Objetivos da Unidade:

• Estudar as características de funções de duas ou mais variáveis;

• Calcular o limite e estimar a continuidade de funções com mais de


uma variável;

• Conhecer superfícies quádricas e suas equações características;

• Entender a relação entre as várias variáveis de uma função pelas


suas derivadas parciais;

• Aplicar conceitos de integrais múltiplas para o cálculo de volumes e


probabilidades;

• Fornecer ferramentas para modelagem matemática de problemas


através de equações diferenciais ordinárias.

Competências e Habilidades da Unidade:

• Interpretação da representação do domínio de funções com várias


variáveis;

• Compreensão de gráficos de funções de duas variáveis;

• Entendimento da noção de limite e continuidade de funções de vá-


rias variáveis;

• Capacidade de modelar matematicamente problemas do cotidiano


da Engenharia.

6
O Professor

O Professor

Prof. César Augusto Costa

Graduado em Matemática pela Universidade do


Planalto Catarinense (1999), mestre (2002) e doutor
(2005) em Astrofísica pelo Instituto Nacional de Pes-
quisas Espaciais. Tem experiência nas áreas de Física
e Matemática, com ênfase em Modelagem Matemá-
tica, Análise e Aquisição de Dados, e Estatística Apli-
cada. Realizou pós-doutorado (2008 - 2012) no LIGO
(Laser Interferometric Gravitational Observatory) e na
LSU (Louisiana State University) em Baton Rouge e par-
ticipou da primeira detecção de ondas gravitacionais,
pela qual recebeu vários prêmios acadêmicos.

7
Introdução

Introdução

Na Análise Matemática e Aplicações em Geometria, Matemática Aplicada, En-


genharias, Ciências Naturais, Economia etc., uma função de várias variáveis ou fun-
ção real multivariada é uma função com mais de um argumento.

Até agora, nas disciplinas de Cálculo, estávamos utilizando funções com uma
única variável, do tipo . A partir de agora, começaremos a introduzir funções
de várias variáveis, nas quais as funções terão a forma , podendo ter
duas ou mais variáveis.

A ênfase neste tópico é especialmente importante para estudantes de En-


genharia. Esta disciplina visa aprofundar o entendimento conceitual e a intuição
geométrica para ideias chaves do Cálculo de várias variáveis. Este aprofundamento
fornecerá o conhecimento que o estudante precisará para modelar e solucionar
matematicamente a maior parte dos problemas que encontrará no dia a dia de sua
carreira como engenheiro.

Um pré-requisito para esta disciplina seria uma boa base no Cálculo de uma
variável e em Geometria Analítica. Então, vale a pena dar uma boa revisada nos con-
ceitos vistos nos Cálculos A e B, e sua relação com a Geometria Analítica. Para tanto,
sugiro uma boa releitura do volume 1 do livro “O Cálculo com Geometria Analítica”
de Louis Leithold (mais informações nas referências da Unidade I).

Começaremos este livro didático introduzindo os conceitos necessários para


entender e manipular funções de várias variáveis, na Unidade I. Lá aprenderemos
como determinar o domínio de funções com duas ou mais variáveis. Utilizaremos
normalmente funções com duas variáveis por serem mais fáceis de serem visua-
lizadas, mas você verá que facilmente os conceitos podem ser extrapolados para
quantas variáveis se façam necessárias.

Já na Unidade II, nos ocuparemos das relações entre a função de várias variá-
veis e as suas variáveis de forma independentes. Através das derivadas parciais ve-
remos como é a inclinação local, com relação a cada um de seus eixos coordenados,
de uma superfície gerada por uma função de várias variáveis.

Mudamos um pouco a ordem costumeira encontrada na literatura, e na Uni-


dade III trataremos de uma das ferramentas mais úteis na vida cotidiana de um
Engenheiro, as Equações Diferenciais Ordinárias (EDOs). As EDOs são equações que
envolvem derivadas ordinárias, em oposição às derivadas parciais. As EDOs mode-

9
Introdução

lam sistemas físicos corriqueiros na Engenharia Elétrica e Civil, como circuitos elé-
tricos e deslocamento de vigas, por exemplo. Sendo uma ferramenta fundamental
para a atividade do engenheiro

Finalmente na Unidade IV introduziremos o conceito de integrais múltiplas,


por considerarmos que elas estão intimamente relacionadas às derivadas parciais
e, portanto passam a ser uma ferramenta importante para a solução de equações
diferenciais envolvendo várias variáveis.

Dada à compacidade deste material tentaremos ser sucintos, e nos ateremos


aos pontos que julgamos ser mais importantes para o conteúdo desta disciplina.
Você deve ter em mente que este não deve ser o único material de estudo e que
deve explorar a disciplina nos livros referenciados. Lá você encontra mais exemplos
e casos particulares que devem ser compreendidos.

Espero que você aprecie este livro que foi feito com carinho para guiar seus
estudos. O Cálculo C será uma importante ferramenta de trabalho cujo domínio fará
de você o excelente profissional.

Aproveite e sucesso!

10
Funções de várias variáveis unidade I

1 Unidade I

Funções de várias variáveis

Fonte: <http://www.princeton.edu/~oa/manual/images/colorfront.jpg>. Acesso em: 10/05/2017.

1.1  Visão Geral

Nas disciplinas anteriores de Cálculo estávamos sempre ocupados com fun-


ções que mapeavam um número real em um número real, ou seja, . Isto
significa que um único número real aplicado à função nos retornaria um único
número real , o que chamávamos de função real de uma variável.

Agora vamos estender todos os conceitos utilizados no Cálculo para funções


com várias variáveis, assim irá mapear vários números em um único número tam-
bém real, ou seja, . Isto significa que n números reais serão mapeados em
um único número também real através de uma função, .

Vamos começar por e, à medida que formos avançando, estenderemos


os conceitos para ; de forma geral, os conceitos que apresentaremos esten-
dem-se a todos os valores de n.

Uma função mapeia um par de valores em um único valor real


, ou seja, , como mostra a Figura 1.1. Assim, uma determinada região do
plano será mapeada em um dado intervalo de valores sobre a reta real.

11
Unidade I Funções de várias variáveis

Figura 1.1 - Função

Fonte: Elaborada pelo autor.

Em geral, este mapeamento de duas variáveis em uma terceira variável tem


como resultado uma superfície tridimensional. Assim, o sistema de coordenadas tri-
dimensional é uma forma conveniente de visualizar tais funções, e as superfícies
delas emergentes.

Dica de Leitura:

No decorrer do conteúdo deste livro utilizarei o Geogebra, disponível


em: <www.geogebra.org>, para representar as funções, domínios, e
demais gráficos. O Geogebra é um aplicativo educacional multiplata-
forma livre que reúne várias ferramentas matemáticas para o Cálculo,
Geometria etc., muito úteis e fáceis de programar. O código fonte (ar-
quivos figura_X.X.ggb) de todas as figuras apresentadas neste material
estão disponibilizados na Midiateca. Utilizando o aplicativo permitirá
que você visualize e manipule as figuras e propriedades apresentadas
durante a disciplina.

Exemplo 1.1

Considere , apresentada na Figura 1.2. Escrevendo-a


mos,
como , reconhecemos a mesma como um plano. Pode
-
então, pensar em e como variáveis independentes e em z como a variá
vel dependente delas.

12
Funções de várias variáveis unidade I

Figura 1.2 - Representação gráfica de

Fonte: Elaborada pelo autor.

Cada ponto no plano , ao qual estamos habituados, é mapeado em um


ponto onde, é claro, . Assim, o domínio D de f é o conjunto de todos
os pares e a imagem Im de f são os valores de .

Algumas funções terão restrições nos pares possíveis e, portanto, a região


ocupada (domínio) no plano será limitada.

Exemplo 1.2
ente é
a 1.3. Tal função som
, apresentada na Figur
Veja a função os negativos,
iz quadrada de númer
, já que não existe ra
definida para na Figura 1.2.
. Como apresentado
ou seja,

13
Unidade I Funções de várias variáveis

Figura 1.3 - Representação gráfica do Domínio (esquerda) e da função (direita)

Fonte: Elaborada pelo autor.

Algumas vezes você perceberá que será necessário examinar uma função em
regiões restritas do plano , como por exemplo, linhas. Isto seria como “fatiar” a
superfície tridimensional , ao longo de uma linha, representada por .
Também poderá ser útil identificar pares que compartilham um valor de z co-
mum.

1.1.1  Curvas de Nível

Os pares que compartilhando um valor de z comum normalmente for-


mam uma curva que costumamos chamar de curva de nível, uma vez que possuem
a mesma cota, ou altura, . Em outras palavras uma curva de nível fatia a super-
fície ao longo do plano .

Um gráfico que mostra curvas de nível pode dar uma boa ideia da forma da
superfície, e é muitas vezes utilizado para representar mapas topográficos, como o
da figura que ilustra esta unidade. Note que, naquele mapa topográfico, as curvas
de nível correspondente às alturas são igualmente espaçadas, e ficam mais e mais
próximas à medida que a superfície se torna mais íngreme.

14
Funções de várias variáveis unidade I

Exemplo 1.3

Veja esta função , mostrada na Figura 1.4. Ela parece


tratando. Note pela figura
um pouco complexa, mas ilustra bem o estamos
interseção entre os planos
que as curvas de nível representam as linhas de
com a função .

Figure 1.4 - Representação da função e suas respectivas curvas de


nível

Fonte: Elaborada pelo autor.

Dica de Leitura:

Após instalar o Geogebra, abra o arquivo figura_1.3.ggb disponibili-


zado na midiateca. Altere os valores dos planos, deslizando as barras
para os valores de k, m e l e perceba como as curvas de nível se alte-
ram.

A função se comportam da mesma forma que funções de duas va-


riáveis. A principal dificuldade será visualizá-las, elas não cabem nas três dimensões
que estamos acostumados.

Para três variáveis , há várias formas de interpretar tais funções o que

15
Unidade I Funções de várias variáveis

torna mais fácil entendê-las. Por exemplo, pode representar a tempera-


tura em um ponto , ou ainda, a pressão ou intensidade do campo magnéti-
co naquele ponto. Ainda é útil considerar aqueles pontos onde , onde
algum valor constante. Se representar a temperatura em um ponto
, por exemplo, representará todos os pontos do espaço que pos-
suem temperatura igual a .

chamado de conjunto de nível.


De forma geral, este conjunto de pontos é
de nível, já para o caso de três
No caso de duas variáveis temos as curvas
nível.
ou mais variáveis temos uma superfície de

Exemplo 1.4

Suponha que a temperatura em um ponto seja dada por


. Esta função tem seu valor máximo na ori-
gem, e tende a zero a medida que se afasta da origem em todas as direções.
Se tomarmos , o conjunto de pontos satisfaz a equação
, a qual representa uma esfera. Assim, as superfícies de nível
são esferas concêntricas centradas na origem, com raio .

Funções de duas variáveis que envolvem relações quadráticas rece-


bem o nome de quádricas. Sugiro que você cheque o material auxiliar
quádricas.pdf, disponibilizado na midiateca, para aprender a reco-
nhecer estas formas.

1.1.2  Limite e continuidade

Nos passos iniciais no desenvolvimento do Cálculo para funções de uma va-


riável, precisamos construir o conceito de limite, o qual foi necessário para enten-
dermos a noção de continuidade de funções e a consequente definição de derivada.

Limites envolvendo funções de duas variáveis podem ser consideravelmente


mais difíceis de tratar do que funções de uma variável. Felizmente, a maior parte das
funções que encontramos no dia a dia é relativamente simples e fácil de entender.

16
Funções de várias variáveis unidade I

Se desejamos dizer que , precisamos capturar a ideia


de que a medida que se aproxima de , teremos se aproximando
de . A dificuldade está em como nos aproximamos do ponto . Existem mais
formas de fazê-lo do que no caso de uma única variável. Se você se recorda, no caso
de uma variável, você poderia se aproximar de um valor , ou pela direita ou pela
esquerda na reta dos reais.

Agora, para o caso de duas variáveis, podemos fazer uma analogia com um
ponto desenhado em uma folha de papel. Há inúmeras formas de se aproximar de
tal ponto, não só pela direita e pela esquerda, concorda? Há um número infinito de
linhas, um número infinito de parábolas, um número infinito de senoides, e assim
por diante, que podemos percorrer para nos aproximarmos de um ponto .

Podemos ascender uma esperança de que as coisas não são tão ruins quanto
parecem, e independente do caminho que eu tome, desde que passando por ,
o valor de se aproxima de , a medida que se aproxima de . Infeliz-
mente, isto não é verdade.

Exemplo 1.5

Vamos ver como isso funciona, em um exemplo clássico, considerando a função


de duas variáveis . É fácil perceber que quando ou o

valor da função é também zero. Assim, o limite de ao aproximar-se da

origem ao longo ou do eixo ou do eixo e zero. O mesmo acontece se nos


aproximarmos da origem percorrendo a reta , . À medida

que se aproxima de zero, também se aproxima de zero e, portanto, o limite


de será zero. Agora, vamos imaginar que nos aproximamos da origem
pela parábola . Então,

E o limite de será ? Observe pela Figura 1.5 que este caminho cor-
responde a uma borda na parte superior da superfície definida por . Po-

rém, quando esta borda se aproxima da origem ela mergulha para zero na ori-
gem, contudo ao longo da borda a função tem valor constante. Lembre-se que
para existir o limite em um ponto, ele deve ser único, portanto o limite em (0,0)
não existe.

17
Unidade I Funções de várias variáveis

Figura 1.5 - Representação da função e o plano z=1/2

Fonte: Elaborada pelo autor.

Felizmente, aprendemos a definir o conceito de limite sem a necessidade de


especificar como nos aproximamos de um ponto em particular. Não precisamos do
conceito de “se aproximar”, e sim do conceito de proximidade. Em outras palavras,
precisávamos definir quão próximo estava de a e quão próximo ficava de ,
ou neste caso, quão próximo está de e, então, quão próximo está
de . E, podemos adaptar este conceito de limite facilmente para duas variáveis.

DEFINIÇÃO 1.1 LIMITE

Suponha uma função . Dizemos que:

Se para todo existe um tal que

Isto quer dizer que podemos encontrar um valor para ε tão pequeno quanto se
queira de tal forma que , não importando quão pequeno seja o
ε, fazendo a distância entre e seja “pequena o suficiente” para dizermos
que é o mesmo ponto. Observe que define uma circunfe-
rência centrada em com raio , como mostra a Figura 1.6.

Portanto, se for interior a esta circunferência para um dado δ escolhido, e


, sendo ε também escolhido, o .

18
Funções de várias variáveis unidade I

Figura 1.6 - Definição de limite para uma função de duas variáveis

Fonte: Elaborada pelo autor.

Exemplo 1.6

Vamos mostrar que . A superfície oriunda de


é apresentada na Figura 1.7. Vimos, no exemplo anterior, que o limite calcula-
do para uma função pode ser diferente dependendo do caminho que toma-
mos para calculá-lo. Para evitar a falta de unicidade no limite da função, vamos
imaginar um , mas bem pequeno e que ainda , ou seja,

Podemos desmembrar o módulo em fatores, tal que

Note que para todos os valores de e que


pela Definição 1.1. Então, no limite

Vamos forçar o produto a ser menor que o ε que escolhemos. Se fizermos que
o seja muito pequeno e menor que , digamos .

Ou seja,

Que é o que queríamos mostrar.

19
Unidade I Funções de várias variáveis

De forma geral, esta metodologia pode ser estendida a todos os testes de limi-
tes para funções de duas ou mais variáveis. Experimente usar outro valor para o limi-
te, como por exemplo , e verá que chegará a uma inconsistência do tipo .

Figura 1.7 - Representação de

Fonte: Elaborada pelo autor.

Como funções contínuas de várias variáveis são onipresentes na Matemática, é


importante definir a noção de continuidade sem nenhuma referência à noções mais
gerais entre mapeamento contínuo e espaços topológicos.

Conheça mais:

Como funções de várias variáveis envolvem superfícies, dizer que ela


é contínua, de forma geral, em um ponto (x,y,z,…) demanda conceitos
um pouco mais avançados de espaços topológicos como vizinhança,
interior, borda etc. Aqui tentaremos abordar o assunto de uma forma
mais simples, mas é sempre interessante avançar nos estudos. Sugiro
o livro do Elon Lages Lima listado na bibliografia como uma aborda-
gem mais profunda sobre o assunto.

20
Funções de várias variáveis unidade I

Relembre-se do Cálculo Diferencial que uma função é dita contínua em


. Uma forma de entender este é imaginar que
não existe nenhum “buraco” ou “pulo” em . Podemos dizer exatamente a mes-
ma coisa para funções de duas variáveis e estendê-la a funções com várias variáveis:

DEFINIÇÃO 1.2 CONTINUIDADE

Suponha uma função . Dizemos que é contínua se:

Em outras palavras, para que uma função seja contínua em um determinado


ponto , é necessário que o limite naquele ponto exista, e além disso ele seja
único e igual a .

Exemplo 1.7

Sabemos que é indefinida em (0,0), pois acabamos com . Mas

sabemos pelo Exemplo 1.6 que:

Então podemos estender este conceito e dizer que:

Só podemos fazer isso por que o limite existe para qualquer , inclusive
. O mesmo não é verdade para a superfície do Exemplo 1.5. Não importa o valor
que atribuímos a , a superfície sempre terá um “pulo” lá.

Felizmente, grande parte das funções que iremos examinar é, tipicamente,


contínua em todos os lugares. Normalmente, isto se deve ao fato de que funções
de várias variáveis relacionadas a funções contínuas de uma variável são contínuas.
Como com funções de uma única variável, duas classes comuns de funções são par-
ticularmente úteis e fáceis de descrever.

Um polinômio de duas variáveis é uma soma de termos na forma , onde


a é um número real e e são inteiros positivos. E, polinômios compõem a classe
de funções polinomiais, como por exemplo, .

Já funções racionais são razões entre polinômios, como por exemplo,


.

21
Unidade I Funções de várias variáveis

TEOREMA 1.1

Funções polinomiais são contínuas em todos os lugares. Funções racionais são


contínuas em todos os lugares onde são definidas.

É fácil mostrar que é contínua para todo


. Porém, a função apresenta uma descontinuidade os pontos
em que .

Como mencionamos anteriormente, todos estes conceitos podem ser esten-


didos a funções de três ou mais variáveis, simplesmente fazendo-se o dimensiona-
mento adequado. Da mesma forma, podemos compor funções com números de
variáveis diferentes, de forma a parametrizar funções e deixá-las mais simples.

1.2  Funções compostas

Suponha uma função na forma . Isto é, w é a variável


dependente e e as variáveis independentes. Agora suponha outra função
, na forma , ou seja, é um vetor cujas componen-
tes são funções de e . Neste caso, e são variáveis dependentes e, s e t, as
variáveis independentes. Note que as componentes de correspondente ao ponto
ou vetor . Tais componentes são e são chamadas de
funções componentes de .

Se segue que a composição de com é uma nova função , definida


como:

Exemplo 1.8

Suponha uma função . E que

Então,

Logo,

22
Funções de várias variáveis unidade I

A composição de funções pode ser utilizada para simplificar funções, o que


será útil mais a frente quando estivermos manuseando integrais múltiplas e equa-
ções diferenciais parciais.

Aprendemos que:

O Cálculo para funções de várias variáveis funciona de forma muito


análoga ao Cálculo com funções de uma variável. No entanto, ao invés
de estarmos trabalhando sobre a reta dos reais R as funções de várias
variáveis representam superfícies sobre o espaço dos números reais
R^n. Isto gera diferenças na abordagem de conceitos como limite e
continuidade, pois podem apresentar diferentes resultados dependen-
do do caminho percorrido sobre a superfície. No entanto, esta dificul-
dade pode ser contornada quando utilizamos conceitos emprestados
da Topologia como vizinhança, proximidade e bordas. A Topologia é
um ramo da Matemática que se ocupa da conectividade entre pontos
adjacentes, em uma superfície , por exemplo. Aqui os apresentamos
de forma mais geral, mas vale a pena se aprofundar e pesquisar mais
sobre a Análise Matemática por trás destes conceitos.

Referências da unidade I

LARSON, Ron; ALLTASKS (Trad.). Cálculo aplicado. São Paulo, SP: Cengage Learning,
2011. 633 p. ISBN 978-85-221-0734-6.

LEITHOLD, Louis. O cálculo com geometria analítica. vol. 1. 3. ed. São Paulo, SP:
Harbra & Row, 1990. 1-908.

______. O cálculo com geometria analítica. vol. 2. 3. ed. São Paulo, SP: Harbra &
Row, 1990. 909-1174.

LIMA, Elon Lages (2013). Análise Real - Funções de uma variável. Col: Coleção Mate-
mática Universitária. 12. ed. [S.l.]: IMPA. 198 páginas. ISBN 978-85-244-0048-3.

STEWART, James; MORETTI, Antonio Carlos; MARTINS, Antonio Carlos Gilli (Trad.).
Cálculo. vol 2, São Paulo, SP: Cengage Learning, 2011. Cap. 14. 536 - 1077 p. ISBN
978-85-221-0660-8.

23
Derivadas parciais unidade II

Unidade II
2

Derivadas parciais

Fonte: Elaborada pelo autor

2.1  Ampliando o conceito de derivada

Na unidade anterior, discutimos limite e continuidade para funções com mais


de uma variável. Mostramos que os conceitos podiam ser estendidos a partir da no-
ção de suas representações para funções de uma variável. Nesta unidade trabalha-
remos de forma análoga, estendendo o conceito de derivada que já conhecemos do
Cálculo Diferencial de uma variável para funções de mais de uma variável.

Lembre-se de que para uma dada função de uma variável , sua derivada,
ou representa a taxa com que a função muda à medida que varia. Pode-
mos estimar a taxa de variação em um ponto , aplicando o conceito de dife-
renciabilidade da função, ou seja,

25
unidade II Derivadas parciais

Figura 2.1- Função e sua derivada.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Observe pela Figura 2.1 que a derivada se aproxima da tangente da curva no


ponto à medida que o valor de muda. Isto nos diz quão inclinada é a função
no ponto.

Dica de Leitura:

Lembre-se de que o código fonte do Geogebra de todas as figuras


apresentadas neste material está disponibilizado na midiateca. No
caso do arquivo figura_2.1.ggb, sugerimos que você altere os valores
de a e nas barras de rolagem para verificar como a inclinação da
reta que liga muda à medida que você altera os va-
lores de . O mesmo é válido para as outras figuras desta unidade.

Este é um conceito muito importante e não iremos perdê-lo para o caso de fun-
ção de mais de uma variável. A diferença é que há mais de uma variável. Em outras
palavras, temos que pensar se só uma ou outra variável está mudando enquanto a
outra permanece fixa ou se ambas estão mudando. E, como vimos para o caso do
limite, há infinitas formas dessa variação ocorrer, dependo do caminho que você
tomar para calculá-la. Por exemplo, uma variável pode mudar mais rápido que outra
(ou outras) na função.

26
Derivadas parciais unidade II

Precisamos então desenvolver formas de lidar com todos esses casos, e esti-
mar qual a variação de uma função com relação as suas variáveis. Vamos nos fixar
em um caso especial com duas variáveis, ou seja, uma , onde uma variável
é mantida fixa, enquanto deixamos a outra variar, com uma função relativamente
simples.

Figura 2.2 - Função

Fonte: Elaborada pelo autor.

Considere , apresentada na Figura 2.2. Queremos então calcu-


lar a variação de em um ponto . Note que a escolha de um par
determina um ponto no plano , o qual é uma projeção do ponto
pertencente à superfície (uma linha vertical ao plano liga e ).
Vamos primeiramente manter fixo, tal que . Neste caso, teríamos:

Tal função descreve uma parábola contida no plano e pertence à


. Portanto, esta é agora uma função de uma única variável e podemos deter-
minar a inclinação, pois:

Vamos chamar de a derivada parcial de com relação a em


, que denotaremos por:

27
unidade II Derivadas parciais

De forma análoga, vamos fixar , assim teríamos:

E,

Neste caso, vamos chamar de a derivada parcial de com relação


a em , que denotaremos por:

Note que, usualmente, não utilizamos para derivadas parciais, e sim


, assim, teríamos:

É fácil perceber que tomar a derivada parcial de uma função com mais de uma
variável é o mesmo procedimento que utilizávamos para a derivada de uma função
de uma variável. Só o que temos que fazer é considerar as demais variáveis como
constantes. Ou seja, se formos calcular , será considerada constante; e se
formos calcular a , será considerada constante.

Assim, podemos estender o conceito de derivada às derivadas parciais e tere-


mos:

Como mencionamos anteriormente, os conceitos que se aplicam às funções de


uma variável se estendem às funções com mais de uma variável, com a única diferen-
ça que você encontrará mais variáveis para tratar.

Para a notação fracionária para as derivadas parciais, note a


diferença entre a derivada para uma função de uma variável
e a derivada parcial para função de mais de uma variável:

O símbolo nos diz que há mais de uma derivada.

28
Derivadas parciais unidade II

Existem várias notações para derivadas parciais, e é importante iden-


tificá-las. Dada uma função z=f(x,y), todas as notações abaixo são
equivalentes:

Vamos trabalhar sobre alguns exemplos mantendo em mente que as deriva-


das parciais são tomadas segundo todas as variáveis independentes da função. Isto
é importante, pois para cada derivada parcial as demais variáveis serão consideradas
constantes.

Exemplo 2.1

Considere a função . Vamos determinar primeiramente a

derivada parcial com relação à , ou seja, . Neste caso, devemos considerar


nte, ou seja,
qualquer dependência às outras variáveis (no caso, ), como consta
as derivadas de e de 10 são nulas. Portanto,

Da mesma forma,

Logo,

são as derivadas parciais de .

O mesmo procedimento se estende a funções com três ou mais variáveis. Veja


o Exemplo 2.2.

29
unidade II Derivadas parciais

Exemplo 2.2

Considere a função . Teremos,

Logo,

das parciais.
Veja que como a função depende de três variáveis, temos três deriva

2.1.1  Interpretação geométrica das derivadas parciais

Considere novamente a superfície da figura 2.2, descrita pela função,


. Podemos realizar um “corte” nesta superfície, digamos em
. Lembre-se que isto definirá uma nova função , que
é a sessão transversal da superfície naquele valor para . Assim, tal sessão transver-
sal pode ser projetada no plano , e é a parábola , como apresentado
na Figura 2.3.

30
Derivadas parciais unidade II

Figura 2.3 - Função e sua derivada em .

Fonte: Elaborada pelo autor.

Veja que os valores de representam os valores de com .


Portanto, a derivada parcial de com relação à , estimada em
um ponto , representa a inclinação da parábola com relação ao eixo x naquele
ponto. De forma similar, .

Então, a reta tangente à , em , será dada por

Se tomarmos, por exemplo, , como na Figura 2.3, teremos:

Analogamente, a reta tangente a , será dada por:

Que em

31
unidade II Derivadas parciais

Essas duas retas tangentes são perpendiculares e definem um plano, o qual é


tangente à superfície no ponto , mostrado na Figura 2.3.

Derivadas parciais de funções de duas variáveis desenvolvem-se a par-


tir de retas tangentes e perpendiculares no espaço com três dimensões
e planos tangentes. O tratamento de retas e planos exige o co-
nhecimento de suas equações, que você poderá encontrar no material
auxiliar vetores_retas_e_planos.pdf, disponibilizado na Midiateca,
para aprender a reconhecer essas formas.

Após uma rápida olhada no material auxiliar, você será capaz de perceber que
a equação do plano tangente à superfície no ponto B, será dada por:

Vamos ver um exemplo:

Figura 2.4 - Plano tangente ao hemisfério superior da esfera em .

Fonte: Elaborada pelo autor.

32
Derivadas parciais unidade II

Exemplo 2.3

, no ponto . Note
Encontre o plano tangente à
2.4, (lembre-se
que a equação descreve uma esfera, como mostra a Figura
podemos usar
das quádricas!) e o ponto A está no hemisfério superior, então

Então, as derivadas parciais serão:

or, se torna:
Assim, a equação do plano tangente à esfera, no hemisfério superi

Adotando , encontramos:

negativo em
*Se o ponto estivesse no hemisfério inferior utilizaríamos o sinal
frente ao radical.

2.2  Diferenciabilidade e derivada total

À primeira vista, parece que para encontrarmos o plano tangente a uma su-
perfície basta encontrar as duas derivadas parciais, e . E, isso é verdade se o
plano tangente existe. Mas, infelizmente, nem sempre que e existem, o plano
tangente existirá.

Considere novamente a função do Exemplo 1.5. Tal função tem


valor nulo se ou são iguais à zero. Contudo, lembre-se que essa função é descon-
tínua em (0,0). Podemos até tentar emendar a superfície, e “tampar o furo” dizendo
que . Assim, poderemos também dizer que e , uma
vez que as retas tangentes naquele ponto definem os eixos e , e o plano corres-
pondente . Mas, note que não há nada especial com o plano para ser chamado
de “plano tangente”.

33
unidade II Derivadas parciais

O que precisamos mesmo para definir um plano tangente (da mesma forma
que uma reta tangente) em um ponto é a possibilidade de conseguir uma boa apro-
ximação dele próximo daquele ponto.

Definição 2.1

Sejam e , onde . A função


é diferenciável em , se

onde e são números muito pequenos e próximos de zero, que ficam ainda
menores quando se aproxima de .

A Definição 2.1 pode levar um tempo para ser absorvida, então vamos discutir
um pouco sobre ela. Vamos começar reescrevendo a equação usando a asserção
inicial que diz que , então:

Note que os três primeiros termos descrevem o plano tangente em .


Então, podemos dizer que temos um plano tangente com um pequeno desvio, dado
por . Enquanto se aproxima de , tanto quanto se
aproximam de 0. Isto significa que se aproxima de 0 ainda mais rapi-
damente, uma vez que é muito menor que e . Esta é então uma condição
para existência do plano tangente. Isto que dizer que conforme nos aproximamos de
, o plano descrito pela equação se aproxima continuamente do plano tangen-
te. Veja a Figura 2.5:

34
Derivadas parciais unidade II

Figura 2.5- Plano tangente determinado pela derivada total

Fonte: Elaborada pelo autor.

Por isso, não existe o plano tangente em para a função do exemplo 1.5,
mesmo que forcemos um valor para , a transição dos planos tangentes aos
pontos próximos a , que no caso possuem grandes derivadas, para um ponto
com derivada nula, não se dá continuamente.

Voltando à Definição 2.1, se imaginarmos que tanto e quanto se


aproximam de 0 e, portanto, se tornam infinitesimalmente pequenos, e os produtos
com e tornam-se desprezíveis. Essa situação pode ser observada na Figura 2.4.
Assim, podemos reescrever a definição na forma infinitesimal

Esta é o que chamamos de derivada total da função . Note que


para ela existir, é necessária a continuidade das derivadas parciais no ponto onde
queremos determiná-la.

Teorema 2.1 - Diferenciabilidade

Se uma função e suas derivadas parciais são contínuas em um pon-


to , dizemos que a função é diferenciável naquele ponto.

35
unidade II Derivadas parciais

Em outras palavras, o Teorema 2.1 nos diz que os limites que definem a conti-
nuidade da função em e suas derivadas parciais devem existir para garantir que
a função seja diferenciável lá.

2.3  A regra da cadeia

Recorde-se que quando introduzimos as funções de várias variáveis menciona-


mos que as variáveis que julgamos independentes, são independentes entre si, mas
podem depender de outras variáveis (veja Funções Compostas, subunidade 1.3).

Considere a superfície e que , ou seja,


e são variáveis independentes para , mas dependem de . Então,

A qual nos diz explicitamente como depende de (a qual pode ser o tempo,
por exemplo).

Para os próximos passos, vale revisar as regras da diferenciação en-


volvendo operações entre funções.

Se você quiser calcular de forma mais direta, pode ser mais simples usar a
regra da cadeia, pois:

Preste atenção na segunda linha! Note que , então


uma nova regra da cadeia surge naturalmente para as derivadas parciais:

36
Derivadas parciais unidade II

Teorema 2.2

Suponha uma função diferenciável e que . Assu-


mindo que a relevante derivada existe,

O Teorema 2.2 é uma extensão da regra da cadeia para funções com duas
variáveis, e sua extensão a funções com mais de duas variáveis torna-se intuitiva,
bem como sua relação com a derivada total que vimos há pouco. Se e
é também uma função de e , então:

E a extensão para uma funciona de forma análoga. Tente deduzir


como ela seria.

Exemplo 2.4

com , para a
Considere a função
, ou seja,
qual deseja-se determinar a taxa de variação com relação ao tempo
. Pela regra da cadeia:

Note que os valores de e já dependem de , e a substituição de seus valo-


res na expressão mostra a dependência da variação de com .

Até agora, pensamos em e como sendo independentes entre si, porém,


podemos encontrar casos em que elas apresentam alguma forma de dependência
implícita.

37
unidade II Derivadas parciais

2.3.1  Derivada implícita

Recorde-se que podemos utilizar a regra da cadeia para definir a derivada im-
plícita, e aqui podemos fazer o mesmo. Isso será muito útil logo mais quando abor-
darmos equações diferenciais.

Suponha que a igualdade define implicitamente como uma fun-


ção de , ou seja, . Então, . Podemos usar a regra da cadeia
para derivar com relação à . Então,

Note que a variação de uma variável com relação à outra depende da razão das
derivadas parciais da função implícita, a qual define a relação entre elas. O que de
certa forma parece intuitivo.

Exemplo 2.5

. Ela não é uma função de ou , da forma


Voltemos à esfera
duas funções,
como estamos habituados. Mas, podemos pensar nela como
o hemisfério
uma referente a cada um dos hemisférios da esfera: uma para
fério inferior.
superior, como vimos no exemplo anterior; e outra para o hemis
Basta apenas trocar o sinal do radical, lembra?

Assim, podemos pensar implicitamente em e como funções dos próprios

e , e em . Como , mas pela regra

da cadeia

38
Derivadas parciais unidade II

Admitido que é independente de , então . Então, podemos encon-


trar:

E de forma similar,

Tais quantidades (as derivadas parciais) mostram a taxa de variaç


ão do valor
de à medida que se percorre a direção dos eixos ou , respec
tivamente,
sobre a superfície de uma esfera.

Mas, não respondemos ainda uma questão importante sobre uma superfície:
Começando em um ponto da superfície, dada por uma f(x,y), e a percorrendo em
uma direção particular, quão íngreme é a superfície? Agora, temos as ferramentas
para fazê-lo.

2.4  Derivadas direcionais

Embora sem perceber, já sabemos como responder à pergunta feita há pou-


co . Já fizemos isso na Figura 2.2, quando estendemos uma linha vertical entre o ponto
, pertencente ao plano , e o ponto pertencente à su-
perfície . A Figura 2.5 mostra um detalhe da Figura 2.2, na qual podemos
ver o plano tangente e os planos paralelos aos planos e .

39
unidade II Derivadas parciais

Figura 2.6 - Plano tangente e planos paralelos a e .

Fonte: Elaborada pelo autor.

Sabemos como determinar o plano tangente à superfície no ponto pela


equação

Que neste caso torna-se

Na figura, vemos o plano tangente (é descrito pela equação acima) e os planos


paralelos aos planos e , que contêm o segmento . Esta linha vertical é pa-
ralela ao eixo . O ângulo entre ela e o plano tangente nos dá ideia de quão inclinada
a superfície é com relação à direção , no ponto B. Mas, como este ângulo se com-
porta quando nos deslocamos sobre a superfície através de um caminho qualquer a
partir de ?

Acontece que podemos fazer isso definindo um único vetor que varia ao lon-
go do caminho que estamos percorrendo a partir de . Suponha um
vetor unitário . A forma vetorial do caminho tomado será descrita por
sendo a distância entre os pares e
ao longo do caminho tomado. Isso significa que a linha tem um eixo efetivo com

40
Derivadas parciais unidade II

origem em , a partir do qual podemos medir a inclinação do plano tangente.

Lembre-se de que o plano tangente é definido pelas derivadas parciais e o ca-


minho pelo vetor unitário , então:

onde utilizamos a regra da cadeia e as derivadas


. O vetor é muito importante, tanto que
ele possui seu próprio símbolo, , o qual pronunciaremos como “Del f”, ou também
chamado de gradiente de .

O “Del” representado pelo operador nabla, , é um operador diferencial, que carrega as

derivadas parciais com relação a cada um dos eixos coordenados. Por exemplo, para três

dimensões definida pelos vetores direcionais .

Agora, sabemos que dado um caminho e sua direção, podemos calcular a incli-
nação do plano tangente em qualquer ponto da superfície (se ele existe). A inclinação
de uma superfície na direção de um dado vetor unitário u é chamada
de derivada direcional, e comumente simbolizada por .

Exemplo 2.6

Vamos encontrar a inclinação de , no ponto (1,2) na direção

do vetor .

Primeiramente, calculamos o gradiente

Que no ponto (1,2) nos dá

O vetor unitário da direção é

41
unidade II Derivadas parciais

E a inclinação será

É possível calcular o ângulo entre a tangente e a superfície, pois

Portanto,

Assim, o vetor tangente que é pertencente ao plano tangente e tem a direção


do caminho escolhido possui coordenadas .

2.5  Plano tangente e a normal à superfície

Agora temos todas as ferramentas para determinar o plano tangente e a nor-


mal à superfície em um determinado ponto . Sabemos
que o plano tangente será dado por

Recorde-se que os coeficientes na equação de um plano, nesta forma, corres-


pondem às coordenadas do vetor normal ao plano.

Exemplo 2.7

Vamos encontrar vetor normal a , no ponto (1,2) na direção

do vetor .

Como é o vetor unitário na direção desejada, podemos facilmente


calculada no
encontrar o vetor tangente adicionando a terceira coordenada
exemplo anterior, ou seja, .

42
Derivadas parciais unidade II

Portanto, o vetor normal ao plano em é , ou seja,


.

Veja que , mostrando que o vetor tangente e o vetor


normal são perpendiculares, como seria de se esperar.

Conheça mais:

É fácil perceber que as derivadas parciais são funções das variáveis


independentes, assim como a função primitiva. Então, é intuitivo de-
duzir que derivadas de ordem maior possam existir. Um exemplo seria
a derivada parcial de segunda ordem, a qual é a derivada parcial das
derivadas parciais. Seja uma , temos as derivadas parciais de
primeira ordem

E as derivadas parciais de segunda ordem serão

Com

Experimente mostrar isso com as funções que já conhecemos.

2.6  Uma aplicação simples à engenharia

As derivadas parciais são úteis em uma infinidade de problemas relacionados


à engenharia. Muitas das quantidades que o engenheiro trabalha em seu dia a dia
são dependentes de mais de uma variável. Veja, por exemplo, a Lei de Ohm

43
unidade II Derivadas parciais

ou a Lei dos Gases Ideais , que relaciona pressão , temperatura e


volume .

A derivada parcial é usada para estimar erros no cálculo de quantidades que


dependem de uma ou mais medidas com incertezas. Funções de energia relacio-
nadas à termodinâmica são funções de duas ou mais variáveis. A maior parte das
quantidades termodinâmicas (temperatura, entropia, capacidade térmica) pode ser
expressa como derivadas parciais dessas funções.

Muitas leis naturais são melhor expressas como relação entre derivadas par-
ciais de uma ou mais quantidades. Por exemplo, a equação de Schrödinger descreve
todas as leis da química e o comportamento de partículas atômicas

Ou as equações de Navier-Stokes, que descrevem um fluido em movimento

Onde

Infelizmente, essas equações são um pouco complicadas de se resolver sem


um método apropriado. Mas, vamos ver um exemplo mais simples.

Figura 2.7 Cilindro submetido a forças de deformação (Exemplo 2.8).

Fonte: Elaborada pelo autor.

44
Derivadas parciais unidade II

Exemplo 2.8
e raio ,
A Figura 2.7 mostra uma barra cilíndrica de comprimento inicial
duas variáveis
sujeito a algumas forças. O volume do cilindro é uma função das
independentes l e r

Note que as forças e farão com que a barra deforme. Podemos calcular
s elásticas da
a deformação linear em cada direção a partir das propriedade
barra?
barra, mas como estão relacionadas à mudança de volume da

o como a varia-
Primeiro, podemos definir a deformação em uma dada direçã
, teremos:
ção de comprimento dividida pelo comprimento original. Assim

Deformação longitudinal:

Deformação radial:

Agora, voltando ao volume podemos definir

Tomando a derivada total de

simplesmente a
Então, a mudança de volume, ou deformação volumétrica, é
raios perpen-
soma das deformações nas três direções perpendiculares (dois
diculares mais comprimento).

45
unidade II Derivadas parciais

Aprendemos que:

No cálculo para funções de várias variáveis, a derivada funciona de


forma muito similar ao cálculo com funções de uma variável. Ela con-
tinua ainda representando a inclinação da função com relação a uma
variável. Porém, como temos mais de uma variável teremos derivadas
parciais referentes a cada uma delas. Elas se compõem para formar
a derivada total , que determina a inclinação do plano com relação
ao eixo . E para isso determinamos um plano tangente à
superfície no ponto de interesse do qual naturalmente podemos obter
o vetor normal. Aqui apresentamos essas noções de forma mais geral,
mas vale a pena se aprofundar e pesquisar mais sobre o assunto, por
meio de mais exemplos e outras aplicações dos mesmos.

Referências da unidade II

LEITHOLD, Louis. O cálculo com geometria analítica. vol. II. 3. ed. São Paulo, SP:
Harbra&Row, 1990.

STEWART, James; MORETTI, Antonio Carlos; MARTINS, Antonio Carlos Gilli (Trad.).
Cálculo. vol II. São Paulo, SP: Cengage Learning, 2011.

WREDE, Robert; SPIEGEL, Murray. Cálculo Avançado. 2. ed. Porto Alegre: Bookman,
2004.

46
Equações diferenciais unidade III

Unidade III
3

Equações diferenciais

3.1  O que são EDOs?

No final da unidade anterior vimos um exemplo (exemplo 2.8) em que apli-


cávamos o conceito de derivada total para definir como uma variável dependente
mudaria com relação à taxa de variação de suas variáveis independentes. Essa é uma
forma mais específica de uma equação diferencial parcial que depende de uma única
variável, a qual chamamos de Equação Diferencial Ordinária (EDO).

Uma equação diferencial contém um ou mais termos que envolvem derivadas


de uma variável (variável dependente, digamos y) com respeito à outra variável (va-
riável independente, digamos x ou t). Por exemplo,

Diferentemente de equações algébricas, as soluções para equações diferen-


ciais são funções e não números. Elas representam a relação de uma variável contí-
nua e sua taxa de variação. Elas são essenciais em todas as investigações científicas.
Na Física, Química, Biologia e outras áreas das Ciências Naturais, bem como áreas
como Engenharias e Economia, utilizam as Equações Diferenciais para modelar ma-
tematicamente seus fenômenos.

47
unidade III Equações diferenciais

Exemplo 3.1
erem que a tem-
Evidências observacionais sug
(ou outro líquido) em
peratura de uma xícara de café
stante diminui ao lon-
uma sala com temperatura con
porcional à diferença
go do tempo com uma taxa pro
e a sala. Em símbolos,
de temperatura entre o líquido
ra da sala, e f(t) é a
se t é o tempo, T é a temperatu
a função do tempo, então
temperatura do líquido como um

r do café (ou,
caracteriza a transferência de calo
onde k > 0 é uma constante que
em si, não da
ger al, do líqu ido ) par a a sala , e depende apenas do líquido
em
n, e é descrita
a Lei de Resfriamento de Newto
temperatura ou da sala. Essa é
inária.
por uma equação diferencial ord

Normalmente, encontrar a solução geral para Lei de Resfriamento de Newton,


ou seja, encontrar a função f(t) que descreve a temperatura do líquido ao longo do
tempo, é praticamente impossível, e várias aproximações devem ser utilizadas. O
uso e soluções de equações diferenciais são um ramo importante da Matemática.
Aqui vamos ver como solucionar alguns tipos simples, mas bastante úteis de equa-
ções diferenciais.

Dica de Leitura:

Lembre-se que quando a variável independente é o tempo podemos escre-


ver a função y(t) e sua derivada será ou . Essa representação é
muito comum no estudo de equações diferenciais e a utilizaremos normal-
mente nesta unidade.

3.2  Equações diferenciais de 1ª ordem

Vamos começar com equações diferenciais em que somente a primeira deriva-


da da função aparece.

48
Equações diferenciais unidade III

DEFINIÇÃO 3.1

Uma Equação Diferencial de 1ª Ordem é uma equação da forma


. A solução da equação é uma função , que faz com que
, para qualquer valor de t.

Veja que F é uma função de três variáveis: t, f(t) e f’ (t). E, é entendido que
aparece explicitamente na equação, mas t e y não precisam aparecer. A Equação de
Resfriamento de Newton é um exemplo de equação diferencial de 1ª ordem, pois

Outro exemplo de equação diferencial de 1ª ordem seria

Pois

Cujas soluções são todas as equações com a forma

onde C é uma constante, a qual será definida quando atribuímos um valor


inicial ao problema.

DEFINIÇÃO 3.2

Um problema do valor inicial (PVI) para uma Equação Diferencial de 1ª


Ordem é um sistema de equações da forma F(t,y, ) = 0, y(t0) = y0 , sendo t0 um
tempo fixo e y0 o valor da função a ele associado.

A solução para o PVI é uma função F(t) que também satisfaz a condição
inicial f(t0) = y0.

Por exemplo, o PVI envolvendo , tem solução .

Parece simples neste caso, mas as equações de 1ª ordem são muito gerais e é
complicado descrever um único método para solucionar todas elas, ou que mesmo

49
unidade III Equações diferenciais

funcione para grande parte delas. Imagine que , onde é uma função que
depende de duas variáveis t e y. Em geral, podemos pensar em uma função que sirva
de solução para um PVI, no entanto, nem sempre isso é trivial e pode ser impossível
analiticamente.

Exemplo 3.2
sidere o seguinte
Voltando ao Exemplo 3.1, con
temperatura da xícara
problema do valor inicial para a
de café em uma sala

,
Note que se tomarmos
s não
ciona a equação diferencial ma
uma função constante, ela solu
os reescrever a
s y(0)≠40. Como y(t)≠25, podem
soluciona a condição inicial, poi
equação como

então

suas cons-
devem ser iguais, exceto pelas
Ou seja, as duas antiderivadas
, obtemos
tantes. Calculando as antiderivadas

onde C = (C1 - C2), assim

l podemos obter utilizan-


Sendo uma constante não nula, a qua

do-se da condição inicial y(0) = 40, então

Logo, a solução para o PVI é

50
Equações diferenciais unidade III

Conseguimos solucionar o PVI, pois conseguimos separar as variáveis t e y em


lados opostos da equação. Então, a equação diferencial pertence a uma classe espe-
cial, com variáveis separáveis.

DEFINIÇÃO 3.3

Uma equação diferencial é dita separável se a mesma pode ser escrita


como .

Como no Exemplo 3.2, resolvemos o PVI separando as dependências das variá-


veis convertendo-a na forma

Essa técnica é chamada de separação de variáveis.

O tipo mais simples de equações separáveis é quando g (y) = 1, e a solução


torna-se

Bastando apenas encontrar a antiderivada de f(t), F(t).

É fácil perceber que uma equação diferencial apresenta um número infinito de


soluções. Porém, idealmente, mas não necessariamente a aplicação de uma condi-
ção inicial conduz a uma solução única para um PVI correspondente. Uma solução
que define todas as constantes desconhecidas é chamada de solução particular.

De forma geral, para equações diferenciais separáveis, podemos encontrar


uma solução constante desta forma: Suponha que desejamos resolver uma EDO
separável da forma, , onde f e g são funções contínuas. Se g(a)=0,
para algum valor a, então y(t) = a é uma solução constante para a equação, pois
neste caso, . Por exemplo, , tem solução constante com
.

Para soluções não constantes, note que a função 1/g(y) é contínua para g≠0,
então 1/g(t) tem antiderivada G(y). Seja F(t) a antiderivada de f(t), podemos escrever

Ou seja,

51
unidade III Equações diferenciais

Agora, podemos encontrar a solução para y.

É fácil imaginar algumas situações em que a solução pode não funcionar.


Primeiro, temos que conseguir separar as dependências das variáveis. Depois
temos que encontrar as antiderivadas G e F e então encontrar a solução para
y. Normalmente, existe uma solução constante, mas pode existir ou não uma
solução analítica baseada em G (y) = F (t) + C.

Exemplo 3.3

Considere a equação diferencial


Quando k > 0, este tipo de EDO des-
creve o crescimento populacional simples:
a taxa de crescimento é proporcional
(com constante de proporcionalidade k) à
população y *.

A solução constante seria y (t) = 0, mas


não é de interesse para o PVI. Para soluções
não constantes, temos

um caso
Veja que a solução permite A = 0, que é a solução constante. Em
particular seria
particular, para o PVI em t = 0, y(0) = y0, temos que a solução
y = y0 ekt.
reproduz
*Isto quer dizer, que cada organismo de uma população se
duas, e assim
com taxa constante. Por exemplo, cada bactéria se divide em
ção é válida por
por diante. Apesar de ser simples para modelar uma popula
da população, e
um intervalo curto. Se k<0 a equação descreve o decréscimo
cada porção do
pode ser usada para modelar o decaimento radiativo, em que
material decai à taxa constante, por exemplo.

52
Equações diferenciais unidade III

3.2.1  Equações diferenciais homogêneas lineares

Equações diferenciais com características semelhantes à do Exemplo 3.3 são


conhecidas como Equações diferenciais homogêneas lineares de 1ª ordem.

DEFINIÇÃO 3.4

Uma equação diferencial homogênea linear é aquela da forma ,


ou a correspondente, . Elas apresentam solução particular,

onde P(t) é a primitiva, ou antiderivada de -p(t).

A palavra “linear” refere-se à relação de primeira ordem entre e y, e a palavra


“homogênea” deve-se ao zero no lado direito da igualdade como primeira forma da
equação diferencial. Note que a equação pode ser reescrita como
e, portanto, é linear, mas não homogênea.

Exemplo 3.4

Resolva o problema do valor inicial , assumindo


t>0.

Para t≠0, podemos reescrever a EDO como

Portanto,

Aplicando-se a condição inicial

Logo, a solução do PVI é

53
unidade III Equações diferenciais

3.2.2  Equações diferenciais lineares

Como você deve ter imaginado, algumas EDO são lineares, mas não homogê-
neas. Elas possuem a forma . Podemos utilizar o que sabemos de
EDO homogêneas lineares para solucionar esse tipo de equação.

Suponha que as funções são soluções para .


Seja uma terceira função . Então,

Em outras palavras, é uma solução para a equação homogênea


. Então, olhando sob outro ponto de vista, qualquer solução da equação
linear , digamos, y1, pode ser escrita como , para alguma
solução particular y2 e alguma solução para a equação homogênea .
Uma vez que já sabemos resolver a equação homogênea, encontrando uma solução
para , teremos todas as soluções.

Mas, como encontrar uma solução particular para ? Bom, o


que já sabemos irá nos ajudar. Sabemos que a solução geral para a equação homo-
gênea tem a forma . Podemos facilmente imaginar que a solu-
ção será então uma função com a forma , na qual substituímos a constante
A por uma função arbitrária . Esse procedimento é chamado de Método da Va-
riação de Parâmetros.

Por conveniência vamos dizer que , onde é uma solu-


ção da equação homogênea. Então, podemos dizer que

Pois, , uma vez que h(t) é solução da equação homogênea.


Então, o que precisamos é encontrar a solução para , ou seja,

Juntando as peças, encontramos a solução geral para , a qual


é

54
Equações diferenciais unidade III

Nada melhor do que um exemplo para clarificar as coisas. Veja o Exemplo 3.5.

Exemplo 3.5

Resolva o problema do valor inicial , assumindo t >


0. Podemos começar resolvendo a equação homogênea como no Exemplo 3.4,
assim

Portanto,

Vamos chamar a solução de , logo .

Então, como na discussão, e , portanto


.

Sabemos que toda solução da equação parece com

Finalmente, podemos aplicar a condição inicial para encontrar A

E a solução é

Há um método alternativo para encontrar uma solução particular para a EDO,


e ela utiliza-se de um Fator Integrador. Em uma equação diferencial da forma
, se multiplicar toda a equação por uma função , obtém-se

É fácil notar que o lado esquerdo da equação torna-se semelhante a uma deri-
vada obtida pela regra do produto

55
unidade III Equações diferenciais

Se escolhermos de forma inteligente , de tal forma que ,


isto será exatamente o lado esquerdo da EDO. Mas, o lado esquerdo corresponde
somente à equação homogênea linear, da qual sabemos a solução, e ela tem a forma
, onde .

Note que , onde é a mesma que vimos no método da


variação de parâmetros e

Assim, a EDO modificada toma a forma

Integrando ambos os lados, chegamos a

Se você olhar com atenção, verá que esta é a mesma solução obtida pelo mé-
todo da variação de parâmetros, uma vez que .

Vamos resolver novamente o Exemplo 3.5, mas agora utilizando esse método.

Exemplo 3.6
, ,
Considere novamente o problema do valor inicial
assumindo t >0.

Note que o fator integrador é

Multiplicando a equação pelo fator integrador, teremos

56
Equações diferenciais unidade III

E, a solução é exatamente igual à obtida pelo outro

Finalmente, basta aplicar a condição inicial para encontrar A, e a solução


particular será

Dicas:

Algumas pessoas acham mais fácil lembrar como utilizar o método do fa-
tor integrador do que o da variação de parâmetros. Sendo que ambos re-
querem a mesma quantidade de cálculo para resolver uma EDO, e ambos
chegam ao mesmo resultado, qual método aplicar é uma questão de esco-
lha pessoal. Portanto, escolha sempre o que lhe faz se sentir mais confor-
tável. Existem outros métodos e livros inteiros dedicados a cada um deles,
então sempre vale pesquisar mais sobre o assunto.

57
unidade III Equações diferenciais

3.2.3  Aproximação

Vimos como resolver uma coleção bem restrita de EDOs. Para ser mais pre-
ciso, vimos como tentar resolvê-las, pois pode acontecer de sermos incapazes de
encontrar a antiderivada (ou primitiva) necessária para tal. Então, não seria surpresa
se equações não-lineares fossem ainda mais difíceis. Mesmo assim, sabemos como
resolver algumas equações mais gerais.

Suponha uma função de duas variáveis . Uma forma mais geral de equa-
ções diferenciais de 1ª ordem tem a forma . Note que isso não implica em
uma equação linear, uma vez que relação entre e y pode ser mais complicada.
Contudo, a relação com é simples.

Por exemplo, a equação é uma equação de primeira ordem não-li-


near, porque y aparece na segunda potência e como ela é não separável, não pode-
remos resolvê-la analiticamente. Já a equação também é não-linear, mas é
separável e pode ser resolvida pela separação de variáveis.

Sob certas circunstâncias, dependendo de , é possível mostrar que toda EDO


tem solução, e mais, que para cada PVI existe uma solução exata, o que é muito dese-
jável em aplicações práticas. Porém, essas soluções nem sempre podem ser obtidas
analiticamente, então temos que recorrer aos métodos numéricos. Tais métodos
são técnicas desenvolvidas para se obter soluções aproximadas às EDOs. Vamos des-
crever uma dessas técnicas, o Método de Euler, que apesar de não ser muito útil
comparado com outras técnicas, nos dá uma boa ideia de como os métodos numéri-
cos de aproximação funcionam.

Suponha que queremos uma solução aproximada para o problema de valor


inicial , para . Recorde-se que sob certas condições em
, sabemos que a solução existe, e que ela é representada por uma curva no plano
ty, pois a solução é uma função .

O ponto , é claro, pertence a tal curva descrita por . Também conhece-


mos a inclinação da curva no ponto, ou seja, . Se nos movermos um pouqui-
nho ao longo da linha tangente à curva, digamos para um ponto ,
chegamos a um ponto muito próximo a um ponto pertencente à curva, o qual cha-
maremos de . Podemos também imaginar que nos movemos tão pouco, que
este ponto ainda pertence ao gráfico de , para o qual também conhecemos a in-
clinação em , que é . Seguindo esse procedimento podemos calcular
um novo ponto , que está um pouco adiante, mas
obviamente não tão próximo do gráfico de quanto . E, podemos prosse-

58
Equações diferenciais unidade III

guir usando essas aproximações até o para um tempo tn que desejamos. Para
cada passo, i + 1, realizamos essencialmente o mesmo cálculo

Há de se esperar quão menor o ∆t melhor será a aproximação, mas claramente


isso exigirá mais trabalho para computar até um tempo específico. É possível estimar
um limite superior para a precisão que nossa aproximação precisa ter, ou seja, quão
longe yn se encontra de (tn).

Exemplo 3.7

Vamos calcular uma aproximação para a solução da EDO


, em t =1. Utilizaremos ∆t = 0.2, que é fácil de fazer ma-
nualmente apesar de não esperarmos uma boa aproximação. Fazendo,

Onde , obtemos

Então, y(1) ≈ 0.3856. O que não é correto nem na primeira casa decimal.

O Gráfico 3.1 mostra tais pontos conectados por linhas (curva inferior com
pontos) e a solução obtida por outro método mais preciso. Note que a forma das cur-
vas é aproximadamente a mesma apesar dos pontos estarem um pouco afastados.

59
unidade III Equações diferenciais

Gráfico 3.1- Aproximação da solução para (Exemplo 3.7).

Fonte: Elaborado pelo autor.

Se você precisar executar o Método de Euler manualmente, é muito útil colocar


os valores calculados em uma tabela, como a apresentada na Tabela 3.1. Cada linha
da tabela representa uma iteração do método: o ponto inicial , a inclinação
calculada no ponto , a variação em e o novo ponto
. O início de cada linha é o ponto calculado no fim
da linha anterior.

Tabela 3.1 Cálculo numérico da solução para (Método de Euler).

ti yi ф(ti, yi) Δy = ф (ti, yi) Δt ti + Δt yi + Δy

0 0 0 0 0.2 0
0.2 0 0.2 0.04 0.4 0.04
0.4 0.04 0.3984 0.07968 0.6 0.11968
0.6 0.11968 0.585676... 0.117135... 0.8 0.236815...
0.8 0.236815... 0.743918... 0.148783... 1.0 0.385599...

Fonte: Elaborada pelo autor.

60
Equações diferenciais unidade III

O Método de Euler está relacionado à outra técnica que pode ajudar melhor
a entender uma equação diferencial de forma qualitativa. É baseada na habilidade
de se calcular a inclinação da função solução em cada ponto do plano ty, ou seja, de
calcular o valor de . Se calcularmos o valor de para vários pontos, diga-
mos usando uma grade de valores para t e y, e desenharmos uma pequena linha, ou
seta, em cada ponto, podemos ter um ideia de como a curva solução deve parecer.
Tal gráfico é chamado de campo de direções, que é o tipo de gráfico que ilustra esta
unidade.

O campo de direções para é apresentado no Gráfico 3.2. Observe


pelo gráfico que a solução exata segue a direção do campo a partir do valor inicial.
Dependendo do valor inicial do PVI a solução seguirá diferentes caminhos através do
campo, mas sempre seguindo as linhas de direção.

Gráfico 3.2 - Campo de direções da solução para .

Fonte: Elaborado pelo autor.

Com um pouco de prática você será capaz de rabiscar a curva solução para a
EDO, e em essência estará aplicando o método de Euler visualmente.

61
unidade III Equações diferenciais

Dicas:

O código fonte Geogebra para a Figura 3.1 encontra-se disponível na Mi-


diateca (figura_3.1.ggb). Experimente alterar o valor inicial (arrastando–o
para outros pontos) e perceberá como a função solução f(t) varia, mas
sempre seguindo as linhas de direção do campo. Em um próximo passo,
altere a forma de ф(t,y) para ver como o campo se altera.

Até mesmo quando uma equação diferencial pode ser resolvida de maneira
explícita, o campo de direções pode ajudar a entender como as soluções se parecem
para diversos valores iniciais.

Lembre-se da equação logística, : onde y é a população em


um dado tempo t, M é a medida de quão grande a população pode ser para que o
ambiente a suporte, e k mede a taxa de reprodução da população. Note pela Figura
3.2 que o campo de direções é bastante informativo. É aparente que se o valor inicial
é menor que M a população cresce até o valor M ao longo do tempo, enquanto se
a população inicial é maior que M a população decresce até o valor M ao longo do
tempo. Por sua vez, k rege a inclinação do campo.

Gráfico 3.3 - Campo de direções da solução para .

Fonte: Elaborado pelo autor.

62
Equações diferenciais unidade III

Conheça mais:

Existe uma infinidade de métodos numéricos para resolução de EDO. Cada


um deles com seus prós e contras, uns mais eficientes para um tipo de
equação diferencial do que outros. Sugiro uma pesquisa sobre esses mé-
todos na internet e em livros de cálculo numérico. Existem também outros
tipos de equações diferenciais não lineares que apresentam solução ana-
lítica, como a equação de Bernoulli e a equação de Ricatti. Então, uma
vez identificada a forma da equação diferencial do problema que tenha
que resolver, uma pesquisa sobre a melhor forma de solucioná-la poupará
você de se frustrar aplicando o método inadequado.

3.3  Equação homogênea de 2ª ordem

Uma equação diferencial de 2ª ordem contém um termo com uma derivada


segunda. Elas são, em geral, bastante complicadas para se resolver, mas existe um
tipo bastante simples e útil: a equação linear homogênea de 2ª ordem com coefi-
cientes constantes. Vejamos um exemplo simples.

Exemplo 3.8

Considere o . Podemos imaginar


que a solução seja parecida com uma função . O que parece plausí-
vel, pois , e devem possuir um fator comum que envolve .

Se uma função desse tipo é uma solução, então:

Então, r é 2 ou -1. E as soluções são .

Não somente as funções são soluções para a EDO,


como também todo , ou seja, a combinação linear das duas
soluções também é uma solução.

63
unidade III Equações diferenciais

Para determinar A e B, precisamos aplicar as condições iniciais, assim

Resolvendo o sistema, encontramos a solução particular

Logo, a solução desejada é .

A esta altura você deve estar pensando se existem outras soluções. A respos-
ta é “não”. Não vamos provar isso aqui, mas veremos um teorema que precisamos
conhecer.

TEOREMA 3.1

Dada uma equação diferencial , considere o polinô-


mio quadrático , chamado polinômio característico. Tal polinômio
possui duas raízes, r e s. A solução geral para a equação diferencial é:

a) , se as raízes r e s são reais e r ≠ s.

b) , se r = s é real.

c) , se as raízes r e s são números complexos


.

Esse tipo de equação diferencial é de especial importância para a Física e, con-


sequentemente, para as Engenharias. Elas modelam sistemas ressonantes como
massa-molas, barras, pêndulos, circuitos elétricos etc.

Exemplo 3.9

Suponha uma massa m pendurada por uma mola de constante elástica


k. Se comprimirmos ou esticarmos a mola, a massa irá oscilar para cima e para
baixo. Devido ao atrito, a oscilação irá decair, e finalmente irá cessar. Usando
um livro de Física Básica será fácil encontrar que a equação para a posição da
massa pendurada por uma mola é descrita por uma equação diferencial seme-
lhante à . Usando (com as devidas
unidades), podemos encontrar o movimento da massa.

64
Equações diferenciais unidade III

O polinômio característico é , com raízes . Então, a so-


lução geral é

Suponha que sabemos que . Então, teremos

Logo, .

Reescrevendo

E, usando a propriedade trigonométrica


,chegamos a

Isto quer dizer que a função cosseno é deslocada para a direita por um
ângulo β, ângulo de fase e tem a função de diminuir a amplitude à
medida que o tempo avança.

Exemplo 3.10

Encontrar a solução para o e .

O polinômio característico é . Então, há duas raí-


zes iguais r = s = 2 e a solução geral é

Substituindo t=0, obtemos

E, aplicando a segunda condição

Logo, A = -3 e B = 7. E a solução particular é

65
unidade III Equações diferenciais

Agora, vamos considerar a forma não homogênea das equações diferenciais


lineares de 2ª ordem.

3.3.1  Equação linear de 2ª ordem

As equações diferenciais lineares de 2ª ordem possuem a forma


, com a, b e c constantes.

Note que se a = 0, recai-se sobre uma equação linear de 1ª ordem. E, que se c


= 0, podemos resolvê-la novamente como uma equação linear de 1ª ordem, fazendo
, encontrando h, e então resolver para y. Vamos examinar alguns
exemplos com c ≠ 0.

Suponha que e são soluções para a EDO , e con-


sidere a função . Se substituirmos essa expressão no lado esquerdo da
equação diferencial e a simplificarmos, teremos

Então, h é a solução para a equação homogênea . Como já


sabemos como encontrar h, com somente uma solução particular y2, podemos en-
contrar todas as soluções possíveis y1, ou seja, , onde h é agora a solução
da equação homogênea. Claro, como você já deve ter percebido, é o mesmo proce-
dimento que adotamos para solucionar equações lineares de 1ª ordem.

Para tanto, é necessário que saibamos um método para encontrar a solução y2.
Isto acaba sendo um pouco mais difícil que o caso de 1ª ordem, mas, se a função f(t)
tem certas características, podemos utilizar o método dos coeficientes a determinar,
também conhecido como método dos coeficientes indeterminados.

A ideia do método é obter uma solução particular yp (t) que possa ser escrita
como uma combinação linear de um conjunto linearmente independente de fun-
ções. O problema fica bem mais simples quando esta função f(t) tem alguma das
formas abaixo:

1. Polinômio de grau n na variável independente

A solução procurada deverá ter a forma:

66
Equações diferenciais unidade III

2. Múltiplo de uma função exponencial

A solução procurada deverá ter a forma:

3. Combinação linear das funções cos (kt) e sin (kt)

A solução procurada deverá ter a forma:

4. Soma das formas anteriores

A solução procurada deverá ter a forma:

5. Produto das formas anteriores

A solução procurada deverá ter a forma:

Se as funções sugeridas já apareceram na solução geral da equação homo-


gênea associada, então a sugestão para a nova função deverá ser a mesma função
sugerida, multiplicada por t. Caso a função não sirva, multiplique por t2 e se não fun-
cionar, vá aumentando o expoente de t. Veja alguns exemplos:

Exemplo 3.11

Resolva a equação diferencial .

A solução geral para a equação homogênea é . Pode-


mos assumir que a solução para a equação não homogênea se parece com
, que é um polinômio quadrático . Substituindo
este “chute consciente” na equação, obtemos

Portanto,

67
unidade III Equações diferenciais

Este sistema de equações não é difícil de ser resolvido e nos dá a solução


a = -3, b = 1 e c = -2. Portanto, a solução particular será .

Logo, a solução geral para a equação diferencial, ,é

Então, o “chute consciente” é sempre uma função com a mesma forma de f(t),
mas com coeficientes indeterminados. Isso funciona sempre que f(t) é um polinômio.
E, funciona quase sempre que f(t) tem uma forma conhecida.

Exemplo 3.12

Encontre a solução da equação diferencial .

O polinômio característico é , por-


tanto, as raízes são -5 e -2, e solução geral para a equação homogênea é
. Vamos adivinhar que a solução não homogênea é Ce3t. Subs-
tituindo nosso palpite na equação, obtemos

Quando C = 1/40 isto é igual a f(t) = e3t, logo a solução geral será

Exemplo 3.13

Encontre a solução da equação diferencial .

Do exemplo anterior, sabemos que solução geral para a equação homo-


gênea é . Como no exemplo anterior, tentemos a solução
não homogênea é . Porém, já possuímos uma parcela semelhante na
solução homogênea , e, portanto não acrescenta informação. Então,
um palpite melhor será , assim

Quando C = -1/3, temos a solução geral

68
Equações diferenciais unidade III

Existem outros métodos para a resolução de equações diferenciais lineares de


segunda ordem, como o método de variação de parâmetros, por exemplo, o qual é
uma ferramenta mais poderosa para a resolução de EDOs. Porém, tal método pode
tornar a busca pela solução bastante complicada, dado que nem sempre as antideri-
vadas são intuitivas, ou existem em tabelas . A ideia foge um pouco do escopo deste
livro didático, mas fica como sugestão para aprofundamento no assunto.

Como mencionado anteriormente, o mais importante é identificar a forma da


EDO, e a partir daí, pesquisar sobre o melhor método para solucioná-la. As EDOs são
uma ferramenta importantíssima para as engenharias, e a maior parte dos proble-
mas modelados por elas possui uma solução disponível na literatura.

3.4  Aplicações à engenharia

Vamos ver algumas aplicações corriqueiras de EDOs na Engenharia.

3.4.1  Vibração de um prédio sob uma força externa

Suponha uma viga de massa m sustentada por colunas de constante elástica k,


e que apresenta constante de amortecimento c (dissipações em calor, som etc). Ago-
ra, imagine que uma força externa atue sobre a viga, digamos vento, com uma força
variável no tempo F(t), como mostra a Figura 3.1.

Figura 3.1- Viga sustentada por colunas oscilando sob ação de uma força externa .

Fonte: XIE, 2010, p.189.

69
unidade III Equações diferenciais

O movimento do sistema é governado pela segunda Lei de Newton e, portanto

Ou ainda, para uma forma mais familiar,

Que é uma equação diferencial não homogênea linear, a qual aprendeu a so-
lucionar há pouco.

3.4.2  Circuitos elétricos

Circuitos elétricos são sistemas dinâmicos que apresentam grandezas que va-
riam com o tempo, como corrente e/ou tensão. Então, nada mais natural que os
mesmos sejam modelados por EDOs.

3.4.2.1  Circuitos RC

Em série: a Lei de Kirchhoff para voltagem nos diz que a soma das tensões nos
componentes do circuito é nula, então

A qual, derivando-se com relação a t, nos dá

ou

70
Equações diferenciais unidade III

Sendo τ = RC, a constante de tempo do circuito e .

Em paralelo: a Lei de Kirchhoff para corrente nos diz que a soma das correntes
que entram e saem dos nós é nula, então

ou

Em resumo, os circuitos RC são modelados por EDOs de 1ª ordem.

3.4.2.2  Circuito RLC em série

Um circuito elétrico contendo um resistor R, um indutor L e um capacitor C em


série no qual é aplicada uma voltagem V, está sujeito também à Lei de Kirchhoff para
Voltagem, que diz que

Diferenciando com relação a t

Ou, em sua forma mais usual,

Sendo .

Portanto, os circuitos RLC em série são equivalentes aos sistemas massa-amor-


tecedor-mola e também modelados por uma EDO de 2ª ordem.

71
unidade III Equações diferenciais

Outros exemplos podem ser encontrados no livro do Xei referenciado


no final da unidade. Você vai perceber que uma infinidade de proble-
mas cotidianos da Engenharia são modelados por EDOs. Consulte os
livros sempre que precisar descrever um problema, com certeza irá
encontrar algum exemplo similar ao que deseja resolver.

Aprendemos que:

As equações diferenciais são a principal ferramenta matemática no dia


a dia de um engenheiro. Elas descrevem fenômenos naturais e humanos
com particularidades que tornam possível a modelagem e previsão do
comportamento desses sistemas. Desde a decolagem, voo e aterrissagem
de aviões, o movimento de carros e comportamento de suas suspensões,
sustentação de vigas, cabos e pontes, até as oscilações de estruturas e em
circuitos elétricos podem ser descritas por meio de EDOs. A grande maioria
das EDOs possui técnicas de resolução já estabelecidas e você poderá en-
contrá-las facilmente nos livros especializados.

Referências da unidade III

NAGLE, R. Kent. Equações Diferenciais. São Paulo, SP: Pearson - Longman, 2013.
579 p.

STEWART, James; MORETTI, Antonio Carlos; MARTINS, Antonio Carlos Gilli (Trad.).
Cálculo. vol 2, São Paulo, SP: Cengage Learning, 2011. Cap. 9. 536 - 1077 p.

Xie, Wei-Chau. Differential Equations for Engineers. New York: Cambrigde University
Press. 2010. 568 p.

ZILL, Dennis G. Equações Diferenciais - Com Aplicações Em Modelagem. São Paulo,


SP: Cengage Learning, 2016. 504 p.

72
Integrais múltiplas unidade IV

4 Unidade IV

Integrais múltiplas

4.1  Integrando conceitos

Quando você concluiu o Cálculo Diferencial, no final do primeiro período do


seu curso aqui na Universidade, você passou para o Cálculo Integral. As discussões
sobre as derivadas de funções de uma variável haviam terminado, e um novo con-
ceito surgia, a integral de funções de uma variável. Novamente, iremos estender o
conceito de integral para funções de mais de uma variável, a qual chamaremos de
Integrais Múltiplas.

Nesta unidade iremos desenvolver a teoria para a integração de múltiplas va-


riáveis, com foco nas integrais duplas (duas variáveis) e triplas (três variáveis). Tam-
bém veremos sua aplicação em problemas comuns à Engenharia, como o cálculo de
áreas, volumes, centros de massa etc.

Recorde-se que a integral de uma função de uma variável determina a área sob
a curva descrita pela função. Melhor dizendo, a área da região entre a curva e o eixo
x, em certo intervalo de valores. A motivação para as integrais duplas é encontrar o
volume entre a superfície descrita pela função z = f (x, y) e o plano xy, delimitado por

73
unidade IV Integrais múltiplas

uma região D. Tal região você pode entender como sendo um subconjunto do plano
xy, ou seja, uma área fechada do plano xy sobre a qual a função z = f (x, y) se projeta.
Veja a Figura 4.1.

Provavelmente, seu primeiro contato com a integral de funções de uma variá-


vel foi por meio da soma de Riemann. Aqui faremos o mesmo. A ideia é a seguinte:
aproximar a região D por pequenos retângulos e então em cada face traçar um pris-
ma retangular cuja face superior intercepta a função z = f (x, y), como na Figura 4.1. A
figura mostra a aproximação do volume entre a superfície descrita por f (x, y) = 0.2 (x2
+ y2 -1) e o plano xy, delimitada pela região D = {(x, y) : 0 ≤ x ≤ 3 , 0 ≤ y = 3}. À medida
que a região D é aproximada por retângulos cada vez menores, a soma de todos os
volumes individuais dos prismas retangulares se aproxima do volume sob a superfí-
cie, que é delimitado pela região D.

Figura 4.1 - Função f (x, y) = 0.2 (x2 + y2 -1) projetada sobre uma região D do plano xy e como o
cálculo do volume sob a curva é feito pela soma de Riemann.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Suponha que a região D é um retângulo [a, b] x [c, d]. Podemos dividir o retân-
gulo em uma grade com m divisões em uma direção (digamos x) e n na outra (diga-
mos y), como mostra a Figura 4.2.

74
Integrais múltiplas unidade IV

Figura 4.2 - Uma subdivisão retangular de [a, b] x [c, d].

Fonte: Elaborada pelo autor.

Se tomarmos os valores de x, ou seja, e similar-


mente na direção y, em cada ponto, em um pequeno retângulo, podemos
calcular a altura . A média dessas alturas deve ser (dependendo de quão fina
é a grade ) próxima à média das alturas da superfície:

Quando m e n tendem para o infinito, espera-se que essa aproximação convirja


para um valor fixo, a verdadeira altura média da superfície. E é o que acontece para
funções bem comportadas.

Podemos reescrever essa aproximação como:

Esse produto contém dois fatores importantes: nos dá a área da


região D; e as somas dos termos , que são a altura da função em
vezes a área de cada retângulo obtido na subdivisão da região D, ou seja, o volume
de cada prisma retangular, como na Figura 4.1. Observe que à medida que o número
de subdivisões tende ao infinito, a soma dos volumes desses prismas individuais ten-
de para o volume sob a superfície definida por f (x, y). Dividindo-a por
teremos a altura média da superfície limitada pela região D.

75
unidade IV Integrais múltiplas

4.2  Integrais duplas

Como fizemos no caso de funções de uma variável, podemos introduzir uma


notação especial para o limite dessa soma, ou seja,

Que é a integral dupla de f sobre a região D. A notação dA indica o elemento


infinitesimal de área, uma pequena área associada a cada valor particular de x e y,
que é mais “genérico” do que escrever dxdy. E a altura média da superfície limitada
pela região D será:

Você deve estar se perguntando: “Mas, como iremos calcular esta integral du-
pla?”, e imaginando que precisará de uma versão bidimensional do Teorema Funda-
mental do Cálculo, mas, na verdade, basta aplicar o que aprendemos para as funções
de uma variável duas vezes.

Vamos voltar à dupla soma e reescrevê-la dando ênfase à ordem particular em


que queremos realizar a soma dos termos

Sabemos que:

Então, fazendo m ir para o infinito, a soma se torna

Claramente, para diferentes valores de y_i, a integral terá diferentes valores,


em outras palavras, ela é uma função de y

Substituindo de volta na soma, teremos:

76
Integrais múltiplas unidade IV

E, agora, fazendo n ir para o infinito, teremos:

Para deixar mais claro o que faremos, imagine que primeiramente calculare-
mos a integral interna, temporariamente tratando y como uma constante. Iremos
encontrar a antiderivada com respeito à x, então substituiremos x = a e x = b, ava-
liando a antiderivada nos pontos e então subtraímos como de costume. O resultado
não terá mais x como variável e será uma função somente de y. Finalmente, a integral
externa se reduz a um problema de uma única variável, y.

Exemplo 4.1

A Figura 4.3 mostra a função sin (xy) + 6/5 sobre [0.5, 3.5] x [0.5, 2.5]. O
volume sob a superfície é

Resolvendo a integral interna

Infelizmente, esta função G (y) não possui uma antiderivada simples. Para
resolver o problema podemos utilizar um método numérico para encontrar
a integral. Fazendo isso, teremos que o volume é aproximadamente 8.84. E a
altura média da superfície será 8.84/6 ≈ 1.47.

77
unidade IV Integrais múltiplas

Figura 4.3 - Aproximação da função sin (xy)+6/5 por prismas retangulares (m = n = 10).

Fonte: Elaborada pelo autor.

Como a adição e a multiplicação são comutativas e associativas, podemos rees-


crever a dupla somatória original como:

Repetindo o desenvolvimento anterior, a soma interna se transforma em um


integral

E então a soma externa se torna um integral

Em outras palavras, não importa a ordem em que calculamos a integral dupla,


primeiro com respeito a x e depois com relação a y, ou vice-versa, o resultado será o
mesmo. Imagine isso como um pão caseiro que você fatia em uma direção e depois
na outra perpendicularmente, não importa a direção que você fatie o pão primeiro,
cada pedaço (prisma retangular) irá somar para o volume total, e o volume total será
sempre o mesmo.

78
Integrais múltiplas unidade IV

TEOREMA 4.1

Se uma função f (x,y) é contínua em uma região D = {(x,y) : a ≤ x ≤ b , c ≤ y = d}

Esse teorema é conhecido como Teorema de Fubini.

O que o Teorema de Fubini nos diz é que não existe ordem preferencial para
resolver uma integral dupla (ou tripla, ou múltipla de forma geral). Normalmente, es-
colhemos a ordem que torna mais prática a sua resolução, mas não existe uma regra
para isso e somente a experiência lhe dirá qual variável integrar primeiro.

Exemplo 4.2

Vamos calcular

onde D = [0,3] × [0,2], de duas formas:

Integrando primeiro em y,

E, integrando primeiro em x,

Em alguns casos, uma direção pode ser mais fácil de resolver do que a outra,
então será interessante considerar ambas as possibilidades.

79
unidade IV Integrais múltiplas

Frequentemente, estaremos interessados em uma região que não é retangu-


lar, ou seja, a região D de integração não terá valores fixos, e sim será delimitada ou
por uma função de x ou uma função de y. Por exemplo, vamos calcular o volume sob
a superfície e sobre a região descrita por e , como
mostra a Figura 4.4.

Figura 4.4 - Região parabólica de integração descrita por 0 ≤ x ≤ 1 e 0 ≤ y ≤ x2.

Fonte: Elaborada pelo autor.

A princípio não há nada de difícil sobre esse problema. Se você imaginar no-
vamente a fatia de pão, só que agora, ao invés de fatiarmos em retângulos, iremos
cortar fatias perpendiculares a x, mas cuja altura em y segue uma forma parabólica
(Figura 4.4), as quais irão somar para o volume total.

Por exemplo, se fatiarmos perpendicularmente ao eixo x em xi, a espessura da


fatia será ∆x e a área da fatia será:

Assim, quando somarmos e tomarmos o limite em ∆x tendendo a zero, tere-


mos a dupla integral

80
Integrais múltiplas unidade IV

Poderíamos também fatiar perpendicular ao eixo y, neste caso teríamos:

Note que tivemos que trocar os limites de integração, uma vez que alteramos
a ordem da mesma. Pois se, 0 ≤ x ≤ 1 e 0 ≤ y ≤ x2, teremos, para conservar os valores
numéricos, que 0 ≤ y ≤ 1 e √y ≤ x ≤ 1.

Como anteriormente, o volume dividido pela área da região D nos dá a


altura média da superfície limitada pela região, mas agora precisamos
integrar a área da base, já que a mesma não é mais simplesmente um
retângulo. A área é:

Então, a altura média será (29/84) / (1/3) = 29/28.

81
unidade IV Integrais múltiplas

Exemplo 4.3

Encontre o volume sob a superfície , e sobre o triângulo


e o eixo x.

Primeiramente, os limites de integração, os quais serão, 0 ≤ x ≤ 1 e 0 ≤ y ≤ x.


Agora, vamos considerar duas possibilidades para resolver a integral dupla:

Qual parece mais simples, é a questão. Na primeira, a integral interna


é simples, pois precisamos da antiderivada com relação a y, e todo o radical
pode ser considerado constante. Já na segunda, a integral interna pode
ser bastante trabalhosa envolvendo uma substituição trigonométrica. Então,
vamos tentar resolver a primeira, que nos dá:

A qual é bastante simples de resolver, fazendo u=1-x^2, chega-se a:

Então,

Este é um bom exemplo de como a ordem da integração pode afetar a comple-


xidade da resolução do problema. Neste caso é possível resolver utilizando a outra
possibilidade, mas a resolução aumentará em muito o trabalho. Em outros casos
pode ser impossível resolver o problema analiticamente. Por isso, é sempre bom
avaliar as duas possibilidades antes de começar a resolução.

4.2.1  Integrais duplas em coordenadas cilíndricas

Suponha que a superfície em estudo seja dada em coordenadas cilíndricas,


ou seja, z = f (r, θ) e desejamos encontrar a integral sobre uma região. Poderíamos
mudar de coordenadas de cilíndricas para retangulares, com as quais já estamos
mais habituados, mas normalmente é mais simples continuar a integração utilizando

82
Integrais múltiplas unidade IV

coordenadas cilíndricas.

Mas, como podemos aproximar o volume sob uma superfície e sobre uma
região de forma a utilizar coordenadas cilíndricas diretamente? A ideia básica é a
mesma usada anteriormente: dividir a região em pequenos pedaços, multiplicar a
área de cada pequena região pela altura da superfície que se encontra sobre ela e
somá-las. O que muda é a forma das “pequenas regiões”. Para fazer uma boa repre-
sentação em r e θ, utilizamos pequenas áreas em forma de anel, como representado
na Figura 4.5.

Figura 4.5 - Uma grade em coordenadas cilíndricas.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Cada uma dessas áreas é aproximadamente retangular, exceto pelo fato de


que dois dos lados que são compostos por arcos de circunferência, e os outros dois
não são exatamente paralelos. Próximo ao ponto (r, θ), nesta grade, o comprimento
do arco é aproximadamente r∆θ e o comprimento da linha reta é ∆r. Quando ∆θ e ∆r
são muito pequenos, esta área será muito aproximada a um retângulo de área r∆r∆θ,
e o volume sob a superfície é aproximadamente

Que no limite se torna a integral

83
unidade IV Integrais múltiplas

Exemplo 4.4

Encontre o volume sob a superfície , e sobre o primeiro qua-


drante e o círculo .

Em termos de r e θ os limites de integração são .


Então, temos:

* A superfície é a porção de uma esfera de raio 2 centrada na origem, de


fato é exatamente um oitavo da esfera. Conhecemos a fórmula para o volume
da esfera como sendo , então o volume desta porção da esfera será
, que está em concordância com nosso resultado.

O Exemplo 4.4 é bastante similar ao que fizemos com coordenadas retangu-


lares: a região de interesse é descrita por limites constantes de integração. Como
fizemos com as coordenadas retangulares, podemos adaptar o método para lidar
com regiões mais complicadas.

Exemplo 4.5

Encontre o volume sob a superfície , e sobre a região fecha-


da pela curva .

A região é descrita em coordenadas polares pelas desigualdades


. Então, temos:

Podemos reescrever a integral desta forma por causa da simetria do vo-


lume, isto evita complicações durante a resolução.

84
Integrais múltiplas unidade IV

As integrais duplas também são úteis para se calcular a área de uma região.
Considere uma superfície z = 1, um plano horizontal. O volume sob esta superfície e
acima do plano xy é simplesmente 1 multiplicado pela área da região limitante. En-
tão, na verdade, calculando-se o volume sob esta superfície estaremos calculando a
área da região limitante.

Exemplo 4.6

Encontre a área fora do círculo r = 2, e dentro de r = 4 sinθ, como mostra


a figura abaixo.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Veja que r = 2 = 4 sin θ implica em sin θ = que acontece em θ = e em


θ= . Portanto, a região é descrita em coordenadas polares pelas desigualda-
des . Então, temos:

85
unidade IV Integrais múltiplas

Não só a área de uma região pode ser calculada pela integral dupla.

4.2.2  Momento e centro de massa

Utilizando a integral simples éramos capazes de calcular o centro de massa de


um objeto unidimensional com densidade variável, e de um objeto bidimensional
com densidade constante. Com a integral dupla seremos capazes de manusear obje-
tos bidimensionais (como lâminas) com densidades variáveis.

Assim como antes, as coordenadas do centro de massa do objeto são:

Onde M é a massa total, My é o momento em torno do eixo y e Mx é o momento


em torno do eixo x.

A chave para o cálculo é a aproximação da massa total. No caso bidimensional


(com duas variáveis), trataremos a densidade σ como massa por unidade de área,
quando a densidade é constante a massa total da lâmina, é simplesmente densi-
dade multiplicada pela área (M = σA). Se a lâmina tem densidade variável, como uma
função σ (x, y), podemos dividir a região abaixo da superfície (ou lâmina) em peque-
nas áreas ∆A, então a massa da sub-região será σ (xi, yi) ∆A. E a massa total da lâmina
é aproximadamente a soma de todas as sub-regiões, e em termos do limite dessa
soma encontramos a forma integral:

Assim, o momento dessa lâmina com relação a cada um dos eixos será:

E que podem ser convertidas similarmente para coordenadas cilíndricas.

86
Integrais múltiplas unidade IV

Exemplo 4.7

Encontre o centro de massa de uma placa fina que ocupa um quarto do


círculo x2 + y2 ≤ 1, ou seja, seu primeiro quadrante, e tem densidade k (x2 + y2).

Parece claro que, devido à simetria circular entre a região e a função de


densidade, . Vamos calcular ambas as quantidades para checar nosso
trabalho.

Primeiramente, vamos aos limites de integração, em que a região é o cír-


culo , portanto, . Assim,

Essa integral pode ser resolvida, mas é bastante trabalhosa. Como todo o
problema está relacionado com um círculo, vamos voltar atrás e experimentar
com coordenadas polares, onde e os limites de integração se res-
tringirão a , portanto:

Muito mais fácil não?! Fazendo y = r sin θ

Similarmente, para x = r cos θ,

Finalmente, .

Dependendo da simetria do problema, algumas vezes torna-se muito com-


plicado resolvê-lo em coordenadas retangulares e uma mudança de siste-
ma de coordenadas poderá tornar a resolução bem mais agradável, como
vimos agora pouco. Em alguns casos esta será a única forma de resolver
o problema.

87
unidade IV Integrais múltiplas

4.2.3  Área superficial

Podemos utilizar a integral dupla também para calcular a área de uma superfí-
cie acima ou abaixo de uma região no plano xy. Podemos começar dividindo a região
em uma grade de pequenos retângulos como fizemos até agora. Queremos apro-
ximar a área da superfície sobre um desses pequenos retângulos. A área é muito
próxima da área do plano tangente sobre o pequeno retângulo. Se o plano tangente
for horizontal, por exemplo, esta área é simplesmente a área do retângulo. Para um
plano tangente típico, esta área será um paralelogramo, como indicado na Figura 4.6.
Note que a área do paralelogramo torna-se maior conforme o plano tangente fica
“mais inclinado” (veja figura_4.6.ggb da Midiateca).

Figura 4.6 - Pequeno paralelogramo no ponto de tangência.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Recorde-se que a área deste paralelogramo pode ser calculada pela norma
do vetor normal no ponto (veja a Unidade II), , aqui multiplicado por
∆x∆y para diminuir de tamanho. Assim, seu comprimento se torna .
Logo, a área da superfície sobre uma região será dada por:

Onde, como anteriormente, esses limites de integração não precisam ser cons-
tantes.

88
Integrais múltiplas unidade IV

4.3  Integrais triplas

Não é surpresa alguma que possamos realizar também integrações triplas –


integrais sobre regiões tridimensionais. A aplicação mais simples permite calcular
volumes de uma forma alternativa.

Para aproximar o volume em três dimensões, podemos dividir a região tridi-


mensional em pequenas caixas retangulares, cada uma com volume ∆ x ∆ y ∆ z. E,
então somá-las em seu limite para obter o volume:

Se os limites de integração são constantes estaremos calculando o volume em


uma caixa retangular. Por exemplo, o volume de uma caixa com vértices opostos
(0,0,0) e (1,2,3) será:

É claro que o problema se torna mais interessante quando os limites de inte-


gração não são constantes.

Exemplo 4.8

Encontre o volume de um tetraedro com vértices (0,0,0) (0,3,0), (2,3,0) e


(2,3,5), como mostra na Figura 4.7. Novamente, aqui vale a pena consultar o li-
vro do Leithold, pois precisaremos de alguns conceitos de Geometria Analítica.

Os planos formados pelos arranjos de três pontos P, Q e R definem o


tetraedro. Para obter os planos devemos tomar os vetores , o vetor
normal ao plano que passa pelos três pontos será ;eo
plano tangente será , onde
é qualquer um dos três pontos. Dessa forma, obtemos 4 planos. São eles, z=0,
, como na figura.

Assim os limites de integração serão .


E, o volume será:

89
unidade IV Integrais múltiplas

Figura 4.7 - Tetraedro do Exemplo 4.7.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Assim como fizemos para duas dimensões, podemos usar a integral tripla para
calcular a massa, o centro de massa, e várias outras quantidades que dependem da
média.

Exemplo 4.9

Suponha que a temperatura em um ponto de uma sala é dada por T =


xyz. Encontre a temperatura média da sala considerando-a como um cubo de
vértices opostos (0,0,0) e (2,2,2).

Em duas dimensões somamos a temperatura em “cada ponto” e dividi-


mos pela área; aqui faremos a mesma coisa, somente iremos dividir a soma
pelo volume do cubo .

90
Integrais múltiplas unidade IV

Assim:

Que dividida pelo volume do cubo nos dará a temperatura média


.

Exemplo 4.10

Suponha que a densidade de um objeto é dada por ρ=xz e o objeto ocupa


um tetraedro com vértices. (0,0,0), (0,1,0), (1,1,0) e (0,0,1). Encontre a massa e o
centro de massa do objeto.

Este exemplo é semelhante ao Exemplo 4.7. Primeiramente, devemos


definir os limites de integração, unindo os vértices teremos que ,
formam o tetraedro em questão.

A massa é a integral da densidade sobre a região

Agora, calculamos os momentos como anteriormente, exceto que há um


terceiro momento

E, finalmente, as coordenadas dos centros de massa são ,y


.

91
unidade IV Integrais múltiplas

4.3.1  Integrais triplas em coordenadas cilíndricas e esféricas

Anteriormente, vimos que em alguns casos integrais duplas eram simplificadas


quando mudávamos o sistema de coordenadas de retangular para polar. O mesmo
acontece para as integrais triplas, que em alguns casos serão simplificadas pelo uso
de coordenadas cilíndricas ou de coordenadas esféricas.

Quando descrevemos o uso de coordenadas polares para descrever integrais


duplas, quando falamos de coordenadas cilíndricas na subunidade 4.2.1, tivemos
que entender a forma e a área de pequenas regiões circulares, utilizando coordena-
das polares. O sistema de coordenadas cilíndricas é tão simples quanto isso, basta
acrescentar ao sistema de coordenadas polares a coordenadas z. Considere o dia-
grama da Figura 4.8.

Figura 4.8 - Integrando entre duas superfícies cilíndricas.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Um pequeno volume infinitesimal em coordenadas cilíndricas é uma região


entre dois raios r0 e r1, dois ângulos θ0 e θ1 e duas alturas z0 e z1. Podemos encontrar
o volume do sólido G, integrando sobre as “fatias cilíndricas”.

92
Integrais múltiplas unidade IV

onde ∆Vk = [área da base][altura] = rk ∆r ∆θ ∆z, que no seu limite será r d r d θ d z,


como mostra a Figura 4.9.

Figura 4.9 - Visualização do volume infinitesimal em coordenadas cilíndricas.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Exemplo 4.11

Encontre o volume sobre a superfície dada por sobre o quar-


to de círculo dentro de no primeiro quadrante.

Novamente aqui, a resolução torna-se mais simples utilizando-se coorde-


nadas cilíndricas. Poderíamos utilizar integrais duplas para resolver o proble-
ma, mas vamos usar integral tripla

Compare com o resultado encontrado no Exemplo 4.3.

93
unidade IV Integrais múltiplas

Exemplo 4.12

Um objeto ocupa o espaço entre o cilindro e a esfera


e tem densidade no ponto (x, y, z). Encontre a massa
total.

Novamente, utilizar coordenadas cilíndricas é uma boa saída, pois a esfe-


ra se torna a união de duas superfícies fazendo e cilindro
definindo os intervalos .

Utilizando coordenadas cilíndricas, e lembrando que x = r cos θ, teremos


que a massa será dada por:

Já entender as coordenadas esféricas requer um raciocínio um pouco mais


apurado. Os pequenos volumes que estaremos interessados serão definidos por ∆r,
∆ф e ∆θ, como mostra a Figura 4.10.

Figura 4.10 - Integrando entre duas superfícies esféricas.

Fonte: Elaborada pelo autor.

94
Integrais múltiplas unidade IV

As pequenas unidades de volume podem formar pequenas caixas com 4 la-


dos planos e dois curvos, como pedaços de esferas concêntricas. Quando ∆r, ∆ф
e ∆θ são pequenos, o volume dessa caixa pode ser aproximado para um cubo,
como mostra a Figura 4.11. O volume dessa pequena caixa é aproximadamente
, que no limite será .

Figura 4.11 - Pequena unidade de volume em coordenadas esféricas.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Exemplo 4.13

Suponha que a temperatura de um corpo esférico é .


Encontre a temperatura média dentro da esfera unitária centrada na origem.

Em duas dimensões adicionamos a temperatura em cada ponto e divi-


dimos pela área; agora iremos adicionar as temperaturas e dividiremos pelo
volume da esfera, .

O que é bastante complicada, porém usando coordenadas esféricas, o


problema se torna bem mais simples.

95
unidade IV Integrais múltiplas

Novamente, a mudança de sistema de coordenadas torna-se uma ferramenta


que favorece, em geral, e muito, a resolução de um problema.

4.4  Mudanças de coordenadas e o Jacobiano

O que significa mudar de coordenadas retangulares para coordenadas cilíndri-


cas ou esféricas?

É o mesmo princípio que usamos na mudança de coordenadas para fazer uma


integração de uma função de uma variável mais fácil. Por exemplo, podemos mudar
a variável de integração de x para u fazendo x = g (u), assumindo que g(u) é diferen-
ciável, obtendo:

Isto nós já sabemos e temos usado com frequência para resolver integrais
simples.

Agora, suponha que queremos converter a integral

para usar novas variáveis u e v.

No caso de uma integral simples, há tipicamente uma única razão para mudar
as coordenadas: fazer com que a integral torne-se mais fácil e, encontrar a antide-
rivada mais trivial. No caso da integral dupla há uma razão adicional: a região bidi-
mensional sobre a qual se está integrando pode também parecer bastante compli-
cada, e queremos escrever tal região em termos de u e v para que a mesma também
aparentemente seja mais simples de integrar, como um retângulo, por exemplo. É
ideal que após a troca de variáveis a nova função e a nova região de integração sejam
mais simples de resolver.

Como vínhamos fazendo, há três partes para a mudança de coordenadas: a


função em si deve ser reescrita em termos de novas variáveis u e v; dxdy tem que ser
convertido para dudv; e a região antiga deve ser convertida para a nova região, com
os respectivos limites de integração.

96
Integrais múltiplas unidade IV

Considere:

Os limites correspondem à integração sobre a metade superior de um disco,


então reconhecemos que a função iria ficar mais simples em coordenadas polares e,
normalmente, convertemos a integral para coordenadas polares

Vamos pensar neste problema como uma substituição, começando com


. Este par de equações descreve uma função do “espaço r-θ”
para o “espaço x-y”, e como ela envolve conceitos familiares não é difícil imaginar o
que elas fazem, projetam um espaço sobre o outro. É importante que essa projeção
possa ser feita nos dois sentidos, ou seja, que a função que projeta em um espaço
possua uma função inversa.

Normalmente, o que fazemos é escolher uma transformação entre espaços, de


tal forma que, no novo espaço projetado, estas áreas sejam retangulares, e assim, fa-
cilitem a resolução. A mudança de coordenadas retangulares (x, y, z) para cilíndricas
(r, θ, z) quando o problema possui simetria circular, faz com que as pequenas áreas
que serão somadas na integral sejam retangulares neste novo espaço, como mostra
a Figura 4.12.

Figura 4.12 - Mudança de coordenadas retangulares para cilíndricas envolve a mudança do


espaço x-y para o espaço r-θ.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Neste caso, quando pensamos nas coordenadas retangulares, para o proble-


ma com simetria circular, podemos pensar que se as áreas são pequenas elas se
aproximam de retângulos, mas os cantos nunca formam ângulos retos, a área se
aproximaria mais de um paralelogramo. Conhecemos uma forma inteligente para
calcular a área deste paralelogramo: calcular o produto vetorial entre dois vetores.

97
unidade IV Integrais múltiplas

Se olharmos para as arestas não curvas do quase paralelogramo no es-


paço , ou seja, com um valor fixo , podemos escrevê-las como um ve-
tor , cujo vetor tangente será , e
a aresta terá comprimento igual ao vetor . Olhando agora para
a aresta curva, ou seja, com um valor , podemos escrevê-la como um vetor
, cujo vetor tangente será , e a aresta
terá comprimento igual ao vetor .

Assim, a área do paralelogramo para certa posição será o comprimento


do produto vetorial

Ou seja, . Podemos dizer então que a área de cada quase paralelogramo


é aproximadamente .

Em geral, a substituição começa com equações do tipo e .


Para converter os limites de integração é necessário saber como f e g transformam
o plano no plano . E os pequenos vetores que irão determinar as peque-
nas áreas serão . O produto vetorial é ,
com comprimento . A quantidade |f_u g_v-g_u f_v | é normalmente
denotada por:

E é chamado de Jacobiano. Então, o Jacobiano é o fator que garante que a


conversão de um sistema de coordenadas para o outro manterá as unidades de área
e, portanto, que mesmo após a transformação, o resultado da integral dupla será o
mesmo.

Assim, a mudança de coordenadas para a integral dupla será:

Observe que os limites de integração mudam a forma da região D para uma


região E.

98
Integrais múltiplas unidade IV

Exemplo 4.14

Integrar sobre a região .

A equação descreve uma elipse, e a região de integração é o


interior desta elipse, como mostra a figura abaixo.

Figura 4.13 – Elipse x2 - xy + y2 ≤ 2.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Vamos utilizar a transformação e . Subs-


tituindo na função obtemos:

Os limites de integração são definidos por que no plano


, que representa um círculo unitário, ou
seja, a mudança de coordenadas faz a região de integração mais simples.

Em seguida calculamos o Jacobiano, usando e


,

E a integral se torna:

onde é o interior do círculo unitário. Ainda não é uma integral simples,


mas se transformarmos para coordenadas polares será trivial.

99
unidade IV Integrais múltiplas

Há uma fórmula similar para a mudança de coordenadas para integrais triplas,


mas um pouco mais trabalhosa para derivar. Suponha que usamos três funções de
substituição x = f (u, v, w), y = g (u, v, w) e w = h (u, v, w), assim o Jacobiano será:

Então, a integral tripla é transformada como:

Onde, é claro, a região S no espaço u v w corresponde à região R no espaço x y z.

As aplicações de integrais múltiplas nas engenharias concentram-se na base de


suas atividades, como: encontrar áreas, volumes, massa de vários objetos ou corpos
somente tomando pequenas partes deles. E são aplicáveis em várias áreas, como o
preparo de uma máquina, ou de peças que nela devem se encaixar, e que os tama-
nhos, como área de seção e volume são muito importantes.

Na Engenharia Civil, por exemplo, o uso de integrais duplas e triplas para o


cálculo de centros de massa são fundamentais para se estabelecer onde se deve po-
sicionar vigas e pilares de sustentação. Já na Engenharia Elétrica, elas são fundamen-
tais para se resolver problemas relacionados ao Teorema de Stokes e ao Teorema
da Divergência.

Aprendemos que:

Uma das aplicações mais importantes das integrais múltiplas em Engenha-


ria, particularmente em civil e mecânica, é a determinação de proprieda-
des de lâminas (no caso 2D) e de sólidos (no caso 3D) como seus volumes,
massas, centro de gravidade, momento de inércia etc.

Aprendemos também que a resolução de problemas que envolvem as inte-


grais múltiplas similarmente ao caso unidimensional exige uma mudança
de coordenadas para resolvê-los. E que essa mudança de sistema de coor-
denadas pode ser feita facilmente utilizando-se o Jacobiano de transfor-
mação.

As Integrais Múltiplas são ferramentas matemáticas importantíssimas no


dia a dia de um engenheiro, que aliadas às EDOs formam o arcabouço
de conhecimento que o profissional deve dominar para ser bem sucedido
profissionalmente.

100
Integrais múltiplas unidade IV

Referências da unidade IV

LARSON, Ron; ALLTASKS (Trad.). Cálculo aplicado. São Paulo, SP: Cengage Learning,
2011. 633 p.

LARSON, R.; GOLDENBERG, S. Calculus applications in engineering and science. 4


ed. New York: Brooks Cole, 1989.

LEITHOLD, Louis. O cálculo com geometria analítica. vol.1. 3. ed. São Paulo, SP:
Harbra&Row, 1990. 1-908.

______. O cálculo com geometria analítica. vol. 2. 3. ed. São Paulo, SP: Harbra&Row,
1990. 909-1174.

STEWART, James; MORETTI, Antonio Carlos; MARTINS, Antonio Carlos Gilli (Trad.).
Cálculo. vol 2. São Paulo, SP: Cengage Learning, 2011.

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